Gostaria de partir de uma afirmação que poderia aparecer estranha,
mas que é para mim muito importante e que resume o que vou dizer: “ nem tudo é detalhe, mas os detalhes estão por toda parte”. Dos detalhes, em geral, nó pensamos duas coisas opostas: que eles são e não são importantes. Eu gostaria, hoje, aqui, de compreender como esse contraste é uma falsa impressão e – por meio de algumas reflexões de Warburg, Benjamin, Kracauer, Bachelard e alguns historiadores – como seria possível pensar nos detalhes sem se deixar tomar pelo valor exclusivo de uma outra dessas posições. Com efeito, se começamos a pensar nos detalhes, não sabemos mas do que falamos. Qual é aimportânca dos detalhes? E o que é um detalhe para que ele seja ou não seja importante? Seguidamente, nós nos concentramos nos detalhes, mas nós raramente nos vemos pensando-os ( nós pensamos antes “ a partir deles”) Uma das características do detalhe é, desse modo, evitar a atenção, no duplo sentido de ser imperceptível e de absorver completamente a concentração, tornando-se assim a coisa mais importante ( e, portanto, desaparecendo enquanto detalhe) o que gostaríamos de fazer aqui é pensar os detalhes para que eles sejam o que são.
Primeiro aspecto: valorização
O ser humano que fábrica coisas buscar fazer bem seu trabalho. Atenção ao detalhe é, de fato, um indício de expertise não somente para as obras construídas material ou artisticamente, mas também para as obras intelectuais, para o engajamento racional, para o estudo e a atenção. O comentário de um erudito pode ser detalhado. O trabalho de um artesão pode ser preciso “ até os mínimos detalhes”, assim como o trabalho de um artista que cuida dos detalhes da mesma maneira que se preocupa com o conjunto no qual eles aparecem. O detalhe torna-se o indício de uma qualidade valorizada no alto nível, logo, digno do mais alto respeito. Em nossa linguagem publicitaria atual, a atenção aos detalhes é seguidamente utilizada como um indício da qualidade dos produtos oferecidos, quer se trate de um carro, de uma roupa ou de uma ferramenta. Além disso, os detalhes de um rosto o individualizam como uma singularidade. A natureza, em geral, é generosa em detalhes e cada detalhe possui sua importância particular. Segundo aspecto: desvalorização Todavia, as coisas se revelam imediatamente mais complicadas. Se as ciências tentam explicar os fenômenos naturais sem negligenciar os detalhes, se elas podem entrar nos detalhes de um objeto de estudo, frequentemente elas não bastam para nos convencer de que cada detalhe tem a sua importância real. Há detalhes, na natureza e nas obras do homem, que realmente parecem insignificantes. Com efeito, as ciências, mais ainda a filosofia, dividem o conhecimento humano segundo valores de generalização ascendente ou descendente que vão do geral ao particular, favorecendo evidentemente o primeiro termo em detrimento do segundo. As teorias e as leis científicas devem deixar de lado os detalhes para serem válidas. A própria formulação de uma lei não permite levar em conta os casos individuais: sua validade geral implica a ignorância dos detalhes, senão sua eliminação. Na formulação de uma lei e na organização de uma teoria, o detalhe é deliberadamente negligenciado, pois ele entravaria – até mesmo negaria – a normatividade da própria lei. A teoria, com as leis que contêm, subsume os detalhes sob o geral: explicar e conhecer bem alguma coisa é. Inevitavelmente, reduzi-la a uma lei geral, inserindo-a em um conceito ou em uma categoria, válida muito além do caso particular examinado. A natureza é tão rica em detalhes que seria difícil, senão absurdo, buscar uma regra específica e um nome próprio para cada um deles (o escritor argentino Jorge Luís Borges construiu sobre esse problema muitas de suas maravilhosas histórias visionárias). O desenvolvimento das ciências, desde o século XVII, confirma que nossos conhecimentos são sempre inevitavelmente sintéticos, mesmo se quisermos ser extremamente analíticos. Nenhum intelecto humano jamais poderia ( ou teria necessidade) de analisar “ em todos os detalhes” cada fenômeno. O senso comum se soma a isso quando utiliza a expressão “ uma questão de detalhe”, a saber, problemas considerados acessórios em relação a uma questão central: prender-se aos detalhes seria apenas uma perda de tempo. Certamente, trata-se de uma noção de não-pertinência relativa, porque ela está sempre ligada a um problema julgado importante, central, em relação ao qual considerações acessórias podem (ou devem) ser negligenciadas. Nesses casos, o detalhe é considerado como um obstáculo. Ele é axiologicamente “desprezado”, embora com frequência seja precisamente a partir desse desprezo que se desencadeiem batalhas teórico-políticas em razão da relatividade inevitável da valorização.