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Prof.

Maria Dulce Reis


A SOFÍSTICA
Identidade:
A “sofística antiga” é um termo utilizado pelos filólogos alemães Diels & Kranz (fins séc.
XIX- séc.XX) para os fragmentos de textos cujas fontes se referem a Protágoras,
Górgias, Xeníades, Licofronte, Pródico, Trasímaco, Hípias, Antifonte, Crítias, até então
espalhados em livros de retórica e de literatura.
Consta que o doxógrafo Filostrato (séc. II- III d.C.) escreveu uma “Vida dos sofistas”
narrando fatos da vida dos oradores e filósofos da época do Imperio Romano, a
“segunda sofística”, e relacionando-os com os “primeiros sofistas”.
Os sofistas são também personagens que dialogam com o Sócrates personagem dos
textos platônicos, aí criticados por sua suposta sabedoria e pelos seus supostos
ensinamentos (a virtude).
Os sofistas são considerados filósofos? A diferença de sentido entre “sábio”, “sofista” e
“filósofo” é objeto de polêmica desde a época de Platão e Isócrates, até os dias atuais.

Contexto político-cultural:
Os sofistas dirigiram-se à Atenas no contexto cultural grego do século V a. C., em que a
organização democrática passa a exigir uma formação dos jovens (sobretudo em
gramática e retórica) para sua participação política como cidadãos nos Tribunais e
Assembleias.
A atividade da sofística fez diminuir o poder da aristocracia, ao formar jovens para uma
virtude não mais ‘de sangue’. Considerados mestres da retórica, da arte do discurso,
visavam a um saber prático.
Os debates realizados para um amplo público contribuíram para colocar em foco o
tema da linguagem: seu uso, seu alcance sua importância, seu poder de
questionamento e de convencimento.
Começam o chamado período humanista (valorização do homem e de suas produções)
e iluminista grego (confiança na razão, liberdade de espírito).
Mostraram que os resultados da filosofia da natureza muitas vezes se contradiziam
mutuamente (monistas X pluralistas, eleatismo X heraclitismo). Deslocam, portanto, o
debate sobre a natureza e o princípio de todas as coisas (a phýsis e a arkhé) para um
debate sobre os valores, a linguagem, o homem, a educação, a política (igualdade,
poder, etc.). Identificam a contraposição entre natureza e costumes, convenções, leis.
Foram alvo de questionamentos por Platão, Xenofonte e Aristóteles, sobre a
fundamentação de seu saber e por receberem pagamentos por seus ensinamentos. No
embate com o Sócrates platônico, Sócrates contrapõe o bem agir (euprátein) ao
sucesso (eutykhía) pretendido pela educação sofística.

Referências Bibliográficas:
ADORNO, Sócrates. Lisboa: Edições 70, 198_.
GUTHRIE, W. K. C. Os Sofistas. Trad. João Rezende Costa. S.P.: Paulus, 1995.
MARQUES, M. Os Sofistas: o saber em questão. In: CODATO, Adriano et all. Filósofos
na Sala de Aula. S.P.: Berlendis & Vertecchia, 2007. Vol.2, p.11-45.
REALE, G. História da Filosofia Antiga. Trad. Marcelo Perine. S.P.: Loyola, 1993, v.1.
ZELLER, R. Sócrates e os Sofistas. Ed. Nova Buenos Aires, 1995.
Prof. Maria Dulce Reis
GÓRGIAS
Leontina, Sicília. (+- 490/480 – 380 a. C.)
Principais obras: “Sobre a Natureza ou Sobre o não-ser”; “O Elogio de Helena”;
“Technai” (manual de instrução retórica).
Teria sido discípulo de Empédocles e oposto a tese de Melisso, por sua vez discípulo de
Parmênides. Mestre de Aspásia (milesiana) que ensinou Lísides. Mestre de retórica, vai
para Atenas em 427 a. C. em missão diplomática.

Niilismo: defende que o conhecimento e o juízo são impossíveis ou inexprimíveis. “Não


existe o ser, nada existe. Se existisse o ser, ele não seria compreensível, e se o fosse,
não seria exprimível” (DK 82B3). [Se o ser ‘é’, o não-ser ‘é’, mas o não-ser ‘não existe’,
e ser e não-ser ao mesmo tempo é absurdo.] Não haveria um critério de verdade, não
há verdade (nem relativa). Mesmo que o ser existisse, permaneceria incognoscível e
inexprimível. Em contraposição ao Eleatismo, que sustentava que pensar é pensar o
ser, Górgias argumenta que há conteúdos de pensamento que são irreais. Portanto,
não existem e não podem ser conhecidos. Pensar não é apreender o ser. Assim,
também, a palavra não pode significar, de modo verdadeiro, seja o ser, seja uma coisa
que seja diferente dela própria, o não-ser. Então como exprimir o que você escuta ou
vê? O ser é inexprimível. Ex: a palavra ‘um’ não expressa o ser do um; e o ‘um’ não
expressa o dois. [A contraposição do Sócrates platônico a Górgias é: pensar é diferente
de ser e de também de dizer, que, por sua vez, é diferente de dizer a verdade]. (Cf.
Reale, 1993, v.1., p.211...; Guthrie, 1995, p.185...)
Virtude: Górgias não prometia ensinar a virtude, nem a definia, propunha formar bons
oradores. A virtude seria relativa a cada homem, ação, idade.
A retórica: se não há verdade absoluta nem relativa, se a palavra não está ligada a
conhecimento, deve-se explorar os seus efeitos, o seu poder sobre os outros, sua
capacidade de levar ao sucesso o agente, o seu uso político (nos tribunais, no conselho
na assembleia). A palavra cria sentimentos, ilusões, enganos, e isso é elogiado por
Górgias como sabedoria. É útil o que é prazeroso, e não necessariamente o que é
benéfico. A retórica é a arte da persuasão e do discurso (lógos), do convencimento,
pela persuasão, para Górgias. [Opõe-se ao Sócrates platônico: formação das almas].
Teria sido mestre de Isócrates, Antístenes e Alcidamas, e influenciado vários políticos.
PROTÁGORAS Prof. Maria Dulce Reis
Abdera (+-491/481 – +-420/400 a. C.)
Principais obras: “Antilogias”, “Sobre a Verdade”; “Arte da Erística”.
O mais famoso e, talvez, o mais antigo dos sofistas profissionais. Amigo de Péricles.
RELATIVISMO/SUBJETIVISMO: a realidade é relativa a cada homem singular. “O
homem é a medida de todas as coisas, das que são pelo que são, e das que não são,
pelo que não são” (DK 80B1; 80a1). Medida equivale a critério (relativo ao sujeito).
Protágoras nega a existência de um critério que diferencie o verdadeiro do falso, o ser
e o não-ser, o justo e o injusto, etc. O critério é o indivíduo (sua experiência: frio ou
não; assim, o bem pode ser mal e, o mal, bem), ser é aparecer a mim.
ANTILOGIA: “Em torno de cada coisa existem dois raciocínios que se contrapõem entre
si” (D.L. IX, 51), DK 80 A1. Trata-se do método de oposição de várias teses possíveis
acerca de um tema. Objetivo da antilogia: discussão (não é uma teoria do
conhecimento), crítica, levar à vitória um argumento (mesmo que mais fraco), sem
definir essências. [Ex: um remédio é ruim; um remédio é bom.] (Cf. Reale, 1993, v.1)
Virtude: a excelência está na astúcia (eubolía), na habilidade no falar diante dos
tribunais e assembleias principalmente. A virtude pode ser ensinada como habilidade.
(Platão, Protágoras 318e ou D.K. 80 a 5).
Tudo o que se diz é igualmente verdadeiro (frag.2) mas, nem sempre igualmente
persuasivo, daí cabe ao mestre “tornar melhor o pior discurso” (frag.6), ensinando ao
discípulo a “procurar a expressão mais persuasiva desta verdade” (Capizzi), uma maior
eficácia em gerar aparência verdadeira na alma do ouvinte.
Se não há uma medida única, se não há valores absolutos, o que é bom é aquilo que
for mais útil (e que será relativo), conveniente (pragmático) e que parecer ser bom
(habitual). O bem é o útil e o mal é o prejudicial. [A crítica de Platão é que haveria um
padrão de melhor e pior: “há aparências melhores que outras” (Teeteto 167b)].
AGNOSTICISMO TEOLÓGICO: sobre os deuses, nada se pode conhecer. “Sobre os
deuses, não tenho possibilidade de afirmar nem que são, nem que não são” (frag.4).
Crítica posterior: segundo Guthrie (p.174), para Aristóteles, a realidade é que deve
medir os nossos conhecimentos e o valor deles. O conhecimento não determina as
coisas, ele reconhece uma natureza (das coisas) já determinada. Há uma realidade
permanente (a ousía).

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