Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Eduardo Viveiros de Castro dispara: iludido por noção ultrapasada de progresso, Brasil pode desperdiçar oportunidade única de propor novo modelo civilizatório
Entrevista a Júlia Magalhães
“É preciso insistir no fato de que é possível ser feliz sem o frenesi de consumo que a mídia nos impõe”, reafirma o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, à jornalista
Júlia Magalhães. Para ele, assim como para Fernando Meirelles e Ricardo Abramovay – primeiros entrevistados da sério Outra Política – a felicidade pode ter outros
caminhos. O novo diálogo é parte da série que o Instituto Ideafix produziu por encomenda do IDS (Instuto Democracia e Sustentabilidade), e que o site publica na
seção especial “Outra Política“.
Pesquisador e professor de antropologia do Museu Nacional (UFRJ) e sócio fundador do Instituto Socioambiental (ISA), Viveiros insiste em que só pela educação
avançaremos rumo a uma sociedade mais democrática. “A falta de educação é o nó cego responsável por esse conservadorismo reacionário de boa parte da
população”, diz ele. Vai além: arrisca dizer que haveria uma conspiração para impedir os brasileiros de ter acesso a educação ou conexão de à internet de qualidade –
conquistas que permitiriam ampliar o acesso a produtos e bens culturais.
Ainda como Meirelles e Abramovay, Viveiros insiste em políticas que reduzam a desigualdade e favoreçam novos padrões de consumo. “É um absurdo afirmar que
produzir mais carros é sinal de pujança, utilizar esse dado como indicador de melhoria econômica.”
Para o antropólogo, a mobilização pelas causas ambientais é importante, mas ainda está longe de corresponder à gravidade do problema. É preciso ampliar o universo
dos que se preocupam, lembrar “que saneamento básico, dengue e lixo são problemas ambientais”. Viveiros está alarmado: “as pessoas fingem não saber o que está
acontecendo, mas o fato é que temos que nos preparar para o pior”. O raciocínio é semelhante ao de Fernando Meirelles, diretor de Ensaio sobre a Cegueira: “Apenas
cegos, cínicos ou oportunistas recusam-se a enxergar”.
Diferentemente de Abramovay – que vê germinar um trabalho sério nas empresas e acredita que a sociedade terá força e atitude para impor limites à iniciativa
privada –, Viveiros de Castro considera que as corporações não são capazes de ir além do “capitalismo verde”, fingindo responsabilidade social e ambiental. Os dois se
alinham, contudo, na esperança depositada nas redes sociais como canais de expressão, opinião, colaboração e mobilização.
“Não existe um rumo Brasil”, alerta Viveiros de Castro, ao falar sobre a fratura que marca a sociedade brasileira contrapondo as forças vivas do autoritarismo e do
racismo aos setores que buscam a inovação. “O Brasil é um país escravocrata, racista, que não fez reforma agrária, e precisa fazê-la”, diz.
Não por coincidência, dissse o mesmo, há pouco, Mano Brown, em vídeo gravado na Ocupação Mauá, centro de São Paulo. “O Brasil está em transição, não sabe se é
um país moderno ou se está ainda em 1964. Tem uma geração de direita ainda viva – Kassab é de direita, Alckmin é de direita – que tem um modus operandi dos
caras da antiga, de usar a força, o poder.” A seguir, a entrevista (Inês Castilho).