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PAULO FREIRE E O MÉTODO DE ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS

Professor Elias Celso Galvêas

Introdução

O analfabetismo no Brasil é uma mancha que envergonha a Nação. Embora não


existam estatísticas atualizadas, acredita- se que, hoje, numa populaç ão de mais de
160 milhões de habitantes, cerca de 20% ou quase 30 milhões de brasileiros não saber
ler e escrever. Isto explica, em grande parte, o atraso cultural e o subdesenvolvimento
econômico e social do País, eis que o analfabeto é um deficiente mental, que não
convive com a civilizaç ão e não progride no trabalho nem evolui socialmente. O
analfabetismo é um fator de atraso político e altamente impeditivo do desenvolvimento
econômico- social.

Dados Gerais sobre Paulo Freire

Paulo Reglus Neves Freire nasceu em Recife, em 1921. Aos 15 anos era considerado
um estudante atrasado, que escrevia mal e errado. É impressionante o sucesso que
teve em sua carreira de educador, pois em 1970, vivendo em Genebra, dava aulas nas
Universidades suíças.

Contra seu método de alfabetizaç ão de adultos surgiram muitas críticas. O ex- reitor da
Universidade de Brasília, o físico José Carlos Azevedo, assegura que o método nem
mesmo é dele, é de professores franceses, e não funciona, é inviável. A ex- deputada
Sandra Cavalcanti considera a proposta de Paulo Freire demagógica e O Globo, em
artigo de Carlos Swan, alertava a Naç ão para o fato de que seu método era um
programa intensivo de comunização no Nordeste.

Paulo Freire é totalmente contra as idéias neo- liberais que advogam a preparação
técnica e cient ífica do aluno, para lhe dar uma profissão. “Isto é o esgotamento trágico
da educaç ão”, diz ele.

Paulo Freire, como Karl Marx, acredita que a sociedade só se transforma pela
revoluç ão, pela luta de classes. As classes dominantes impõem uma educaç ão para o
trabalho, com o objetivo de manter o homem dominado, sem escolha, sem liberdade.
Daí que a educaç ão liberadora é a “educaç ão como prática da liberdade”, cujo objetivo
é transformar o trabalhador em um agente político, que pensa, que vota, que elege
seus pares, para que eles sejam a classe dominante. “A arma do homem é a palavra.”
É através da palavra que o homem pode conquistar sua liberdade.

Paulo Freire, hoje, se dedica, exclusivamente, a participar de um curso de pós-


graduaç ão de pedagogos, na PUC de São Paulo.

Pelas suas idéias e pregação revolucionárias, Paulo Freire foi cassado pela Revolução
de 1964 e passou 16 anos no exílio. Hoje, ele é cidadão honorário de 9 cidades
brasileiras, além de Los Angeles, nos Estados Unidos, e doutor honoris causa por 28
universidades brasileiras e estrangeiras. Suas principais obras estão traduzidas em
duas dezenas de línguas, inclusive grego e chinês.

Um pouco de História

A educaç ão de adultos no Brasil ganhou maior importância a partir de 1932, com a


Cruzada Nacional de Educaç ão, seguido da Cruzada ABC, em 1952, de inspiração
evangélica. Todavia, o programa mais importante foi o MOVIMENTO BRASILEIRO DE
ALFABETIZAÇÃO – MOBRAL, criado em 1967. Em 1981, o MOBRAL foi substituído pela
Fundaç ão EDUCAR, que passou a dar prioridade ao ensino pré- escolar. Em 1990, o
Governo lançou o PROGRAMA NACIONAL DE ALFABETIZAÇÃO, praticamente sem
resultados.

Educação e Educação de Adultos – conceituação e pressupostos teórico-


práticos

Conforme assinalamos na Introduç ão deste trabalho, o Brasil ainda é, entre os países


em processo rápido de crescimento, um dos mais atrasados em matéria de educaç ão,
ostentando a cifra vergonhosa de cerca de 15% de analfabetos entre a população
adulta acima de 20 anos.

Inúmeras tentativas foram realizadas visando a alfabetizaç ão de adultos, entre as


quais se destaca o MOBRAL. Todas essas iniciativas fracassaram, inclusive a do
MOBRAL, que conseguiu alfabetizar alguns milhões de brasileiros, mas não teve
continuidade, de modo que o pouco que aprenderam foi rapidamente esquecido.

A populaç ão adulta é a que trabalha e que vota, elegendo seus representes políticos.
Daí a sua importância sob dois aspectos:

1º) com o objetivo de preparar o trabalhador para melhor desempenhar o seu


trabalho, podendo ler e interpretar os manuais de operação dos equipamentos. No
mundo moderno, o conhecimento técnico é indispensável para adquirir alguma
especializaç ão, que aumenta a produtividade do trabalhador e lhe garante melhores
salários.

2º) com o objetivo de preparar o trabalhador para o exerc ício da cidadania,


conferindo- lhe status político e lhe permitindo que, através da politizaç ão, possa
participar do poder diretamente ou através da eleiç ão de seus representantes.

A ênfase que se dá à alfabetização de adultos, nas escolas socialistas, se deve ao fato


de que só o adulto detém o poder do voto e pode influenciar politicamente.

O Pensamento pedagógico crítico de Paulo Freire - “A Pedagogia do Oprimido”, A


Educaç ão como Prática da Liberdade” e “A Pedagogia da Esperança”.

Conforme vimos antes, Paulo Freire investe contra o discurso liberal em matéria de
educaç ão, condenando a educação puramente técnica e cient ífica.
Para ele, o trabalhador precisa adquirir uma consciência política, para desempenhar
com inteira liberdade sua cidadania. É significativo o trecho da “Apresentaç ão” de seu
livro “Pedagogia do Oprimido”:

“Aos que constróem juntos o mundo humano (trabalhadores), compete assumirem a


responsabilidade de dar- lhe direç ão. Dizer a sua palavra equivale a assumir
conscientemente, como trabalhador, a funç ão de sujeito de sua história, em
colaboração com os demais trabalhadores – o povo”.

Paulo Freire considera o conceito de “educação bancária”, dizendo que o educando


funciona como um “fundo bancário”, onde o educador vai fazendo “depósitos” de
informa ç ão (arquivo). O educando memoriza os dados mecanicamente e os repete. O
educador é o sujeito do processo e os educandos são meros objetos. Citando Simone
de Beauvoir, Paulo Freire continua sua crítica, afirmando que o que pretendem os
opressores é transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situaç ão que os oprime,
e, isto, para que, melhor adaptando- os a esta situação, melhor os domine.

Por isso, a educação libertadora do homem visa a construir o diálogo, através do qual
os oprimidos possam confrontar os opressores.

A educação como ato político-sócio-cultural

Recentemente, afirmava Paulo Freire que “nos anos 60 a educaç ão era tida como
mágica, tudo podia; nos anos 70 e 80 era tida como negativa, nada podia. Agora,
talvez estejamos chegando a uma condição de humildade, aceitando que a educação
não é a chave de transformaç ão da sociedade”.

De qualquer modo, apesar dessa nova vis ão sobre a educaç ão no Brasil, Paulo Freire
sustenta que seu método é, hoje, até mais atual que há três décadas atrás.

No fundo, os educadores socialistas brasileiros entendem que a estrutura econômica


do País, comandada pelos grandes capitalistas, é que determina a estrutura do Poder
político, dividindo a sociedade brasileira em dois grupos (classes), o da minoria que
detém a riqueza e o poder e o da grande maioria que nada tem e vive à margem do
progresso.

A influência marxista foi muito grande nos meios culturais brasileiros e,


particularmente na área educacional. Conforme assinala Arnaldo Niskier, em Filosofia
da Educaç ão, “o praxis marxista assumiu várias tendências; ora é a pedagogia do
conflito, ora é a educaç ão transformadora (escola popular) ou ainda a educação
contestat ória (escola progressista).

Seus defensores atribuem à educaç ão um caráter essencialmente político.

A maioria dos críticos de esquerda considera que o sistema de educaç ão nacional foi
organizado para servir ao capitalismo e aos empresários, contra os interesses do povo
massa e, por isso, deve mudar. Mudar revolucionariamente. A crítica de fundo
socialista vai contra não só a escola tradicional, conservadora, humanística, como a
escola científica, tecnicista, cujo objetivo é preparar o homem para o trabalho.
Contrariamente, a escola político- militante, também chamada de progressista,
considera que o objetivo da educaç ão é preparar o indivíduo para o exercício da
cidadania, ou seja, para sua participaç ão política.

A obra de Paulo Freire, tem, visivelmente, essa conexão marxista. Seus principais
livros, “A Educaç ão como Prática da Liberdade”, o “Papel da Educaç ão na Humanidade”
e a “Pedagogia do Oprimido” enfocam a luta de classes, entre oprimidos e dominantes.

O Método de Alfabetização proposto por Paulo Freire

As id éias de Paulo Freire em rela ç ão ao processo de alfabetizaç ão de adultos começ a


com a crítica do sistema tradicional que tinha a “Cartilha” como base. A velha
“Cartilha” ensinava pela repetiç ão de palavras aleat órias formadas pela junç ão de uma
consoante e uma vogal.

Vejamos o caso da consoante “V”:


“Eva viu a uva
A ave é do Ivo
Ivo vai à roç a”.

Era um método abstrato, pré- fabricado e imposto. A partir daí, Paulo Freire procurou
os caminhos para encontrar um jeito mais humano de ensinar- aprender a ler e
escrever.

Conforme assinala Carlos Rodrigues Brandão, em “O que é o método


Paulo Freire”, “a educação deve ser um ato coletivo, solidário, um ato de amor”.

As “palavras geradoras”

A primeira etapa pedagógica de construç ão do método foi chamada por Paulo Freire de
vários nomes: “levantamento do universos vocabular”, “descoberta do universo
vocabular”, “pesquisa do universo vocabular” e “investigaç ão do universo temático”.

Citada por Carlos Rodrigues Brandão, vejamos o que disse Arenice Cardoso:

“O contato inicial e direto que estabelecemos com a comunidade é durante do pesquisa


do “universo vocabular – etapa realizada no campo e que é a primeira do Sistema
Paulo Freire de Educação de Adultos... Não é uma pesquisa de alto rigor científico, não
vamos testar nenhuma hipótese. Trata-se de uma pesquisa simples que tem como
objetivo imediato a obtenç ão dos vocábulos mais usados pela populaç ão a se
alfabetizar”.

Uma vez composto o universo das palavras geradoras, trata- se de exercitá- las com a
participaç ão ou co- participaç ão dos elementos da comunidade.

Na verdade, esse exerc ício é muito semelhante ao método tradicional de forma ç ão e


aprendizagem das palavras através da formaç ão de sílabas básicas.

O método prático

As palavras geradoras, como dissemos, são escolhidas após pesquisa no meio


ambiente. Assim, por exemplo, numa comunidade que vive em favela, a palavra
FAVELA é geradora porque, evidentemente, está associada às necessidades
fundamentais do grupo, tais como: habitação, alimentaç ão, vestuário, transporte,
saúde e educaç ão.

Se houver possibilidade de utilizar um “slide”, projeta- se a palavra FAVELA e, logo em


seguida a sua separaç ão em sílabas: FA- VE- LA. O educador passa, ent ão, a pronunciar
as sílabas em voz alta, o que é repetido, várias vezes, pelos educandos.

Em seguida, projeta- se a palavra dividida em sílabas, na posiç ão vertical:

FA
VE
LA

completando o quadro com os respectivos fonemas:


FA FE FI FO FU
VA VE VI VO VU
LA LE LI LO LU

A partir daí, o grupo passa a criar outras palavras, como FALA, VALA, VELA, VOVO,
VIVO, LUVA, LEVE, FILA, VILA.

Outro exemplo, adaptável ao meio ambiente, é a palavra TRABALHO OU SALÁRIO.

TRA TRE TRI TRO TRU


BA BE BI BO BU
LHA LHE LHI LHO LHU

E assim por diante, vai- se fazendo, também a forma ç ão de palavras com fonemas já
usados em palavras apresentadas anteriormente. Essas palavras constituem o que se
chama FICHAS DE CULTURA, que podem ser acompanhadas de desenhos respectivos.

Por exemplo: CA- AS


As palavras geradoras não precisam ser muitas: de 16 a 23 é o bastante. No conjunto,
elas devem atender a três critérios básicos de escolha:

- a riqueza fonêmica da palavra geradora;


- as dificuldades fonéticas da língua; e
- o sentido pragmático dos exercícios.

Na medida em que o aprendizado vai se desenvolvendo, forma - se um “circuito de


cultura entre educadores e educandos, possibilitando a colocaç ão de temas geradores
para discussão através do diálogo.

Dessa forma, o objetivo da alfabetização de adultos vai levando a educando à


conscientização dos problemas que o cercam, à compreensão do mundo e ao
conhecimento da realidade social. Fica claro, então, que a alfabetizaç ão é o início do
programa de educaç ão.

Uma idéia desse contexto pode ser visualizada na discussão da palavra geradora
SALÁRIO. Vejamos:

1) Idéias para discussão:

- valorizaç ão do trabalho e recompensa;


- finalidade do salário: manutenção do trabalhador e de sua família;
- horário de trabalho;
- o salário mínimo, o 13º salário;
- repouso semanal e férias.

2) Finalidade da conversa:

- discutir a situaç ão do salário dos trabalhadores;


- despertar no grupo o conhecimento das leis trabalhistas;
- levar o grupo a exigir salários justos.

Evidentemente, o sentido pedagógico do método Paulo Freire é a politizaç ão do


trabalhador, único meio de fortalecer a classe dos oprimidos e dar-lhe armas para lutar
pela revoluç ão social, contra as desigualdades e a favor da liberdade.

BIBLIOGRAFIA

Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido, Editora Paz e Terra, Rio, 1970.

Educaç ão como Prática da Liberdade – Editora Paz e Terra, Rio 1975.

Brandão, Carlos Rodrigues. O Que É o Método Paulo Freire – Ed. Brasiliense – São
Paulo, 1996.

Niskier, Arnaldo. Filosofia da Educaç ão – Ed. Traç o + Linha – Rio, 1992.

Confedera ç ão Nacional do Comércio. A Educaç ão no Brasil – Coletânea de diversos


autores, Rio 1995.

Revista VEJA – nº de 29/06/96. Paiva, Vanilda Pereira. Paulo Freire e o Nacionalismo


Desenvolvimentista – 1980.

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