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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

PAPER
SALVADOR

2016

HAROLDO DOS SANTOS ALVES


MODERNIDADE E A CULTURA DE ALIMENTOS NO BRASIL

Trabalho apresentado à disciplina Introdução


a Sociologia II, como requisito parcial de
avaliação.

Docente: Luiz Lourenço

Salvador

2016

MODERNIDADE E A CULTURA DE ALIMENTOS NO BRASIL

Resumo

O presente trabalho pretende discutir sobre como a modernidade ajudou a difundir


a idéia de consumo ilimitado e como isso tem afetado os hábitos alimentares do brasileiro.
Pretende-se também mostrar como o consumo da carne aliada ao fast-food tem causado
graves problemas ambientais e influenciado em nossa identidade cultural. Em
contrapartida, serão apresentados alguns movimentos que surgiram durante a
modernidade que militam em prol de uma alimentação saudável e uma vida baseada em
princípios de simplicidade, respeito aos animais, cooperação mutua, como por exemplo o
vegetarianismo e a agroecologia. A pesquisa foi realizada através do levantamento de
teses, artigos e livros na internet, tendo como principais fontes os textos de Susana Inez
Bleil e José Mauricio Domingues.

Introdução

Pensar na sociedade moderna através da ótica das ciências humanas trata-se de


um assunto bastante complexo. Sendo que para muitos autores a modernidade virou
sinônimo de uma vida rápida, globalizada, repleta de aparatos tecnológicos, caracterizada
principalmente por uma identidade mais fluida e individualizada. Por outro lado, tudo
aquilo que está relacionado a vida rural, vida comunitária e firme nas tradições, carrega
consigo um estigma de atraso e retrocesso. É interessante refletir que as novas estruturas
sociais surgidas a partir da Revolução Francesa e Revolução Industrial culminaram na
sociedade que vivemos hoje. Ou seja, com o advento da ciência e da indústria, assim
como as transformações políticas e culturais da época, provocaram um fluxo cada vez
maior de pessoas migrando do campo para as grandes cidades, dando forma a
sociedade capitalista que conhecemos hoje.

Esta transição da vida rural para a vida urbana refletiu também na forma das
pessoas se alimentarem, e o que vemos hoje em pleno século XXI, é o advento de uma
cultura de massa carregada de expressões simbólicas como o fast-food, Coca-Cola,
dentre outros; marcada também pelo surgimento de novas doenças (principalmente
psíquicas), alimentação precária, desigualdade social, altas taxas de criminalidade, etc. A
dialética sobre estas questões serão discutidas com base no conhecimento empírico e na
relação com a bibliografia levantada.

Modernidade e a Industria de Alimentos


Historicamente o consumo de alimentos esta diretamente relacionado aos hábitos e
costumes das pessoas, sendo assim, podemos compreender que desde a etapa inicial da
produção de alimentos, seja o agricultor cultivando hortaliças, ou até mesmo o padeiro
assando um pão, tem aspectos culturais envolvidos. No texto “O Padrão Alimentar
Ocidental” da autora Susana Inez Bleil é possível compreender a relação dos hábitos
alimentares com a cultura da seguinte maneira:

(…) “a cozinha de uma sociedade e a linguagem na qual


ela traduz inconscientemente sua estrutura” e “... quando
descobrimos onde, quando e com quem os alimentos
são consumidos, estamos em condições de deduzir, ao
menos parcialmente, o conjunto das relações sociais que
prevalecem dentro de uma sociedade porque … os
hábitos alimentares são uma parte integrada da
totalidade cultural” (BLEIL 1998, p.3)

Pensando nisso é possível observar as peculiaridades da culinária em algumas


regiões. Conseguimos relacionar determinados pratos com culturas específicas, podemos
citar como exemplo: o acarajé que carrega o emblema da cultura baiana, assim como o
beiju que nos leva aos sertões afora. Enfim, são exemplos claros que cozinha e cultura
estão intimamente ligados.

Mas o que se observa atualmente é que a culinária local esta sendo substituída
largamente por uma industria de alimentos baseada em pratos e lanches rápidos que
atendam a dinâmica da sociedade moderna. Estamos nos referindo ao fast-food que trata-
se de um dos principais fenômenos da modernidade e que juntamente com o consumo da
carne está ganhando destaque como alimento de maior prestigio entre o gosto dos
brasileiros.

Segundo Bleil “A cultura estabelece o que é comestível, ou seja, a cultura ensina e


leva a gostar de todo tipo de comida, dos mais variados sabores desde a pimenta ao
tamarindo”. Ou seja, a dinâmica da sociedade moderna é capaz de definir quais alimentos
serão consumidos, porque atualmente eles não se restringem apenas aos aspectos
nutricionais (nutrir-se), mas estão intimamente relacionados com a sociabilidade que o
alimento proporciona.
Entretanto e crescente a percepção de que existe uma
grande diferença entre comer, um ato social, e nutrir-se
uma atividade biológica. (BLEIL. 1998).

Ao falar sobre sociabilidade, a carne ganha destaque novamente, pois no Brasil e


em outros países ocidentais o seu consumo virou sinônimo de status, sendo perceptível
ao visitar a grande maioria dos restaurantes, já que ela (a carne) sempre está presente
entre os pratos principais, enquanto legumes e grãos ganham um papel secundário,
normalmente servindo de acompanhamento. Podemos constatar que de fato criou-se
uma espécie de dicotomia: de um lado a carne como representação do mundo moderno
aliada ao status social; e do outro, legumes e grãos associados a uma vida rural e
precária. Segundo Bleil:

No imaginário coletivo das classes médias urbanas, a


carne as aproxima do mundo moderno. Em contrapartida,
o consumo de cereais diminuiu internacionalmente,
vistos como remanescentes de um mundo que muitos
querem esquecer, o mundo das vilas e aldeias. Claude
Fischler afirma que “os produtos crescem ou declinam
com as classes que os consomem: o declínio dos
camponeses e depois dos trabalhadores explica em
parte o declínio de certos alimentos mais característicos
do ‘gosto de necessidade’ popular”. (BLEIL. 1998)

Observa-se também a preferência dos jovens pelo fast-food, influenciando


diretamente a juventude de varias partes do mundo. No Brasil, além do fast-food o
churrasco virou a expressão máxima da socialização. Assim, podemos comprovar que a
carne esta fortemente ligada a nossa cultura, e não é a toa que o Brasil lidera o ranking
mundial entre os maiores exportadores de carne..

A carne tornou-se o alimento característico da sociedade moderna principalmente


com o advento da industrialização. A comida industrializada virou marca registrada dessa
nova configuração social, que tem como elemento principal o tempo. Nos grandes
centros urbanos é comum a presença dos lanches rápidos, alimentos pré-cozidos,
congelados, etc., como forma de otimizar o tempo daqueles que vivem em função do
trabalho, da faculdade, ou simplesmente adotam a máxima capitalista de que “tempo é
dinheiro”.
O chamado fast-food surgiu com os irmãos Richard e Maurice MacDonald, no final
da década de 40, e no decorrer do tempo penetrou em várias partes do mundo. Inclusive
nos países de regime socialista, como expressão máxima do poder americano. Aqui no
Brasil o consumo de lanches rápidos começou a partir da década de 50, com o Bobs,
dando lugar gradativamente a novas marcas e popularizando-se principalmente entre os
jovens.

Como foi dito anteriormente que “comer é um ato social”, tal pratica não pode ser
dissociada de determinados tipos de comportamento, e o fast-food juntamente com a
comida industrializada tem ajudado a revelar graves problemas sociais e ambientais.
Observa-se que tem-se intensificado a dicotomia entre solidão x prestigio e obesidade x
fome. De um lado torna-se cada vez mais comum pessoas realizarem as refeições na
frente da televisão ou ate mesmo lendo um livro, aumentando consequentemente o
sedentarismo e o acumulo de gordura. Tal prática tem sido cada vez mais comum nos
grandes centros urbanos, onde tem aumentado gradativamente o numero de pessoas
obesas. Ao mesmo tempo, nota-se também o que podemos chamar de ostentação ao se
frequentar determinados espaços, pois utiliza-se hoje do capital simbólico para impor a
sociedade determinadas marcas e franquias (Mc Donalds, Outback, etc.). Frequentar
restaurantes de luxo virou sinônimo de glamour e ao mesmo tempo determina o nível
social dos seus frequentadores.

No quesito ambiental, essa nova forma de se alimentar tem provocado


consequências muito graves. É o que podemos ver ao assistir o documentário
“Conspiração da Vaca”, que dentre outros assuntos aborda os impactos ambientais
causados pelo consumo da carne e a sua relação com a escassez de água e alimento no
planeta. Ele cita dados espantosos como por exemplo: A quantidade de água (2500L)
utilizada na produção da carne de hambúrguer , equivale a 2 meses de banho de um
cidadão comum; tomando como referencia o consumo total de água nos Estados Unidos,
apenas 5% é destinado a uso doméstico, enquanto 55% é utilizado na agropecuária; a
criação de animais é responsável por 65% das emissões de oxido nitroso, 296% mais
destrutivo que o CO 2; a pecuária é responsável por 91% da destruição da Floresta
Amazônica; o lixo gerado por uma fazenda com 25.000 vacas leiteiras é equivalente ao
lixo gerado por uma cidade de 411.000.00 habitantes; a criação de animais cobre 45% de
toda área terrestre; dentre outros dados alarmantes.

Esses dados só reforçam a necessidade de buscar alternativas viáveis para uma


alimentação mais equilibrada e que não coloque em risco a vida em nosso planeta. Foi
pensando em tais aspectos que o vegetarianismo, juntamente com práticas
agroecológicas tem ressurgido na sociedade moderna, resgatando valores e técnicas do
homem do campo com o objetivo de proporcionar uma melhor qualidade de vida.

VEGETARIANISMO, AGROECOLOGIA E IDENTIDADE

O vegetarianismo foi defendido inicialmente por Pitágoras na Grécia Antiga, onde o


mesmo foi considerado o pai do vegetarianismo. Pitágoras acreditava que homens e
animais eram dotados da mesma alma e utilizava esse argumento para justificar a sua
postura de não ingerir carne, partindo de três princípios fundamentais: saúde física,
veneração religiosa e respeito a natureza. O vegetarianismo moderno surgiu a partir da
década de 70 tendo como principais bandeiras: a) a ecologia - preocupada com os
impactos ambientais provocados durante a produção da carne, incluindo o desmatamento,
emissão de poluentes e gases tóxicos, esgotamento dos recursos hídricos, etc; b) saúde -
alimentação saudável e equilibrada; c) e respeito aos animais - posicionamento contra
testes em animais, confinamento e abate. Tudo isso pautado dentro de uma ética própria,
criando-se uma filosofia de vida baseada no respeito a natureza.

A psicologia assim como as ciências sociais falam de um traço muito importante do


sujeito moderno, que é a identidade. Diferente de outras épocas, onde o trabalho
baseava-se na relação de subordinação entre empregado e patrão, a vinculação com as
tradições e a terra de origem ocorria de forma mais intensa. Atualmente, esse fenômeno
de desapego às tradições ocorre na modernidade de maneira muito mais acelerada, e
para compreender melhor as dinâmicas da sociedade moderna existem três fenômenos
que o autor José Maurício Domingues, no seu livro Sociologia e Modernidade, denomina
de desencaixe, reencaixe e reflexividade.

Aos poucos a modernidade rompeu a relação de subordinação entre


trabalhador local e senhor das terras, liberando o trabalhador dessas
relações pessoais e estáveis, por meio de mecanismos que vários
autores classificam como de desencaixe. (…) Sua identidade se torna
assim um dado em aberto, e, em consequência, em grande medida sua
própria responsabilidade. (DOMINGUES, 1999. p.23-24)

Segundo o autor, a globalização e o constante avanço das tecnologias possibilitam


um maior deslocamento dos seus atores, assim como ampliou o acesso à informação.
Tais fatores influenciam diretamente numa constante crise de identidade. Por exemplo:
Um imigrante que abandona sua terra natal com destino a cidade grande passa por um
processo de transição que Domingues chama de desencaixe. Ao chegar no lugar de
destino gradativamente vai aderindo aos hábitos e costumes daquela localidade e partir
daí ele começa a ressignificar os seus paradigmas, dando inicio a esse novo processo
chamado reencaixe. Isso não seria possível sem a reflexividade, que consiste
basicamente na capacidade do indivíduo em perceber-se como membro de um grupo, de
uma religião, de uma classe, de uma etnia que o inclui e que lhe dá sentido
(DOMINGUES, 1999. p.24). O que o autor deseja dizer é que durante toda a nossa
existência estaremos submetidos a constantes desencaixes e reencaixes, ou seja, a
identidade está em constante processo de transformação.

A construção da identidade e o equilíbrio da


personalidade humana parecem demandar uma certa
estabilidade, mas não a cristalização, de traços e
relações pessoais e coletivas. Trata-se aqui do inverso,
como resposta a eles, dos mecanismos de desencaixe:
essa relativa estabilidade que e fornecida por processos
de reencaixe que, reflexivamente, consistem em outra
característica saliente da modernidade. (DOMINGUES,
1999. p.24.)

As dinâmicas sociais acima citadas, específicas da modernidade, provocam na


sociedade as condições necessárias para o surgimento de movimentos que envolvam
uma maior responsabilidade com relação ao ato de consumo, sendo o mesmo
reconhecido enquanto parte importante da construção do “modo de vida” vegetariano.
Sob rígidas formas de controle de si (certas técnicas corporais ), a prática do consumo
passa a se constituir como um espaço para a ação reflexiva e a construção identitária.
Trata-se do que consideramos chamar de um tipo de consumo reflexivo, principalmente
quando são analisados os interesses e as ações que produzem o próprio ato de consumir,
que no vegetarianismo são levados em consideração os seguintes aspectos: a) uma
avaliação crítica da relação humanidade-animalidade na atualidade; b) uma mobilização
política, sob a forma de ativismo, que incorpora novos processos de subjetivação e
redefinição de estilos de vida e consumo, e, por fim, c) um posicionamento ético que
busca repensar as formas segundo as quais devemos viver. (TRIGUEIRO. 2013)
O vegetarianismo é apenas o primeiro passo para que gradativamente as pessoas
se conscientizem sobre os impactos ambientais e sociais decorrentes do consumo da
carne, já que ainda nos deparamos com outro grande dilema, que são os produtos
transgênicos e o uso cada vez mais nocivo dos agrotóxicos. Torna-se urgente a
conscientização da população como um todo. A carne faz parte da cultura do brasileiro e
por ser cultural age no inconsciente das pessoas, onde as mesmas sentem a necessidade
de reproduzir hábitos que foram passados de geração em geração. Mas em contrapartida,
a sociedade moderna favorece exatamente as mudanças de paradigmas, de costumes,
inclusive dos hábitos alimentares. Pensando nisso, porque não adotar praticas para uma
vida mais saudável?

É possível encontrar algumas alternativas dentro da própria Agroecologia, que traz


propostas contrárias ao modelo capitalista, principalmente relacionada ao monopólio das
multinacionais e o desrespeito a agrobiodiversidade. A agroecologia pode ser entendida
como um campo do conhecimento baseado em uma perspectiva holística de
compreensão dos fenômenos relacionados a produção de alimentos e a garantia da
soberania alimentar. Aparece como um reforço à identidade do homem do campo, já que
o conceito de identidade parte de um plano consciente que necessita ser reforçada
constantemente. Tais praticas estão se tornando cada vez mais comuns dentro dos
centros urbanos, partindo de iniciativas da sociedade civil voltada para a construção de
hortas urbanas, canteiros coletivos, sem falar no aumento de adeptos ao vegetarianismo,
veganismo, frugivorismo, dentre outros. Seria uma espécie de retorno a vida natural em
plena modernidade? Ainda não sabemos, mas através da Agroecologia as comunidades
também são fortalecidas, pois o ideal de bem comum e cooperativismo acaba sendo
resgatado, sem falar que as expressões da cultura local também são preservadas. Na
agroecologia a ideia de comunidade supera a de sociedade individualizada valorizando
principalmente o coletivo . Como reforça Marilena Chauí através da seguinte definição:

A marca da comunidade é a indivisão interna e a ideia de


bem comum; seus membros estão sempre numa relação
face a face (sem mediações institucionais), possuem o
sentimento de uma unidade de destino, ou de um destino
comum, e afirmam a encarnação do espírito da
comunidade em alguns de seus membros, em certas
circunstâncias. Ora, o mundo moderno desconhece a
comunidade: o modo de produção capitalista dá origem à
sociedade, cuja marca primeira é a existência de
indivíduos separados uns dos outros por seus interesses
e desejos. (CHAUI, 1999)

Considerações Finais

Foi possível observar que os hábitos alimentares podem expressar as


particularidades de uma determinada sociedade. Se tratando da cultura ocidental o
consumo da carne virou sinônimo de modernidade, mas o planeta esta pagando caro para
a manutenção de tais hábitos. Adotar uma dieta que minimize o consumo da carne pode
ser uma alternativa, tanto para a preservação do ecossistema, quanto para minimizar as
desigualdades sociais O objetivo não foi esgotar a discussão sobre o assunto, mas trazer
novas perspectivas sobre a necessidade de buscar uma complementaridade entre os
espaços, seja ele urbano ou rural. Toda a crise, inclusive a crise ambiental, se mostra
como uma oportunidade para a realização de profundas mudanças, e que essa
transformação comece primeiramente dentro de cada um de nos.
REFERENCIAS

BLEIL, Susana Inez . O Padrão Alimentar Ocidental: considerações sobre a mudança de


hábitos no Brasil. In: Revista Cadernos de Debate, Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Alimentação da UNICAMP, Vol. VI/ 1998, páginas 1-25.
DOMINGUES, José Maurício. Sociologia e modernidade (Cap. 1 Individualidade,
Identidade e Sociabilidade). Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1999.

CHAUÍ, M. Cultura e democracia, Coleção Cultura é o que? Salvador: Secretaria de Cultura do


Estado da Bahia / Fundação Pedro Calmon, 2009. Vol.1

TRIGUEIRO, Aline. CONSUMO, ÉTICA E NATUREZA: O VEGANISMO E AS


INTERFACES DE UMA POLÍTICA DE VIDAR. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis,
v.10, n.1, p. 237-260, Jan./Jun. 2013

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