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Como tornou-se possível, a “experiência” da noção moderna de “sexualidade”?

Como os indivíduos foram orientados a reconhecer-se como sujeitos de uma


“sexualidade”, isto é, orientados pelos diversos campos do conhecimentos e levados
a viver uma noção de sexualidade articulada em um conjunto de especificações e
imposições? O objetivo de Foucault em História da sexualidade 2 é entender como foi
possível no Ocidente esse acontecimento. Para tanto, ele busca determinar como se
deu a problematização do uso dos prazeres desde a antiguidade clássica, e se o
desenvolvimento das competência que a caracterizam, e os esquemas de poder que
regulamentam a sua prática e o modo pelo qual o ser deve se identificar como sujeito
dessa sexualidade já estavam definidos ou pré-formados.
Foucault analisar “jogos de verdade”, ou seja, as dicotomias entre verdadeiro e
falso que constituíram o ser historicamente na experiência, e as diretrizes dadas
historicamente de como ele poderia e deveria ser pensado. De que modo o indivíduo
se reconhece como louco, isto é, através de que dicotomia entre verdadeiro e falso no
seu pensamento o indivíduo determina-se a percebe-se nessa condição. Quais os
jogos de verdade que o ser se percebe quando se determina de tal maneira, ou
quando age de tal maneira, por intermédio de quais jogos os indivíduos se percebem
como sujeitos de desejos.
Despois de escrever História da sexualidade I e dar um passo de volta da
modernidade cristã, tornou-se, segundo Foucault evidente uma pergunta “por que o
comportamento sexual, as atividades e os prazeres a ele relacionados, são objeto de
uma preocupação moral?”1 Por que o cuidado com esse ponto em certos momentos
parece mais acentuado do que em outras esferas de domínio ético que são essenciais
a vida como a boa alimentação e os deveres civis. Segundo o autor uma reposta breve
passa pelo fato “que eles são objeto de interdições fundamentais cuja transgressão é
considerada falta grave”2
Entretanto percebendo que a resposta passava por uma análise mais profunda,
visto que, percebia que cuidado moral não estava instalado apenas no âmbito de
operação dos agentes de interdições, mas as preocupações morais operam também
fortemente onde não se ver uma manifesta proibição iminente estabelecida. Desse
modo, sabendo que o campo moral tem esse poder de operar mesmo onde os

1
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2, O Uso dos prazeres. Trad. Maria Thereza da Costa
Albuquerque. 8ª ed. Digital Source, p11
2 Ibid., p 11
indivíduos estão desimpedidos de interdições, Foucault se propõe determinar, porque
e de que modo, e à sombra de que forma a atividade sexual foi instituída como sendo
parte do campo moral e o porquê da problematização dos prazeres. Porquanto
destaca, “E, afinal, é esta a tarefa de uma história do pensamento por oposição à
história dos comportamentos ou das representações: definir as condições nas quais o
ser humano "problematiza" o que ele é, e o mundo no qual ele vive” 3. Foucault se
dispõe a analisar as práxis do indivíduo consigo mesmo, aquilo que o constitui como
sujeito. Para tal irá rastrear a gênese do homem de desejo desde o período da
antiguidade clássica através de quatro noções corrente, “Aphrodisia”, “chrésis”,
“enkrateia” e “sóphrosuné”, pelas quais os gregos refletiam sobre o uso dos prazeres
os problematizavam.
A noção de aphrodisia relaciona-se aos os atos que garantem prazer, os quais
estão correlacionados com o prazer e o desejo “Os aphrodisia são atos, gestos,
contatos, que proporcionam uma certa forma de prazer”4. Segundo Foucault a
experiência dos os gregos no tange a preocupação com os prazeres não era em
delimitar ou definir o que seriam esses atos, nem tratava-se de dizer a forma, mas da
atividade que este desvelam, melhor dizendo, o prazer que desencadeiam e o desejo
que manifestam, porquê,
Essa dinâmica é definida pelo movimento que liga entre si os aphrodisia, pelo
prazer que lhes é associado e pelo desejo que suscitam. A atração exercida
pelo prazer e a força do desejo que tende para ele constituem uma unidade
sólida com o próprio ato dos aphrodisia.5

O contorno ato, desejo e prazer em uma unidade, caracterizam a reflexão moral


grega como a reflexão dinâmica entre a força desse conjunto, sendo a evocados em
um sentido geral, com as discursões girando sempre em torno momentos adequados
a prática dessa unidade. Já no cristianismo a problemática se dá para cada elemento
desse conjunto, operando uma desqualificação indicada através do pecado. Diferente
do Cristianismo a experiência que os gregos concebem dos aphrodisia compreende o
ato sexual como uma atividade plenamente natural. Portanto, a inquietude expressada
relacionado aos afrodisia, não é uma condenação ou negação radical sugerindo que
esses atos sejam um mal, ou que possuem em si pecado.

3
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2, O Uso dos prazeres. Trad. Maria Thereza da Costa
Albuquerque. 8ª ed. Digital Source, p 12.
4
Ibid., p 38.
5
Ibid., p 41.
A chrésis se articula em uma harmonia direcionada por três estratégias, a
necessidade, a oportunidade e o status. A necessidade se norteia quanto a satisfação
do desejo de acordo com a natureza. O uso adequado se dá quando o prazer sacia o
desejo, e se houver uma discrepância entre ambos acontece a intemperança. Diante
disso nota-se que a intemperança, se dá de dois modos, o primeiro, relaciona-se com
o deleitar antes de querer algo, seja ele de qualquer espécie, o segundo, refere-se a
extravagância dos prazeres. Portanto, percebe-se que o uso dos prazer deve levar
em consideração uma unidade entre bom uso e vontade, isto é, fazer uso do prazer
de acordo com a necessidade.
A oportunidade, é saber leva em consideração o momento apropriado. Esse
momento é marcado por vários aspectos que diferem ente si. No que tange a relação
com os prazeres é preciso levar em conta a idade, isto é, não começar muito cedo
nem prolongar por um longo período da vida; observar as estações do ano e o clima,
assim como a hora do dia, e por motivações religiosas e de pudor recomendava-se o
período noturno.
Do status se observa que, quanto maior a valia do sujeito na sociedade, mais
prudente e ponderado tem que ser, com sua honra e com o uso dos prazeres, “A arte
de usar do prazer deve também se modular em consideração àquele que a usa e
segundo o seu status”6. Esse cuidado não é o mesmo explicitado na moral cristã, no
qual nota-se uma modulação universal que parte de concepções gerais, que legitimam
ou não o valor do ato sexual. Entre os gregos, por sua vez, não se trata de uma moral
direcionada para um conjunto de regras, esta forma de austeridade é traçada pelo
ajustamento circunstancial e pelo prestígio do cidadão.
O termo enkrateia”, por sua vez, é aplicado para a boa aplicação que se faz
dos prazeres. Entende-se por “enkrateia” como o controle, o exercício de domínio de
si. Um duelo contra os prazeres e os desejos na busca da excelência medida de si
mesmo, não uma negação mas a resistência a eles, ou seja, uma transformação de
uma dominação primitiva e sua recolocação a serviço de fins considerados mais
elevados.

6
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2, O Uso dos prazeres. Trad. Maria Thereza da Costa
Albuquerque. 8ª ed. Digital Source, p 58.
A “sóphrosuné” é qualificada como uma liberdade, é a condição a ser almejada
pelo domínio dos prazeres. Essa austeridade relacionada aos desejos não acarreta
em uma busca puritana, mas sim no domínio de si, uma vez que,
para o pensamento grego da época clássica, a "ascética" que permite
constituir-se como sujeito moral faz parte integralmente, até em sua própria
forma, do exercício de uma vida virtuosa que é também a vida do homem
"livre" no sentido pleno, positivo e político do termo.7

Portanto só é livre na concepção grega aquele que sabe governar-se, e não se


ser escravo dos prazeres.
Ser efetivamente livre, entre os gregos, aponta para a liberdade de todo o
conjunto social. No entanto, esta exigi que cada sujeito seja livre na sua
individualidade. Porquanto “a atitude do indivíduo em relação a si mesmo, a maneira
pela qual ele garante sua própria liberdade no que diz respeito aos seus desejos, a
forma de soberania que ele exerce sobre si, são elementos constitutivos da felicidade
e da boa ordem da cidade”8.
Verse-a neste ponto a constituição de uma relação entre liberdade e poder,
haja vista que o indivíduo deve exercer um poder sobre si, e ser temperante. Vale
ressaltar que a moral grega era uma moral feita para homens, e as mulheres escravos
e crianças eram consideradas inferiores por exercerem o papel de passividade, visto
que a passividade e a atividade são categorias fundamentais na conduta sexual e na
moral, é a passividade em relação aos prazeres que caracteriza a intemperança.
Assim esse indivíduo que tem um status inferior na sociedade pode não ter domínio
sobre suas fraquezas, e precisar estar sob a tutela de um dirigente a quem deve
obediência.
Esse vínculo estrito entre poder e liberdade está associado com a verdade,
dado que é a faculdade da razão que regula a temperança e o domínio de si.

A relação com o verdadeiro constitui um elemento essencial da temperança,


quer seja sob a forma de uma estrutura hierárquica do ser humano, sob a
forma de uma prática de prudência ou de um reconhecimento pela alma de
seu ser próprio. Essa relação é necessária para o uso comedido dos
prazeres, necessária para a dominação de sua violência.9

Diante disso, nota-se segundo Foucault que a conformidade entre a dinâmica


dos prazeres e o logos foi desenvolvida em três aspectos fundamentais:

7
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2, O Uso dos prazeres. Trad. Maria Thereza da Costa
Albuquerque. 8ª ed. Digital Source, p 77.
8
Ibid., p 79.
9
Ibid., p 89.
estruturalmente, instrumentalmente e como reconhecimento ontológico do ser consigo
mesmo. Sendo esses sistemas que formam a condição da instauração do indivíduo
como sujeito temperante.
No aspecto estrutural é a razão, ou melhor, o logos, que administra um
indivíduo que tem a temperança e habitualmente usa de modo excelente seus desejos
no decorrer de sua conduta. De outro modo, um indivíduo intemperante é vinculado à
ignorância, à ausência de razão. O bom uso dos prazeres e a regulação do
comportamento demanda a necessidade de elaboração de uma razão prática que
torna o indivíduo capaz de discernir o que, quando e como, deve fazer. Já o aspecto
instrumental é relativo aos coordenado entre os meios os fins. O reconhecimento
ontológico de si mesmo por intermédio de si expressa que é necessário o
autoconhecimento para a atividade virtuosa e o domínio dos prazeres.
Portanto, a filosofia configurou-se como uma atividade de transformação na
antiguidade, transformações que devem elevar o indivíduo a alcançar uma
determinada forma de existência. Esse trabalho por uma estética da existência, que
passa pela formação de um sujeito moral, mostra-se, entre os gregos, como uma
afirmação da liberdade, uma busca de transformar a vida mais ornamental, era nesses
aspectos que inseria-se a problematização dos prazeres.
Quanto a prática dos prazeres Foucault

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