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Mecânica Newtoniana - Lagrangiana - Hamiltoniana2 PDF
Mecânica Newtoniana - Lagrangiana - Hamiltoniana2 PDF
RESUMO
É possível introduzir o formalismo variacional de Lagrange e Hamilton para a mecânica clássica,
como conteúdo do módulo básico de um curso de graduação em engenharia, tendo como pré-requisitos
as ferramentas do cálculo diferencial e integral para funções de muitas variáveis e da análise vetorial,
tradicionalmente presentes nas grades curriculares. Este formalismo mostra-se mais sistemático e alge-
bricamente menos trabalhoso do que o formalismo newtoniano, tradicionalmente utilizado nos cursos de
graduação, como ferramenta de obtenção das equações de movimento de um sistema de partículas. São
examinados dois exemplos: o pêndulo simples e o pêndulo duplo.
ABSTRACT
It is possible to introduce Lagrange and Hamilton variational formalisms of classical mechanics
into the syllabus of an Engineering undergraduate course. This requires, as pre-requisites, the tools of
differential and integral calculus of multivariate functions and vector analysis, which are both traditio-
nally dealt with in the basic disciplines of Engineering undergraduate courses. This formalism is more
systematic and demands less algebraic work than the newtonian formalism, as a tool for obtaining the
equations of motion of a system of particles. Two examples are examined: the simple pendulum and the
double pendulum.
INTRODUÇÃO
Em 1687, Isaac Newton publicou seus estudos
sobre as leis do movimento dos corpos, lançando , (1)
os alicerces do que, a partir do século XX, passa-
ria a ser chamado de “mecânica clássica ou mecâ- em que é o momentum linear ou quantidade
nica newtoniana” [1]. Postulando três leis básicas, de movimento do corpo, m é a sua massa; , a sua
Newton procurou descrever toda a dinâmica do mo- velocidade e , a força resultante sobre o corpo. A
vimento dos corpos a partir delas. A primeira lei, terceira lei, conhecida como a “lei da ação e reação”,
conhecida como “lei da inércia”, conceitua o refe- refere-se a dois corpos em interação, relacionando
rencial inercial e a noção qualitativa de movimen- as forças estabelecidas entre eles. De acordo com
to inercial de um corpo. A segunda lei fornece uma essas leis, uma vez conhecidas as forças que atuam
definição quantitativa de força resultante sobre um sobre um dado corpo, sua posição e sua velocidade
corpo. Em notação moderna, em um dado instante de tempo, é possível (em prin-
a
Professor, Doutor, Departamento de Matemática e Computação, Faculdade de Tecnologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Estrada
Resende-Riachuelo, s/n., Morada da Colina, CEP 27523-000, Resende, RJ. E-mail: monerat@uerj.br
b
Discente de Graduação, Faculdade de Tecnologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Estrada Resende-Riachuelo, s/n., Morada da Colina,
CEP 27523-000, Resende, RJ. E-mail: thaisa@fat.uerj.br
c
Discente de Graduação, Faculdade de Tecnologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Estrada Resende-Riachuelo, s/n., Morada da Colina,
CEP 27523-000, Resende, RJ. E-mail: diego_fernandes@fat.uerj.br
d
Professor, Doutor, Departamento de Matemática e Computação, Faculdade de Tecnologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Estrada
Resende-Riachuelo, s/n., Morada da Colina, CEP 27523-000, Resende, RJ. E-mail: evasquez@uerj.br
cípio) determinar o seu comportamento mecânico gravidade, gasta o menor tempo para atingir o pon-
(ou seja, a posição e velocidade) em qualquer ins- to mais baixo Q?
tante de tempo. A solução à pergunta, conhecida atualmente
O primeiro contato dos estudantes dos cur- como o “problema da braquistócrona”, constitui um
sos de graduação de engenharia com a mecânica dos problemas clássicos do cálculo variacional. Po-
newtoniana geralmente ocorre no primeiro ano dos rém antes de respondê-la, deve-se examinar o con-
cursos de graduação. Diversas dificuldades são en- ceito de “funcional”.
contradas, em particular, o uso intensivo de diagra- Considere-se a integral definida
mas geométricos de forças e decomposição algébrica
de suas componentes segundo um sistema de eixos (2)
coordenados escolhido. Esses diagramas são vitais
para a obtenção das equações de movimento de um O integrando é uma função f de x e de uma ou-
dado sistema. Além disso, a presença de forças de tra função y = y(x). A integral I depende não só dos
vínculos em diversos sistemas físicos [2,3] torna a valores escolhidos para os limites de integração x1
formulação newtoniana extremamente trabalhosa, e x2, mas, também, da forma específica da função
em virtude da utilização de graus de liberdade su- y(x). Como se está integrando em x, após a inte-
pérfluos. Essa dificuldade, intrínseca ao formalis- gração, desaparece toda dependência em x. Logo, a
mo newtoniano, leva a que o estudo de alguns siste- grandeza I é, por assim dizer, uma função da fun-
mas interessantes seja omitido num curso regular, ção y(x), ou, mais corretamente, um funcional de y,
mesmo em períodos mais avançados. situação comumente denotada por I = I [y].
Talvez uma forma viável de contornar essas Considerem-se dois pontos arbitrários e fixos
dificuldades seja a introdução do formalismo varia- A e B do plano xy, de coordenadas (xA,yA) e (xB,yB),
cional de Lagrange [4, 5, 6] e de Hamilton [5, 6] respectivamente. Seja D o conjunto de todas as pos-
para o estudo da mecânica clássica, ainda no con- síveis funções y(x) tal (xA,yA) = (x1,y(x1)) e (xB,yB) =
texto de um curso de graduação de engenharia. A (x2,y(x2)). Cada elemento de D, ou seja, cada possí-
introdução de tal formalismo poderia servir, inclu- vel função y(x), corresponde a uma curva no plano
sive, como preparação para o aprendizado de algu- xy conectando os pontos A e B. Como determinar a
mas técnicas da teoria de sistemas dinâmicos, de curva C/a função y = y(x) tal que o valor de I sobre
grande importância para o estudo de sistemas com esta curva seja um extremo (máximo ou mínimo)?
comportamento caótico, conforme exemplificado Nos cursos de cálculo diferencial e integral o
por Monerat et al. [7]. aluno aprende que se pode determinar o valor de x
para o qual uma função de uma variável y(x) (con-
tínua e diferenciável) é um extremo, determinan-
ABORDANDO O FORMALISMO
do-se para qual valor de x a variação sofrida pela
VARIACIONAL DE LAGRANGE PARA A função se anule
MECÂNICA
, (3)
O cálculo das variações e a dedução das
em que dx é uma variação infinitesimal sobre x. Se
equações de lagrange
y(x) for contínua e diferenciável, dy também será
O cálculo das variações é uma generalização do uma quantidade infinitesimal. Efetuando uma ex-
cálculo diferencial e integral proposto por Newton, pansão em série de Taylor em torno do ponto x e
utilizado para determinar o lugar geométrico (em desprezando os termos de ordem superior na ex-
geral uma curva ou superfície) sobre o qual uma pansão, encontra-se:
dada função assume um valor estacionário (usual-
mente um máximo ou mínimo). A origem do ferra-
mental matemático que compõe o cálculo das va- (4)
riações nasceu de uma matéria publicada no jornal
Acta Eruditorium em junho de 1696, na qual Jo- Esse resultado mostra que, como dx é diferente
hann Bernoulli propôs o seguinte desafio aos ma-
de zero, dy = 0 só é possível para (veja-se
temáticos da época [8]: dados dois pontos P e Q em
Barcellos-Neto [5]).
um plano vertical e em desnível (isto é, a reta que
os une não está na “horizontal” nem na “vertical”),
qual é a curva que os liga de tal modo que uma
partícula, partindo do repouso do ponto mais alto
P e deslizando sobre ela sem atrito, sob a ação da
(7)
. (8)
ESTUDO DE CASOS
O pêndulo simples A energia potencial do sistema é:
,
de onde se obtém diretamente a equação de movi- Figura 3 - Pêndulo duplo no plano
mento
Os ângulos e as coordenadas cartesia-
.
nas e das partículas estão relacionados
pela transformação:
Este é um procedimento relativamente singelo,
dada a simplicidade do sistema.
Revista de Ensino de Engenharia, v. 26, n. 1, p. 9-17, 2007 – ISSN 0101-5001
O FORMALISMO VARIACIONAL DE LAGRANGE E HAMILTON NO ENSINO... 15
e as equações de movimento:
Um aspecto interessante acerca desse formalis- sobre o newtoniano é a obtenção das equações de mo-
mo é que coordenadas e momentos são tratados em vimento de um sistema de modo mais sistemático e
pé de igualdade, como quantidades independentes. com trabalho algébrico bem menor.
A dinâmica do sistema é governada pelas equações
de Hamilton [5,6]:
REFERÊNCIAS
(35) [1] I. Newton, Mathematical principles of Natural
Philosophy. Berkeley: University of California Press, 1934.
A dedução dessas equações pode ser vista deta-
lhadamente nas referências [2, 5, 20]. Para um sis- [2] N. A. Lemos, Mecânica Analítica. São Paulo:
tema de N graus de liberdade (ou seja, para o qual Editora Livraria da Física, 2004.
N coordenadas são necessárias para definir univo- [3] K. R. Symon, Mecânica. Rio de Janeiro: Editora
camente a sua configuração) existem 2N equações Campus, 1982.
diferenciais ordinárias de primeira ordem, em con- [4] J. L. Lagrange. Méchanique Analytique. 1788.
traste com o formalismo de Lagrange, no qual as
[5] J. Barcellos Neto, Mecânica Newtoniana,
equações diferenciais de movimento são de segun-
Lagrangiana e Hamiltoniana. São Paulo: Editora
da ordem. Pode-se mostrar que, para sistemas em
Livraria da Física, 2004.
que a energia mecânica total T + V se conserva, a
hamiltoniana depende somente das coordenadas e [6] L. D. Landau, E. M. Lifshitz, Mechanics, Third
dos momentos. Edition, Ed. Butterworth Heinemann, 2000.
No caso do sistema composto pelo pêndulo sim- [7] G. A. Monerat, E. V. Corrêa Silva, G. Oliveira-
ples, discutido anteriormente, a hamiltoniana é da Neto, A. R. P. de Assumpção, A. R. R. Papa, Rev. Bras.
forma Ens. Fís., vol. 28, n. 2, p. 177-189, (2006).
[8] F. B. P. Vieira, L. B. Rodrigues, E. Augustini,
FAMAT em Revista, No.3, p. 137 –148, (2004).
o que pode ser facilmente verificado a partir da fun-
[9] Herman Erlichson, European J. Phys. 20, no.5,..
ção de Lagrange para o pêndulo simples e da ex-
p.….299–304,...(1999).
pressão (34). A energia mecânica total é conservada,
visto que H não depende explicitamente do tempo. [10] Gary Lawlor, Amer. Math. Monthly 103, no. 3,
As equações de Hamilton descritas pelas expressões 242–249. (1996).
(35) fornecem um conjunto de duas equações ordi- [11] Stephen C. Lipp, SIAM J. Control Optim. 35, no.
nárias de primeira ordem, que, quando combinadas, 2, p. 562–584, (1997).
reproduzem o resultado fornecido pelas equações de [12] Bruce van Brunt. The Calculus of Variations,
Lagrange. A hamiltoniana para o sistema formado Springer-Verlag New York, 2004.
pelo pêndulo duplo é conhecida na literatura (veja-
se, por exemplo, Monerat et al. [7]). [13] F. W. Byron Jr. & R. W. Fuller, Mathematics of
Para o leitor interessado sugere-se como exer- Classical and Quantum Physics. Dover Publications,
Inc., New York, 1969.
cício a construção da função de Hamilton para um
sistema massa-mola sem atrito, também conhecido [14] Carlos Augusto G. Perlingeiro, Engenharia de
como “oscilador harmônico” [6]. Assim como no caso Processos, Ed. Edgard Blücher, 2005.
do pêndulo simples, o leitor poderá observar que a [15] L. V. Ferreira, Utilização de Sistemas Gradientes
hamiltoniana para este sistema não depende do tem- para Resolução de Problemas de Otimização em
po; logo, o sistema também é conservativo. Por outro Computadores Paralelos, Tese de Doutorado, COPPE/
lado, no caso em que o atrito seja considerado, a ha- UFRJ, 2006.
miltoniana dependerá explicitamente do tempo e a [16] G. A. Monerat, R. P. Pereira, I. C. dos Santos, in
energia mecânica total não será conservada [20]. Anais da I Semana de Atividades Científicas da ADB,
Resende RJ, 2003, editado por G. A. Monerat & M. C.
CONCLUSÃO E COMENTÁRIOS FINAIS B. Reis, (Ed. AEDB, Resende RJ, 2003) ISSN 1806-
7964, p. 73-76.
É cada vez mais freqüente a aplicação do forma- [17] Luiz Antonio Nogueira Lorena; Edson Luiz
lismo variacional em diversas áreas da engenharia França Senne; João Argemiro de Carvalho Paiva;
[21-25], inclusive para o estudo do controle de sis- Marcos Antonio Pereira, Gest. Prod. vol. 8 no.2 São
temas mecânicos [26,27]. Sugere-se, neste trabalho, Carlos, (2001).
a introdução do formalismo lagrangiano e hamilto-
[18] V. C. de Castilho, Otimização de Componentes
niano no módulo básico de um curso de engenharia,
de Concreto Pré-Moldado Protendidos Mediante
tendo como pré-requisitos noções básicas de mecâni-
Algoritmos Genéticos, Tese de Doutorado, Escola de
ca newtoniana, de cálculo diferencial e integral e de
Engenharia de São Carlos – USP, 2003.
análise vetorial. Uma vantagem de tais formalismos
Revista de Ensino de Engenharia, v. 26, n. 1, p. 9-17, 2007 – ISSN 0101-5001
O FORMALISMO VARIACIONAL DE LAGRANGE E HAMILTON NO ENSINO... 17
AGRADECIMENTOS
G. A. Monerat agradece à Faperj (Proc. nº E- Eduardo Vasquez Corrêa
26/170.762/2004). E. V. Corrêa Silva (bolsista de Silva
Produtividade do CNPq, Brasil) e G. A. Monerat Bacharel em Física pela Uerj
agradecem ao CNPq (Edital Universal CNPq/2006 (1991), mestre em Física Teóri-
– Proc. nº 476852/2006-4). T. M. G. de Oliveira e D. ca pela UFRJ (1994), Doutor em
C. Fernandes Silva agradecem, respectivamente, Física Teórica pelo CBPF (2003).
ao CNPq e à Uerj pelas bolsas de iniciação científi- Chefe do departamento de Mate-
ca concedidas (programa Pibic). mática e Computação da Facul-
dade de Tecnologia da Uerj.