Brasil Desempregado PDF

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Jorge Mattoso

DESEMPREGADO
As razões estruturais que fizeram com que
o desemprego se tornasse uma verdadeira
epidemia no Brasil dos anos 90 são analisadas

O BRASIL DESEMPREGADO

BRASIL
em O Brasil desempregado. Abordando
questões como a desestruturação produtiva

O
e a precarização das condições e relações de Como foram destruídos mais de 3 milhões
trabalho que vêm atingindo os trabalhadores no de empregos nos anos 90
Brasil, Jorge Mattoso – economista e professor
da Unicamp – mostra como as opções políticas
e econômicas feitas pelos governos Collor e
FHC levaram à destruição de mais
de 3 milhões de empregos nesta década,
gerando o menor crescimento e os maiores

Jorge Mattoso
índices de desemprego da história do país.
Jorge Mattoso mostra também como é possível
combater o desemprego e gerar mais e
melhores empregos.

Entenda como e por que mais de 3 milhões Jorge Mattoso


Desemprego: uma epidemia no Brasil
de empregos foram destruídos nos governos Anos 90: o pior desempenho econômico do século
Collor e FHC, gerando o maior índice de Como Collor e FHC fizeram crescer o desemprego
desemprego da história do Brasil. Propostas para criar mais e melhores empregos
Jorge Mattoso

DESEMPREGADO
As razões estruturais que fizeram com que
o desemprego se tornasse uma verdadeira
epidemia no Brasil dos anos 90 são analisadas

O BRASIL DESEMPREGADO

BRASIL
em O Brasil desempregado. Abordando
questões como a desestruturação produtiva

O
e a precarização das condições e relações de Como foram destruídos mais de 3 milhões
trabalho que vêm atingindo os trabalhadores no de empregos nos anos 90
Brasil, Jorge Mattoso – economista e professor
da Unicamp – mostra como as opções políticas
e econômicas feitas pelos governos Collor e
FHC levaram à destruição de mais
de 3 milhões de empregos nesta década,
gerando o menor crescimento e os maiores

Jorge Mattoso
índices de desemprego da história do país.
Jorge Mattoso mostra também como é possível
combater o desemprego e gerar mais e
melhores empregos.

Entenda como e por que mais de 3 milhões Jorge Mattoso


Desemprego: uma epidemia no Brasil
de empregos foram destruídos nos governos Anos 90: o pior desempenho econômico do século
Collor e FHC, gerando o maior índice de Como Collor e FHC fizeram crescer o desemprego
desemprego da história do Brasil. Propostas para criar mais e melhores empregos
Jorge Mattoso

O Brasil desempregado
Como foram destruídos mais de 3 milhões
de empregos nos anos 90

2ª edição
2ª reimpressão

EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO


Fundação Perseu Abramo
Instituída pelo Diretório Nacional
do Partido dos Trabalhadores
em maio de 1996

Diretoria
Luiz Dulci – presidente
Zilah Abramo – vice-presidente
Hamilton Pereira – diretor
Ricardo de Azevedo – diretor

Editora Fundação Perseu Abramo

Coordenação Editorial
Flamarion Maués

Confecção de gráficos e tabelas


Amilton Moretto

Revisão
Maurício Balthazar Leal
Lizete Mercadante Machado
Márcio Guimarães de Araújo

Projeto Gráfico e Ilustrações


Gilberto Maringoni

Capa
Gilberto Maringoni, sobre foto de
Jesus Carlos/Imagenlatina

Editoração Eletrônica
Augusto Gomes

Impressão
Cromosete Gráfica

1ª edição: outubro de1999


2ª edição: novembro de 1999
2ª reimpressão: agosto de 2000
Todos os direitos reservados à
Editora Fundação Perseu Abramo
Rua Francisco Cruz, 234
04117-091 — São Paulo — SP — Brasil
Telefone: (11) 5571-4299
Fax: (11) 5573-3338
E-mail: editora@fpabramo.org.br

Visite a home-page da Fundação Perseu Abramo:


http://www.fpabramo.org.br

Copyright © 1999 by Jorge Mattoso


ISBN 85-86469-19-X
Sumário
1. O RETORNO DE JOSÉ: UMA HISTÓRIA BRASILEIRA....................................5
2. DESEMPREGO E PRECARIZAÇÃO: UMA TRAGÉDIA BRASILEIRA....................9
Acerto de contas com o passado.........................................................10
A febre e os termômetros...................................................................12
O sol e a peneira...............................................................................16
A dança das cadeiras.........................................................................19
3. A ARQUITETURA DO CAOS...................................................................21
Crescimento e emprego.....................................................................24
4. DESESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA..........................................................26

Uma relação conflituosa....................................................................32


Luz no fim do túnel?.........................................................................35
5. POLÍTICAS SOCIAIS E EMPREGO NO BRASIL...........................................37
6. SALÁRIO MÍNIMO, EMPREGO E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.........................39
7. RECONSTRUIR A NAÇÃO, RETOMANDO O CRESCIMENTO
COM EMPREGO E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA............................................42

Ainda mais uma vez..........................................................................44

FONTES CONSULTADAS...........................................................................46

BIBLIOGRAFIA.......................................................................................46
ÍNDICE DE TABELAS E GRÁFICOS..............................................................47
Jorge Mattoso
Jorge Eduardo Levi Mattoso nasceu em Porto Alegre (RS). É doutor em economia e
professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
desde 1985. Participou da fundação em 1989 do Centro de Estudos Sindicais e de Eco-
nomia do Trabalho (CESIT/IE/Unicamp), o qual dirigiu por sete anos e onde é pesquisa-
dor atualmente. Realizou recentemente estudos de pós-doutoramento na França. Tem
realizado consultorias para entidades econômicas tais como o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). É autor de A
desordem do trabalho (1995) e organizou os livros O mundo do trabalho (1994) e Crise
e trabalho no Brasil (1996). Nas campanhas presidenciais de 1989, 1994 e 1998 partici-
pou da coordenação do programa econômico da candidatura Lula.

O BRASIL DESEMPREGADO 4
1. O retorno de José:
uma história
brasileira

José tinha 14 anos quando desembarcou ço Nacional de Aprendizagem Industrial)


de um pau-de-arara com sua família, no e, depois, foi direto trabalhar em uma gran-
início dos anos 60, em São Paulo. Sua tra- de montadora na região do ABC paulista.
jetória foi semelhante à de tantos outros Chegando ao ABC, casou-se com Mer-
brasileiros que vieram para o Sul atrás de cedes em 1970. Ela ficou tomando conta
trabalho. E o encontraram rapidamente. da casa, que lentamente construíram, e dos
Mesmo com poucos anos de escola, José três filhos que tiveram. Conjuntamente
logo começou a trabalhar. Inicialmente na com outros colegas, José sindicalizou-se
construção civil como ajudante, depois e compreendeu – primeiro na fábrica e no
como pedreiro. Ele viu os primeiros mo- sindicato e, depois, no partido que ajudou
vimentos da ditadura militar enquanto le- a criar – o significado da ação coletiva e a
vantava paredes, com os olhos assustados importância da democracia para os traba-
de quem ainda não se habituara com a sel- lhadores que desejam uma sociedade mais
va da cidade grande. Não entendeu direi- justa e humana. Mercedes ajudou em to-
to por que aconteceu o golpe militar, nem dos os momentos, a partir de sua inserção
o que tinha perdido com isso. em movimentos eclesiais de base e de es-
Ainda em São Paulo, um amigo lhe ofe- querda. Participaram juntos das greves que
receu um emprego em uma metalúrgica no pipocaram no ABC no final da década de
bairro do Brás. Era uma pequena empre- 1970 e das lutas pela democratização da
sa, mas o trabalho menos penoso que na economia e da sociedade (contra a cares-
construção e o salário um pouco maior. No tia, a recessão e pelas Diretas Já).
entanto, José lia nos jornais afixados nas José e Mercedes olhavam com satisfa-
bancas que as grandes empresas constru- ção seus filhos crescerem com a possibili-
toras de automóveis, que haviam chegado dade de estudar, abrindo melhores opor-
à região da Grande São Paulo pouco antes tunidades de vida e trabalho do que eles
que ele do Nordeste, continuavam a con- haviam tido no passado. No entanto, José
tratar peões e trabalhadores especializados. e Mercedes olhavam com um misto de
Resolveu fazer um curso no SENAI (Servi- apreensão e alegria os descaminhos da
5 JORGE MATTOSO
política brasileira, que aprenderam a des- mente festejado por sua mulher, por seus
vendar com a atividade coletiva no sindi- filhos e também pelos netos, familiares e
cato e no partido. De apreensão porque o amigos. Só depois das festas é que José
fim da ditadura militar havia ocorrido sem foi se dando conta de que parecia estar em
maiores rupturas, legando à recente demo- outro mundo. Dez anos haviam se passa-
cracia uma extraordinária crise da dívida do, mas não quaisquer dez anos.
externa1, inflação crescente, paralisia eco- O que primeiro chocou José foi a situa-
nômica e a permanência no poder dos ção de sua família. Ele sempre havia acre-
mesmos de sempre. De alegria, porque ditado que não poderia haver problema de
viam que o Brasil, ainda que sem um cla- emprego para seus filhos. Se ele – retiran-
ro projeto alternativo, havia na década de te nordestino e com poucos anos de esco-
1980 resistido às políticas neoliberais e la – havia conseguido uma posição muito
preservado as estruturas produtivas da in- melhor do que seu pai, era natural para ele
dústria e do mercado de trabalho. Mais que seus filhos, com o estudo que tiveram,
ainda, porque viam seu partido crescer e pudessem superar a sua situação.
consolidar a candidatura de outro traba- Mercedes havia segurado a barra esses
lhador à presidência do Brasil nas primei- anos todos. A pensão de José só saiu al-
ras eleições livres a serem realizadas no gum tempo depois de seu adormecimento
país, em novembro de 1989. E, assim, po- e foi se corroendo ao longo dos anos pe-
deria o Brasil, finalmente, aliar crescimen- los ajustes que atingiram a Previdência.
to econômico a justiça social e distribui- Mercedes sempre foi uma leoa e a duras
ção de renda. penas manteve a casa (com manutenção
Poucos dias antes do segundo turno das precária, é verdade, para não dizer que
eleições presidenciais de 1989, não se sabe quase caía aos pedaços quando José
ainda por quê, José adormeceu e não mais retornou) e os filhos na escola. Fazia do-
despertou. Ficou assim por quase dez anos, ces e vendia para os numerosos bares que
quando, também sem se saber por quê, abriam e fechavam no bairro com a mes-
despertou sem alvoroço, de mansinho, ma velocidade com que os colegas mais
como se nada tivesse passado, em uma ma- novos de José foram sendo demitidos das
nhã de maio de 1999. fábricas da região.
Mas neste meio tempo muita coisa nova Os seus colegas mais velhos haviam con-
tinha se passado com o Brasil e com a seguido se aposentar, mas tinham que, de
família de José. Seu retorno foi intensa- alguma forma, buscar uma complementa-
ção de renda. Trabalhavam como taxistas,
1. Com a elevação dos juros norte-americanos em em botecos, vendiam suco ou o que pu-
1979 e a posterior retração dos fluxos financeiros dessem. Porém, o que mais impressionou
internacionais, o Brasil viu-se diante de uma crise
que se estendeu pela década de 1980. As opções José foi a situação dos que haviam sido
de política econômica adotadas (maximizando as demitidos com cerca de 40 anos de idade.
exportações e retraindo o mercado interno)
visavam assegurar o pagamento da dívida Ainda distantes da aposentadoria e sem
externa. O resultado foi uma década de trabalho fixo – e com poucas perspectivas
estagnação e elevada inflação, sendo que o país,
de absorvedor de recursos externos, tornou-se um de consegui-lo na profissão em que ha-
exportador líquido de divisas. viam sido treinados –, muitos deles, com
O BRASIL DESEMPREGADO 6
o esgotamento do precário seguro-desem- seu pai. José teria tido prazer em conhecê-
prego e de suas poupanças, perderam a es- lo, mas seu casamento não suportou o de-
perança e foram se somar aos milhares de semprego do casal e o marido foi tentar a
indivíduos que perambulam sem destino vida em outra cidade. Com a privatização
pelos grandes centros urbanos. da estatal em que trabalhava, foi demiti-
Seus três filhos terminaram a faculdade da. Hoje, com a ajuda de Mercedes, ela
e casaram. O mais velho, que sempre aju- toma conta do filho e, com seu computa-
dor, tem consegui-
do algum trabalho
em domicílio. No
domicílio de José e
Mercedes. Como
seu irmão, tem um
típico trabalho pre-
cário, não tem ren-
da garantida e não
contribui para a
Previdência.
O filho mais novo
de José se formou
dara a mãe com os doces, conseguiu com em economia há três anos e ainda não con-
esforço terminar o curso de engenharia seguiu emprego. Depois de alguns estági-
elétrica e parecia encaminhado com o em- os realizados em empresas adquiriu expe-
prego que havia conseguido em uma gran- riência, mas não o suficiente, como se afir-
de multinacional. No entanto, um dos tan- ma no mercado de trabalho. É casado com
tos processos de reengenharia cortou pela uma bancária, que vem assegurando o sus-
metade os postos de trabalho, entre os tento do casal e da filhinha no interior.
quais o dele. Vivia agora de bicos, de tra- O retorno de José tem sido difícil. É di-
balhos temporários em pequenos projetos fícil entender o que aconteceu. Ele sabe
conseguidos por um amigo que ainda tra- que sua família manteve-se unida e ínte-
balhava em um escritório de engenharia. gra graças à garra de Mercedes durante
Sua esposa trabalhava como jornalista free todos esses anos. Mas não entende o que
lance. Sem garantia de renda e sem con- houve. Nem percebe a dimensão da gravi-
tribuir para a Previdência, não iriam po- dade do problema social vivido pelo país,
der contar com a aposentadoria. Apesar com a profunda desestruturação produti-
de o casal, às vezes, obter uma renda ra- va2 e os recordes históricos de desempre-
zoável, a instabilidade os obrigou a ficar
com os dois filhos pequenos na casa de 2. Joseph Schumpeter, economista austríaco,
apontou para a dialética capitalista da destruição
Mercedes e José. criadora. No Brasil da década de 1990, o saldo
A menina do meio, formada em compu- entre a destruição e a criação de empresas,
setores, produtos e empregos tem sido
tação, havia sido casada com um operário claramente favorável à primeira, resultando em
especializado de uma montadora, como um processo de desestruturação produtiva.

7 JORGE MATTOSO
go e precarização das condições3 e rela- te trabalhador. Mas agora vê desânimo e
ções4 de trabalho. desesperança, resultantes dessa desestru-
Com seus amigos sindicalistas, aposen- turação econômica, social e familiar que
tados, desempregados ou não, e com sua sucedeu à vitória de Collor e, depois, de
família, tenta entender o que se passou Fernando Henrique Cardoso. Lembra-se
nessa década de 1990. Ele se lembra de do sociólogo encantador e bem falante que
que pouco antes de adormecer falou-se na ele chegou a admirar durante o período de
década de 1980 como uma década perdi- combate à ditadura. Mas como ele chegou
da. Mas como agora foi ficar muito pior, a se aliar a seus próprios verdugos para
mais perdida ainda? Ele se lembra das es- desestruturar a produção e o emprego na-
peranças depositadas pelos trabalhadores cional, para desmontar a nação em tão
brasileiros na candidatura de um presiden- poucos anos?

3. Precarização das condições de trabalho –


Aumento do caráter precário das condições de
trabalho, com a ampliação do trabalho assalariado
sem carteira e do trabalho independente (por
conta própria). Esta precarização pode ser
identificada pelo aumento do trabalho por tempo
determinado, sem renda fixa, em tempo parcial,
enfim, pelo que se costuma chamar de bico. Em
geral, a precarização é identificada com a
ausência de contribuição à Previdência Social e,
portanto, sem direito à aposentadoria.
4. Precarização das relações de trabalho –
processo de deterioração das relações de
trabalho, com a ampliação da desregulamentação,
dos contratos temporários, de falsas cooperativas
de trabalho, de contratos por empresa ou mesmo
unilaterais.

O BRASIL DESEMPREGADO 8
2. Desemprego e precarização:
uma tragédia brasileira

O desemprego e a precarização das con- crescente de deterioração das condições


dições e relações de trabalho que apavo- de trabalho, com o crescimento vertigino-
raram José e têm deixado perplexos os bra- so do trabalho temporário, por tempo de-
sileiros não ocorreram somente em uma fa- terminado, sem renda fixa, em tempo par-
mília, num setor econômico ou numa região, cial, enfim, os milhares de bicos que se
ainda que possam ser mais intensos aqui ou espalharam pelo país. Pelo contrário, ao
ali. Tampouco podem ser atribuídos aos longo do século XX, e sobretudo no pe-
próprios desempregados, à sua má vonta- ríodo após a Segunda Guerra Mundial,
de, preguiça, inaptidão ou a pouca empre- a partir de 1945, o país havia se trans-
gabilidade, pois vêm crescentemente atin- formado em uma economia urbana, in-
gindo a todos. Menos ainda podem ser atri- dustrial e com elevada geração de empre-
buídos a fatores internacionais, tecnoló- gos formais, capaz de incorporar ao mer-
gicos ou sazonais. Ainda que tais fatores cado de trabalho urbano parcelas signifi-
possam gerar desemprego e precarização, cativas de uma população com elevado
não foram eles a causa básica da extraor- crescimento demográfico e com um extra-
dinária deterioração do mercado de traba- ordinário contingente de pessoas expulsas
lho brasileiro ocorrida na década de 1990, do campo.
como veremos no capítulo seguinte. Já nos anos 80, houve alguma alteração
Na verdade, o desemprego e a precari- na dinâmica do mercado de trabalho. Apa-
zação das condições e relações de traba- receu pela primeira vez com intensidade
lho que se observam ao longo dos anos o desemprego urbano e teve início a dete-
90, e mais intensamente no primeiro go- rioração das condições de trabalho, com
verno de FHC (1995-98), são um fenôme- ampliação da informalidade. No entanto,
no de amplitude nacional, de extraordiná- como nesse período foram preservadas as
ria intensidade e jamais ocorrido na histó- estruturas industrial e produtiva, o desem-
ria do país. prego e a precarização ainda foram relati-
O Brasil nunca conviveu com um desem- vamente baixos e, sobretudo, vinculados às
prego tão elevado. Tampouco com um grau intensas oscilações do ciclo econômico 
9 JORGE MATTOSO
Acerto de contas com o passado
Emprego e concentraçăo de renda no pós-Segunda Guerra
O Brasil foi capaz de no pós-Segunda Guerra buscaram, então, apoio nos quartéis para impedir
assegurar taxas de crescimento econômico mais que “a república sindicalista” se propusesse a dis-
elevadas e gerar mais empregos que a maioria dos tribuir a renda e conformasse uma sociedade mais
países do mundo. Mas isto não resultou em justa e cidadã. Com a ditadura militar e a repres-
melhoria da distribuição de renda. são policial instaladas após 1964, os sindicatos,
Pelo contrário, o processo de industrialização apesar do crescimento de sua base material as-
e urbanização brasileiro manteve uma herança so- sentada na urbanização e na industrialização, vi-
cial também inigualável. No final dos anos 70, tí- ram-se limitados em sua ação política e social, tanto
nhamos uma complexa estrutura industrial e um no que diz respeito à consolidação de relações de
mercado de trabalho urbano crescentemente in- trabalho mais democráticas nos planos nacional,
tegrado, mas com baixos salários, elevado grau setorial e da empresa, como em seu papel de ala-
de pobreza absoluta e altíssima concentração da vanca para uma melhor distribuição de renda.
renda. Em terceiro lugar, as políticas sociais foram de-
Quatro fatores, resultantes da sólida aliança con- senvolvidas tardiamente em formas pouco cidadãs
servadora entre os novos ricos da industrialização e universais, favorecendo a desigualdade no aces-
do campo e da cidade e os velhos ricos da grande so à educação, à saúde, à previdência ou assis-
propriedade fundiária, podem nos ajudar a explicar tência social.
este processo. Em quarto lugar, o salário mínimo sofreu um sig-
Em primeiro lugar, há que se reconhecer que esta nificativo rebaixamento desde os anos 60 (veja ca-
herança social vem de longe, do escravismo, da pítulo 6). Promoveu-se, assim, uma acentuada di-
estrutura da grande propriedade rural e da solução ferenciação entre os salários, abrindo o leque sa-
conservadora dada à questão agrária. larial. O Brasil se caracteriza por ter um dos mais
A ausência de uma reforma agrária reforçou a extraordinários diferenciais entre os mais elevados
concentração da propriedade e o atraso produtivo. salários e os salários de base, tornando-se comuns
A partir dos anos 60, sua combinação com um pro- diferenças salariais superiores a 1 para 100 no in-
cesso de modernização agrícola tendeu a repro- terior de uma empresa. Dessa forma, agregou-se
duzir a pobreza, os baixos salários e a desintegra- a maior desigualdade entre os assalariados à já
ção econômica e social dos pequenos produtores. intensa desigualdade entre rendimentos e lucros
Apesar do intenso processo migratório ocorrido, o ou entre proprietários e não-proprietários.
imigrante rural encontrou espaços de inserção eco- Este conjunto de fatores dificultou a organiza-
nômica nos grandes centros urbanos, primeiro na ção social, a estruturação mais favorável do mer-
construção civil, depois na indústria e nos servi- cado de trabalho urbano e uma distribuição de ren-
ços. No entanto, foi intensa a concorrência entre da democrática.
trabalhadores, sobretudo os pouco qualificados, re- No final dos anos 70, a intensificação de novos
sultante das pressões advindas de um processo movimentos sociais pela democratização da eco-
extremamente rápido de urbanização e de acentu- nomia e da política brasileiras parecia indicar que
ados movimentos migratórios. com a recuperação da democracia se poderia, en-
Em segundo lugar, o lento processo de organi- tão, refundar um processo de crescimento com dis-
zação dos trabalhadores e de maior pressão social tribuição de renda e justiça social, enfrentando-se
pela democratização das condições e relações de de outra maneira aquelas quatro questões anteri-
trabalho e por uma melhor distribuição de renda, ormente referidas.
que parecia se ampliar com as reformas de base Com a vigorosa irrupção do movimento social e
propugnadas no final dos anos 50 e início dos 60, sindical na cena política desde as greves do ABC
foi bloqueado pela repressão político-militar. Os do final da década de 1970, foi acelerado o fim da
mesmos setores conservadores que impediram his- ditadura militar, potencializada a campanha pelas
toricamente a transformação da estrutura agrária Diretas Já e constituídas centrais sindicais e parti-

O BRASIL DESEMPREGADO 10
dos populares com extraordinária força. Também Apesar de intensas, estas conquistas foram ini-
consideráveis foram as conquistas incorporadas na cialmente dificultadas pela crise da dívida externa
nova Constituição Federal promulgada em 1988. e pela estagnação com elevada inflação que ca-
Não menos importante, criaram-se resistências so- racterizou a década de 1980, que muitos chama-
ciais que dificultaram durante alguns anos a im- ram de “década perdida” devido ao seu baixo de-
plantação de políticas antinacionais e preservaram sempenho econômico (cerca de 2,9% ao ano). Mas
a estrutura produtiva instalada. Finalmente, ao apa- estas conquistas e as expectativas geradas foram
gar das luzes dos anos 80, na primeira eleição pre- abortadas pela derrota de Luiz Inácio Lula da Silva
sidencial democrática, a candidatura de um traba- nas eleições de 1989 e pelo ainda menor cresci-
lhador empolgou a metade do país em uma cam- mento econômico (cerca de 1,5% ao ano) com de-
panha popular e de massas sem paralelo em nos- sestruturação produtiva e do mercado de trabalho
sa história. nacional que ocorreu na década de 1990.

Distribuição de renda entre pessoas economicamente


ativas com rendimento – Brasil – 1960/1990
Ano 50% mais pobres 10% mais ricos 10% mais pobres
1960 17,7 39,7 1,2
1970 15,0 46,5 1,2
1980 14,1 47,9 1,2
1990 11,9 48,7 0,8

Fonte: GONÇALVES, 1998.

Índice de Gini das pessoas economicamente ativas com rendimento


Brasil - 1983/1997
0,640

0,630

0,620

0,610

0,600

0,590

0,580

0,570
1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1992 1993 1995 1996 1997
Fonte: PNAD, apud Hoffmann, 1998.

na década e ao processo inflacionário. década o desemprego era baixo e pouco


Em outras palavras, o desemprego e a pre- acentuada a deterioração das condições de
carização cresciam com a retração das ati- trabalho.
vidades produtivas (como em 1981-83, por Na década de 1990 a situação alterou-se
exemplo) e voltavam a baixar quando a eco- profundamente. Nesses últimos anos, o de-
nomia voltava a crescer (como em 1984-86) sempenho produtivo não foi apenas me-
ou se estabilizava como durante a estagna- díocre e resultante de efeitos de oscilações
ção ocorrida entre 1987-89. Ao final da do ciclo econômico sobre o mercado
11 JORGE MATTOSO
A febre e os termômetros
As diferentes metodologias de mediçăo do desemprego

O desemprego, por sua complexidade e pela ção e homogeneização dos países avançados
relação dinâmica com o emprego e a inatividade, como o atual grau de desestruturação desse mer-
não é um fenômeno de fácil medição. cado é muito mais acentuado. Menor significado
Mesmo nos países avançados, onde a homoge- tem ainda o desemprego aberto em um país onde
neização do mercado de trabalho alcançou níveis um trabalhador desempregado, sem seguro-de-
mais elevados, se reconhece a dificuldade cres- semprego apropriado ou suficiente oferta de em-
cente em limitar a apreensão do fenômeno apenas prego, é obrigado, como estratégia de sobrevivên-
à definição de alguns critérios lógicos ou de regras cia, a aceitar sucessivas tarefas precárias,
práticas normativas para estabelecer limites estrei- descontínuas e de curta duração ou, por desalen-
tos da população desempregada. to, não buscou emprego nos sete dias anteriores à
A opacidade nos limites entre o desemprego, a pesquisa.
inatividade e o emprego vem exigindo que as pes- São duas as pesquisas mensais sobre desem-
quisas não se limitem ao desemprego aberto, tal prego realizadas no Brasil, embora nenhuma de-
como definido originalmente pela Organização In- las englobe o conjunto do país.
ternacional do Trabalho (OIT). Ou seja, existem A mais antiga, a Pesquisa Mensal de Emprego
mais formas de desemprego do que aquela defini- (PME), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geo-
da pelo trabalhador sem emprego e que buscou grafia e Estatísticas (IBGE), acompanha o desem-
trabalho na semana de referência, e são grandes penho do mercado de trabalho em seis regiões
os desafios na busca de uma identificação dessas metropolitanas (Recife, Salvador, Belo Horizonte,
categorias intermediárias, que favoreça, assim, a São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre) e, como
compreensão de sua amplitude e a complexidade o próprio nome diz, preocupa-se mais com o em-
das relações que elas mantêm. Não sem razão, prego.
nos últimos anos, na Europa e nos Estados Unidos, Iniciada quando o desemprego ainda não apa-
vêm sendo despendidos tempo e dinheiro para a recia como um problema concreto para a socieda-
busca de definições mais amplas. O próprio BLS – de brasileira, tem uma metodologia mais limitada.
centro de estatísticas do trabalho do governo nor- Reúne informações sobre a evolução do emprego
te-americano – apresenta atualmente seis diferen- assalariado com e sem carteira de trabalho assina-
tes taxas de desemprego, cada uma delas buscan- da, do trabalho por conta própria e dos empregado-
do identificar e incorporar algumas dessas catego- res. Seu principal indicador sobre o desemprego é
rias. a taxa de desemprego aberto em sete dias. Ou seja,
Em países como o Brasil, não somente o merca- são considerados desempregados apenas aque-
do de trabalho não alcançou os níveis de integra- les trabalhadores sem qualquer trabalho e que te-

Taxas de desemprego
Brasil (1) e São Paulo (2) 1989-1999
Tipo Desemprego 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Aberto Brasil 3,4 4,3 4,8 5,8 5,3 5,1 4,6 5,4 5,7 7,6 7,8

Total (SP) 8,7 10,3 11,7 15,2 14,6 14,2 13,2 15,1 16,0 18,3 19,5
Aberto (SP) 6,5 7,4 7,9 9,2 8,6 8,9 9,0 10,0 10,3 11,7 12,3
Oculto (SP) 2,2 2,9 3,8 6 6 5,3 4,2 5,1 5,7 6,6 7,2
pelo trabalho precário 1,5 2 2,9 4,6 4,7 4,0 3,3 3,8 4,2 4,6 4,9
pelo desalento 0,7 0,9 0,9 1,4 1,3 1,3 0,9 1,3 1,5 1,9 2,2
Fonte: PED/SEADE-DIEESE; PME/IBGE.
(1) Total das regiões metropolitanas; 1999 = média janeiro-maio.
(2) Região metropolitana de São Paulo; 1999 = média janeiro-junho.

O BRASIL DESEMPREGADO 12
nham exercido algum ato de busca de emprego semprego (PED). Realizada atualmente nos mer-
nos sete dias que antecederam a pesquisa. cados metropolitanos de trabalho de São Paulo,
Em países como o Brasil, a medição do desem- Recife, Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre e
prego limitada apenas ao desemprego aberto em Salvador, tem como principais indicadores as ta-
sete dias termina por reduzir muito a efetiva dimen- xas de desemprego aberto em 30 dias, de desem-
são do desemprego e favorece uma postura da prego oculto pelo trabalho precário (que inclui tra-
esfera pública descomprometida com o esforço balhadores desempregados que exerceram algum
necessário ao enfrentamento do problema do cres- tipo de bico e buscaram emprego) e de desempre-
cimento e da geração de empregos. go oculto pelo desalento (inclui trabalhadores de-
Impulsionado pelo processo de democratização sempregados e que por motivo de desalento não
e pela emergência do desemprego nos primeiros buscaram emprego no período de referência).
anos da década de 1980, o Brasil de certa maneira Apesar de ser a metodologia mais apropriada
tornou-se um dos precursores na discussão e na para medição do desemprego brasileiro, e talvez
elaboração de novos instrumentos de medição mais por isso mesmo, a PED tem, muitas vezes, sofrido
apropriados à compreensão do complexo fenôme- ataques de setores que preferem investir contra um
no do desemprego. Por iniciativa do Departamen- dos instrumentos mais inovadores de medição do
to Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Eco- desemprego, em vez de buscar as causas do fe-
nômicos (DIEESE) e da Fundação SEADE (Siste- nômeno e as formas de combatê-lo. É como se
ma Estadual de Análise de Dados) do governo para combater a febre fosse preferível quebrar o
paulista, criou-se a Pesquisa de Emprego e De- termômetro.

Perfil do desemprego (taxas médias atuais)


Brasil (1) e São Paulo (2) 1989-1999
Características Taxas médias anuais Variação em %
1989 1994 1998 1999 1998/1989
Total (PED)¹ 8,7 14,2 18,3 19,5 110,3
Aberto (PME)² 3,4 5,1 7,6 7,8 123,5
Com experiência (PED)¹ 7,5 12,3 15,9 17,0 110,7
Faixa Etária
10 a 14 anos 32,1 42,9 49,2 50,9 53,3
15 a 17 anos 21,9 38,0 46,8 48,9 113,7
18 a 24 anos 11,9 20,1 25,7 27,7 116,0
25 a 39 anos 6,2 11,0 14,6 15,5 135,5
40 anos e mais 3,5 6,9 10,9 12,3 211,4
Sexo (PED)¹
Mulheres 10,8 16,4 21,1 21,9 95,2
Homens 7,5 12,8 15,9 17,6 111,6
Tempo dispendido na procura de trabalho, em semanas (PED)¹
médio 15 25 36 40 140,0
mediano 9 13 21 24 133,3
Posição na Família (PME)²
Chefe 1,7 3,2 5,1 5,2 197,3
Conjuge 1,6 3,1 5,4 5,2 239,2
Filho 7,4 9,7 13,4 14,4 81,4
Outros 4,3 6,7 9,3 9,5 116,0
Escolaridade (PME)²
menos de 5 anos 2,9 4,0 6,1 6,4 110,6
5 a 8 anos 4,9 7,0 9,6 9,5 96,3
9 a 11 anos 4,5 6,0 9,1 10,1 102,9
mais de 11 anos 1,8 2,4 4,0 4,2 123,9
Fonte: PME – IBGE / Elaboração IPEA.
PED – SEADE / DIEESE, elaboração própria.
(1) PED: 1999 = média janeiro-junho.
(2) PME: 1999 = média janeiro-junho.

13 JORGE MATTOSO
Evolução da ocupação por posição nas
regiões metropolitanas (base 1991 = 100)
140

130

120
em %

110

100

90

80
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

Assalariados c/ carteira Assalariados s/ carteira Conta Própria


Fonte: PME/IBGE, elaboração IPEA

 de trabalho. A geração de emprego so- do ano de 1999 deverá ser ainda pior que
freu as conseqüências profundamente de- a do ano de 1998. Que final de década!
sestruturantes de um processo de retração No entanto, essas taxas são frias e ocul-
das atividades produtivas acompanhado do tam o lado humano de desassossego e
desmonte das estruturas preexistentes, sem desestruturação pessoal, familiar e so-
que se tenha colocado no lugar outras ca- cial que afeta nada menos que um em
pazes de substituí-las. Jogou-se fora o cada cinco trabalhadores das grandes
bebê com a água do banho. cidades brasileiras.
O desemprego disparou. Pouco depois O desemprego sempre afeta os trabalha-
que José despertou de seu longo sono em dores de maneira desigual. No entanto,
maio de 1999, a Folha de S. Paulo indica- neste “inferno astral” que tem atingido os
va em manchete que o desemprego havia desempregados nos anos 90, além de sua
alcançado mais de 10 milhões de brasilei- intensa elevação, alterações importantes
ros pelo país afora. Em algumas regiões têm ocorrido na estrutura e no tempo de
metropolitanas as taxas de desemprego desemprego. Entre 1989 e 1998, o desem-
haviam superado 20% da população eco- prego cresceu relativamente mais entre os
nomicamente ativa, cerca de 2,4 vezes, ou homens, de mais idade (40 anos ou mais),
140%, maiores do que quando José havia cônjuges e para os de maior escolaridade.
adormecido em 1989. Tais dados desmontam a argumentação do
Independentemente da metodologia governo e de seus economistas, que, de-
adotada, as atuais taxas de desemprego pois de negar o desemprego, tentaram atri-
não têm paralelo na história do país. Po- buí-lo à desqualificação do desemprega-
dem até baixar um pouco, mas a média do. O tempo de desemprego médio era de

O BRASIL DESEMPREGADO 14
Distribuição dos ocupados por posição na ocupação
Total regiões metropolitanas – jun./1999

dez. 1989 (%) jun. 1999 (%)


Assalariados com carteira 59,5 44,7
Assalariados sem carteira 18,4 26,9
Conta própria 17,7 23,5
Empregadores 4,4 4,9
Fonte: (PME/IBGE).

cerca de 15 semanas em 1989, passou para pela ampliação da precarização do merca-


36 semanas em 1998 e alcançou 40 sema- do de trabalho, já que estes trabalhadores
nas nos primeiros meses de 1999. não têm acesso ao seguro-desemprego.
Em contrapartida, os desempregados Na década de 1990, a situação de ampla
vêm tendo menor acesso ao seguro-desem- desestruturação do mercado de trabalho
prego. Apesar de sua precariedade (o be- tornou-se tão grave que o desemprego,
nefício médio girava em torno de 1,57 sa- apesar de extraordinário e de afetar dire-
lário mínimo em dezembro de 1998, cer- tamente milhões de pessoas, aparece como
ca de R$ 205), o seguro-desemprego con- a ponta de um imenso iceberg.
tinua um importante elemento amortece- Menos visível é a profunda deterioração
dor das agruras do desemprego. No entan- das condições e relações de trabalho, con-
to, segundo o Ministério do Trabalho, em vertida em virtude pelo discurso oficial ou
1998, comparativamente a 1995, foi me- oficioso de economistas e consultores.
nor o número de segurados assim como a Estas condições de trabalho tornaram-se
taxa de cobertura, muito possivelmente crescentemente informais, precárias, com

Evolução do emprego formal (base dez./1989 = 100)


Brasil - 1989/1999

100

90
em %

80

70
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Total Ind. Transf. Const. civil Comércio Serviços

Fonte: MTE; Boletim do Banco Central. 1989 a 1998 = a dezembro. Em 1999, refere-se ao mês de maio.

15 JORGE MATTOSO
trabalhos e salários descontínuos, de cur- de, grande parte sem registro e garantias
ta duração e sem contribuir para a Previ- mínimas de saúde, aposentadoria, seguro-
dência. desemprego, FGTS. Ou seja, três em cada
A redução do mercado formal de traba- cinco brasileiros ativos das grandes cidades
lho, isto é, aquele regulamentado pelas leis estão ou desempregados (um em cinco) ou
trabalhistas e integrado aos mecanismos na informalidade (dois em cada cinco), sen-
institucionais que garantem proteção ao do que destes últimos uma grande parcela
trabalhador, tais como a Previdência So- apresenta evidente degradação das condi-
cial, o Fundo de Garantia por Tempo de ções de trabalho e de seguridade social.
Serviço (FGTS) e o seguro-desemprego, No Brasil, segundo o Instituto Datafolha,
pode ser observado pelo crescimento dos seriam cerca de 24 milhões de brasileiros
trabalhadores sem carteira de trabalho as- nessas condições, dos quais mais de 12
sinada e por conta própria. milhões trabalhariam sem registro em car-
Segundo as pesquisas do IBGE ou do teira porque se encontram desempregados
DIEESE-SEADE, hoje mais de 50% dos ocu- e não conseguem outro tipo de trabalho.
pados brasileiros das grandes cidades se Desta forma, reduziu-se a participação
encontram em algum tipo de informalida- dos assalariados, conformando um verda-

O sol e a peneira
Previdęncia Social, desemprego e precarizaçăo do trabalho
A cada sucessivo ajuste fiscal visando assegu- balhadores. A todo momento volta-se a propor a
rar o pagamento de juros escorchantes aos deten- inclusão da idade como critério para a concessão
tores das dívidas interna e externa do setor públi- da aposentadoria ou são apresentadas à socie-
co, o governo recoloca em discussão a questão do dade novas propostas para restringir ainda mais
déficit da Previdência Social. a proteção social pública e criar condições para
Pressionado pelo governo, o Congresso Nacio- o desenvolvimento de regimes privados de ca-
nal aprovou nos últimos anos a substituição do tem- pitalização. Todos os anos o governo usa o es-
po de serviço pelo tempo de contribuição e elimi- pantalho do déficit da Previdência para impedir
nou a quase totalidade das aposentadorias espe- qualquer aumento mais substancial do salário mí-
ciais vinculadas a determinadas categorias de tra- nimo.

Evolução das contribuições previdênciárias e do


gasto com benefícios (R$ bilhões de dez./1997)
4.500,00
4.000,00 Contribuições
3.500,00
3.000,00
2.500,00
2.000,00
1.500,00 Benefícios
1.000,00
500,00

1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998


Fonte: MARQUES, R. e BATICH, M. (1999). O impacto da evolução recente do mercado de trabalho
no financiamento da Previdência Social. Mimeogr.

O BRASIL DESEMPREGADO 16
Na verdade, a postura do governo tem insistido rizam a produção e o emprego nacional. As recei-
sempre no corte dos benefícios dos contribuintes tas não crescem porque grande parte dos cerca de
sem uma análise das contribuições, e a conseqüen- 50% dos ocupados brasileiros e três em cada cin-
te ação no sentido de alterá-las. É como tentar ta- co membros da população economicamente ativa
par o sol com uma peneira. Marques e Batich mos- das grandes cidades não contribuem para o INSS.
tram, em estudo recente, que a profunda deterio- O Brasil tinha em abril de 1999 apenas 18,3 mi-
ração do mercado de trabalho brasileiro (desem- lhões de assalariados regidos pela CLT contribuin-
prego e precarização das condições de trabalho) do para o INSS e o Fundo de Garantia por Tempo
tem favorecido a relativa estagnação das contri- de Serviço, segundo a GFIP (Guia de Recolhimen-
buições e o déficit da Previdência Social. to do FGTS e Informações à Previdência Social).
Não se trata de negar a necessidade de se re- Por um lado, é um número extremamente baixo se
formar a Previdência, de se alterar a base sobre a consideradas a população de cerca de 160 milhões
qual se assentam as contribuições ou de ignorar o e uma população economicamente ativa (PEA) de
crescimento das despesas. Este aumento, provo- pouco mais de 70 milhões de trabalhadores. Por
cado pelos direitos introduzidos pela Constituição outro lado, torna extraordinariamente pequena a
de 1988, pela antecipação de aposentadorias em base das contribuições ao INSS, que pode contar
função da expectativa de alteração das normas adicionalmente com apenas cerca de 7 milhões de
para sua concessão e pelo fato de grandes contin- contribuintes individuais (parcela dos autônomos,
gentes de trabalhadores terem acumulado o tem- facultativos, empregados domésticos e emprega-
po de serviço necessário para requerer a aposen- dores).
tadoria, tem sido significativo. Com a deterioração do mercado de trabalho ocor-
No entanto, mantidas as contribuições sobre a rida nos últimos anos, atualmente estariam à mar-
folha de salários, para que não ocorresse um défi- gem de relações formais de trabalho mais de 24
cit, seria necessário que a receita de contribuição milhões de trabalhadores, e estariam desempre-
apresentasse um desempenho capaz de susten- gados cerca de 10 milhões de brasileiros.
tar as despesas. O que tem ocorrido, entretanto, Grande parte desses 34 milhões poderiam estar
vai em outra direção. Como indicado no gráfico contribuindo para a Previdência e para seu supe-
anterior, os recursos de contribuições arrecadados rávit. Para isso, no entanto, seria necessária outra
em 1998 apenas se igualavam ao volume de re- política, muito distinta da adotada por FHC e seu
cursos obtidos 13 anos atrás, em 1986. Não é de governo. Esta outra política, assentada em um
estranhar, portanto, que a Previdência Social apre- amplo projeto estratégico nacional, privilegiaria o
sente déficit. Mas por razões muito distintas da- crescimento econômico, valorizaria a produção e o
quelas aventadas pelo governo FHC. emprego nacionais e criaria formas efetivas de atra-
O déficit, portanto, tem outra causa: a estagna- ção da população engajada no mercado informal
ção das receitas, reflexo de políticas que desvalo- para o INSS.

deiro processo de desassalariamento5, com O intenso processo de desestruturação


ampliação da ocorrência de condições de do mercado de trabalho ocorrido nos anos
trabalho em que prevalecem situações sem 90 e, sobretudo, durante o primeiro gover-
contribuição para a Previdência e, portan- no FHC (1995-98) teve como pedra de to-
to, sem acesso à aposentadoria. que uma acentuada redução da capacida-
de de geração de empregos formais. Em
5. Ao longo do século XX o Brasil ampliou outras palavras, depois de várias décadas
consideravelmente a participação dos
assalariados entre os trabalhadores ocupados. Na
de extraordinário dinamismo e de assala-
década de 1990 este processo é revertido, riamento, a economia nacional mostrou-
reduzindo-se a participação dos assalariados,
sobretudo daqueles com carteira de trabalho
se pela primeira vez incapaz de gerar pos-
assinada. tos de trabalho, não apenas relativamente

17 JORGE MATTOSO
Evolução do emprego formal por subsetores da atividade econômica
Brasil - 1989/1999 (base 1989 = 100)
Subsetores 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999*
Total 99,7 96,1 93,5 93,1 94,2 91,5 90,3 90,2 87,7 87,5
Indústria de Transformação 97,8 91,3 86,5 85,8 87,1 82,0 79,7 77,7 73,1 72,9
Indústria Metalúrgica 88,3 79,4 72,0 71,2 72,6 67,7 65,8 66,7 61,9 61,0
Indústria Mecânica 87,4 77,4 67,3 65,9 68,3 64,1 60,5 59,0 54,4 53,2
Indústria Material Elétrico e Comunicações 92,8 80,2 68,1 62,7 63,0 60,6 58,8 55,6 50,7 50,2
Indústria Material de Transporte 93,1 82,2 77,7 76,4 77,2 69,8 66,0 67,8 59,8 58,5
Indústria Química e Prod. Farmacêuticos 92,9 85,3 81,1 78,5 79,9 74,8 73,9 72,5 69,7 69,4
Indústria Têxtil 95,5 83,3 75,3 76,8 78,5 70,6 68,4 64,1 61,9 62,4
Indústria Calçados 89,5 82,4 91,2 95,1 92,9 87,8 86,3 78,9 76,0 80,5
Construção Civil 97,0 91,0 90,3 86,3 84,9 83,7 82,9 83,7 79,8 76,8
Comércio 101,8 97,6 93,1 93,9 96,1 93,5 93,3 94,8 93,5 92,4
Instituições Financeiras 96,9 89,1 85,0 83,1 79,2 75,4 69,8 66,1 62,2 60,6
Transportes e Comunicações 100,6 98,4 97,0 96,4 96,3 95,8 95,2 95,0 91,7 91,3
Alojamento, alimentação, reparação, e diversos 102,2 102,7 102,1 103,4 106,7 105,6 107,2 108,9 108,6 108,7
Fonte: MTE/Caged e RAIS.
* ref. maio/1999.

à elevação da produtividade e aos novos 322 mil empregos formais. O comércio


ingressantes no mercado de trabalho, mas também foi duramente atingido (-294 mil).
em termos absolutos. O setor financeiro reduziu sua mão-de-
Os anos 90 indicam um desempenho obra formal em cerca de 354 mil. Apenas
negativo, sendo que no período 1995-98 a apresentou um comportamento positivo o
redução da geração de postos de trabalho heterogêneo subsetor Serviços, compreen-
formais ocorreu todos os anos, mesmo dido por alojamento, alimentação, repara-
quando houve algum crescimento do PIB. ção e diversos (cerca de 160 mil).
Todos os setores apresentam recuo do O desempenho negativo da geração de
emprego formal, embora a indústria de empregos formais da economia brasileira
transformação e a construção civil sejam só não foi maior graças ao aumento do
mais duramente atingidas. emprego público, ocorrido até meados da
Ao longo dos anos 90 foram queimados década. No entanto, com o processo de
cerca de 3,3 milhões de postos de traba- privatização das empresas públicas e com
lho formais da economia brasileira, sendo os sucessivos ajustes fiscais e seus respec-
que desde que FHC assumiu em 1995 foi tivos cortes nos gastos sociais, o cresci-
contabilizada uma queima de nada menos mento do emprego público e das áreas de
de 1,8 milhão de empregos formais, se- educação e saúde (principais empregado-
gundo os dados do Cadastro Geral de ras) apresenta retração nos últimos anos.
Empregados (CAGED), do Ministério do Recente pesquisa do Datafolha registra
Trabalho. Até maio de 1999 a indústria de apenas 5,4 milhões de funcionários públi-
transformação reduziu seus empregos for- cos no Brasil. Ampliada a política de cor-
mais na década em cerca de 1,6 milhão tes nos gastos sociais do governo federal
(cerca de 73% do que dispunha em 1989) aos planos estadual e municipal, deverá
e os subsetores mais atingidos foram os se acentuar, ainda mais, a queda do em-
das indústrias têxtil (–364 mil), metalúr- prego público e dos empregos formais nos
gica (–293 mil), mecânica (–214 mil), quí- próximos anos.
mica e produtos farmacêuticos (–204 mil) As relações de trabalho também sofrem
e material de transporte (–92 mil). A cons- pelo crescimento do desemprego e da
trução civil viu desaparecerem cerca de informalização. Os trabalhadores e seus
O BRASIL DESEMPREGADO 18
sindicatos ficam debilitados e as empre- impulsionando as câmaras setoriais), en-
sas adquirem um maior poder no mercado traram num evidente movimento defensi-
de trabalho. Nessa situação, tornam-se co- vo. Também houve uma desaceleração na
muns mecanismos contratuais unilaterais quantidade de greves, com maior disper-
ou por empresa, que terminam, a longo são e fragmentação da ação sindical. Esta,
prazo, por favorecer a desvalorização da empurrada pelo contexto de maiores difi-
contratação coletiva mais setorializada ou culdades, dificilmente logrou a conquista
centralizada, a preservação de baixos sa- de novos direitos, mas tão-somente a defesa
lários e, sobretudo, a ampliação das dife- dos existentes, cada vez mais ameaçados
renças de rendimentos dos ocupados, além pela desregulamentação promovida pela
de acentuar a queda dos níveis de sindica- adaptação patronal às políticas macroeco-
lização. nômicas e pela ofensiva governamental.
Numa situação desse tipo, não se pode A saída deste movimento defensivo
estranhar as importantes mudanças que constitui um desafio extraordinário para
aconteceram nas condições e na dinâmica as organizações dos trabalhadores: ser ca-
dos trabalhadores e de suas organizações paz de se opor às políticas governamen-
sindicais no período recente. tais que geraram esta profunda regressão
Por um lado, a ação sindical foi restrin- das estruturas da produção e do emprego
gida pela profunda transformação regres- nacional e, ao mesmo tempo, propor polí-
siva da estrutura produtiva, pelo cresci- ticas alternativas e constituir com amplas
mento econômico medíocre, pela redução forças sociais um movimento capaz de
dos espaços de negociação setoriais e na- apoiar democraticamente um novo proje-
cionais, pelo aumento do desemprego, pela to nacional.
redução de empregos formais e pela ele- Mas quais foram, afinal, as políticas
vação da precarização das condições e re- que geraram esta violenta desestrutura-
lações de trabalho. ção do mercado de trabalho brasileiro,
Por outro lado, os sindicatos e centrais com o corolário de desemprego e precari-
sindicais, que estavam à beira de uma ação zação crescente das condições e relações
propositiva nacional (como, por exemplo, de trabalho?

A dança das cadeiras


Desregulaçăo, flexibilidade, reduçăo de custo e empregabilidade
Na era da internacionalização e da financeiriza- países avançados – em condições de intensa de-
ção do capital, os países que adotaram estratégias sestruturação e anomia.
de inserção passivas e subordinadas no mercado No Brasil, as aberturas comercial e financeira
mundial pagam um duplo preço. Submetem-se aos jogaram a economia na selva da competição inter-
novos mecanismos por meio dos quais o grande nacional sem qualquer proteção e com medíocre
capital busca maximizar a extração do excedente, crescimento da produção. Nessa dinâmica, com
ao mesmo tempo que debilitam a produção e o predomínio da esfera financeira e dos credores e
emprego nacional e colocam o trabalho – que nun- com a destruição da produção e do emprego na-
ca havia alcançado os níveis de integração dos cional, as grandes empresas tornaram-se debilita-

19 JORGE MATTOSO
das diante de seus concorrentes internacionais, do de um trabalho. Nesta tradição, o emprego é um
setor financeiro e do governo. No entanto, estas direito do cidadão e, na sua ausência, cabe ao Es-
mesmas empresas se viram fortalecidas relativa- tado assegurá-lo. Agora empresas e Estado bus-
mente aos trabalhadores, cujo poder de barganha cam se liberar dos encargos com o emprego e fa-
foi ainda mais depauperado pelo desemprego e zem do desemprego uma responsabilidade indivi-
pela precarização do trabalho. Em geral, quanto dual do próprio desempregado. Trata-se de uma
mais debilitadas e subservientes ao governo, às cínica responsabilização das próprias vítimas por
finanças e aos concorrentes são as empresas, mais sua sorte. Representativo de tal cinismo foi o arti-
tendem a exercer de forma autoritária e unilateral go “Será o desemprego necessariamente um mal?”,
o seu acrescido poder junto aos trabalhadores. publicado na revista Idéias & Estudos, do PSDB,
Estabelece-se, então, um forte conluio entre es- em maio de 1999, cujo título dispensa qualquer
sas empresas e o governo visando assegurar a comentário.
intensificação da inserção subordinada e garantir A “empregabilidade” passou a ser expressão
que a conta deste processo recaia sobre os traba- dessa responsabilização do indivíduo por seu em-
lhadores. Ressalte-se que aqui não estão contem- prego e desemprego. Trata-se de uma clara tenta-
pladas as pequenas empresas, em geral tão viti- tiva de transferir riscos e responsabilidades aos
madas quanto os trabalhadores. Tampouco se tra- mais fracos, fazendo o trabalhador assumir a sua
ta de acusar as empresas, mas de sublinhar que a empregabilidade, por meio de formação profissio-
política econômica e o efetivo comportamento das nal, requalificação etc. Estado e empresas até po-
empresas não são em nada alheios à dinâmica das dem destinar alguns recursos para tais cursos, im-
condições e relações de trabalho. portantes, mas absolutamente incapazes de gerar
As grandes empresas abrem mão do crescimento mais postos de trabalho. Uma contribuição, diga-
via produção, outrora eixo nucleador de suas es- mos, para o “salve-se quem puder”.
tratégias, e passam rapidamente a acelerar a A ação de empresas e governo tem destruído o
terceirização de atividades, abandonar linhas de mercado de trabalho e mais parece o jogo da “dan-
produtos, fechar unidades, racionalizar a produção, ça das cadeiras”. A cada parada da música somem
importar máquinas e equipamentos, buscar parce- cadeiras do jogo. Aqueles que podem melhor dispu-
rias, fusões ou transferência de controle acionário tar sua cadeira assim o fazem, enquanto os outros,
e reduzir custos, sobretudo da mão-de-obra. Por cada vez em maior número, ficam assistindo em pé.
outro lado, vão aumentar seu lucro não-operacio- Empresas e governo optam por não enfrentar o
nal mediante a ampliação de posições no mercado problema do emprego via crescimento econômico
financeiro, eventualmente mais que compensando e aumento da demanda de mão-de-obra e querem
as perdas pela redução de seus mercados. resolvê-lo por meio da redução do custo da mão-
O governo abre mão da articulação de um proje- de-obra. Com isso, se acentua a degradação da
to nacional e passa a propor a intensa flexibilização qualidade do emprego, pois a qualidade dos pou-
da legislação que regula o trabalho de maneira a cos empregos criados torna-se inferior à dos elimi-
favorecer a desregulação e a redução dos custos nados. As políticas voltadas à supressão de jorna-
empresariais. das padronizadas, de múltiplos contratos, de ren-
O discurso do governo e dos empresários tem da variável, de disponibilização do emprego segun-
dois eixos básicos. O primeiro relaciona a possível do as demandas ampliam a precarização e criam
criação de empregos com a redução do custo do uma mão-de-obra descartável, comprometendo a
trabalho e com a deterioração dos empregos exis- qualificação futura da força de trabalho, sobretudo
tentes (contratos temporários, contratos por tempo porque a verdadeira qualificação exige formação
parcial, cooperativas de trabalho, desemprego tem- básica e tempo.
porário, renda variável etc.), buscando, paralela- O mais grave é que a manutenção e a intensifi-
mente, caricaturar os renitentes defensores dos cação desse processo de precarização das condi-
contratos claros e formais, negociados ou legais, ções e relações de trabalho, em uma sociedade
como privilegiados ou corporativos. desigual e em um mercado de trabalho relativa-
O segundo eixo do discurso tenta romper com a mente pouco integrado, vão rompendo identidades
tradição que identifica cidadania com o exercício e gerando anomias.

O BRASIL DESEMPREGADO 20
3. A arquitetura
do caos

O Brasil teve ao longo deste século uma ria em uma das maiores e mais dinâmicas
história de crescimento econômico, gera- economias do mundo.
ção de empregos, mobilidade social e con- Na década de 1990, o Brasil do cresci-
centração de renda. Com uma inserção in- mento econômico e da mobilidade social
ternacional ampla, mas qualificada por parece ter desaparecido. Depois dos anos
meio de um processo de substituição de 80, a “década perdida”, parecia que nada
importações, viabilizou-se no pós-guerra poderia ser pior. No entanto, o desempenho
um dos mais intensos processos de urba- econômico da década de 1990 não somente
nização e industrialização, transformando foi a metade do ocorrido nos anos 80 como
em poucas décadas um país de base agrá- foi o pior do século, e com ele se esvanece

Nível real de atividade econômica


Brasil – Século XX
9

5
em %

8,8
4
7,3 7,1

3 6,1
5,7
5,1 5,3
4,5 4,3 4,3
2 3,7
2,9
2,2
1
1,5

0
1900-49 00 10 20 30 40 1950-98 1950-79 1980-99 50 60 70 80 90

Fonte: Dados 1900-1947, série Haddad; 1949-1999, dados IBGE; em 1999 considerou-se uma queda de 1%.

21 JORGE MATTOSO
Variação anual e tendência do PIB
Brasil – 1950/1998
15

13

11

7
em %

-1

-3

-5
1950

1952

1954

1956

1958

1960

1962

1964

1966

1968

1970

1972

1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998
Variação média anual Tendência

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

o sonho de uma melhor distribuição de ren- em condições de miséria absoluta. A vio-


da e de uma sociedade mais justa. lência tornou-se parte de um cotidiano que
A economia não está apenas paralisada se assemelha a uma verdadeira guerra ci-
há vários anos, mas profundamente desar- vil. Em um único fim de semana de 1999,
ticulada, desestruturada e submetida aos os jornais noticiaram o assassinato de 59
desígnios de uma elite doméstica antina- pessoas em São Paulo. No mês de maio
cional e do capital financeiro internacio- foram 415 assassinatos apenas em São
nal. O Estado nacional foi desmontado a Paulo. A sociedade brasileira, estrutural-
golpes de privatizações lesivas, de sone- mente desigual, aparece agora fragmenta-
gações e guerras fiscais e de sucessivos da e contaminada por forte anomia, com
cortes de gastos e despesas públicas. O uma acentuada desarticulação dos milha-
desemprego atinge um em cada cinco ha- res de brasileiros sem teto, sem terra, sem
bitantes das grandes cidades. A informa- salário, sem emprego e, sobretudo, sem
lidade atinge outros dois em cada cinco. esperança.
A pobreza alcança níveis até hoje desco- A rapidez do desmantelamento do Esta-
nhecidos. O IPEA (Instituto de Pesquisa do e da economia nacional é de deixar
Econômica Aplicada) considera que cer- perplexo qualquer um que tenha uma no-
ca de 57 milhões de brasileiros – o equi- ção mínima de história. Mesmo quem não
valente a 35% da população – estão atual- adormeceu por tantos anos como o José
mente abaixo da linha de pobreza e que da história que abre este livro se pergunta:
entre 16 e 17 milhões de brasileiros vivem como isso foi possível?

O BRASIL DESEMPREGADO 22
Collor e Fernando Henrique Cardoso salvaguarda. Para tanto, consolidou a aber-
apostaram todas as suas fichas na “moder- tura comercial e financeira indiscrimina-
nidade” supostamente virtuosa da desre- da, iniciada por Collor e Itamar Franco, dis-
gulação da concorrência e da globaliza- pensou a constituição de um projeto de de-
ção financeira internacional. senvolvimento ou de políticas setoriais de
Para FHC, esta modernidade geraria uma defesa da produção e do emprego nacionais
nova dinâmica na economia internacional. e caracterizou quaisquer políticas de defe-
Chegou a declarar em entrevista que essa sa da produção e do emprego nacionais
nova dinâmica favoreceria o surgimento como “corporativas” ou “inflacionistas”.
de um novo “Renascimento”. Segundo ele, Por outro lado, acreditou que para inte-
renasceria uma nova era de avanços da grar a economia e a sociedade brasileira
razão e da técnica, sem ganhadores ou ao Primeiro Mundo necessitava ancorar a
perdedores, de per se benéfica ao país. moeda nacional ao dólar e o financiamen-
Triste engano, não fossem tão dramáticas to do investimento aos mercados financei-
as suas conseqüências para todo um país! ros, crescentemente especulativos e volá-
A mundialização de bens e capitais sob teis. Assim, baseou a estabilização mone-
a supremacia do capital financeiro não tária na sobrevalorização da moeda nacio-
trouxe a esperada convergência da rique- nal e nos elevados juros e considerou os
za das nações, mas a reafirmação da hege- críticos dessa política “jurássicos”, “fra-
monia e da centralidade dos Estados cassomaníacos” ou adeptos do puro “nhe-
Unidos, que de Washington distribui seu nhenhém”.
consenso. Para os países que abandona- Essa política econômica aventureira –
ram um projeto nacional próprio, o Con- baseada no tripé abertura econômica e fi-
senso de Washington 6 tornou-se um nanceira indiscriminada, sobrevalorização
must, uma política única de um pensa- do real e juros elevados – teve por conse-
mento único, cujos comportamentos qüência um crescimento econômico me-
desviantes seriam combatidos com os díocre e uma profunda desestruturação
movimentos voláteis e disciplinadores do produtiva, cujas trágicas conseqüências
capital financeiro. sobre o mercado de trabalho nacional já
FHC tomou a nuvem por Juno. observamos, além da ampliação dos
Por um lado, acreditou que bastava in- desequilíbrios das contas públicas e das
tegrar o país rapidamente a esta nova eco- contas externas e do veloz desmonte do
nomia internacional, sem nenhum tipo de Estado.

6. Conjunto de propostas elaboradas em um


seminário do Banco Mundial em Washington e
destinadas aos países periféricos, visando a
redução do Estado, a liberalização de mercados e
a desregulamentação financeira.

23 JORGE MATTOSO
Crescimento e emprego
As diferenças nos Estados Unidos e Europa

Durante muitos anos desta déca- Estados Unidos e União Européia


da de 1990, o pensamento econô- taxas de desemprego, 1970-1998
14,0
mico dominante buscou fazer crer
que a elevação do desemprego na 12,0
União Européia

Europa ocorria por obra e graça da


10,0
preservação de um mercado de tra-
balho demasiadamente rígido. 8,0

Exemplo contrário, sempre citado:


6,0
as extraordinariamente baixas taxas
de desemprego nos Estados 4,0
EUA

Unidos, país sempre caracterizado


2,0
pela flexibilidade de seu mercado de
trabalho. 0,0
1970

1971

1972

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998
Efetivamente, o desemprego eu-
ropeu atingiu níveis recordes na
EUA – Variação do PIB e
década de 1990, atingindo em seu
taxa de desemprego, 1970-1998
pico cerca de 19 milhões de pes-
8,0 12,0
soas, ou seja, uma taxa média de
desemprego de 11,5% em 1994. No 6,0 10,0

entanto, sua elevação não pode ser


creditada à rigidez de seus merca- 4,0 8,0

dos de trabalho, até porque nume-


em %

em %
2,0 6,0
rosas políticas de ajustamento por
preços (salários) e quantidades
0,0 4,0
(flexibilização) foram adotadas em
vários países. Estas políticas foram -2,0 2,0

adotadas intensamente na Inglater-


ra da Sra. Thatcher (com a acentu- -4,0 0,0
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998

ada desregulamentação do merca- PIB Desemprego

do de trabalho), mas também em ou-


tros países, por exemplo na União Européia – Variação do PIB e
Espanha (contratos mais flexíveis) taxa de desemprego, 1970-1998
e na França (redução dos encargos 12,0

sociais). Se tais políticas não tive- 5,0 11,0

ram efeito sobre as taxas de desem- 10,0

prego, em contrapartida elevaram a 9,0

precarização das condições e rela- 8,0


em %

em %

ções de trabalho e ampliaram sobre- 1,0


7,0

6,0
maneira a desigualdade, para os pa-
5,0
drões europeus. Com economia e
4,0
sociedade mais homogêneas e de-
3,0
mocráticas, houve significativas
-3,0 2,0
pressões sociais que redundaram
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998

PIB Desemprego
em uma série de novos governos
surgidos a partir de 1996, e que se Fonte dos gráficos: OECD Economic Outlook; OECD National Accounts.

O BRASIL DESEMPREGADO 24
propuseram a reverter esta ampliação da precari- dígitos. Caso se consolidem a moeda única euro-
zação e da desigualdade, favorecendo o crescimen- péia e uma política econômica comum, estas po-
to econômico, reinstituindo o salário mínimo na In- derão acelerar a convergência dos principais indi-
glaterra ou propondo a redução da jornada de tra- cadores econômicos na zona do euro e assegurar
balho na França. um crescimento econômico mais intenso, com im-
Estudo da OIT de 1995 já apontava: “Os fatos pactos ainda mais significativos sobre a queda do
não corroboram a tese segundo a qual o desem- desemprego.
prego na Europa seria devido em grande parte à Os Estados Unidos, no entanto, desde 1984 vêm
rigidez do mercado de trabalho”. Na Europa como apresentando crescimento econômico, exceção
alhures o desempenho do mercado de trabalho está feita aos dois primeiros anos da década de 1990.
diretamente vinculado à dinâmica do investimento Após a grande virada de 1979, quando o banco
(público e privado) e, portanto, da atividade econô- central norte-americano (FED) elevou as taxas de
mica privada e do desempenho do setor público, juros e intensificou-se a globalização financeira, os
fator importante na geração de empregos. A seve- Estados Unidos tornaram-se o grande beneficiário
ra crise dos anos 70 se estendeu na Europa até o deste processo. Esse desempenho econômico é
início da década de 1980, sendo que quando foi resultado de uma assimetria determinada pelo
retomada a expansão das atividades produtivas o extraordinário poder internacional da dupla di-
desemprego diminuiu, alcançando seu mais baixo plomacia – do dólar e das armas – desenvolvida
nível em 1990 (7,9%), não muito distante da taxa estrategicamente por aquele país. As baixas taxas
então verificada nos Estados Unidos. de desemprego norte-americanas, independente-
Após o Tratado de Maastricht7, que impôs seve- mente da acentuada desigualdade social, são re-
ras restrições orçamentárias e ao desempenho sultado desse crescimento econômico, que já co-
econômico aos países que pretendiam aderir à meça a se traduzir também em alguma elevação
união monetária, a retração das atividades produ- dos salários.
tivas estendeu-se até 1994. Não sem razão, o de- Como já demonstrou a experiência brasileira do
semprego voltou a subir acentuadamente até 1994 pós-Segunda Guerra, apenas crescimento econô-
e manteve-se ainda em níveis elevados até dois mico não assegura a constituição de uma socie-
anos atrás. A partir de 1997, a economia voltou a dade menos desigual, mais solidária e com
crescer em ritmo superior a 2,5% e as taxas de melhor distribuição da renda. Mas, como também
desemprego voltaram a cair (10,3% em 1998), al- demonstrou a experiência dos anos 80 e 90, sem
cançando atualmente taxas médias abaixo dos dois o crescimento...

7. Acordo assinado pelos principais países


europeus em 1991 e que estabeleceu critérios
econômico-financeiros a serem seguidos pelos
países que desejassem participar da moeda
única européia, o euro.

25 JORGE MATTOSO
4. Desestruturação
produtiva

Dando continuidade ao processo de Com o excesso de liquidez internacio-


abertura comercial indiscriminada inicia- nal que se esparramou por todos os lados,
do em 1990 (com eliminação das barrei- o Brasil aceitou passivamente a inversão
ras não-tarifárias, abolição das restrições de sua política cambial e a dependência
à importação de determinados bens e rá- aos fluxos externos de curto prazo, com
pida redução das tarifas), agregou-se ao altas taxas de arbitragem em dólar. Com a
longo da década de 1990 uma maior aber- desregulamentação financeira e cambial e
tura financeira (com ampliação da mobi- uma abertura comercial indiscriminada,
lidade dos fluxos de capitais, ou seja, das instalou-se um festival de ganância
facilidades à convertibilidade dos vários especulativa e patrimonial que, de certa
tipos de ativos e passivos financeiros). Isso forma, ocultou os riscos de desajuste glo-
tudo em meio ao verdadeiro populismo bal, de vulnerabilização e dependência
cambial baseado na valorização da moeda crescente de nossa economia.
nacional e nos elevados juros, que acom- Os movimentos de capitais externos tor-
panharam o Plano Real desde sua implan- naram-se novamente positivos a partir de
tação em meados de 1994. 1992. Inicialmente, a ampliação do movi-
Em um primeiro momento, os efeitos mento de capitais foi puxada pelos inves-
perversos deste mix de políticas econômi- timentos de portfólio, destinados às bol-
cas foram ocultados pelos efeitos da esta- sas de valores e aos fundos de renda fixa.
bilização sobre o consumo, sobre a expan- Quando estes, mais sensíveis à instabili-
são do crédito e pelo maior ingresso de dade global, sofreram retração inicial re-
recursos externos, embora este já ocorresse sultante da eclosão da crise mexicana em
desde o início da década. O governo che- 1994, o Investimento Direto do Exterior
gou, então, a alardear que, com o Plano (IDE) passou a predominar. Na verdade, o
Real, os problemas básicos da economia IDE, que havia se mantido em níveis osci-
brasileira estariam resolvidos (inflação e fi- lantes mas medíocres até 1993, multipli-
nanciamento) e que se tratava de assegurar cou por 13 o seu valor no período 1994-
o crescimento sustentado da economia. 98. Segundo a Comissão Econômica para

O BRASIL DESEMPREGADO 26
a América Latina e Caribe (CEPAL), nos Em um primeiro momento, o IDE se con-
últimos anos o total ingressado ultrapas- centrou nos bens de consumo duráveis (au-
sou todo o estoque de capital acumulado tomobilístico, eletrônico de consumo e
ao longo da história (US$ 44 bilhões). eletrodomésticos) e não-duráveis (alimen-
No entanto, a extraordinária expansão tos, bebidas e produtos de higiene e lim-
do IDE não se refletiu com a mesma inten- peza). Até 1996, cerca de 55% dos recur-
sidade nas taxas de investimento. Estas sos estavam investidos na indústria. Mais
cresceram um pouco no período, mas con- recentemente, o processo de privatização
tinuaram baixas em relação às necessida- dos serviços públicos favoreceu o deslo-
des do crescimento sustentado brasileiro camento do IDE ao setor Serviços, que já
e, comparativamente, aos patamares das representa cerca de 80% do capital exter-
décadas anteriores. no investido.
Na realidade, parcelas expressivas do Inicialmente, o ingresso de investimen-
IDE são crescentemente norteadas pelo to externo no setor Serviços parece favo-
processo de compra ou fusão de empresas rável, pois alivia o déficit criado nas con-
em escala global e pelo deslocamento dos tas externas pelo comércio, os fretes, o
investidores internacionais em direção a turismo, os juros da dívida. Em seguida,
diversos segmentos da infra-estrutura eco- no entanto, os recursos investidos come-
nômica. Desta forma, o IDE dirigiu-se, so- çam a gerar um fluxo permanente de re-
bretudo, à compra de empresas pú-
blicas resultantes do processo de Investimento direto do exterior
e taxa de investimento¹
privatizações ou a empresas do pró-
Brasil 1980/1998
prio setor privado, reduzidas em
Investimento Direto Externo - Taxa de Investimento
seu valor pela concorrência desi- Ano
IDE (US$ milhões)
2
(em % PIB)³
gual que enfrentaram. Conforma- 1980 1.380,5 23,6
1981 1.670,8 21,6
se, desta maneira, um intenso des-
1982 1.121,3 20,0
locamento e desnacionalização do 1983 297,8 17,2
controle acionário das empresas e 1984 252,3 16,3
1985 134,6 16,4
setores econômicos, mas sem im- 1986 -412,8 18,8
plicar necessariamente a ampliação 1987 49,8 17,9
da capacidade produtiva instalada. 1988 -27,5 17,0
1989 -339,8 16,7
Em contrapartida, tanto nas priva- 1990 280,9 15,5
tizações de estatais como no pro- 1991 103,6 15,2
cesso de fusões e consolidação de 1992 1.583,0 14,0
1993 714,0 14,4
empresas privadas, tem sido comum 1994 1.971,0 15,3
a redução do número de emprega- 1995 5.091,7 16,7

dos (mediante processos de enxuga- 1996 9.976,0 16,5


1997 17.084,6 17,9
mento e encolhimento) e da capaci- 1998 26.133,7 17,4
dade geradora de empregos (por Fonte: Banco Central/Notas para a Imprensa, jul/99; Indicadores IESP;
Conjuntura Econômica, maio/1999.
meio da subcontratação de empre- (1) Formação Bruta de Capital Fixo.
sas estrangeiras, maior importação (2) Conjuntura Econômica, maio/1999; Banco Central Nota para Imprensa,
jul./1999.
de insumos e até de mão-de-obra). (3) A preços de 1980.
27 JORGE MATTOSO
Dívida líquida do setor público
Brasil – 1991/1999
50

45

40

35

30
% do PIB

25

20

15

10

0
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Divida liquida total Divida Interna Divida Mobiliaria Divida Externa

Fonte: Banco Central

messa de lucros e dividendos para o exte- combater seu crescimento, mas efetiva-
rior. Como o setor Serviços não é expor- mente para assegurar o pagamento dos
tador e gerador de divisas, estes fluxos ten- juros, o governo FHC lançou-se em su-
dem a pressionar o balanço de pagamen- cessivos ajustes fiscais, cujo único re-
tos. Segundo a Conferência das Nações sultado foi o agravamento do desmonte
Unidas para o Comércio e o Desenvolvi- do Estado nacional, com a deterioração
mento (UNCTAD), cada US$ 10 bilhões in- dos serviços públicos e de sua capacidade
vestidos em serviços devem gerar remes- de investimento, geração de emprego e
sas anuais de US$ 1 bilhão todo ano, in- crescimento.
definidamente. O breve crescimento econômico obser-
As privatizações deveriam gerar recur- vado após a implantação do Plano Real
sos destinados à redução da dívida públi- teve como principal componente o extra-
ca, segundo o governo. No entanto, a des- ordinário movimento expansivo do con-
peito da alienação de cerca de 75% do sumo privado, que além de inicialmente
patrimônio público, a dívida líquida do favorecer a expansão da produção (sobre-
setor público, puxada pelos juros eleva- tudo de bens de consumo duráveis) tam-
dos e pela redução do ritmo do crescimento bém ampliou as importações. A elevação
econômico, não parou de crescer, criando do consumo privado foi favorecida pela
crescentes dúvidas sobre a capacidade de demanda reprimida por anos de instabili-
pagamento federal, dos estados e municí- dade, pelo efeito da estabilização dos pre-
pios. A relação dívida líquida/PIB, que era ços sobre o poder de compra dos rendi-
de cerca de 29% ao final de 1994, alcan- mentos (sobretudo daqueles menos prote-
çou 41% em 1998 e chegou a cerca de 50% gidos contra a inflação) e pela expansão
em junho de 1999. Supostamente para do crédito.
O BRASIL DESEMPREGADO 28
No entanto, dado o mix de abertura in- to medíocre e controlado se transformas-
discriminada, sobrevalorização cambial e se em clara recessão das atividades pro-
elevados juros, o crescimento econômico dutivas. A economia nacional teve, então,
tornou-se macroeconomicamente insus- o segundo pior desempenho da década de
tentável. Quando se acentuava minima- 1990, com uma queda de 0,12% do PIB
mente, teve de ser contido, na tentativa de (atrás apenas da recessão de Collor de
evitar o completo descontrole do déficit 1992), e 1999 também prenuncia uma
comercial e da conta corrente do balanço retração das atividades produtivas. O re-
de pagamentos. O governo, inebriado com sultado: o crescimento econômico da dé-
o sucesso inicial do Plano Real, preferiu cada de 1990 foi o menor do século XX.
manter a política econômica e “segurar” o Com um quadro de crescimento tão me-
crescimento no momento seguinte. díocre e não sustentado em taxas de in-
Na verdade, a política econômica gerou vestimento adequadas, a economia não
uma extraordinária armadilha para o cres- pode gerar empregos em quantidade e qua-
cimento e a produção nacional. Esta não lidade suficientes para assegurar a incor-
pôde minimamente crescer, pois quando poração anual de 1,5 milhão a 1,8 milhão
o fazia ampliava ainda mais os cada vez de novos ingressantes no mercado de tra-
maiores déficits comercial e do saldo em balho, e ampliaram-se sobremaneira as
transações correntes. Em 1998, apesar do taxas de desemprego e a precarização das
agravamento da crise financeira mundial condições e relações de trabalho, como já
e da retração do fluxo de ingresso de re- demonstrado.
cursos no país, o governo manteve as mes- Com o desempenho econômico medío-
mas políticas visando preservar artificial- cre observado, o PIB per capita real, que
mente o real e assegurar a vitória no plei- incorpora o crescimento populacional, foi
to eleitoral, fazendo com que o crescimen- ainda mais medíocre ao longo do período
Taxa de crescimento do PIB e taxa de desemprego total
1989/1999
25 8,0

6,0
20

4,0

15
2,0
em %

em %

0,0
10

-2,0

5
-4,0

0 -6,0
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Desemprego - PED PIB

Fonte: IBGE e PED/SEADE-DIEESE.

29 JORGE MATTOSO
Taxas de crescimento do PIB real por setor, total e per capita (em %)
Brasil – 1989-1998

Ano Total Indús tria S erviços Agricultura Per Capita


1989 3,2 2,9 3,5 2,8 1,4
1990 -4,3 -8,2 -0,8 -3,7 -5,5
1991 1,0 0,3 2,0 1,4 -0,6
1992 -0,5 -4,2 1,5 4,9 -2,1
1993 4,9 7,0 3,2 -0,1 3,4
1994 5,9 6,7 4,7 5,5 4,3
1995 4,2 1,9 4,5 4,1 2,8
1996 2,7 3,3 2,3 3,1 1,2
1997 3,6 5,8 2,7 -0,2 2,2
1998 -0,1 -1,3 0,8 0,0 -1,4
Fonte: IBGE; Banco Central/1999.

e teve em 1998 uma queda de 1,2%. Em nal. A reação das empresas, dada a menor
1999, o PIB per capita poderá alcançar va- competitividade diante dos concorrentes
lores não muito distantes do início da dé- externos a que foram levadas, foi imedia-
cada. Triste década! ta: aceleraram a terceirização de ativida-
Efetivamente, a abertura comercial in- des, abandonaram linhas de produtos, fe-
discriminada, a ausência de políticas in- charam unidades, racionalizaram a produ-
dustriais e agrícolas, a sobrevalorização do ção, importaram máquinas e equipamen-
real e os elevados juros introduziram um tos, buscaram parcerias, fusões ou trans-
freio ao crescimento do conjunto da eco- ferência de controle acionário e reduziram
nomia (indústria, serviços e agricultura) e custos, sobretudo da mão-de-obra.
uma clara desvantagem da produção do- Se não bastasse a armadilha do cresci-
méstica diante da concorrência internacio- mento, também a dinâmica do comércio

Indicadores econômicos – Brasil – 1989-1998


PIB S aldo em
Exportação Importação S aldo Comercial
Ano Taxa de Cres cimento Trans ações Correntes ¹
(Em US$ milhões ) (Em US$ milhões ) (US$ milhões )
(em %) US $ milhões em % do PIB
1989 3,2 34.383 18.263 16.120 1.033 0,3
1990 -4,3 31.414 20.661 10.753 -3.782 -0,8
1991 1,0 31.620 21.041 10.579 -1.407 -0,3
1992 -0,5 35.793 20.554 15.239 6.143 1,6
1993 4,9 38.563 25.256 13.307 -592 -0,1
1994 5,9 43.545 33.079 10.466 -1.689 -0,3
1995 4,2 46.506 49.858 -3.352 -17.972 -2,5
1996 2,7 47.747 53.286 -5.539 -24.347 -3,1
1997 3,6 52.986 61.358 -8.372 -33.439 -4,2
1998 -0,1 52.700 59.000 -6.300 -34.000 -4,4
Fonte: IBGE; Banco Central; FGV/IBRE/Conjuntura Econômica; Indicadores IESP.
(1) Saldo da balança comercial + saldo da balança de serviços.

O BRASIL DESEMPREGADO 30
exterior foi radicalmente alterada. De um dicionais e ampliou as importações de mais
superávit de cerca de 10,5 bilhões de dó- elevado conteúdo tecnológico.
lares em 1994, ao final do governo FHC o Dessa forma, não pode surpreender a
país alcançou um déficit de mais de 6 bi- perda de espaço das exportações brasilei-
lhões de dólares. Essa alteração do comér- ras em mercados como os da América do
cio exterior se deveu, sobretudo, ao de- Norte, da Europa e da Ásia, ampliando
sempenho das importações. Estas, se já vi- apenas a participação na América Latina.
nham crescendo como resultado da abertu- Tampouco surpreendem as exportações
ra econômica promovida pelos governos apresentarem crescimento medíocre em
Collor e Itamar Franco, passam a se expan- relação à dinâmica do comércio interna-
dir espetacularmente com a sobrevaloriza- cional. Segundo a Organização Mundial
ção do real, alcançando cerca de 78% de do Comércio (OMC), em 1989 as exporta-
crescimento entre 1994 e 1998. ções brasileiras de US$ 34,4 bilhões
Os ganhos de produtividade, resultantes correspondiam a 1,1% do volume do co-
da ampliação das importações, não se re- mércio global. Em 1998, com exportações
fletiram sobre as exportações ou sobre o de US$ 51,1 bilhões, o Brasil viu cair sua
crescimento da produção, ao contrário do participação no comércio mundial para
cantado antecipadamente em verso e pro- 0,95%.
sa pelos defensores da sobrevalorização O baixo crescimento, somado à dinâmi-
cambial. Em boa medida porque os dados ca comercial brasileira, refletiu-se na ver-
oficiais do governo relativos à elevação dadeira paz dos cemitérios do emprego
da produtividade industrial, medidos pelo nacional. Os empregos formais foram di-
IBGE segundo a metodologia PF/HP (pro- zimadas e se expandiram de maneira inu-
dução física/horas pagas), são superesti- sitada e trágica o desemprego e a precari-
mados, sobretudo por efeito da utilização zação das condições e relações de traba-
da produção física em meio a um proces- lho. Em contrapartida, as importações ma-
so de adaptação regressiva do sistema pro- ciças favoreceram uma verdadeira expor-
dutivo. Desta forma, tendem a superesti- tação de empregos para os países que ven-
mar a produtividade e subestimar sua na- deram produtos ao Brasil.
tureza espúria e a redução do valor agre- O desempenho industrial foi medíocre
gado, resultante de acentuado processo de no conjunto do período analisado, sobre-
terceirização e de elevação das importa- tudo se deduzirmos a indústria extrativa
ções. Segundo a Organização Internacio- mineral, setor tradicionalmente competi-
nal do Trabalho (OIT), entre 1980 e 1996 tivo e exportador. Entretanto, o mesmo não
o Brasil não teria conseguido acumular se deu na indústria produtora de bens de
ganhos de produtividade. consumo duráveis, que apresentou um
A especialização regressiva que se ins- acentuado crescimento nos primeiros anos
talou no país favoreceu a importação de do governo FHC. Foi nesse setor, favorecido
produtos mais sofisticados, o contrário pela expansão do consumo e protegido
ocorrendo com as exportações. Em outras tarifariamente e pelos custos de transpor-
palavras, a nova especialização da indús- te, que se concentrou a maior parte do cres-
tria consolidou os setores exportadores tra- cimento da produção e do investimento.
31 JORGE MATTOSO
Uma relação conflituosa
Inovaçăo tecnológica e desemprego
Desde a I Revolução Industrial8 do século XVIII, XX mudou a qualidade do trabalho e acelerou a
as inovações tecnológicas têm sido recorrentemen- destruição de velhos produtos, atividades econô-
te consideradas uma ameaça aos empregos, so- micas ou formas de organização do trabalho. É
bretudo nos períodos de crise. Se no início os tra- evidente também que o progresso técnico – so-
balhadores destruíram as primeiras máquinas têx- bretudo quando observado em uma empresa, num
teis, assustados com as conseqüências de sua in- setor ou numa região – pode se refletir em su-
trodução, hoje há quem considere que caminha- pressão de empregos.
mos rapidamente em direção ao “fim do trabalho”. No entanto, quando observamos com mais aten-
No entanto, a relação entre inovação tecnológi- ção o fenômeno do desemprego e da precarização
ca e desemprego é bem mais complexa do que das condições de trabalho, verificamos que a rea-
pode parecer à primeira vista, sobretudo quando lidade é bem mais complexa, e por mais numero-
se questiona a tese do determinismo tecnológico. sos e verdadeiros que sejam os exemplos micro-
Resultante da concorrência entre os capitais, o econômicos de destruição de empregos estes nada
objetivo da introdução das inovações – elevar a provam em âmbito macroeconômico ou nacional.
produtividade e reduzir o trabalho vivo incorporado Por quê?
à produção – parece, quando visto unicamente no Porque a inovação tecnológica e a elevação da
âmbito de uma empresa, setor ou região, se trans- produtividade, ao mesmo tempo que destroem pro-
formar, como uma fatalidade, em desemprego e dutos, empresas, atividades econômicas e empre-
precarização do mercado de trabalho. Esses ma- gos, também criam novos produtos, empresas,
les da sociedade contemporânea parecem, então, empregos e até mesmo novos setores ou ativida-
resultar apenas da reestruturação produtiva, das des econômicas. Em outras palavras, a inovação
novas formas de organização do trabalho, da maior tecnológica, embora possa modificar a determina-
utilização da inovação tecnológica em tal empre- ção do nível do emprego, não determina a priori
sa, tal setor, tal região. seu resultado.
É verdade que o progresso técnico (e seu rit- Este resultado, que pode ser mais emprego, con-
mo) favorece a aceleração das transformações sumo, tempo livre ou desemprego, é uma escolha
qualitativas do trabalho (mudança da divisão téc- social, historicamente determinada pelas formas de
nica do trabalho, da organização do trabalho, das regulação do sistema produtivo e de distribuição
qualificações), assim como da distribuição setorial dos ganhos de produtividade. Nesse sentido, pas-
do emprego (nascimento, expansão e declínio das sa também pela incorporação de outras variáveis,
atividades econômicas). Portanto, o conjunto de como o crescimento econômico, fundamental para
inovações surgidas nos anos 60 e 70 e que vem a geração de empregos, sobretudo se mais inten-
sendo difundido nas últimas décadas do século so que os ganhos de produtividade. Também tor-
na-se relevante a análise da duração do trabalho,
8. Processo de introdução da primeira grande leva
pois sua redução, medida pela semana (incorpo-
de inovações tecnológicas na produção
capitalista. Esta primeira mecanização é rando a jornada de trabalho diária), pelo ano (con-
geralmente identificada com a incorporação de siderando a ampliação das férias e os feriados) ou
máquinas à produção têxtil. pela vida ativa (integrando os efeitos da ampliação

Taxas médias anuais de crescimento do PIB, emprego, produtividade,


demanda e acumulação – EUA e União Européia – 1960-73 e 1980-1999
Período Emprego PIB Produtividade² Demanda Acumulação³

1960-1973 2,2 5,4 3,7 5,2 6,3

1980-1999¹ 1,0 2,6 0,9 2,5 2,9

Fonte: OECD Economic Outlook. (2) Business sector ref. período 1979-1997.
(1) Dados estimados e projetados para 1998 e 1999. (3) Formação Bruta de Capital Fixo.

O BRASIL DESEMPREGADO 32
da escolaridade, da redução da idade para apo- As últimas décadas têm sido teatro de acentua-
sentadoria, períodos de licença etc.), pode favore- da globalização com intensificação dos fluxos fi-
cer a geração de mais postos de trabalho. nanceiros internacionais, acirramento da concor-
Uma equação bastante simples, em taxas de rência e crescente integração entre as economias
crescimento, pode representar este processo com- nacionais, com a emergência de um padrão de acu-
plexo: EMPREGO = PRODUÇÃO – PRODUTIVIDADE – DURA- mulação dominado pela esfera financeira, em cri-
ÇÃO DO TRABALHO. se estrutural.
Em outras palavras, a taxa de expansão do em- Nesse novo padrão financeirizado, sob hegemo-
prego depende sobretudo de a capacidade da taxa nia dos credores e com uma hierarquia com evi-
de crescimento econômico superar as taxas de in- dentes vantagens para os países do núcleo central
cremento da produtividade e da duração do trabalho. da economia mundial, em especial os Estados
O que efetivamente ocorre então e qual é o sal- Unidos, tornaram-se mais baixas as taxas de cres-
do desse processo? cimento, investimento, produtividade e consumo.
Durante o pós-Segunda Guerra a dinâmica da Em contrapartida, os ganhos de produtividade vêm
demanda impulsionou de maneira decisiva o cres- sendo apropriados pelo capital financeirizado, ten-
cimento da produção e da produtividade. do-se paralisado grosso modo o processo de redu-
Alavancados pelo investimento, os ganhos de pro- ção do tempo de trabalho, de elevação do salário
dutividade favoreceram o crescimento econômico. real e dos gastos públicos. O menor crescimento
Este circuito virtuoso de crescimento foi acompa- da produção e – por mais paradoxal que pareça
nhado por uma apropriação dos ganhos de produ- em meio a um novo sistema tecnológico – também
tividade pelos trabalhadores (mediante a redução dos ganhos de produtividade ocorreu tanto na in-
da jornada de trabalho e a elevação do poder de dústria como nos serviços.
compra dos salários) e pelo Estado (por meio da Embora a redução das taxas de crescimento da
elevação da arrecadação e dos gastos públicos). produção e da produtividade tenham sido intensas,
A maior disponibilidade de tempo e dinheiro pelos não o foram na mesma proporção. O saldo do em-
trabalhadores e a ampliação dos gastos públicos prego foi negativo ou insuficiente para assegurar a
favoreceram o crescimento das atividades de ser- incorporação dos novos ingressantes (e, portanto,
viços públicos (saúde, educação etc.) e privados fez crescer o desemprego e/ou a precarização) nos
(grande comércio, turismo, lazer etc.), que contri- países que apresentaram taxas de crescimento eco-
buíram acentuadamente para o crescimento do nômico mais medíocres relativamente à expansão
emprego. Em outras palavras, nesse período o da produtividade.
emprego tendeu a crescer mais naqueles países Em resumo, se o desemprego e a precarização
que apresentaram mais intenso crescimento eco- ocorrem, não tem sido por causa da inovação tec-
nômico diante das elevadas taxas de produtivida- nológica e da produtividade, mas devido a um cres-
de e/ou apresentaram mais intensa redução da jor- cimento econômico medíocre e à estagnação do
nada de trabalho. tempo de trabalho.

Taxas médias anuais de crescimento do PIB, emprego, produtividade,


demanda e acumulação – EUA e União Européia – 1960-73 e 1980-1999

País Indicadores 1960-1973 1980-1999¹


PIB 3,9 2,5
Emprego 1,8 1,5
Desemprego 4,8 6,6
EUA
Produtividade² 2,6 0,9
Demanda 3,9 2,7
Acumulação 4,5 2,9
PIB 4,7 2,1
Emprego 0,3 0,3
Desemprego 2,6 9,7
UE
Produtividade² 5,1 1,9
Demanda 5,2 2,0
Acumulação 5,6 1,9
Fonte: OECD Economic Outlook.
(1) Dados estimados e projetados para 1998 e 1999. (2) ref. período 1979-1997.

33 JORGE MATTOSO
Em contrapartida, quando se retraiu a juros foi por várias razões danosa ao em-
atividade econômica, a indústria foi a mais prego. Entre estas razões, destacam-se:
atingida e o setor produtor de bens de con- a) Crescentes déficits da balança comer-
sumo duráveis apresentou a queda mais cial (resultantes da intensa elevação das
pronunciada (–20,5%), tal como observa- importações) e do saldo das transações
do em 1998. A indústria apresentou nesse correntes (resultante da elevação dos
ano, pela primeira vez no período 1995- déficits da balança comercial e dos ser-
98, um desempenho negativo, de cerca de viços), que apontam para recorrentes cri-
–2%. O setor produtor de bens de consu- ses cambiais;
mo duráveis passou a ser, então, atingido b) Crescimento econômico medíocre e
pelas políticas visando a retração das ati- sujeito a fortes movimentos de retração das
vidades produtivas, pelo fim dos efeitos atividades produtivas, dado seus reflexos
positivos da estabilização monetária sobre na elevação dos déficits do saldo da ba-
o poder de compra dos salários menos pro- lança comercial e do saldo das transações
tegidos da inflação e pela ainda maior ele- correntes;
vação dos juros com efeitos deletérios so- c) Elevação crescente da dívida líquida
bre o crédito e a inadimplência. Dessa for- do setor público e constituição de sucessi-
ma, o desempenho da indústria de bens de vos ajustes fiscais que aceleraram o des-
consumo duráveis terminou o período 1995- monte do Estado nacional, com cortes de
98 também apresentando uma dinâmica pessoal, deterioração das atividades públi-
medíocre, com apenas pouco mais de 4% cas no campo social e redução de sua ca-
de crescimento relativamente a 1994. pacidade de investimento;
Em resumo, a adoção de uma inserção d) Transformação da estrutura do comér-
internacional subordinada, da abertura cio exterior, com um crescimento medío-
comercial e financeira indiscriminada, da cre das exportações (ancorado em setores
sobrevalorização cambial e dos elevados exportadores tradicionalmente competiti-

Índices de emprego, da produção


e da importação na indústria de transformação
210

190

170

150

130

110

90

70

50
85 86 87 88 89 90 91 92 93 90 95 96 97 98
Emprego Produção Importação
Fonte: FIBGE – PIM; MICT; BACEN (Dezembro de 1985 = 100,0)

O BRASIL DESEMPREGADO 34
vos e de grande escala de produção basea- e) Especialização produtiva regressiva,
dos em recursos naturais e energia abun- com ampliação da desnacionalização, re-
dante, tais como papel e celulose, agro- dução do valor agregado no país, com for-
business, siderurgia, processamento mine- te substituição da oferta doméstica de bens
ral e alumínio) e intensa ampliação das finais por importados, fechamento de li-
importações nos setores de maior conteú- nhas de produção e até mesmo de unida-
do tecnológico. des fabris inteiras.

Produção industrial segundo categoria


Brasil – 1989/1998
Variação anual (%)
Discriminação
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Total 2,9 -8,9 -2,6 -3,7 7,5 7,6 1,8 1,7 3,9 - 2,3
Indústria de transformação 2,9 -9,5 -2,4 -4,1 8,1 7,8 1,7 1,1 3,6 - 3,5
Por categorias de uso
Bens de capital 0,3 -15,5 -1,3 -6,9 9,5 18,7 0,3 - 14,1 4,6 - 1,9
Bens intermediários 2,4 -8,7 -2,2 -2,4 5,5 6,5 0,2 2,9 4,6 - 0,9
Bens de consumo 3,6 -5,3 2,1 -5,4 10,1 4,4 6,2 5,3 1,1 - 5,7
Durável 2,4 -5,8 4,7 -13,0 29,1 15,1 14,5 11,2 3,1 - 20,5
Semidurável e não-durável 3,9 -5,2 1,8 -3,8 6,6 1,9 4,2 3,7 0,5 - 1,2

Fonte: IBGE; Boletim Banco Central, jan/1999. Elaboração própria.

Luz no fim do túnel?


Desvalorizaçăo cambial e crescimento econômico

A globalização financeira e a livre mobilidade de sas nacionais. Por outro lado, esse conjunto de
bens e capitais têm induzido os países da periferia políticas favoreceu a desestruturação e a desna-
que se integram subordinadamente à economia cionalização da produção industrial e agrícola na-
global a adotarem aberturas financeira e comercial cional, assim como do mercado de trabalho.
indiscriminadas e taxas de juros elevadas como A desvalorização do real ocorrida em janeiro de
forma de atrair capitais, tornando crescentemente 1999 deixa intacta a questão da inserção brasileira
problemático o desenvolvimento sustentado de na economia globalizada. Não sem razão, o gover-
suas economias. no e aqueles que sempre vislumbraram o caos
O Brasil é um caso exemplar de aceitação das econômico e inflacionário caso se realizasse uma
regras do Consenso de Washington, que redunda- desvalorização cambial, são hoje – após a desva-
ram neste constrangimento ao crescimento. As lorização do real – os mais otimistas e acreditam
aberturas comercial e financeira, em sua forma que a mudança no regime cambial (que não dese-
passiva e subordinada, conduziram à sobrevalori- javam) foi suficiente para alavancar o crescimento.
zação cambial com juros elevados e ao progressi- Para eles, trata-se de buscar o aprofundamento das
vo constrangimento do crescimento. O breve ciclo formas subordinadas de inserção. Em contraparti-
de expansão do real resultou em elevados esto- da, aqueles que sempre criticaram a sobrevalori-
ques de dívidas interna e externa, sendo que sua zação consideram que a desvalorização tardia e
rolagem trouxe acentuado desmonte do Estado e desastrada não soltou a besta inflacionária devido
das políticas públicas (submetidas a sucessivos aos sólidos apoios internacionais, mas que os prin-
ajustes fiscais), bem como a deterioração da situa- cipais problemas da economia continuam tais como
ção financeira de parcela expressiva das empre- antes.

35 JORGE MATTOSO
Nas atuais condições internacionais (crescente tidade de produtos básicos exportados, mas a va-
instabilidade financeira, menor crescimento econô- riação em preço foi de –19,1%, a quantidade de
mico e queda de preços, sobretudo das commodi- semimanufaturados elevou-se em 14,4% e o pre-
ties) e domésticas (preservação das aberturas ço caiu –20,5%. Com os manufaturados a situação
indiscriminadas), a desvalorização do real, por si é mais grave: caíram em quantidade (–10,8%) e
só, não terá capacidade de reverter este quadro. preço (–7,0%).
É possível que, ao se fecharem as contas de No entanto, os principais constrangimentos
1999, observe-se alguma recuperação do cresci- macroeconômicos se mantêm: desequilíbrio das
mento, depois de mais de um ano de retração das contas públicas e externas e subordinação aos flu-
atividades produtivas, mas sem alterações subs- xos financeiros internacionais. A dívida líquida do
tantivas, ou seja, sem que se altere o quadro de setor público continua crescendo e já atinge cerca
ausência de crescimento sólido e sustentado. Tam- de 50% do PIB. O déficit em transações correntes
bém o desemprego pode apresentar pequenas re- – que é um balanço das receitas e despesas do
duções, sobretudo em função do quadro de Brasil em suas transações com o exterior – cres-
sazonalidade do emprego nacional, que tende a ceu para mais de 5% do PIB nos 12 meses encer-
ser menos grave no segundo semestre, todos os rados em agosto de 1999, o maior desde 1982.
anos. No entanto, a taxa de desemprego média de Com as políticas adotadas pelo governo FHC o fi-
1999 deverá ser ainda pior que a de 1998. nanciamento desse déficit tem implicado ampliar
Lembremos que não estamos em 1983, quando ainda mais a dependência ao capital internacional.
uma desvalorização da moeda doméstica Caso o cenário internacional não melhore subs-
alavancou as exportações e, posteriormente, o tancialmente, o que parece difícil até mesmo para
crescimento da produção e do emprego. Naquele observadores otimistas como os da Organização
momento a economia mundial saía com ímpeto de para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômi-
um processo recessivo, sendo que os Estados co (OCDE) e do Fundo Monetário Internacional
Unidos apresentaram um crescimento de 7% e a (FMI), e sejam mantidas as atuais políticas domés-
economia brasileira mantinha níveis mais civiliza- ticas, as alternativas do governo FHC vão na dire-
dos de defesa do mercado interno. ção do aprofundamento das relações de subordina-
Hoje, por um lado, os impactos da desvaloriza- ção e vassalagem. Inicialmente, fala-se nas metas
ção sobre a balança comercial têm sido no mínimo inflacionárias, obviamente sem quaisquer objetivos
limitados. A deterioração dos termos de troca tem para o crescimento da produção e do emprego. Em
sido violenta, mais de 4,5% no período1997-98. caso de agravamento da situação, não é descartá-
Como exemplo, observe-se que somente entre o vel a adoção da dolarização, com o intuito de elimi-
final de 1996 e fevereiro de 1999 os preços das nar o risco cambial e, portanto, rebaixar a taxa de
matérias-primas, excluído o petróleo, tiveram uma juros ganhando algum fôlego no curto prazo. No
queda de cerca de 34%. Nessas condições é pre- entanto, a dolarização é um caminho sem volta e
ciso aumentar o volume das exportações a fim de obviamente implicaria a perda de soberania e o sa-
financiar o mesmo volume de importações. É exa- crifício da capacidade de realizar políticas ativas,
tamente isso que tem ocorrido: no período de ja- subordinando definitivamente a economia brasilei-
neiro a maio de 1999, relativamente ao mesmo ra à dinâmica e às vontades dos Estados Unidos,
período do ano anterior, aumentou em 7,4% a quan- de seu governo e de seu Banco Central.

O BRASIL DESEMPREGADO 36
5. Políticas sociais e
emprego no Brasil

O rápido crescimento econômico e o tativa e quantitativamente os serviços so-


incremento da riqueza material ocorrido ciais básicos, sobretudo nas áreas com ele-
no pós-Segunda Guerra não se refletiram vada participação de recursos da esfera fe-
proporcionalmente na melhoria das con- deral, como a saúde. Segundo, pela redu-
dições de vida da maioria da população ção do uso de políticas universalistas e pela
brasileira, entre outros fatores devido à ine- generalização do uso de programas sociais
xistência de políticas sociais adequadas. extremamente focalizados, sem estratégia,
A gestão conservadora teve como um de assistencialistas e clientelistas na relação
seus aspectos centrais circunscrever as com o público-alvo. Terceiro, porque es-
melhorias sociais a um mero desdobra- tas mudanças vieram, quase sempre, acom-
mento do crescimento econômico. Ao lon- panhadas de propostas de reformas sociais
go dos anos o Estado cuidou de promover explicitamente privatizantes, favorecidas
a geração de oportunidades e de permitir pela falência organizada dos serviços pú-
– como sempre fazem os conservadores – blicos.
que os mais favorecidos alcançassem o Nesse sentido, o governo brasileiro mais
“reino dos céus” enquanto os menos fa- uma vez acompanhou as recomendações
vorecidos “se virassem como pudessem”. de organismos internacionais como o Ban-
Atualmente a situação se tornou ainda co Mundial, aceitou passivamente as res-
mais grave, pois, além da concentração de trições financeiras resultantes da abertura
renda, apontada por todos os estudos na- indiscriminada e lançou-se na fantasia das
cionais e internacionais, elevaram-se ain- políticas compensatórias.
da mais a pobreza e a miséria. As políti- Não se trata de menosprezar a impor-
cas sociais – já precárias, pouco cidadãs e tância de algumas dessas políticas, inclu-
universais –, com o agravamento das con- sive porque com a deterioração das con-
dições econômicas e do mercado de tra- dições sociais são inúmeras as demandas
balho, sofreram triplamente. Primeiro, pela localizadas ou emergenciais que necessi-
redução de recursos que acompanhou os tam ser atendidas. No entanto, há que se
diversos ajustes fiscais e deteriorou quali- reconhecer que elas não representam uma
37 JORGE MATTOSO
solução duradoura, pois não intervêm na turação produtiva, do mercado de traba-
distribuição da riqueza, tampouco nos pre- lho e do Estado, as políticas sociais, seja
ços ou salários. Menos ainda podem dar de tipo compensatório ou não, mantêm-se
conta do grave problema social brasileiro. no interior de uma lógica reparadora ou
Somente em outro quadro econômico e adaptativa e têm sua eficácia extraordina-
com uma estratégia articulada com uma riamente limitada, quando não claramen-
política social de resultados duradouros e te favorecem o próprio desmonte do ser-
de longo prazo dirigida à consolidação e viço público. Isso ocorre, por um lado, pelo
ao alargamento da cidadania estas políti- medíocre crescimento da produção e do
cas poderiam ter uma efetiva participação emprego e pelo extraordinário poder
complementar em determinadas áreas e/ou destrutivo das políticas econômicas
situações específicas. adotadas. Não sem razão, os fundos pú-
Nesse caso, após uma verdadeira reforma blicos com base na contribuição dos ocu-
tributária capaz de assegurar o caráter pro- pados tenderam a reduzir sua capacidade
gressivo da arrecadação, com a constitui- e comprometeram sobremaneira as políti-
ção de um sistema fiscal capaz de transfe- cas sob sua responsabilidade, como é o
rir renda e riqueza para os mais fracos, esta caso da Previdência e do FGTS, entre ou-
política social cidadã articularia e daria tros. Por outro lado, porque os diversos
outro significado à questão agrária e às di- ajustes fiscais realizados implicaram cor-
versas políticas de repartição da riqueza. tes para o conjunto das políticas sociais e
Importante é reconhecer que em meio a mesmo para as políticas sociais restritas e
uma situação de tão acentuada desestru- focalizadas.

O BRASIL DESEMPREGADO 38
6. Salário mínimo,
emprego e
distribuição de
renda

Embora no pós-Segunda Guerra o em- mínimo e conseqüentemente uma redução


prego tivesse crescido intensamente, ele do leque salarial, o que até hoje não ocor-
não se refletiu em uma maior regulação reu. O valor do salário mínimo é hoje de
institucional e em um perfil menos regres- cerca de U$ 75. É verdade que desde 1995
sivo da distribuição de renda. ele se mantém estável em termos reais, mas
Três fatores favoreceram este processo. sem mudanças significativas de seu extre-
Primeiro, a intensa concorrência entre tra- mamente baixo patamar. No entanto, uma
balhadores pouco qualificados, resultante das promessas de campanha de FHC em
das pressões advindas de um processo ex- 1994 era dobrar o valor real do salário
tremamente rápido de urbanização e de mínimo até 1998...
acentuados movimentos migratórios. A Não são poucos os brasileiros que ainda
oferta ilimitada de trabalho representa até recebem salário mínimo: 21% dos trabalha-
hoje um elemento favorável à preservação dores ocupados recebem até um salário mí-
de salários baixos. Em segundo lugar, em nimo; e 18,7% recebem entre um e dois sa-
grande parte do período se bloqueou a lários mínimos. Portanto, com uma política
ação sindical com a repressão político- de mais intensa elevação do salário míni-
militar e o poder normativo da Justiça mo, seriam diretamente beneficiados cerca
do Trabalho. Em terceiro lugar, houve um de 40% dos trabalhadores, o que correspon-
significativo rebaixamento do salário mí- de a mais de 30 milhões de brasileiros.
nimo desde os anos 60. No entanto, esses milhões de trabalha-
Promoveu-se, assim, uma acentuada dife- dores terminam por não se fazer repre-
renciação entre os salários, abrindo o leque sentar com intensidade e eficiência nas
salarial. O Brasil vai se caracterizar por um instituições públicas. Por um lado, é ver-
dos mais extraordinários diferenciais entre dade que a estagnação com surtos infla-
os mais elevados salários e os salários de cionários na década de 1980 e depois a
base, como já mencionado anteriormente. forte retração das atividades produtivas
Com a democratização ocorrida nos anos e do emprego na década de 1990 tive-
80 se esperava uma elevação do salário ram impactos negativos na intensidade
39 JORGE MATTOSO
da pressão política de sindicatos e parti- nalmente, concentram-se na região Nor-
dos populares sobre o Estado, explican- deste (48,6%).
do, em parte, por que o salário mínimo A incompleta conformação de uma socie-
continua baixo. Mas também há que se dade salarial e democrática se reflete tam-
considerar que estes trabalhadores da base bém em como a sociedade vê o trabalho. No
salarial continuam sofrendo a concorrên- Brasil do século XIX a escravidão se mante-
cia de uma oferta ainda ilimitada de mão- ve até se tornar insustentável e o trabalho,
de-obra. Isso também se reflete em sua principalmente o trabalho físico, era visto
baixa capacidade de organização e em sua como uma importante redução de status,
praticamente nula participação nos sindi- embora quase todos, inclusive o imperador,
catos e centrais sindicais. Esses trabalha- se declarassem contrários à escravidão.
dores, segundo a última Pesquisa Nacio- Hoje a mesma idéia parece se manter,
nal por Amostra de Domicílios do IBGE mesmo após tantos anos de introdução do
(PNAD), concentram-se no setor de pres- trabalho assalariado. O descaso com os
tação de serviços (32,6% dos trabalhado- trabalhos simples ou com as condições de
res que recebem até um salário mínimo) e vida daqueles que recebem o salário de
na agricultura (30,9%). Têm especial par- base é generalizado, embora poucos se
ticipação os trabalhadores ditos informa- coloquem como defensores do valor do
lizados, sendo significativos os trabalha- salário mínimo. Pressionados pelas con-
dores autônomos (32,9% entre os que re- dições adversas da década de 1990, os sin-
cebem até um salário mínimo) e os traba- dicatos terminaram por privilegiar as lu-
lhadores domésticos (20,2%), mas em sua tas particulares de suas categorias, que têm
maioria são assalariados (46,2%). Regio- salários de base superiores ao salário mí-

Evolução do salário mínimo no Brasil – 1940/1998


130

120

110

100

90

80

70
em %

60

50

40

30

20

10

0
1940

1942

1944

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1950

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1960

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1990

1992

1994

1996

1998

Linha de Tendencia
Fonte: DIEESE.

O BRASIL DESEMPREGADO 40
nimo, e as centrais incluem formalmente a Se o regime escravocrata era mantido
reivindicação de elevação dos valores do com argumentos de aparência lógica (o
salário mínimo em suas pautas, mas não perigo de desorganização da economia, a
montaram e mobilizaram uma campanha falta de braços para a lavoura), hoje eles
nacional com este preciso objetivo. As al- não são muito diferentes quando se busca
tas classes médias urbanas se declaram justificar os valores injustificáveis do sa-
favoráveis a uma melhora do salário míni- lário mínimo. Ora são as preocupações
mo, ma non troppo, já que este favorece a com os gastos da Previdência, ora com as
plêiade de serviços domésticos (caseiros, pequenas municipalidades, ora com a in-
guardas, babás, choferes, cozinheiras, fa- flação, ora com sua eficiência, ora com as
xineiras etc.) e pessoais (professores par- regiões mais atrasadas, ora com o desem-
ticulares, manicures, personal trainers, prego. Todos os argumentos são questio-
cabeleireiros), de que até hoje dispõem a náveis, mas o importante é que só bus-
custo relativamente baixo e que asseguram cam justificar como variável de ajuste a
um padrão de vida de fazer inveja às clas- redução do mínimo, representando um
ses médias dos países desenvolvidos. O profundo descaso com a melhoria da dis-
grande capital ignora olimpicamente a tribuição de renda e com o combate à po-
questão como se não tivesse nada a ver com breza.
o salário mínimo. As pequenas e médias Nesse sentido, uma coisa é certa: ou o
empresas preferem deixar como está, caso país decide com coragem política retomar
contrário teriam de repensar seus métodos o processo de elevação do salário míni-
gerenciais, sua produtividade e sua com- mo, conjuntamente com o crescimento
petitividade. O discurso governamental econômico e com outras políticas estru-
esgrime numerosos argumentos, brandidos turais de combate à pobreza e à concen-
a cada momento diferentemente, em fun- tração de renda, ou a dinâmica profunda e
ção da conjuntura, com extraordinário crescentemente desigual da distribuição
apoio da mídia. dos salários e da renda será mantida.

41 JORGE MATTOSO
7. Reconstruir a nação,
retomando o crescimento
com emprego e
distribuição de renda

O Brasil é um país profundamente desi- nada com a ausência de espaço democrá-


gual (do ponto de vista regional, da renda tico, quando os movimentos sociais são
e do acesso à terra, à propriedade, às polí- impedidos de pressionar o Estado e as
ticas públicas e ao poder) onde convivem empresas por uma melhor distribuição dos
gritantes abundância e miséria. ganhos de produtividade. Assim sendo,
As duas décadas de estagnação econô- sabemos que não basta o crescimento, ain-
mica – a última com profunda desestrutu- da mais quando o processo de transforma-
ração produtiva e do mercado de trabalho ções ocorrido nas últimas décadas alterou
– não ampliaram somente a miséria. O re- negativamente a capacidade de geração de
sultado tem sido um verdadeiro desmonte empregos da indústria e, em geral, dos in-
da nação, em que o desemprego é apenas vestimentos privados. Nesse sentido, o
a parte mais visível do processo. Medidas maior desafio brasileiro é o de aliar o cres-
parciais de enfrentamento do desemprego cimento econômico à geração de empre-
e da precarização das condições e relações gos, à distribuição de renda e à redução
de trabalho têm se caracterizado pelo das desigualdades sociais, regionais e de
insucesso, porque desacompanhadas da todo tipo que permanecem e se ampliam
retomada do crescimento, passo indispen- em pleno raiar de um novo século.
sável na direção da reconstrução da nação A principal tarefa de uma política eco-
e da cidadania. Só com a retomada do cres- nômica alternativa será retomar o cresci-
cimento econômico sustentado será pos- mento com emprego e distribuição de ren-
sível reduzir o desemprego e a precariza- da. Portanto, terá de romper com os cons-
ção das condições e relações de trabalho trangimentos externos e internos que têm
que ocorreram na década de 1990. limitado este crescimento, restaurando a
No entanto, a experiência brasileira já capacidade de fazer política econômica so-
mostrou que o crescimento econômico berana no âmbito de um projeto estratégi-
pode ser acompanhado de intensa expan- co de desenvolvimento nacional. Em ou-
são do emprego e de ampliação da con- tras palavras, trata-se de reinserir de outra
centração de renda, sobretudo se combi- maneira a economia brasileira no plano in-
O BRASIL DESEMPREGADO 42
ternacional, redimensionando as aberturas culação da economia doméstica com o
comercial e financeira e revalorizando a exterior, rompendo com o processo de des-
produção e o emprego nacionais. nacionalização, permitindo a internaliza-
Nesse caso, três eixos centrais se apre- ção de setores produtivos com maior de-
sentam como indispensáveis: o controle do senvolvimento tecnológico (de processo e
fluxo de capitais, uma pausa no precipita- produto, mas também gerencial e merca-
do processo de abertura comercial e a dológico) e uma inserção mais dinâmica
renegociação das dívidas. O primeiro per- no comércio internacional.
mitiria uma maior autonomia da política As políticas agrícola e agrária deverão
macroeconômica de maneira a subordiná- ter um múltiplo papel, articulando a indis-
la aos objetivos nacionais de crescimento pensável reativação da agricultura com a
econômico, distribui- necessária distribuição
ção de renda e da renda, da proprie-
combate à po- dade e do poder no
breza. Atual- campo, rompendo
mente, a crescen- também com as
te dependência condições que têm
dos fluxos de capi- secularmente fa-
tais monitora a po- vorecido a preser-
lítica econômica em vação das oligar-
função dos interesses das finanças inter- quias regionais e sua sobre-representação
nacionais, do extraordinário poder dos cre- no Congresso e com a histórica pressão
dores e das políticas deflacionistas. O se- exercida pelo processo migratório sobre o
gundo permitiria reduzir a desmedida pro- mercado de trabalho dos grandes centros
pensão a importar e a acumulação crônica urbanos do país.
de déficits comerciais. O reconhecimento A política de financiamento deverá
da importância do investimento direto ex- reconstituir a base de financiamento do-
terno e das empresas de capital estrangei- méstica, inclusive com a utilização de ins-
ro não pode prescindir de uma política tituições públicas e a eliminação da ex-
regulatória capaz de potencializar seus cessiva dependência do financiamento
fatores positivos à produção e ao empre- externo.
go nacional. A terceira permitiria a redu- A política fiscal9, por meio de uma am-
ção do fardo que pesa hoje sobre o setor pla reforma tributária – muito prometida
privado e público, e que limita as capaci- e jamais realizada –, deverá permitir uma
dades de gasto e investimento. recuperação do gasto público em seto-
As políticas setoriais deverão estar arti- res estratégicos na infra-estrutura e nas
culadas nacionalmente, de maneira a rom-
per com a guerra fiscal e assegurar os ob- 9. Política responsável pela arrecadação e pelo
gasto público. Pode ser usada para combater a
jetivos do projeto de desenvolvimento do recessão, por meio da elevação do gasto público,
país, dos estados e regiões. ou para combater a inflação, reduzindo o gasto
e/ou elevando impostos. Mais recentemente vem
As políticas industrial e de comércio sendo usada basicamente para assegurar o
exterior deverão redefinir a forma de arti- pagamento dos elevados juros.

43 JORGE MATTOSO
políticas sociais, assegurando a ampliação justiça social – deverão compreender vá-
do emprego e o efetivo exercício da soli- rios instrumentos, tais como a já referida
dariedade para com os despossuídos. reforma agrária, a maior eqüidade tribu-
Por fim, mas obviamente não menos tária, uma política salarial destinada a ele-
importante, as políticas de distribuição de var o poder de compra do salário mínimo
renda e eliminação da pobreza – essenciais e política de renda mínima.
para o objetivo estratégico nacional de

Ainda mais uma vez


Mais e melhores empregos
Atualmente, trata-se de um desafio extraordiná- Plano Nacional de Emprego, que articule políticas
rio para a sociedade brasileira o enfrentamento do de geração de empregos, um efetivo sistema pú-
elevado desemprego e da crescente precarização blico de emprego, políticas emergenciais e a rápi-
das condições e relações de trabalho. Será neces- da e consistente negociação em fóruns setoriais e
sário aliar crescimento econômico à geração de nacionais. Esses fóruns deverão definir novas po-
empregos e à distribuição de renda. No entanto, líticas e mudanças institucionais necessárias à con-
não bastará o crescimento do investimento e da solidação de condições e relações de trabalho de-
produção no setor privado, sendo também indis- mocráticas e modernas, capazes de favorecer a
pensável assegurar a ampliação do investimento passagem do Brasil ao século XXI.
público em infra-estrutura econômica e social e um “No entanto, os problemas legados pelo gover-
amplo processo de desobstrução do acesso à pro- no FHC impõem mudanças institucionais e políti-
priedade, à renda, às políticas públicas e ao poder cas emergenciais logo nos primeiros meses de um
para os milhões de despossuídos deste país. novo governo. Nesse sentido, serão criados
Foi pensando em uma política articulada capaz mutirões ou frentes de trabalho nas regiões mais
de assegurar o crescimento econômico, a geração atingidas, sejam elas rurais ou urbanas. Serão
de empregos e a distribuição de renda que as opo- adotados programas emergenciais e de solidarie-
sições unidas em torno da candidatura de Luiz dade para os jovens.”
Inácio Lula da Silva em 1994 e 1998 tiveram como
eixo um programa Por mais e melhores empregos.
Vale a pena recordá-lo brevemente, sobretudo por-
que suas propostas tornaram-se hoje, com o agra-
vamento das condições e relações de trabalho, ain-
da mais indispensáveis!
Falava-se, no programa de 1998, que:
“A geração de mais e melhores empregos exige
outra política econômica que combine estabiliza-
ção monetária, crescimento da economia e a bus-
ca de uma sociedade mais justa e solidária. Essa
política econômica dará sustentação a políticas in-
dustriais, agrícolas, de comércio exterior, de gera-
ção de emprego, e potencializará investimentos em
infra-estrutura produtiva – abastecimento, transpor-
tes, energia, telecomunicações – e em infra-estru-
tura social – habitação popular, saneamento bási-
co, saúde, educação.
“Com soberania, estabilização, crescimento e
solidariedade será possível a constituição de um

O BRASIL DESEMPREGADO 44
Faziam parte do Plano Nacional de Emprego: tuição de frentes ou mutirões de trabalho solidário,
1. Políticas de geração de empregos e renda, de um amplo programa de emprego para os jovens
com principalidade para o enfrentamento da ques- (Programa Primeiro Emprego, com dois subprogra-
tão agrária (reforma agrária, fortalecimento da pro- mas: de Serviço Civil Solidário e de Apoio ao Jo-
priedade familiar e irrigação no Nordeste), da dis- vem Trabalhador Rural) e de combate às distorções
tribuição de renda e valorização do salário mínimo, do mercado de trabalho, com ênfase no trabalho
da definição de investimentos em infra-estrutura escravo, infantil, do idoso, e nas discriminações a
econômica e social e de políticas de geração de negros e mulheres.
empregos e renda, redução da jornada de trabalho 3. Mudanças institucionais e definição das fon-
e pleno desenvolvimento do sistema público de tes de financiamento: fortalecimento de um efetivo
emprego (seguro-desemprego, intermediação de Ministério do Emprego e da Solidariedade, demo-
mão-de-obra e qualificação profissional). cratização das relações de trabalho e das políticas
2. Programas de emergência e de solidarieda- públicas e definição de fontes de financiamento do
de, definidos três eixos básicos: a imediata consti- Programa Nacional de Emprego.

45 JORGE MATTOSO
Fontes consultadas
BACEN – Banco Central
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
CESIT – Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho
CNI – Confederação Nacional da Indústria
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos
FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FMI – Fundo Monetário Internacional
FSP – Jornal Folha de S. Paulo
GFIP – Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IEDI – Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial
MTb – Ministério do Trabalho
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMC – Organização Mundial do Comércio
SEADE – Sistema Estadual de Análise de Dados
UNCTAD – Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento.

Bibliografia
BALTAR, P. (1996). Estagnação da economia, abertura e crise do emprego urbano no
Brasil. Economia e Sociedade, no 6, Campinas, Instituto de Economia, Unicamp.
BALTAR, P. e MATTOSO, J. (1997). Estrutura econômica e emprego no Brasil: a
experiência recente. In: REIS VELLOSO, J. P. (Coord.). Brasil, desafios de um país
em transformação. Rio de Janeiro, José Olympio.
BARBOSA DE OLIVEIRA, C. A. e MATTOSO, J. (Orgs.) (1996). Crise e trabalho no
Brasil. São Paulo, Scritta.
GONÇALVES, R. (1999). Globalização e desnacionalização. São Paulo, Paz e Terra.
HOFFMANN, R. (1998). Desigualdade e pobreza no Brasil no período 1979/97 e a
influência da inflação e do salário mínimo. Economia e Sociedade, no 11, Campinas,
Instituto de Economia, Unicamp.
LESBAUPIN, I. (Org.) (1999). O desmonte da nação. Rio de Janeiro, Vozes.
MERCADANTE, A. (Org.) (1998). O Brasil pós-Real. Campinas, Instituto de Economia,
Unicamp.
MARQUES, R. M. e BATICH, M. (1999). O impacto da evolução recente do mercado de
trabalho no financiamento da Previdência Social, mimeogr.
MATTOSO, J. (1995). A desordem do trabalho. São Paulo, Scritta.
MATTOSO, J. e POCHMANN, M. (1998). Mudanças estruturais e trabalho no Brasil.
Economia e Sociedade, no 10, Campinas, Instituto de Economia, Unicamp.
OLIVEIRA, M. A. (Org.) (1998). Economia & trabalho. Textos básicos. Campinas, Instituto
de Economia, Unicamp.
POCHMANN, M. (1999). O trabalho sob fogo cruzado. São Paulo, Contexto.

O BRASIL DESEMPREGADO 46
Índice de tabelas e gráficos
• Distribuição de renda entre as pessoas e economicamente ativas com rendimento – Brasil 1960/1990...11
• Taxas de desemprego – Brasil e São Paulo 1989/1999............................................................................12
• Perfil do desemprego (taxas médias anuais) – Brasil e São Paulo 1989/1999..........................................13
• Evolução da ocupação por posição (PME/IBGE)....................................................................................14
• Evolução do emprego formal...................................................................................................................15
• Evolução das contribuições previdenciárias e do gasto com benefícios..................................................16
• Evolução do emprego formal por subsetores da atividade econômica – Brasil 1989/1999......................18
• Nível real de atividade econômica / Brasil - Século XX..........................................................................21
• Variação anual e tendência do PIB – Brasil 1950/1998...........................................................................22
• EUA e União Européia – Variação do PIB e taxa de desemprego – 1970/1998.......................................24
• EUA – Variação do PIB e taxa de desemprego – 1970/1998...................................................................24
• União Européia – Variação do PIB e taxa de desemprego – 1970/1998..................................................24
• Investimento direto do exterior e taxa de investimento – Brasil 1980/1998.............................................27
• Dívida líquida do setor público – Brasil 1991/1999.................................................................................28
• Taxa de crescimento do PIB e taxa de desemprego total (PED)
Região Metropolitana de São Paulo – 1989/1999....................................................................................29
• Taxas de crescimento do PIB real por setor, total e per capita (em %) – Brasil 1989/1998.....................30
• Indicadores econômicos – Brasil 1989/1998...........................................................................................30
• Taxas médias anuais de crescimento do PIB, emprego, produtividade, demanda e acumulação:
EUA e União Européia 1960/1973 e 1980/1999.....................................................................................32
• Taxas médias anuais de crescimento do PIB, emprego, produtividade, demanda e acumulação:
EUA e União Européia 1960/1973 e 1980/1999.....................................................................................33
• Índices de emprego, da produção e da importação na indústria de transformação...................................34
• Produção industrial segundo categoria – Brasil 1989/1998.....................................................................35
• Evolução do salário mínimo no Brasil – 1940/1998...............................................................................40

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