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CAPITULO I – SANGUE NA NEVE

Frio. A única coisa que o pobre mendigo conseguia sentir naquela noite de
inverno; nem mesmo nos arredores existia alguma chama ou fogueira acessa para se
aproveitar e assim esquentar seu corpo. As noites de inverno eram muito perigosas
dentro da cidade até mesmo para os Cavaleiros da Patrulha, roubos, assassinatos e
ataques eram reportados frequentemente, fazendo se espalhar boatos sobre oque estaria
acontecendo de tão sinistro para que até eles não pudessem estar contendo.

O maltrapilho tinha apenas um pedaço miserável de carne salgada e fria para


comer, mas mordia cada pedaço como se fosse o ultimo, saboreando como se fosse a
melhor costela servida apenas para a realeza. Não sabia quanto tempo iria conseguir
sobreviver por ali, mas sempre fora assim, todo dia sendo vivido sem desperdícios ou
lamentos. Era uma grande batalha para perdurar, já que quase ninguém no Reino
respeitava ou ajudava os mendigos, muitas vezes até os maltratando.

Claro que existiam algumas exceções, mas eram pouquíssimos os que


doassem algum dinheiro, comprassem comida e lhes regalassem roupas velhas para não
morrer de fome e frio. Nenhuma cidade gostava de ter mendigos em suas ruas. Muitos
jovens se aproveitavam e espancavam os mesmos, porém este mendigo não tinha medo
disso; nunca ninguém conseguiu tocar, machucar ou mesmo o amedrontar, pois ele
sabia se defender. E muito bem.

Seja por falta de dinheiro, abandono ou por falta de oportunidades, todos


tiveram sua história para contar e ainda possuem uma vida para descobrir. Esse era o
caso de Saric. Sua vida não fora repleta de fortunas e oportunidades ao seu redor, mas
ele não era qualquer pessoa como a sociedade o via, ele teve seu passado. Seu pai era
Milenov, um fazendeiro que morava um pouco distante da cidade e trabalhava
cuidando dos gados que eram vendidos nesta. Nunca havia conhecido sua mãe; seu pai
sempre lhe disse que ela era uma prostituta que morreu dando a luz a ele.

Felizmente Milenov sabia empunhar uma espada e desde quando Saric


consegue se lembrar ele aprendeu a manuseá-la, Saric não era alguém excepcional, ou
pelo menos não se considerava já que nunca enfrentou muitas pessoas, mas seu pai
sempre lhe ensinou o básico necessário para ele conseguir se defender seja de quem
for. Até o dia que seu pai morreu após pegar uma perigosa gripe, não tinha nada para
seu filho herdar, nem mesmo as terras onde eles moravam, já que elas haviam sido

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doadas para o pai de Saric em troca do trabalho para o Lorde de Ironstand, Saric tinha
apenas quatorze anos quando sua casa foi tomada. Por isso sem terras, sem família e
sem dinheiro, Saric virou um mendigo na Capital das Terras da Neblina, Alta névoa.

Alguém conhecia esta história? Talvez ninguém. Assim eram tratados todos
eles. Saric não tinha raiva do Lorde da Cidade, dos Cavaleiros da Patrulha, da realeza e
nem das pessoas a sua volta. Ele não conseguia sentir nada, nem raiva, tristeza ou
felicidade. Era um miserável, uma vítima do que acontecia, e ele achava toda essa
situação um quanto irônica. O Imperador Vaeres deve ter comida de sobra em
momentos como esse, as sobras devem ser jogadas para seus cavalos comerem,
pensava Saric enquanto os mendigos, como ele e até mesmo a grande parte da
população tinham que optar entre roubar ou morrer por conta de não ter o que comer.
Esta era a realidade com que eram obrigados a viver. O tempo estava duro nas Terras
da Neblina, ainda mais agora que o inverno tinha chego.

O pouco que Saric conseguiu aprender sobre o Império e sobre as regiões e


pequenos reinos fora graças a seu pai, Saric sabia que o continente era divido por
regiões, cada região possuía um Lorde Supremo para supervisionar aquela região,
sendo o responsável por manter a paz e usar o poder e influencia do Imperador em suas
terras.

Por gerações e gerações os Lordes Supremos se mantiveram os mesmos, mas


nem sempre foi assim, Saric se lembra sobre as histórias da Unificação que seu pai lhe
contava antes de dormir, sobre os primeiros dias da guerra e do inicio do que se
tornaria o Império. Grandes casas, anciãs e nobres caíram para outras famílias por
conta de guerras, sendo extintas com toda uma história apenas sendo deixada para o
vento. Um exemplo é a queda da lendária e sombria Casa Skull para Adnar Cayne, o
melhor amigo de Daemon Staryon, o Unificador. Adnar era um ninguém que deu sorte
de ser amigo de quem se tornaria o Primeiro Imperador. Seu pai lhe contou que Adnar
ganhou do último Rei da Caveira em um duelo, como recompensa Daemon o subiu ao
posto de nobre, presenteando-o com o Forte Quebra (Breakfort), como era chamado o
castelo. Saric nunca foi de acreditar em rumores e lendas, mas alguns sobre a Casa
Skull e a Casa Cayne foram responsáveis por inúmeras noites perdidas devido a
pesadelos que Saric tinha quando criança.

Felizmente a Casa Cayne e o Forte Quebra estavam bem ao Sul, a região em


que Saric estava eram as Terras da Neblina, as terras ganharam esse nome pois não
estão nem tão no Norte dos Ferus para serem rodeados de florestas e neve, tão quanto
estão no sul para terem aquele clima quente e tropical como ele imagina ser o Paraíso

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dos Ashyn, nem estão ao tão ao leste no meio das Montanhas do Tymur. Naquelas
terras o tempo era sempre o mesmo, nublado, cinza e nem tão claro, nem tão escuro.

Conforme o sol apareceu, a temperatura ia aumentando pouco a pouco, o gelo


se tornou água e Saric com um grande esforço conseguiu se levantar. Aquele frio era
insuportável. Nem mesmo uma moeda de cobre ele tinha para poder comer algo
naquela manhã e talvez tivesse que roubar comida de alguma feira próxima ou passaria
fome até que alguém doasse algo qualquer. Levantou e limpou a neve que estava em
suas roupas e se se manteve de pé, ainda apoiado na parede. Tinha apenas uns trapos no
corpo, aquilo mal o mantinha coberto, não serviam nem para cobri-lo todo, ainda mais
durante o inverno. Sua barba também já estava grande, ele tinha apenas uma faca
enferrujada que usava para apenas para cortá-la de tempos em tempos e sentiu que essa
era a hora.

Apoiou-se na parede, o vento bateu em seu corpo bem nas partes que seus
trapos não cobriam, Saric tremeu de frio, mas já havia sobrevivido a uma dura noite,
nada que um vento matutino poderia fazer. Sua barba já estava encostando-se a seu
peito, puxou então a sua lâmina enferrujada e a cortou, na tentativa de deixá-la curta,
mas não tinha como cortá-la com tanta precisão sem um espelho e uma faca afiada,
então apenas deixou-a um pouco aparada, mas nada muito bem feito.

A luz do sol mal batia no final do beco onde ele estava, o telhado das casas em
sua volta não permitiam isso. Era um local fechado, bom para dormir e tentar não ser
visto por ladrões noturnos, mas não que isso fosse adiantar por muito tempo, logo iria
ter que "se mudar" de local, até porque mesmo alguns Cavaleiros da Patrulha gostavam
de mexer com os mendigos. Boatos diziam que alguns mesmos eram mortos por eles,
quem diria, os protetores que fizeram seus votos de defender as pessoas em nome do
Imperador Vaeres, estariam “limpando-a” dos mesmos.

Arrastou-se nas paredes de pedra em sua volta e andou até a saída do beco,
mancou um pouco devido à suas pernas terem sido cobertas pela neve, e olhou para sol
enquanto andava. Luz era uma coisa rara durante o inverno. As estações eram muito
extremas, os dias duravam entre seis e sete horas, já durante os verões o calor era
enorme e os dias muito longos. A neve que estava nos telhados caia sobre sua cabeça
enquanto se dirigiu a saída daquele ambiente e Saric avistou dois vultos se
aproximando: dois meninos apareceram à sua frente, ambos não aparentavam ter mais
de quinze anos de idade, o da esquerda tinha cabelos curtos e escuros como seus olhos,
vestia roupas claras e parecidas com os trapos que ele estava usando, já o da direita era
mais alto, tinha cabelos mais longos e um pouco mais claros, porém tinha os mesmos

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olhos que o outro, apesar de que as suas roupas eram de melhor qualidade,
principalmente o couro, era o destaque. Ambos estavam armados com punhais, o
garoto da direita dava uma leve risada e falava.

– Olha como está o Império, infestado desses ratos, será que devemos dar um
fim nele logo? Deve estar sofrendo muito com esse frio. – Disse o menino, olhando
para seu amigo da esquerda, que estava sério e apenas concordou com a cabeça. –
Infelizmente nós dois temos que passar por aqui, rato. Então saia da frente do muro
porque eu e meu amigo aqui vamos pulá-lo, ok? Não quero problemas, rato. – Se
aproximou lentamente até Saric após terminar de falar.

Quem eram aqueles dois? Pensou Saric, provavelmente eram apenas dois
garotos que moravam pela cidade e fizeram algo de errado, agora precisavam correr.
Por aqui eles não passam. Ficou no meio do caminho e olhou para os dois, já sabia o
que estava por vir, levou a mão até suas costas e a colocou no cabo de sua faca, ela
estava enferrujada, mas aquilo não fazia diferença, ela ainda perfurava, a tirou das
costas sem que os dois pudessem ver que ele estava a segurando e se preparou.

– Eles estão ali! Peguem-nos! – Uma mulher gritava de longe.

Os dois meninos olhavam para trás, o da direita era o falante, o da esquerda


estava apenas sério, aquilo até assustou um pouco, mas Saric sabia que iria ter que se
defender agora.

– Parece que vamos ter que acabar logo com o rato e fugir, espero que esse
punhal faça uso, afinal, se formos pegos, apenas roubamos, quem vai ligar para um
verme morto. – O durão da direita já ia para cima de Saric sem se dar conta do que
estava acontecendo.

O fedelho correu muito rápido e confiante, tolo, pensou Saric. Uma coisa que
seu pai havia lhe ensinado quando estavam aprendendo sobre defesa, é sempre analisar
e depois atacar, nunca deixar a vontade por sangue te consumir, pois a raiva consome a
inteligência dizia seu pai, então assim Saric obedeceu naquele momento, ficou estático
esperando o moleque avançar.

Corria muito rápido e confiante; já Saric estava preparado, e conforme o


fedelho corria em sua direção com o instrumento já em punho para frente, tentando dar
o primeiro e certeiro golpe. Utilizou as poucas forças que tinha no corpo para se mover
para o lado, e na mesma velocidade em que o menino veio, perder o equilibro e
tropeçou caindo no chão. Vendo o que aconteceu, Saric deu um chute na barriga dele,

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que o fez agachar, se aproveitando da situação e preparou a sua arma, dando um único
golpe nas costas, que nem teve tempo de reagir.

Aquele sangue quente jorrou pelas suas costas enquanto gritava por ajuda, o
garoto mais baixo da esquerda, não estava esperando por aquilo e toda a sua feição
séria se tornou uma feição de pavor, ele congelou ali, não conseguia entender como seu
amigo havia acabado de tomar uma facada de um mendigo, que não parecia nem
conseguir se mover. Acabou virando de costas tão rápido quanto o seu medo, mas foi
surpreendido por um Cavaleiro da Patrulha, o fedelho deu de cara na armadura no peito
do Cavaleiro, em seguida caindo para trás.

O menino ainda estava gritando de dor com a facada que tomou nas costas,
Saric apenas ignorou que o Cavaleiro da Patrulha chegou, com a sua faca levantou o
pescoço do menino o cortou a sua garganta. Mais sangue jorrava na neve, o seu calor
em cima da neve fazia o sangue até sair fumaça de tanta diferença na temperatura. Sem
mais nenhuma força e quase morto, Saric empurrou o menino no chão, imóvel, já
estava morto.

– A onde pensa que você vai? – Disse o alto Cavaleiro com sua deslumbrante
armadura, que fez o menino cair no chão. Ficou no chão e apenas olhou para o
cavaleiro com um olhar frio de ódio, aquele olhar era penetrante, parecia até que os
dois se conheciam.

O Cavaleiro olhou a situação e viu o outro menino caído no chão, que já


estava morto e o mendigo que estava segurando a faca ensanguentada, observou mais
um pouco, não entrava em sua cabeça como o mendigo havia matado o menino. Saric
era jovem, mas não aparentava ter o porte físico para lutar, passou dois anos morando
nas ruas, ele era bem magro, porém ágil.

– Você fez isso? – Ainda um pouco confuso de como ele teria se defendido
com apenas uma velharia daquelas.

– Não tem mais ninguém aqui, eu apenas me defendi... – Respondeu o


mendigo, se aproximando do cavaleiro, Saric já sabia que provavelmente iria ser
levado ao Lorde Joseph para responder pelo “crime” que ele cometeu.

Sem tempo para o cavaleiro responder, chegou outro, provavelmente seu


colega de patrulha. Assim que este chegou já deu uma olhada no local e viu que um dos
assaltantes estava morto e outro caído no chão, implorando por misericórdia. O

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primeiro cavaleiro era alto, tinha olhos castanhos e cabelos da mesma cor, já o segundo
era um pouco mais baixo, e diferente do primeiro, possuía olhos claros.

O segundo cavaleiro olhou para Saric, analisou a situação que já estava clara:
era obvio que quem matara o assaltante era ele. Guardando a sua espada na bainha
disse:

– Foi você que fez isto? – Pareceu estar surpreso, tanto quanto seu parceiro.
Pensar como um simples mendigo matou um ladrão sem nenhum problema era difícil.
– Você tem um nome? – Tentou olhar em seus olhos, mas ele ainda estava de cabeça
baixa.

– É Saric, sou filho de Milenov, vocês nunca devem ter ouvido falar sobre ele.

Os dois cavaleiros fazem um sinal positivo com a cabeça. O primeiro levantou


o ladrão e o virou de costas, segurou os seus braços e pegou de sua mão o que ele havia
roubado.

– Quem você matou era um ladrão procurado por nós há dias já, ele vem
atormentando a cidade. Parece que ele fazia parte de algum grupo de ladrões da cidade,
mas era uma formiga comparado com seus líderes, obrigado pela ajuda. – Disse o
segundo cavaleiro, indo até Saric para pegá-lo. – Com o que você o matou? –
Revirando-o achou a sua faca enferrujada ainda com sangue, deixou um meio sorriso
sair de seu rosto. Ele deve estar pensando como alguém como eu conseguiu matar um
ladrão com apenas uma faca.

– Vamos indo até Lorde Joseph entregar esse ladrão e levá-lo para conhecê-lo,
ele com certeza irá pedir para conhecer o homem que matou este ladrão. – Disse o
primeiro cavaleiro, enquanto segurava os braços do ladrão para ele não tentar escapar.

– Verdade. – Respondia segurando-o pelo braço. – Como você o matou? Não


imagino que mendigos sejam bons com armas brancas.

– Meu pai sabia se defender, assim me ensinou também. – Respondeu de


cabeça ainda abaixada.

– E onde ele esta agora? – O primeiro cavaleiro perguntou.

– Morto... – Abaixou mais ainda a cabeça, com a vontade de se esconder no


chão.

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Ficou ao lado do ladrão enquanto ia até o Grande Salão, única diferença entre
os dois é que o ladrão estava sendo levado e Saric não, pois suas roupas estavam
praticamente iguais, O grande salão não era muito longe do beco onde eles estavam.
No caminho algumas pessoas o viram sendo carregado pelos cavaleiros, escutou as
pessoas gritando “Ladrão!”. Para ele era engraçado como elas agiam, sem nem saber o
que havia acontecido, já davam seu veredito com base nas roupas que ele usava e na
situação como um todo. Pensou em seu pai, como seria se ele ainda estivesse vivo.

Milenov foi um bom pai para Saric, apesar de todos os seus erros. Aprendeu
tudo que precisava saber para se defender, desde pequeno como manusear uma espada
e em seu aniversário de dez, seu pai lhe entregou a sua primeira espada, mas este
infelizmente a perdeu no dia em que suas terras foram tomadas pelo Governo do
Império, pois Saric não tinha os papeis com o Selo Imperial para provar que aquelas
terras eram realmente de seu pai.

Começou a se lembrar de quando era encarregado pelo pai a caçar, desde


criança ele ia às matas atrás de alguns animais para matar e levar para sua casa para o
jantar, pois seu pai já estava ficando velho e o trabalho no campo o desgastava demais,
assim Saric teve que amadurecer logo cedo. Conseguia caças aos sete anos e aprendeu
a cozinhar aos oito, seu pai se orgulhava bastante de seu filho, sempre tiveram um
ótimo relacionamento.

Lembrou-se que logo no fim da vida de seu pai, um mês antes do seu leito de
morte, ele estava na cama muito doente e Saric havia cozinhado um pouco de frango
para os dois comerem. Quando o pai de Saric puxou seu filho pelo braço e lhe disse.
“Estamos vivendo em tempos difíceis filho, o Império não é mais o mesmo das
gerações passadas, irmãos se matam para chegar ao poder, não seja um deles, tenha
honra”. Essa era uma das ultimas coisas que ele conseguia se lembrar das palavras de
seu pai antes de morrer.

Tentou ignorar os gritos da população que os viam sendo acompanhados pelos


guardas, todos o chamavam de ladrão no caminho. Enquanto andou até o grande salão,
ficou olhando o local, conseguiu avistar algumas casas, vendas e pequenas barracas de
feirantes, nada muito interessante, até dois bordeis ele conseguiu observar, logo de
manhã já tinha clientes entrando em saindo. Esses locais devem dar muito dinheiro. E
davam, bordeis eram os lugares mais movimentados de todos os reinos, putas de todos
os locais do mundo trabalhavam para dar prazer aos homens com dinheiro.

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O Grande Salão de Lorde Joseph ainda estava à frente, Saric viu a loja de um
ferreiro, pareceu interessante, nunca havia visto aquele local, será que produziam armas
de qualidade? Seu pai lhe disse uma vez sobre um ferreiro chamado Eloard Cloud, será
que era esse o ferreiro?

As terras da Neblina eram famosas pelas armaduras que os ferreiros


produziam lá, como o plantio lá era ruim, a terra não era muito boa, a ultima alternativa
para movimentar a economia local foi a produção de armas e armaduras, mas pelos
Reinos as Terras da Neblina ficaram conhecidas foi mesmo pelas suas armaduras,
muitos Lordes casavam seus filhos com filhas da Casa Corman pelos acordos de
armamento, a Casa Corman sempre ajudava no exercito de seus aliados, emprestando
as melhores armaduras. Durante os Torneios Imperiais também os ferreiros das Terras
da Neblina viajam a custo do Império para produzir armas e armaduras para os
participantes, podendo lucrar muito mais, porque todos preferem pagar mais por um
produto de excelente qualidade.

Seu pai dizia que Eloard era um dos, se não o melhor ferreiro do Continente,
Milenov sempre dizia que quando Saric fizesse seus catorze anos, ele iria presenteá-lo
com uma espada forjada por Eloard, mas o dinheiro nunca o deixou compra-la. Pela
fama que Eloard havia ganho, era justo que ele cobrasse mais caro por armamento
forjado por ele. Da ultima vez que meu pai me contou, Eloard queria mais de dez
Estrelas de Prata por uma espada com uma bainha de couro feita por ele. Meu pai
nunca ia conseguir comprar algo assim, dez Estrelas de Prata era toda sua economia
de uns doze dias.

Contudo não era apenas por Eloard que as Terras da Neblina eram famosas
pelas suas armaduras e espadas, por gerações aquelas terras tiveram esse título, pois
antes mesmo do Império, durante a Era do Eclipse, que alguns Sábios Mestres dizem
que foi a mais de dois mil anos atrás, é contato que foi nessa época que os fundadores
da Casa Corman encontraram minas enormes para extraírem o metal tão conhecido
daquela região.

A Era do Eclipse foi uma era muito perigosa para todos. Uma vez meu pai me
falou que a Era do Eclipse foi uma maldição que os Deuses Antigos jogaram no
mundo, pelos homens terem esquecidos seus nomes. Famílias tiveram que fazer o que
era preciso para sobreviver, selvagens, homens bestas corriam em busca de comida, já
esquecendo completamente o que era a humanidade, ou pelo menos era isso que Saric
havia aprendido. A Casa Corman aproveitou os tempos e começaram a produzir
armaduras e espadas para comercializar nos tempos de necessidade, com o comércio

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crescendo eles puderam se manter naquelas Terras e construíram o tão famoso
Ironstand, o Castelo da Família Corman, é dito que até as pedras utilizadas na
construção do Castelo foram das Minas de Jaylar, o fundador da Casa Corman.

Pai sempre chamava uns Sábios Mestres para me ensinar história, ele mesmo
não sabia muito e ficava triste que não teve ninguém que o ensinasse, então ele sempre
quis que eu tivesse uma educação melhor que ele, uma pena. Pensou Saric, se
lembrando dos Sábios Mestres que iam até a sua pequena casa o ensinar a história dos
Grandes Reinos, ele não se lembrava muito das Grandes Casas, mas se lembrava o
suficiente das Terras da Neblina e da Casa Corman. Tomara que o Lorde Joseph não
me faça perguntas sobre sua Casa ou eu posso já me considerar um homem morto.

– Quem foi seu pai? – Disse o cavaleiro mais alto interrompendo os


pensamentos de Saric até Ironstand.

– Ele não foi nenhum lorde ou guerreiro, foi apenas um fazendeiro, nunca
conheci a minha mãe, ele me criou sozinho, mas sabia se defender e me criou bem. Não
tínhamos muito dinheiro, essas terras como todos sabem não é boa para fazendeiros,
mas nunca tivemos condição de ir até o Sul tentar ganhar a vida. – Ainda era algo
complicado para Saric se lembrar de seu pai, ele já tinha dezenove anos, se passaram
cinco anos desde que Saric estava nas ruas aprendendo a se virar. Sempre quis
conhecer o mundo, mas nunca teve a oportunidade, seu pai estava preso a Terra da
Neblina.

Saric sempre pensou como seria as terras ao Sul, se algum dia ele iria
conhece-las, pois seu pai nunca conseguiu. Como será o Campo do Florescer? Pai
sempre diz que sonhava que aquelas terras eram o paraíso, que os Sábios Mestres
contavam que lá o verde era realmente verde, não um verde sem cor, acinzentado
como os bosques no Norte. A Casa Farlly era a Grande Casa do Campo Florescer, eles
eram chamados de Os Lordes da Primavera, pelo menos era assim que Saric se
lembrava de ter aprendido. Os livros de história contam que os campos daquela região
são vastos e lotados de plantações da Casa Farlly, plantações de todos os tipos, comidas
comuns, exóticas, plantas de outros continentes e mais, a economia deles era toda
voltada para venda de alimentos, já que eles têm as maiores plantações do Continente.
Saric acreditava que lá era o verdadeiro paraíso, mulheres bonitas e peitudas, as
melhores cervejas e vinhos e um frio que não mata você se você não se cobrir.

– Como foi que ele morreu? – O cavaleiro mais alto parecia interessado no pai
de Saric, talvez o conhecesse? Não, aquilo era improvável.

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– Ele foi assassinado durante um assalto a nossa casa, levaram suas espadas e
o pouco de prata que nos restava.

Ambos ficaram em silêncio e continuaram andando em direção ao salão, o dia


mal começou, mas já tinham várias pessoas nas ruas indo a vários lugares, mas todas
pelo menos olhavam para os dois cavaleiros e para Saric junto do outro ladrão, ele
sabia exatamente que estavam pensando que ele era um ladrão, todos os olhares para
ele. Por que não seguem suas vidas? Precisam ficar observando a vida dos outros? Ele
realmente não entendia o porquê, mas estava sendo levado até Lorde Joseph para
resolver tudo aquilo e voltar ao normal.

– E como você foi parar nas ruas, Saric? – Disse novamente o cavaleiro mais
alto, mais interessado na vida de Saric.

– Após a morte de meu pai, vários soldados do Imperador apareceram pela


terra e disseram que eu não tinha o reconhecimento do Império naquele local, como
eram ordens imperiais eu não consegui nem questionar ou chamar o lorde Joseph na
época, não deu tempo, eles me deram até o anoitecer para arrumar minhas coisas, eu
tinha alguns punhos de cobre, consegui comprar um cavalo pequeno e velho que me
levou até Irontown, mas ele morreu algum tempo depois. Faz dois anos que eu estou
nas ruas vagando, mas prometo que nunca cometi nenhum crime. Apenas como o que
recebo... Quando recebo. – Respondeu Saric com uma voz melancólica.

Não era algo raro de se ver, essa história era até que comum pelo Império,
muito não tem como provar a legitimidade das terras pois são camponeses pequenos,
como eles não tem muita voz, não conseguem chamar o lorde do local para contestar,
sendo Soldados Imperiais, é mais difícil ainda de questionar e sair com vida. As
pessoas são depostas e sabem os deuses o que acontecia com as terras. Como será que
esta minha Casa agora, será que o Império as tomou e deu para alguém dentro do
ninho deles?

Os dois cavaleiros não falaram nada, mantiveram o silêncio, mas pela cara do
cavaleiro que estava o ladrão deu para percebeu que eles ficaram chocados com a
história, por mais que não seja algo frequente, é uma história comum de se escutar, que
o Império tirou as terras de tal pessoa, que tal pessoa tinha os papeis e soldados
imperiais não ligaram. O Império não era perfeito e estava longe disso, o Imperador
Valark possuía vários vassalos corruptos, boatos que os Comandantes dos Soldados
Imperiais recebiam moedas de outros Lordes menores por baixo dos panos para retirar
as terras daquelas não fortunados e fazer com que os lordes menores conseguissem

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acesso àquelas terras sem ninguém perceber, mas eram apenas boatos que Saric escutou
pelas ruas. Ninguém sabia ao certo que se Imperador Valark sabia da corrupção que
estava acontecendo durante o seu governo, mas que estava acontecendo estava. Saric
nunca conheceu nenhuma realeza do Império, longe disso, nunca saiu das Terras da
Neblina.

Chegavam à frente das grandes portas de Ironstand, o Castelo da Casa


Corman, Saric nunca havia estado tão perto de Ironstand, queria ele que a situação
fosse outra. Ironstand era grande e realmente a pedra utilizada para construir o castelo
eram diferentes de qualquer outra pedra que Saric havia visto em toda sua vida, elas
eram mais claras, parecia até mármore, era bem trabalhada e impressionantemente
limpa, a madeira da porta era duplamente revestida com ligações do famoso ferro
daquela região, até três vezes mais resistente que o ferro normal. Não é atoa que a
Casa Corman conseguiu resistir por tanto tempo nessa região, pensou Saric enquanto
esperava pelos dois cavaleiros.

– Podem abrir as portas, estou com um ladrão e mais outro homem. – Disse o
cavaleiro mais alto, que parecia ter um posto maior que o outro cavaleiro dentro da
Patrulha da Cidade.

Todos entraram após as portas terem sido abertas, os dois cavaleiros guiavam
o caminho e Saric ia apenas observando o interior, alguns homens passavam a sua volta
e o fitavam que nem as pessoas que o chamaram de ladrão mais cedo, sem dúvidas as
pessoas gostam de julgar umas as outras sem saber o que estava acontecendo, isso o
deixava com raiva, mas ele também compreendia que eles tinham vidas diferentes,
dentro da sociedade deles o nome é tudo que importa e sujar esse nome é algo muito
ruim para eles. Ninguém liga se você é uma boa pessoa ou uma má pessoa, o que eles
ligam é onde você mora e qual é a sua família, se você morar e tiver parentes com um
grande nome, talvez sobreviva nesse grande mundo.

Os corredores por dentro de Ironstand eram estreitos e longos, se Saric não


estivesse sendo guiado por alguém provavelmente ele se perderia lá dentro, era tudo
muito igual, com velas e janelas por todos os cantos, pinturas dos bustos de grandes
nomes dentro da Casa Corman, como por exemplo Taliyah Corman, a mulher do
Imperador Zaehar, pai do atual Imperador, Valark e tia de Lorde Joseph. Ele passou
rápido pelo quadro, mas não precisava ver uma imagem para descrever Taliyah, ela
tinha longos cabelos castanhos avermelhados quase ruivos e olhos castanho-mel para
combinar. Fora muito cobiçada quando atingiu a Idade de Sangue, muitos Lordes
queriam casar seus filhos com Taliyah, mas foi Zaehar que a conseguiu, alguns dizem

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que ela realmente se apaixonou por ele, outros dizem que foi apenas mais uma aliança
entre a Casa Corman e o Império, para fortalecer mais ainda a aliança entre eles.

Enquanto estavam sendo levados para o Grande Salão do Lorde, o garoto ao


seu lado não parava de gritar por misericórdia, olhando pela sua aparência, Saric
achava que ele não tinha mais de 14 anos, talvez até 13, quem ele havia matado é que
parecia ser mais velho, talvez fossem irmãos cometendo um crime que não deu certo.
Incrível como o mundo funciona, o mais velho provavelmente foi quem convenceu o
mais novo a entrar nessa vida, vejo que não deu muito certo.

Na época em que eles viviam os homens a partir dos treze anos já deveriam
saber empunhar uma espada e um escudo, muitos jovens iam à guerra antes mesmo de
terem quatorze anos, que era considerado a maioridade para o homem se tornar um
adulto, os nortenhos chamavam essa fase de Idade de Sangue, que para os homens é ao
quatorze e já as mulheres era quando elas sangravam, chamado educadamente de
“florescer”. Era engraçado como homens aos treze anos já sabiam lutar e se defender,
mas não possuíam cabeça alguma para o que é certo e o que é errado, são facilmente
corrompidos, por isso muitas Casas e Lordes caiam, os Lordes morriam e a Casa ficava
à mercê de um garoto de treze anos e seus conselheiros, assim eram facilmente
corrompidos com o discernimento sobre o que é certo e justo.

Conforme chegaram ao Grande Salão de Lorde Joseph, Saric começou a se


lembrar de quando veio para este local quando pequeno com seu pai, talvez ele tivesse
oito anos ou menos, os dois vieram para prestar juramento e lealdade ao Lorde Joseph.
Sempre que um novo lorde ascendia ao controle da Casa todos os seus vassalos iam
prestar juramento ao lorde, poucos sortudos camponeses conseguiam ir conhecer o
novo lorde, era uma honra conhece-lo e prestar juramento a ele, mas para os vassalos
era apenas uma obrigadação.

Lorde Joseph tinha apenas quinze anos quando assumiu o trono da névoa, a
idade legal é aos catorze, infelizmente ele subiu a posição de Lorde de Ironstand e da
Casa Corman após o falecimento de seu pai, Andris Corman, que faleceu na ultima
Rebelião dos Ashyns. Saric não se lembrava muito sobre a Rebelião, mas seu pai
apenas o disse que algum Lorde Ashyn se rebelou contra o Império e juntou todo o Sul
abaixo do Vale Seco para lutar contra o Império, obviamente o Imperador conseguiu
resistir ao ataque e manter os Ashyns no Sul, como punição o Lorde traidor foi morto e
seu irmão mais novo tomou o lugar, sendo obrigado a se casar com uma filha do
Imperador, tentando evitar outra rebelião já que agora eles estavam amarrados por
casamento.

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O salão não havia mudado nem um pouco pelo o que Saric se lembrava, todo
o ambiente era construído a pedra com grandes portas de madeira clara e dois guardas
do lorde na porta que a abriam quando necessária. No fundo estava o Lorde Joseph,
sentado apenas observando-os chegar mais perto, sua aparência não havia mudado
nada, cabelos longos e pretos com olhos castanhos quase cinzas como a neblina, sua
barba também tinha um tom um pouco cinza combinando com a cor de seus olhos, ele
parecia ser mais alto que Saric, não que Saric fosse muito alto, mas não dava para
saber, já que o lorde estava sentado. Agora Lorde Joseph já deveria ter em torno de
vinte e três anos, não lembrava ao certo o dia de seu nome.

Agora já estava cara a cara com o Lorde, poucos camponeses acharam que
iam se ver cara a cara com o grande Lorde da Neblina. Queria que fossem outras
circunstâncias. Observou a sua volta, tentou se lembrar mais um pouco de como era
antigamente, parecia ser maior, talvez fosse, Saric que era muito jovem e não se
lembrava ao certo o tamanho, mas nada realmente teve mudanças drásticas que ele
pode notar. Era aquela ali, a Neblina. Pensou Saric enquanto observava a espada na
parede, presa de um pano com o símbolo da Casa Corman, dois martelos cruzados na
frente de um pedaço de metal. Nós permanecemos inquebráveis. Esse era o lema da
Casa Corman.

A espada era Neblina, a lendária espada dos Corman’s, as lendas dizem que
ela é tão velha quanto a Casa, talvez até mais velha. Ninguém sabe ao certo a origem da
espada, pois ela foi feita com Aço Perdido, um tipo de aço que só é encontrado depois
do Deserto Negro, poucos Sábios Mestres sabem mexer com esse tipo de metal, mas é
muito raro encontrar algum que saiba e seja um ferreiro. É dito que o aço perdido é dez
vezes mais leve e dez vezes mais afiado que aço normal e um pouco mais resistente
que aço negro, que também é muito raro, a cor do aço perdido é um pouco mais clara
que do aço normal, parecendo mais prata do que aço. Parecia que a espada possuía
alguns detalhes na lamina, mas Saric estava muito longe e não conseguiu reparar. A
guarda era regular e inclinada para cima como de costume, o chappe logo em cima era
de um tom de cinza como as nuvens, só o couro que era diferente, ele era branco como
a neve, estava tão limpo que parecia até novo, já o pomo era cinza e possuía o formato
da ponta de um martelo.

Lembrou-se de que seu uma vez seu pai lhe disse que as Terras da Neblina
estavam prosperando novamente por conta de Lorde Joseph, ele estava fazendo sábias
decisões graças aos seus conselheiros. Irontown era uma cidade mais ou menos
conhecida, alguns vinham de passagem, poucos ficavam e moravam, durante o inverno
muitos ficavam por lá por proteção, era a época de superlotação da cidade, mas isso

~ 13 ~
estava mudando, Lorde Joseph estava fazendo novos aliados e boatos corriam de que
ele estava até preparando para se casar com a mulher de uma Grande Casa,
provavelmente no Norte, já que a Casa Ferus é a maior aliada da Casa Corman.

Chegaram à frente de Lorde Joseph, os dois ficaram de joelhos, o ladrão ao


lado de Saric estava sério, com uma expressão fria, ele sabia o que tinha feito e sabia
que a punição pelo roubo não ia ser baixa, mas parecia não ligar, ou pelo menos era o
que Saric achava. Ele não deve nem ter catorze anos, mas já tem uma feição de um
homem feito preparado pra guerra. Aquilo o assustou um pouco, não queria nem
imaginar por o que aquele garoto já tinha passado, se a expressão dele já era assim,
imagina o que ele já tinha visto.

O que aconteceu aqui, Sor Matthew? – Disse lorde Joseph após ter fitado o
ladrão.

– Dois ladrões roubaram uns punhos de cobre e comida de alguns feirantes


agora pouco, aparentemente eram os mesmos que assaltaram a loja de tecidos semana
passada. Nós conseguimos pegar um deles, já o outro foi morto pelo homem que está a
minha esquerda, o nome dele é Saric.

Lorde Joseph fez um sinal para Saric se levantar, que se levantou em seguida.
O Lorde levantou de seu trono e ficou parado em pé na frente do ladrão, os dois
ficaram se encarando, mas o ladrão ainda não tinha nenhum pelo na cara, já o lorde
Joseph conseguia ter mais presença, ele era bem mais intimidador. Isso não vai acabar
bem para ele. Já era quase certo que o ladrão iria ser preso, mas só por ele estar
encarando o lorde já era capaz que tivesse sua sentença aumentada.

– O que devemos fazer com você? Alguém já cortou a sua língua ou quer
façam isso por você já que você gosta de silêncio? – Disse o Lorde, ainda encarando o
ladrão.

– Quem se importa? Ninguém. Corte se você quiser. – Esse garoto não tem
medo mesmo ou apenas quer parecer que não tem. Realmente o ladrão estava com uma
atitude muito alta para alguém que parecia não ter nem catorze anos.

– Você já se quer é um homem feito? Onde está seu pai, ladrão? Talvez
devêssemos puni-lo para cria-lo melhor.

– Ele já morreu. Não que vocês lordes do lixo luxuoso se importem. – Logo
após terminar de falar lorde Joseph já desferiu um soco no rosto do ladrão, ele

~ 14 ~
cambaleou para trás e colocou a mão em seu rosto, já dava para ver o sangue saindo do
corte que abriu. O rosto do ladrão esbanjava o ódio nesse momento.

Assim como o de Saric, o pai daquele ladrão morreu também, será que ele
morava nas ruas ou era acolhido por alguém? Esse pensamento nem havia passado pela
sua cabeça até agora, morou nas ruas esses dois anos e nunca roubou, mas já passou
várias vezes em sua cabeça de apenas roubar um pouco, não iria faltar para os gordos
nobres não é mesmo? Será que o menino que Saric matou era seu irmão? Não fazia
diferença agora, já estava morto mesmo. A vida deles não era muito diferente, apenas
uma escolha errada e os papeis estavam totalmente opostos, Saric era o herói e o outro
garoto o vilão, mas ambos vieram praticamente do mesmo lugar.

– O leve daqui Sor Lynch. – Disse o Lorde, enquanto Lynch, o cavaleiro


companheiro de Matthew, levantou o ladrão e o levou para fora do grande salão,
provavelmente para a prisão. – Diga também ao Tolmir que curte sua língua. Do jeito
que ele fala não vai precisar dela. – Assim que o Lorde terminou de falar, o ladrão
começou a gritar e xingar, mas já estava muito longe para Saric entender.

Assustou-se, mas sabia que era assim que as coisas funcionavam mais para o
Norte do continente, onde os Deuses Esquecidos reinavam na religião, pois sempre a
religião e política andam lado a lado, se você rouba, você pode ter seus dedos cortados,
dependendo do humor e do tamanho do crime você pode ter até sua mão inteira
cortada, se estuprar a mulher de alguém importe você tem as suas bolas cortadas, no
pior dos casos, que era assassinato, ou você recebe a pena de morte ou pode ter o braço
que foi utilizado para cometer o assassinato, cortado e deixado sem nenhum curativo,
assim os Deuses iriam dizer se o culpavam pela morte daquela pessoa ou não, mas é
claro que quase sempre a ferida infeccionava e muitos morriam logo em seguida.
Deuses, eu sei que não fiz nada de errado, o Lorde não pode me condenar a algo.

– Então você matou o outro ladrão, Saric? – Disse o Lorde, se voltando para o
mendigo.

– Sim, milorde. – Respondeu Saric, tentando não parecer aflito, não que isso
fosse ajudar de alguma forma, mas ele não queria demonstrar nenhum medo, apesar de
estar sentir.

– Pois bem, já faz alguns dias que estávamos atrás desses ladrões, parece que
eles estão dentro de um grupo que organiza roubos e assassinatos, mas eles deveriam
ser recrutas iniciantes, não devem ter grandes informações. Você fez um grande favor

~ 15 ~
ao seu Lorde. – Por dentro Saric ficou aliviado, ele sabia que não iria receber nenhuma
punição, mas mesmo assim demonstrou alivio. – A que família eu devo essa ajuda?

Saric ficou sem jeito nesse momento, A qual casa eu pertenço? Eu sou um
ninguém. Saric era filho de Milenov, eles não eram lordes, ele era apenas Saric das
Terras da Neblina, um ninguém. Seu pai era apenas um camponês e Saric não conheceu
sua mãe, eles não carregavam nenhuma linhagem real e muito menos uma linhagem
conhecida, a única coisa que Saric se lembrou era que no alto da cama de seu pai estava
o escudo escrito Conlon em cima, seu sobrenome. O fundo do escudo era azul escuro e
no meio tinha uma corrente quebrada desenhada em cinza, dando um bom contraste.
Acho que aquele era o sonho de meu pai, ser um Lorde de algum lugar e poder ser
Milenov da Casa Conlon. Pensou, mas seu pai nunca comentou sobre o significado do
desenho ou da palavra Conlon.

– Família Conlon, eu era apenas um camponês junto de meu pai, mas moro
nas ruas há dois anos, após soldados imperiais tirarem minha terra. – Saric respondeu já
abaixando a sua cabeça.

Lorde Joseph havia ficado sem nenhuma expressão, nunca ouvira algum caso
de um mendigo ajudando a reino, geralmente os mendigos menosprezavam os reinos
dos homens, várias rebeliões e guerras civis aconteciam, principalmente conforme os
reinos se aproximavam do Império, onde existiam mais mendigos nas ruas do que
pessoas em suas casas, a situação estava crítica e ver um mendigo ajudando a alguma
causa é realmente raro. Lorde Joseph levou sua mão na cabeça, quando ia começar a
falar foi interrompido por Sor Matthew.

– Aqui está a faca dele, milorde. – Disse Sor Matthew, que tirou de seu bolso a
faca enferrujada de Saric e a entregou ao Lorde Joseph.

– Você matou o ladrão com apenas essa faca? – Lorde Joseph pegou a faca da
mão de Sor Matthew e a observou, era uma faca comum, já antiga, talvez pudesse ser
usada para cortar pão, mas dificilmente para matar alguém, ela não era tão afiada e já
estava enferrujada. O que será que ele está pensando? Joseph não demonstrou
nenhuma expressão em seu rosto, observou a faca por um tempo. – Fico surpreendido.
Seu pai... Como é o nome dele?

– Milenov, milorde. Milenov Conlon.

– Ele te ensinou a lutar e se defender? – Perguntou Lorde Joseph, ficando de


pé na frente de Saric, já com a cabeça erguida.

~ 16 ~
Seu pai lhe ensinou a se defender em várias situações, mas Saric nunca matou
alguém, aquela era a primeira vez e ele não sabia como se sentia, era para ele se sentir
bem ou mal pela situação? Duvidas e questionamentos começaram a surgir na sua
cabeça, seu pai morreu tão rápido, não foi de doença e nada, ele foi assassinado. Tudo
aconteceu tão rápido que ele mal conseguia pensar. Saric não sabia se aquele outro
ladrão era irmão de quem ele matou, mas todos tem uma história, um passado, qual
será que era o passado do homem que ele matou? Impossível dizer agora, mas no
momento, no calor da luta, para se defender, ninguém pensa nisso. Quem era ele? Não
era um nobre, isso Saric tinha certeza, ninguém olha para os outros e tenta imaginar
quem eles são, o que eles representam, Saric não soube nem seu nome, mas o matou da
mesma forma para preservar a sua vida. Isso significava que sua vida valia mais que a
vida de um ladrão? A vida de um mendigo sem ter onde morar valia mais que a vida de
um ladrão que roubou para poder se sustentar? Isso é justiça? Apesar de todos esses
pensamentos em apenas uma fracção de segundos, Saric respondeu ao Lorde se
titubear.

– Sim senhor, ele não era um nenhum Sor, mas sempre soube se defender,
muitos ladrões iam até a nossa pequena fazenda, ele tinha um escudo e uma espada que
utilizava quando preciso, ele era um homem de honra, me ensinou a lutar e caçar desde
pequeno, infelizmente eu nunca conheci minha mãe e após a morte de meu pai, nossas
terras forem saqueadas por alguns ladrões, o Imperador as tomou e então eu fiquei sem
nenhum local para morar, pois eu não tinha dinheiro para dar de tributo. A cidade mais
próxima era esta, as ruas de Irontown viraram minha moradia. – Respondeu Saric,
Lorde Joseph percebeu a tristeza em sua voz, sabia que o que ele estava contando era
verdade.

– Você tem potencial pelo o que aparenta, como um homem trainado com uma
espada foi morar nas ruas? – Lorde Joseph falou com uma voz calma, totalmente
diferente de quando o ladrão estava no salão, isso que era um Lorde. – Você esta
precisando de um escudeiro para lhe ajudar, não está Sor Matthew? – Perguntou o
Lorde. Matthew fez um sinal positivo com a cabeça em resposta. – Então Saric Conlon,
a partir de hoje você ira servir ao Sor Matthew como seu escudeiro e me servir como
seu Lorde, você irá receber um aposento aqui ao lado onde alguns dos meus servos e
trabalhadores estão. Hoje acordei de bom humor pelo seu bem. Você ajudou a minha
cidade e a Casa Corman é grata a você, agora você não mora mais nas ruas.

Aquilo pareceu mais um sonho do que realidade, era tudo inesperado para
Saric, nunca sonhou em ser um escudeiro de alguém, ainda mais de Sor Matthew, um

~ 17 ~
cavaleiro nobre de Lorde Joseph, se levantou e agradeceu ao Lorde, que logo em
seguida sentou-se na cadeira do lorde no salão.

Era impossível não demonstrar alegria e alívio, um sorriso escapou no rosto de


Saric e Sor Matthew percebeu, finalmente estava fazendo algo certo, ele não era mais
um morador das ruas, agora era um escudeiro real. Tudo tão rápido... Sabia que seu pai
estaria orgulhoso nesse momento, ele era apenas o filho de um fazendeiro que graças
aos ensinamentos de seu pai estava servindo ao Lorde Joseph da Casa Corman. Olhou
para Sor Matthew, que sorriu de volta, colocou a mão no ombro de Saric e lhe disse.

– Aliviado, Saric? Agora você não é mais um morador das ruas. Vamos, vou
lhe mostrar onde você ira dormir de agora em diante.

Não sabia ao certo como reagir à situação, apenas permaneceu em silêncio e


deixou Sor Matthew o levar até a saída do grande salão para agora conhecer os seus
aposentos, onde ele iria permanecer por um bom tempo. Depois de anos, finalmente
terei um teto a onde dormir. Era surreal, após dois anos morando na rua, agora ele teria
uma cama para poder deitar e se aconchegar, já tinha se esquecido do que era poder
deitar e entrar em um quarto. Não sabia mais no que pensar, já estava perdido em sua
mente e pensamentos.

~ 18 ~
CAPITULO II – A PRIMEIRA ESPADA

Sor Matthew levou Saric até os seus aposentos, como Joseph havia dito, os
aposentos eram também o local onde alguns de seus servos também dormiram, mas em
quartos separados. O dormitório se encontrava logo do lado do salão, era a primeira
porta a esquerda, do lado da entrada. Sor Matthew foi à frente, abriu a porte e deixou
Saric entrar, era um corredor com cinco portas ao lado. É claro que ele tem mais
serviçais, onde dormiriam? Era uma grande honra para alguém morar no mesmo
castelo que um Lorde, ainda mais o Grande Lorde da Casa Corman, mas ele tinha
muitos serviçais, provavelmente ele estaria dormindo ao lado dos principais serviçais,
já que estão dentro dos do grande salão.

O corredor era um local limpo e iluminado por duas velas em cima de duas
mesas pelo corredor, as portas ficavam a esquerda e as janelas de madeira à direita,
estavam abertas e não eram muito grandes. Foi andando até o fim pelo corredor, as
quatro primeiras portas estavam fechadas, provavelmente quem dormia lá não estava
presente, talvez fazendo alguma tarefa para o lorde. A quinta porta estava aberta, Sor
Matthew acompanhou Saric até a entrada, colocou a mão em seu ombro e lhe disse.

– Este é seu quarto, aproveite e durma um pouco. Você passou por muito e
deve estar cansado, no fim da tarde iremos até o ferreiro para ele lhe preparar algo para
vestir, dentro de alguns dias vamos cavalgar até uma cidade próxima, ouvi boatos sobre
um ladrão que esta conseguindo uma atenção indesejada.

– Muito obrigado, Sor. Não sei como lhe pagar. – Respondeu Saric, com um
sorriso no rosto, se dirigindo até o seu quarto.

– Não precisa me pagar, apenas faça o seu serviço direito e estaremos quites.

~ 19 ~
Andou até o final do corredor e entrou em seu quarto, fechou a porta e
observou o local, era pequeno e aconchegante, o fazia lembrar-se de casa, uma cama e
um armário, uma janela atrás da cama para a iluminação e só, tudo que Saric precisava,
se sentia em casa. Sentou-se na cama e colocou as mãos na cabeça, pensava em como
tudo aquilo havia acontecido tão rápido, horas atrás ele ainda estava na rua, acordando
e com apenas um ato de defesa havia se tornado o escudeiro de um cavaleiro do Lorde
Joseph Corman.

Deitou-se na cama. Será que eu realmente mereço isso? Quem eu sou afinal?
O filho de um fazendeiro que teve suas terras tomadas, pois eu não tinha como
compra-las de volta? Esses pensamentos não saiam da cabeça de Saric, seu senso se
justiça era alto demais e ele não sentia que merecia tudo o que aconteceu. Agora ele era
um escudeiro, deveria manter a sua honra para no futuro também servir ao Lorde
Joseph, colocar em prática tudo que seu pai havia lhe ensinado. Virou-se na cama e
dormiu.

Estava chovendo, Saric estava nas florestas quando escutou um grito de seu
pai, não sabia o que era mais correu até a sua casa, a chuva estava muito forte. Saric
avistou um homem saindo da casa com uma espada cheia de sangue, ele estava todo de
preto e saiu correndo com pressa, tentava gritar por ajuda e pelo nome de seu pai, mas
o som de sua voz parecia não se propagava, por um instante o único som que era capaz
dele escutar era a da chuva.

Quanto mais Saric corria, mais sua casa ficava longe de seu alcance, não
conseguia entender o que estava acontecendo, aquele era um circulo infinito, os gritos
de seu pai aumentavam e ficavam mais fortes que o barulho da chuva. Que pesadelo é
esse?

Chegou a sua casa, só havia uma vela acessa, a no quarto de seu pai, sem
pensar duas vezes Saric correu até lá, viu seu pai ensanguentado e caído no chão
encostado na cama, Saric se debruçou até seu pai, o mandando ficar quito, dizendo que
tudo estava bem, que a ajuda já estava chegando, mas no fundo ele sabia que aquilo era
mentira. Colocou a mão na ferida de seu pai e viu que eram três furos feitos por uma
faca, eram pequenos demais para ser de espada, ele não tinha muito tempo de vida. Seu
pai colocou a mão no ombro de seu filho, o olhou no rosto e lhe disse.

– Eles... – Essas foram suas ultimas palavras. Seu pai morreu antes de terminar
a frase.

~ 20 ~
Lagrimas escorreram pelos olhos de Saric enquanto ele abraçou seu pai, o
eterno pesadelo de Saric, se sentia culpado pela morte de seu pai, pensava que se ele
estivesse em casa teria conseguido fazer alguma coisa, seu pai sabia se defender, quem
era o homem misterioso que assassinou o seu pai? Esse pesadelo o atormentava todo o
tempo.

Sempre pensou que se ele estivesse na casa ele poderia ter ajudado seu pai de
alguma forma, talvez até mesmo parado o homem mascarado, mas não, ele estava na
floresta no meio da chuva, porque ele estava ali? Sempre era a mesma perguntava que
martelava a sua cabeça. O que seu pai quis lhe falar? Suas ultimas palavras foram
“eles”, mas quem ou o que são eles?

A vela apagou e o som se foi junto, seu pai que estava em seus braços se
transformou em cinzas, sua casa ia perdendo cor e a escuridão ficava mais forte, Saric
se levantou e começou a olhar para os lados, avistou na janela alguém do lado de fora,
era o ladrão que matou seu pai. Ao lado da cama Saric abriu o armário e lá estava a
espada de seu pai. Estranho, Saric a pegou e saiu correndo para o lado de fora, atrás do
homem de preto.

Correu, mas quando chegou não havia mais ninguém lá, ele estava confuso, o
que estava acontecendo? Olha para trás novamente e se vê no meio de uma floresta,
não mais em sua casa. O que está acontecendo? Pensava Saric, tentando entender,
quando escuta o grito de seu pai e corre até o som. – Pai! – Grita Saric, lá estava ele de
novo, olhando para a sua casa, estava chovendo, o homem de preto saia da sua casa
com a mesma espada suja de sangue.

Saric acordou soando frio e tremendo.

Esses pesadelos viviam perturbando Saric, ele nunca conseguia correr e chegar
a tempo, assim como não conseguia ir atrás do homem de preto que matou o seu pai.
Memórias quebradas. Saric não se lembrava de exatamente o que aconteceu no dia em
que seu pai morreu, mas ele tem certeza de que ele foi morto pelo homem de preto.

Sentou-se na cama e olhou para os lados para ter certeza de que ele não estava
mais sonhando, escutou o som da porta da frente de abrindo e alguém entrando. Virou-
se para a porta e encostou-se à parede atrás de sua cama, não sabia quem era, mas já
ficou preparado para qualquer situação, estava assustado.

~ 21 ~
– Está tudo bem, Saric? – Era a voz de Sor Matthew. – Vamos até o ferreiro
ver o que ele tem para você. Sem dúvidas você está precisando de um colete de couro e
algo para se defender no caminho. Vamos.

Levantou-se e se dirigiu até a porta, abrindo-a. Olhou para Matthew e lhe


disse.

– Vamos então. – Ainda estava com as mãos tremendo devido ao seu


pesadelo, Matthew repara nisso e pergunta.

– Pesadelos? Sei como é. Quando tirei a minha primeira vida não consegui
dormir por quase sete dias, não importa o quanto você corra, você não consegue
escapar, os padres dizem que é dessa forma que os Deuses Antigos nos fazem sentir os
nossos pecados, a alma de quem você matou te atormentando por o que você fez. –
Terminou de falar e colocou a sua mão no ombro de Saric, o puxando para fora do
quarto. – Mas vamos indo, talvez tenha uma cota de malha e um pouco de couro que
lhe sirva.

Quem dera se Saric tivesse tido o pesadelo por causa da vida que ele tirou,
esse pesadelo era constante e todas às vezes ele acordava da mesma forma, a angustia
que ele sentia dentro do sonho passava para a realidade em seu corpo, ele estava suado
ainda.

Os dois saíram dos quartos e foram em direção à pequena feira de Irontown.


Antes de sair de Ironstand, Saric deu mais uma olhada no castelo provavelmente
observá-lo e apreciá-lo. Ironstand tinha cinco torres que Saric conseguiu ver, logo atrás
do Grande Salão estava a torre principal, provavelmente onde Lorde Joseph dorme com
sua família. Nem me lembro quem são... As outra quatro torres cercavam o castelo
pelos muros e eram interligadas por construções e grandes corredores, um dia quem
sabe Saric iria conhecer todo o castelo e saber andar por ali.

– Ainda preciso ver como é seu estilo de luta, quero ver se você consegue ser
um bom escudeiro, também preciso saber se você sabe como colocar uma armadura e
cuidar de um cavalo, mas acredito que sim, já que você foi filho de um fazendeiro. –
Disse Sor Matthew, dando uma leve risada.

– Vamos ver se o vendedor tem o necessário primeiro, amanhã podemos


treinar, se é o que você deseja.

~ 22 ~
– Creio que não vai ser possível esperar para amanhã, ainda bem que você
dormiu, partiremos esta noite para a cidade vizinha. No caminho podemos treinar um
pouco para eu conhece-lo melhor. O ladrão que eu mencionei roubou algumas joias da
Lady Elenna. – Elenna era a irmã mais velha de Lorde Joseph e Saric sabia disso, por
ser mulher ela não herdou Ironstand e assim foi passado a Joseph, ela estava morando
em Frozehold, o castelo da Casa Ulmer, Saric não se lembrava muito da Casa Ulmer,
apenas que o castelo recebeu esse nome pois o rio que fica do lado do castelo está
congelado gerações.

Chegaram a frente do portão onde dois cavalos estavam a espera, o cavalo


maior era marrom escuro e já aparentava estar na fase adulta, já os segundo cavalo
tinha o pelo um pouco mais claro e era relativamente menor que o primeiro, aquele era
o seu cavalo. Ambos os cavalos estavam equipados propriamente, no fim das costas do
cavalo menor estava à mochila preparada para a viagem. Coitado do cavalo, é o menor
e tem que aguentar todo esse peso, talvez já seja parte do treinamento para ele. Mas o
cavalo ficava em pé firme e forte, parecendo uma criança tentando aparentar que é mais
velha. Não se esqueceu de reparar que os cavalos estavam vestindo também um tipo de
capa com as cores da Casa Corman, provavelmente para identificação.

Montaram em seus cavalos e saíram dos portões em rumo de alguma loja na


feira de Irontown para encontrar roupas para Saric, pelo menos um colete de couro e
algumas roupas descentes já que ele estaria servindo ao Lorde Corman como um
escudeiro. Sempre quis usar uma armadura, mas ele nunca teve a oportunidade, quem
sabe um dia.

Sor Matthew tomou à dianteira e foi mais rápido que Saric, seu cavalo
também não ia aguentar ir tão rápido. No tempo que eles cavalgaram até Irontown,
Saric foi pensando sobre sua vida, como tudo mudou tão rápido, agora ele finalmente
tinha um lugar para dormir e dessa vez de baixo do teto de um grande lorde, ele nunca
teria imaginado que isso iria acontecer, mas aconteceu. Ele honrou seu pai e agora era
um escudeiro, quem sabe um dia ele não se tornaria um cavaleiro juramentado a Casa
Corman, poder chamar-se de Sor Saric e casar com uma bela moça, essas eram coisas
que nunca haviam se passado pela sua cabeça. Depois que seu pai morreu Saric apenas
conseguia pensar em sobreviver, nem se quer esteve com uma mulher antes e agora já
estava pensando em se casar com uma.

Chegaram a Irontown, os dois pararam em frente a uma estalagem para deixar


seus cavalos, Sor Matthew apenas desmontou de seu cavalo e o amarrou na madeira
própria para isso. Será que não vão roubar os cavalos? Claro que não... Quem

~ 23 ~
roubaria um cavalo do Lorde das Terras da Neblina. Pensou e logo se corrigiu, era
verdade, apenas um louco para roubar os cavalos dos Corman. Desmontou de seu
cavalo e pegou a mochila, colocou-a nas costas e seguiu Sor Matthew, que já estava
indo a sua frente.

O caminho até a loja não era longo, Saric conhecia a cidade no palmo de suas
mãos, sabia que estava próximo, só tinham dois vendedores de couro na cidade, um era
muito barato, mas com uma qualidade duvidosa e o outro era na verdade uma mulher,
que dedicou sua vida a abrir aquela loja, Saric passou por ali uma vez e escutou dois
homens conversando sobre o local, aparentava ter uma qualidade excelente pelo o que
ele escutou. Apenas alguns minutos a mais andando e eles estavam lá.

Conforme foram entrando mais na cidade, mais a movimentação foi


aumentando e Saric percebeu que todos estavam olhando para ele, não exatamente para
ele, mas para Sor Matthew, todos por ali pareciam o reconhecer, talvez não sabiam o
seu nome, mas definitivamente sabiam que ele era um cavaleiro do lorde Joseph, suas
vestimentas o entregavam, apesar dele estar sem sua armadura. No meio do couro de
seu peito tinha um o contorno de um martelo, apenas alguns olhavam para Saric, os
olhares o analisavam profundamente, os mesmos olhos que o julgavam mais cedo.

Observou um bordel, não se lembra se era o mesmo bordel que ele avistou no
caminho até o grande salão de Lorde Joseph, mas com certeza era um bordel,
prostitutas estavam na frente da entrada já mostrando seus peitos e algumas até
sentadas com as pernas abertas e bocetas a mostra para tentar seduzir alguns homens,
nada que o dinheiro não pudesse comprar. Saric ainda era virgem, mas tinha medo de
transar com uma prostituta, ele nunca conheceu a sua mãe e tinha medo de acabar
deixando um bastardo pelo mundo, ainda mais na época em que eles vivam, que
bastardos eram reconhecidos apenas como bastardos, seus nomes pouco importavam.

Diminuiu a velocidade de seu passo, ficou observando a entrada do bordel e as


prostitutas, homens saiam e entravam no local, todos de diferentes vestes, alguns
pareciam ser nobres e outros se vestiam como ele, mendigos que acabaram que ganhar
um pouco de dinheiro e já foram gastar com alguma puta, incrível como eles
precisavam transar, uma necessidade que Saric desconhecia. Sor Matthew percebeu
que Saric parou e observou o bordel, olhou para ele e disse.

– Se você quiser foder alguma delas depois que voltarmos do ferreiro, sinta-se
livre. Esse é um bordel muito bom, ouvi dizer que tem as melhores putas das
proximidades. – Disse Sor Matthew, olhando para o bordel.

~ 24 ~
– Hoje não, quem sabe outra vez... – Respondeu Saric, voltando a andar a
caminho da feira.

– Prefere homens? – Sor Matthew deu uma risada e um tapa nas costas de
Saric após terminar de falar. – Vamos logo, seus gostos são seus gostos. Temos um
dever a fazer.

– Não é isso. Nunca transei com uma mulher, não tive a oportunidade.

– Você tem quantos anos mesmo e não teve com uma mulher ainda? – Saric
não tinha dito sua idade para Sor Matthew, apenas respondeu em seguida.

– Eu tenho dezessete. – Dezessete e nunca esteve com uma mulher, nunca nem
se quer conversou direito com uma, ele se lembra que na infância teve uma amiga, mas
não se lembra muito dela, eles brincavam pelas matas, ele tinha seis anos, depois ela
sumiu e Saric nunca mais a viu novamente.

– Vamos ver como você se sai nessa missão que nos foi dada, dependendo, eu
compro para você a melhor puta de qualquer bordel de Irontown, agora vamos.

A melhor puta de qualquer bordel? Aquilo era tentador para Saric, não
conseguia entender porque os homens gostavam tanto de foder, quase todos os homens
traiam suas esposas para ir a um bordel qualquer para ter uma noite de prazer, mas no
Norte isso era um pouco mais incomum, ironicamente as pessoas comentam que no
Norte os homens são mais brutos e selvagens, porém eles tem mais honra que os
sulistas, nortenhos são mais apegados a família. Saric já tinha escutado várias histórias
de seu pai sobre o número de príncipes que são casados e saem pelos bordeis transando
com putas sem se importarem, afinal, eles são os príncipes.

O que será que aconteciam com as mulheres que ficavam grávidas? Será que
elas eram expulsas do bordel? Ou punidas? Eram tantas dúvidas que martelavam a
cabeça de Saric, mas aquele não era o momento certo para tirá-las, como Sor Matthew
disse, eles tinham tarefas mais importantes no momento. Ele não podia se preocupar
com um bordel e algumas putas.

Chegaram a frente da loja, era a mesma loja que Saric pensou mais cedo,
aproximavam-se quando puderam escutar alguns gritos de leve, como uma torcida de
algum torneio imperial, alguns gritos eram de comemoração e outros eram vaias.
Ambos foram em direção ao som, se aproximaram de uma taverna logo na entrada na
feira. Sor Matthew já colocou a mão na sua espada, ainda na bainha.

~ 25 ~
– Talvez seja mais uma briga na taverna, vamos lá Saric. Acredito que a
vendedora possa esperar. – Sor Matthew andou mais rápido em direção à taverna de
onde os gritos estavam vindo.

Saric permaneceu em silêncio e acompanhou Sor Matthew, andando no


mesmo ritmo que ele. Chegaram a frente à taverna, os gritos das pessoas estavam mais
altos, era possível escutar as vozes dos homens gritando “vai, vai, vai! Acaba com ele!”
e outras “Levanta-se e lute, você consegue!”, era apenas uma briga, mas como Sor
Matthew era um cavaleiro da Guarda do Lorde, sua obrigação era manter a paz nos
limites do reino dos Corman, então os dois entraram na taverna e observaram o local.

A taverna não era muito grande, tinha duas janelas principais de madeira na
entrada, mas as duas estavam fechadas, já estava anoitecendo e era inverno, os locais
tendiam a fechar mais cedo. Por dentro a iluminação já não era tão boa, mas tinha uma
vela por mesa pelo menos, Saric notara. Eram nove mesas no total, sem contar a
quebrada no chão, quatro na direita e cinco na esquerda, pensou que talvez fossem dez,
mas quebraram uma. Não sabia se o local estava cheio, mas tinham quinze pessoas lá,
duas estavam brigando no chão e as outras torcendo, divididas. Um homem estava atrás
do balcão apenas observando, atrás do balcão tinham várias garrafas diferentes na
prateleira, imaginou que fosse vinho, nunca havia provado antes, seu pai lhe contou
que era coisa de sulistas. “No norte nós bebemos apenas cerveja, ela é boa gelada e
nós estamos ao lado do gelo”. Lembrou, era verdade, o vinho do sul era infinitamente
superior ao vinho do norte, mas aquela taverna não parecia ser o tipo de taverna que
tem vinhos.

Os dois ficaram parado na porte observando, tinham dois homens brigando no


chão, o que estava em cima tinha cabelos muito longos e escuros, mais longos que o
normal pelo que Saric viu, era muito musculoso e parecia ter quase dois metros de
altura, já o que estava a baixo apenas apanhando era um pouco gordo, seus cabelos
eram castanhos e também longos, mas não tanto quanto o do outro homem. As pessoas
estavam em volta dos dois torcendo e gritando, estavam gostando da briga, apesar dela
ser bem injusta.

– Isso acontece muitas vezes? – Perguntou Saric à Sor Matthew.

– Às vezes, mas são apenas brigas. Deixe-me assustá-los um pouco. – Disse


Matthew, colocou a mão na espada como se fosse tirá-la da bainha e gritou em seguida.
– O que está acontecendo aqui!? – Após o grito de Matthew, todos ficaram em silêncio
e a briga parou.

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Saric pode perceber que realmente Sor Matthew tinha uma voz entre eles. Será
que eles já conhecem Matthew? Talvez... Todos ficaram em silêncio tão rápido. Olhou
para os dois homens no chão, que já estavam se levantando, um ajudando o outro,
como se fossem amigos, o que será que havia causado aquela briga? Ele não estava
acostumado com isso, nunca havia presenciado uma briga, na verdade, Saric não se
lembrava da ultima vez que se quer entrou em uma taverna, talvez com seu pai há
muito tempo para que ele tomasse uma cerveja e comesse um frango.

– Apenas as brigas de sempre, Sor. – Disse o taverneiro atrás do balcão. –


Você não precisa se preocupar, sabe como eles são.

O homem que estava ganhando ficou em pé primeiro, sua roupa era diferente
da dos outros, ele era diferente. Parecia não pertencer às terras da neblina, talvez fosse
um verdadeiro nortenho, não sabia, nunca havia visto um. As Terras da Neblina
ficavam logo abaixo do Norte, então muitos se consideravam nortenhos, como o pai de
Saric, apesar de não terem nascido no extremo norte. Esse homem sim tinha o porte de
como o pai de Saric descrevia a Casa Ferus e seus Lordes, ele não era alguém qualquer,
o seu porte físico e seu olhar era diferente dos demais, a sua roupa era um couro mais
bem trabalhado e suas botas era preparadas para lama, neve e locais de difícil acesso,
não deixou de notar também que ele vestia pele de lobo como seu manto, sem dúvida
ele era um verdadeiro nortenho.

Olhou melhor a sua volta, todos os homens estavam de cabeça um pouco


baixa, tentando não olhar Sor Matthew cara a cara, menos esse homem. Quem é ele?
Pensou, sua curiosidade estava muito grande.

– Não quero ter que voltar aqui para prender os dois, pois se eu escutar outra
briga, ambos irão para Lorde Joseph explicar o que estava acontecendo. – Disse
Matthew, guardando a espada na bainha.

– Eu me explicar pro Lorde Joseph? Você sabe muito bem porque estou aqui,
Sor. Eu só queria comer e isso aconteceu. Pode ficar calmo, não haverá mais
problemas. – Disse o homem da direita. Sor Matthew sabia quem era ele, mas Saric
não. Ele estava em alguma missão já deduziu, afinal ele não é daquela região, o que
mais poderia estar fazendo de tão importante?

– Posso saber pelo menos o motivo dessa briga? – Perguntou Sor Matthew.

– Esse gordo comeu o ultimo frango, eu disse para ele me dar, ele recusou.
Como se ele precisasse de mais um frango. Vocês têm ficado mais moles por aqui, Sor.

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– Disse o homem, arrumando a sua roupa e olhando para esquerda, encarando o
homem com quem ele estava brigando.

– Tudo bem Kalar, não vamos arrumar mais problemas por causa de um
frango. – Respondeu Saric.

Kalar... Esse nome não me é estranho. Pensou Saric, realmente não era, cada
região tem seus estilos de nomes, Kalar era um nome comum nortenho, ele não
conseguia se lembrar se algum grande lorde da Casa Ferusfoi nomeado de Kalar. Onde
será que eu ouvi esse nome?

– Espero não ter que voltar, estou indo agora para Frozehold com meu
escudeiro, resolver uns problemas, fique fora de confusão por aqui, Kalar. – Sor
Matthew disse, virando de costas em seguida.

– Você também, Sor Matthew. – Responde Kalar, enquanto Saric saiu da


taverna com o Matthew.

Saric olhou um pouco mais a taverna, toda aquela briga por causa de um
frango, quem será que era aquele homem e porque o seu nome era familiar? Já
conseguiu perceber que ele tinha não tinha um temperamento muito bom. Andaram em
direção da loja de vestimentas.

– Quem é esse Kalar, Sor? – Perguntou Saric, à Matthew.

– Kalar é um Protetor da Floresta, é raro ver um deles por aqui, no Norte


existem poucos cavaleiros, mas o maior prestígio de todos é ser um protetor da floresta,
apesar de parecerem brutos, eles tem mais honra nós e ainda assim são também grandes
assassinos brutais, honra no Norte é diferente, nunca irei entender. – Respondeu Sor
Matthew.

– E como alguém se torna um Protetor? Cavaleiros se tornam cavaleiros


depois de serem escudeiros, mas e os protetores? – Perguntou Saric, cada vez mais
curioso sobre esses protetores, Sor Matthew reparou nisso.

– Todo lorde no Norte pode nomear um protetor, ele é o braço direito do lorde,
ele, mas também serve de mensageiro e executor, é um cargo e tanto, mas desgastante,
apenas os melhores cavaleiros se tornam protetores, é bom ficar longe deles, os
costumes nortenhos são bem diferentes, apesar de estarmos colados, você não quer

~ 28 ~
arrumar briga com um deles. Agora deu de conversa, vamos te preparar e partir para
Frozehold. – Respondeu Sor Matthew, parando com a conversa.

Guerreiros da floresta... Saric nunca havia ouvido falar sobre eles, no caminho
até a venda pensou como será que o Kalar luta, seu pai uma vez lhe disse que alguns
nortenhos não gostam de usar espadas e preferem machados e martelos no lutar, para
destruir seus oponentes.

Qual seria o Lorde de Kalar então? Se ele era um protetor, tinha de ter um
Lorde. Até teria perguntado, mas eles já estavam chegando e Saric percebeu que Sor
Matthew não estava muito afim de explicar tanto sobre os protetores, teria que
descobrir outro momento.

A venda era maior que a taverna, mas não muito. Tinha dois andares, talvez
servisse de loja e casa, muitos morados aproveitavam quando suas casas tinham dois
andares e faziam uma loja no primeiro andar. Haviam três janelas de madeira no andar
de baixo, as duas primeiras estavam abertas e uma fechada, no andar de cima havia
uma pequena varanda com duas portas de madeira de chão, as duas estavam fechadas.
Uma placa estava pendurada na porte escrito “aberto”, Sor Matthew a abriu e entrou,
Saric o acompanhou em seguida.

– Estamos fechados! – Gritou uma mulher de longa.

– Receio que terá que esperar um pouco, Ayla. – Disse Sor Matthew enquanto
entrou na loja, ignorando o aviso. Saric o acompanhou em seguida.

A loja por dentro era totalmente diferente do que por fora, tudo estava
perfeitamente limpo e bem colocado nas devidas paredes e prateleiras, várias roupas
diferentes com estilos diferentes, mesmo que um lugar humilde e não tão grande. Ayla
estava no fundo da loja, limpando o couro de uma das roupas penduradas na parede,
logo atrás dela tinha uma porta fechada. Saric olhou em volta e viu todas as belas
roupas na parede e em armários, todas elas estavam enfeitadas com diferentes roupas e
tamanhos, tinham diferentes seções separando roupas femininas e masculinas, as das
mulheres com belas sedas claras e cinzas, representando as cores da Casa Corman e da
região, já o dos homens era um couro escuro e robusto, Saric ficou observando a sua
direita a roupa que estava na parede, o couro era igual ao demais, mas a foi a roupa de
baixo que recebeu a sua maior atenção, enquanto todas as outras tinham um cinza
claro, representando as claras nuvens e neblinas daquela área, essa não, a roupa a baixo

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do couro tinha um cinza escuro quase negro que fascinou Saric, Sor Matthew reparou
nisso.

– Oh! Desculpe-me Sor. Não sabia que era você, o que precisa hoje? –
Respondeu Ayla, parando de limpar o couro e esticando a mão para cumprimenta-lo.

– Preciso de algo que sirva o meu novo escudeiro, infelizmente partiremos no


anoitecer e não temos como construir uma armadura a tempo. Algo que seja resistente
por favor, pagarei pelo serviço.

Logo após responder, Sor Matthew se virou e começou a olhar para as roupas
de couro ao seu lado, as melhores protetores de peito estavam no topo da parede,
roupas de baixo, calças e calçados estavam mais para o chão.

– Não, não, não! Uma tarefa direta do Lorde Corman eu fico feliz em poder
ajudar. Vamos vê-lo. – Ayla se virou para o balcão e pegou um pedaço de madeira com
algumas listras, provavelmente para medi-lo.

Ayla andou até Saric e começou a olha-lo bem atentamente, isso até o deixou
um pouco desconfortável, Ayla não era uma velha como ele esperava, ela era jovem e
bonita, não que ele tivesse conhecido muitas mulheres para comparar, mas algo nela
chamou a sua atenção e agora ele não conseguia parar de olha-la de volta. Tinha
cabelos médios castanhos e olhos combinando, era magra e com o queijo um pouco
fino, sua pele era mais clara que as demais pessoas da região, talvez ela não tivesse em
torno de vinte anos, será que é ela que cuida da loja? Ela era tão jovem que não tinha
cara de quem costurava e preparava o couro, mas parou de pensar nisso. Ayla se
aproximou e levantou seu braço, para medir seu braço, logo em seguida com seus
ombros, busto e pernas. Saric não tinha um porte físico como o de Sor Matthew, pelo
contrário, ele passou muita fome nos últimos anos, ele estava muito magro.

– O senhor Toren está? Diga a ele que Lorde Corman agradece a ajuda. –
Disse Sor Matthew enquanto se aproximava mais do couro para analisa-lo melhor.

– Temo que isso não seja possível, Sor. Ele foi até o Norte resolver algo
pessoal e não voltou já tem um mês... Ele não deveria demorar tanto, o Norte é um
lugar perigoso para estrangeiros. – Saric conseguiu sentir a preocupação na voz de
Ayla. – Agora eu cuido totalmente da loja.

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– Espero que esteja te fazendo bem, você sabe o que ele foi resolver lá? Seria
de boa ajuda, eu poderia perguntar ao Lorde Joseph se ele tem alguma informação. –
Sor Matthew se virou e deixou o couro de lado.

– Eu também não sei lhe dizer, Sor... Me desculpe. – Ayla terminou de medi-
lo e deu de costas sem falar nada, foi até a porta dos fundos e a abriu.

– Quem é Toren? – Perguntou Saric, curioso.

– É o pai-em-lei dela. O pai de Ayla morreu quando ela era jovem, também na
Rebelião dos Ashyn, essa rebelião realmente foi uma banheira de sangue... – Sor
Matthew pausou a fala um tempo até continuar. – Sua mãe se casou de novo e abriu
essa loja com a ajuda de Toren, mas ela morreu recentemente de alguma doença, pelo
menos Ayla e Toren se relacionam bem. – Sor Matthew terminou, tentando dar um
pouco de ânimo.

Podia se identificar, Saric sabia com era esse sentimento, essa tristeza de
perder alguém tão próximo, mas ele pelo menos nunca conhecera sua mãe, já Ayla
perdeu seus dois progenitores e agora está sob os cuidados de uma outra pessoa, Saric
mal consegue imaginar como é esse sentimento, felizmente não sabe. Antes que Saric
pudesse falar algo a Sor Matthew a Ayla já voltou sem nada nas mãos.

– A ultima peça que eu tenho que sirva é essa primeira, infelizmente não tem
as cores tradicionais, mas deve servir. – Disse Ayla enquanto caminhou até a peça de
roupa que atraiu a atenção de Saric mais cedo, o couro com a roupa cinza escuro, por
que aquilo o atraiu ele não sabe, mas gostou da roupa.

– Servirá, é o que importa. – Respondeu Saric, andando até a roupa junto de


Ayla.

Ela tirou a roupa pendurada e entregou o colete e a blusa para Saric, ela o
olhou de novo da cabeça aos pés, procurando algo.

– Você vai precisar de uma nova calça e um calçado também, vá nos fundos e
se troque, pegue o que couber em você. – Ayla terminou de falar e sorriu para Saric, de
alguma forma ele sentiu aquele sorriso, ela não sabia da sua história, mas ele se
conectou com a história dela e não era por ela ser a primeira mulher bonita que ele viu
na vida, Saric não ligou para isso, mas ele se interessou por ela.

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Não respondeu, pegou a roupa e foi até a porta dos fundos, abriu e entrou. A
sala servia de armazém, tinham umas dez prateleiras com vários tipos de roupas
diferentes amontoadas uma em cima da outra, do seu lado tinha um banco e um espelho
logo atrás. O lugar era escuro, mas isso não importava, era um armazém afinal. Deixou
o colete e a blusa em uma cadeira ao seu lado e foi nas prateleiras procurar por uma
calça e calçado que o servissem, ficou alguns minutos procurando, não era uma tarefa
fácil no meio de tanta roupa, mas acabou encontrando, com sorte todas da cor marrom
escuro.

Colocou-as e se olhou no espelho ao seu lado, fazia tempo que ele não se
olhava de fato, a ultima vez foi na sua casa, no dia em que ele foi embora. Eu mudei
tanto... Ele percebeu que estava bem mais magro e se estranhou a principio, como se
ele não reconhecesse quem estava parado a sua frente, mas sabia que no fundo ele
ainda era a mesma pessoa. Seu cabelo era loiro, mas de tanta sujeira parecia ser
castanho claro, sua barba estava na mesma situação que o cabelo, mal cortada e suja,
mas seus olhos ainda eram os mesmos, era um castanho claro quase amarelo, igual aos
de seu pai. Não importa o quanto você mude sua aparência, seus olhos sempre irão
revelar o que há por trás da máscara.

Esse era Saric. Quem ele sempre fora e quem ele sempre será. Seus olhos
sempre revelarão isto. Em tão pouco tempo muitas coisas havia mudado, ele não mais
morava nas ruas, ele não mais passaria fome. Era tantas informações para digerir de
apenas uma vez. Pelos deuses, eu estou ganhando uma roupa. Ele não conseguia
acreditar nem mesmo nisso. Tantos messes faminto, tantos meses sem saber se ele
acordaria no dia seguinte para agora ele ter um misero gosto do que é a esperança.
Podendo pensar em olhar para o sol e pensar finalmente no dia de amanhã e não no
agora.

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CAPITULO III – CARNE SALGADA

Apesar de ainda não se reconhecer, Saric havia mudado totalmente o seu


exterior. Suas vestimentas agora tinham couro revestido para sua própria proteção, seus
calçados agora eram realmente... Calçados. E sua espada? Mal havia olhado ela para
que Sor Matthew não reparasse que ele estava realmente vislumbrado com ela. Seu pai
havia mencionado sobre como a qualidade de forja variava de regiões para regiões,
apesar disso tudo Saric ainda sentia uma certa conexão com a sua primeira espada, um
laço muito forte. Provavelmente era apenas ele pensando demais sob sua mais nova
aquisição.

Ainda bem que o ferreiro – Qual o nome dele mesmo? – conseguiu aquela
espada de última hora. Mesmo não entendo muito sobre espadas e até mesmo sobre
realmente lutar com elas, tudo parecia perfeito demais. O balanço dela quando Saric a
segurava. O jeito com que ela cortava o vento ao balança-la livremente. Era uma ótima
sensação de liberdade, Saric depositou todo símbolo de esperança, liberdade e até
mesmo uma forma de renascimento naquela espada. – Todas as boas espadas tem
nome. – Veio seu pai novamente em sua mente. Qual seria então o nome daquela
espada?

– Esperança. É, esse é um bom nome para a espada. Não é, pai? – Pensava


Saric enquanto acompanhava Sor Matthew logo atrás de seu próprio cavalo. Ambos em
silêncio.

(TALVEZ COMPLEMENTAR PARAGRAFOS SOBRE SARIC


ANALISANDO A ESPADA)

Eles já estavam cavalgando por um dia inteiro. Desde que acordaram até agora
com o sol se pondo. Os cavalos já estavam mostrando sinal de cansaço, mas Saric não
queria demonstrar nenhum, então puxava as rédeas de seu cavalo para se manter ao
lado de seu cavaleiro.

– Calme, Saric. O Sol já está se pondo, talvez seja hora de descansarmos. –


Sor Matthew já diminuía então o ritmo.

~ 33 ~
Obrigado deuses, eu realmente poderia descansar um pouco. Saric então
analisou aos seus redores. Faltava muito para Frozehold e pelo menos mais um dia de
cavalgada para o estabelecimento próximo. Eles teriam de fazer um pequeno
acampamento e como ele era o escudeiro, já imaginou que teria de preparar tudo para
seu cavaleiro. Um escudeiro sempre atende as necessidades de seu cavaleiro mesmo
antes dele a ter! Pensou Saric lembrando dos dizeres de seu pai quando ele serviu de
escudeiro para um cavaleiro importante em alguma guerra importante.

– Vamos entrar na mata, me siga, Saric. – Sor Matthew guiou o caminho a


direta, entrando no meio das arvores saindo da tradicional rota. Afinal eles passariam a
noite no local, deveriam se proteger ao mínimo. – Esse lugar deve servir. – Matthew
encontrou um lugar já afastado da rota principal e também bem adentro da floresta,
protegido ao mínimo de ladrões passageiros. – Não irei abusar de você em seu primeiro
dia me servindo. Vá buscar a madeira que eu preparei o nosso jantar.

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