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Olá,Cleverson

EDIÇÃO 62

Tiago Pavinatto: como é ser gay de direita


O advogado e ativista liberal fala sobre patrulhamento ideológico,
amarras do coletivismo, militância LGBT e deficiências da
Constituição Federal
EDILSON SALGUEIRO - 28 MAIO 2021

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Tiago Pavinatto, 36 anos, nasceu em Itapira, município localizado no


interior do Estado de São Paulo. Quando jovem, atuou como
catequista e ministro de Eucaristia — é devoto de Nossa Senhora de
Fátima, santa católica celebrada mundialmente. Apaixonou-se pela
política precocemente, ainda menino, ao assistir aos comícios do
então deputado Barros Munhoz. “A eloquência dele sempre foi
fascinante. Eu assistia aos discursos com brilho nos olhos”, conta
Pavinatto.

Aos 17 anos, o itapirense deixou sua cidade natal e migrou para a


região metropolitana de São Paulo. Ingressou na Faculdade de Direito
do Largo São Francisco, onde concluiu sua graduação e se tornou
mestre e doutor. Em 2005, durante debate promovido no Centro
Acadêmico XI de Agosto, da Universidade de São Paulo (USP),
assumiu sua homossexualidade. “Não só gay, mas de direita. Antes de
qualquer coisa, sou liberal”, afirma o advogado.

Em entrevista concedida à Revista Oeste, Tiago Pavinatto fala da


doutrinação nas universidades brasileiras, da importância da luta
pelos direitos civis LGBT e das dificuldades de ser gay de direita —
isto é, não alinhado à corrente ideológica predominante na política e
na academia. Ele também comenta o que classifica de deficiências da
Constituição Federal de 1988. Pavinatto acaba de estrear o programa
Que Lei É Essa, no canal Operação Policial no YouTube, e está prestes a
lançar um novo livro, Estética da Estupidez. “Vai desagradar a todos,
porque não perdoa desde homofóbicos até militantes da ideologia de
gênero”, explicou. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Há doutrinação ideológica nas universidades?

Existe mais doutrinação ideológica nas escolas do que nas


universidades. Na escola, a criança é absolutamente incapaz e o
adolescente é relativamente capaz. O professor, na escola, é sempre
referência absoluta. Na minha época, quando não existia internet e
as pessoas não estavam tão conectadas, a palavra do professor era a
última palavra. Acredito que, hoje, esse parâmetro tenha mudado um
pouco. Mas é fato que, na educação infantil, um professor carismático
e engajado tende a doutrinar de maneira mais eficiente. Como diz
Machado de Assis, “o menino é pai do homem”. Então, tudo o que
aprendemos na infância carregamos para o resto da vida.
Eu, por exemplo, estudei em faculdade pública [Universidade de São
Paulo] — comecei no ano em que Lula assumiu a Presidência do país.
Os professores, por serem funcionários públicos, eram perfilhados às
doutrinas de esquerda. No entanto, não posso dizer que existe
doutrinação nas universidades, porque nesses ambientes
encontramos sujeitos legalmente adultos, capazes de checar
informações. Então, o sujeito que cede a alguma doutrina ideológica
na universidade é aquele que já foi amaciado nos anos escolares.
Quem tem curiosidade suficiente não é vítima de doutrinação,
porque todo mundo tem acesso a tudo. Cada um faz suas escolhas.

O que o fez ser liberal?

Em primeiro lugar, a aversão ao coletivo. Venho do interior do Estado


de São Paulo, e ser gay em cidade pequena é sempre fator excludente
— pelo menos era, na minha época. Então, não me encaixava em
nenhum dos grupos — sempre existia algum tipo de chacota: ou por
ser nerd, ou por ter trejeitos de gay. Então, quando você não se
encaixa, fica só. Quando fica sozinho, dá valor máximo ao indivíduo —
não de maneira egoísta, mas em respeito à autodeterminação. Então,
o primeiro fator que me levou a ser liberal foi este: não ser simpático
à ideia do coletivo. Essa conjuntura, de fase anterior à vida adulta, já
me empurrou para o liberalismo.

Quando entrei na universidade, não me sentia à vontade com grupos


coletivistas — sejam os que pendiam para o marxismo, sejam os que
pendiam para o reacionarismo. No começo da vida adulta, encontrei
pessoas com perfil liberal, que queriam realmente fazer algo pelos
gays. Esse grupo era constituído de pessoas mais à direita, liberais,
menos coletivistas. Eu só vi trabalho real, efetivo, eficiente em prol
dos LGBT realizado por liberais. Daí para a frente, passei a
aprofundar-me no liberalismo, mas sem deixar de estudar outros
assuntos, porque mesmo o liberalismo, quando vira doutrina, é ruim.

O que é o paradigma do gay de esquerda? Em entrevista concedida


ao filósofo Luiz Felipe Pondé, o senhor afirma querer romper com
essa ideia.
O Brasil nunca teve uma direita, muito menos um pensamento
liberal. A esquerda, por sua vez, recebeu uma lição histórica: quando
os proletários deixam de ser coitados, saem do movimento socialista.
Por isso, os coletivismos de esquerda passaram a recolher todos os
marginalizados, de maneira que sempre tivessem nas mãos uma
classe de oprimidos. O coletivismo é ruim, porque tem donos: o
símbolo, a doutrina, o pensamento. Então, o paradigma do gay de
esquerda é o sujeito que se entrega à militância cegamente,
doutrinariamente. Por mais “groselhas” que a militância de esquerda
possa falar sobre o assunto, existe aderência dos gays aos
movimentos marxistas, impedindo-os de se levantarem contra
determinadas pautas.

Quando os socialistas passaram a aglutinar grupos de


marginalizados, os homossexuais acabaram por encontrar
pronunciamentos em favor dos gays. Bastou o discurso para que o
movimento marxista se transformasse em dono de coletivos
homossexuais. O coletivo possui ideias interessantes, preocupações
legítimas, mas também há proposições que servem tão somente para
atrapalhar o atingimento do objetivo de pautas legítimas. Por que isso
ocorre? Porque, se a ideia legítima é resolvida, o coletivo acaba — e o
marxismo aprendeu que não pode deixar o oprimido livre, pois
perderá o coletivo. O paradigma do gay de esquerda é coletivista,
sufoca o individualismo e valoriza a igualdade, enquanto a luta real
dos homossexuais é pela liberdade. É com essa ideia que eu quis
romper ao assumir-me homossexual de direita.

Atualmente, a esquerda se apropria de pautas caras aos


movimentos civis LGBT?

Hoje, todos os segmentos possuem, exceto os grupos religiosos,


preocupação com a questão da diversidade. A esquerda,
historicamente, sempre aparelhou coletivos. No entanto, o primeiro
grupo partidário aos gays no Brasil, oficialmente, foi o PSDB. Nós
éramos vistos, pelos homossexuais que participavam ativamente de
grupos do PT e outros partidos de esquerda, como homossexuais de
direita. Os grupos de gays radicais, ligados às esquerdas, ficaram
espantados, pois foi o movimento de gays mais à direita que
conseguiu criar uma estrutura no principal Estado do país e ainda
estabelecer um diretório dentro de um partido de relevância
nacional, como o PSDB. Entretanto, isso não tira dos partidos de
esquerda a preocupação legítima com questões como homofobia e
casamento igualitário. Ocorre, porém, que eles abraçam tantas
pautas absurdas que acabam por prejudicar pensamentos legítimos.
Se avançássemos na questão da homofobia e transexualidade de
maneira séria, baseados nas respostas sólidas fornecidas pela
psiquiatria e pela medicina, e não focássemos temas como ideologia
de gênero e não binariedade, cujos argumentos científicos inexistem,
deixaríamos de alimentar o ódio de grupos mais reacionários.

“Não há lugar, neste país, para gente que pensa”

Existe, ainda, algum tipo de patrulhamento ideológico do


mainstream progressista sobre as preferências políticas dos
homossexuais?

O patrulhamento ideológico é a tônica da sociedade. Essa situação só


piorou com as mídias sociais, porque as pessoas encontram
indivíduos que comungam da mesma estupidez e formam grupos
que se retroalimentam de vaidade e se defendem mutuamente.
Existe patrulhamento ideológico para tudo: hoje, se você não é
Bolsonaro, é Lula. Se não é Lula, é Bolsonaro. As pessoas ficaram
cada vez mais binárias, ou seja, não pensam em tons de cores — ou é
preto, ou é branco. Na última eleição presidencial, o homossexual
que não votasse no PT era — vamos usar sacrilegamente um termo
católico — excomungado da comunidade gay, que nada tem de
comunidade. Nós éramos ejetados automaticamente, bastava dizer
que não votaríamos no PT. Existe, sim, patrulhamento ideológico no
mainstream progressista sobre as preferências políticas dos
homossexuais. Da mesma maneira, o homossexual que continua
altivo, lutando por um liberalismo que não existe no Brasil, também é
patrulhado pela direita. Não há lugar, neste país, para gente que
pensa.

Como é ser anticomunista, liberal, cristão e gay no Brasil? O


senhor faz parte de uma “minoria”, sobretudo no âmbito político e
acadêmico.

Se eu não fosse um profissional liberal bem-sucedido e precisasse


encontrar lugares para dar aulas, estaria morrendo de fome. Faço
parte de uma minoria, obviamente. Primeiro, por ser homossexual;
segundo, por ser liberal — e nós não temos liberais no Brasil, porque
nossa direita é tão coletivista quanto a esquerda. O liberal é aquele
que respeita o indivíduo, reconhece humanidade e divindade no
indivíduo. Reconhece no indivíduo um irmão e, ao mesmo tempo, um
oponente. Quer ter sua individualidade respeitada, bem como
respeitar a individualidade do outro — essa é a moral liberal.

Existem injustiças, sim. O Brasil é um país com desigualdades


econômicas e sociais, nada é capaz de apagar essa triste realidade.
No entanto, o problema é a esquerda querer formatar o pensamento
de todos que estão nessa situação desvantajosa, de modo a criar
sectos e cidadãos programados. Você sufoca a individualidade. A
partir do momento em que penso ser o comunismo uma utopia
fracassada, sem perspectiva de êxito e que só pode começar um
processo de estruturação social por meio da supressão da liberdade,
posiciono-me como anticomunista. Aí, a esquerda já me olha com
desconfiança. Por ser gay e anticomunista, qualificam-me como
homossexual homofóbico, como acusou Jean Wyllys. Ao mesmo
tempo, a direita também me rechaça. Faço parte de uma minoria que
anda no meio desses dois grupos que tentam nos massacrar.

De que maneira o senhor explicaria, para um calouro


universitário, que ser gay e ser de direita são coisas compatíveis?

A diversidade tem mais a ver com liberdade, menos com igualdade.


Até por questão semântica: o que é diverso não é igual. E não precisa
ser igual para ser humano. O ser humano é um animal antinatural. A
gente não pode viver só com a própria pele, como vivem os animais.
A gente é, ao mesmo tempo, criatura e criador. O ser humano é
estranho, e só pode ser estranho e diverso aquele que é livre. O gay de
esquerda é duplamente enganado: primeiro, estrategicamente
enganado, por permitir que pautas ilegítimas sejam inseridas nas
pautas legítimas, de modo que nenhuma seja resolvida. Segundo, por
pregar a diversidade na cultura da igualdade, quando a diversidade
só triunfa na liberdade. E só existe liberdade num sistema que
respeita, valoriza e leva a sério o indivíduo. Por essa razão é
compatível intelectualmente e logicamente ser gay de direita, mas
não de esquerda.

O senhor posiciona-se contra o politicamente correto. Por quais


razões, efetivamente, essa ideia é nociva?

O politicamente correto surge como uma investida para tolher a


linguagem, para tirar o problema da realidade do solo e levá-lo ao ar,
para o campo da ideia. Trata-se de um atraso na luta contra
verdadeiros problemas. Quando invento que o problema real só pode
ser trabalhado depois de sanar o problema da linguagem, já estou
postergando a dor de quem sofre. Trata-se de um símbolo, uma
bobagem.

O senhor é crítico ferrenho da Constituição Federal de 1988. Quais


são os principais problemas?

Se você me acha ferrenho crítico da Constituição Federal de 1988,


precisa ler a obra de Roberto Campos, que é devastadora. Na época
em que a Constituição foi criada, tínhamos uma Assembleia
Constituinte com interesses díspares. Se não fosse a habilidade de
Ulysses Guimarães em abarcar todos os desejos, não teríamos tido
sequer uma nova Constituição. A Carta de 1988 sacramenta o fim do
regime militar e o início da democracia brasileira. Ela tinha um peso
significativo; por isso, precisava ser aprovada.

Minha grande crítica à Constituição é: ela garante muitas coisas, mas


não diz de quem é o dever de garanti-las. Trata-se de uma crítica
puramente jurídica. Na melhor filosofia do direito, a de Norberto
Bobbio, a gente entende que não existe direito sem dever, da mesma
maneira que não existem filhos sem pai. Antes de um direito há um
dever, e é assim que garantias fundamentais, como a propriedade,
nascem como deveres. É dever do rei não tomar a propriedade do
súdito, e a partir daí o súdito tem direito de propriedade.

De toda maneira, temos uma Constituição arrojada. Se estivéssemos


em um país com economia equilibrada e sem desigualdade social, a
Constituição seria arrojadíssima. O fato, no entanto, é que a Carta é
um motor muito sofisticado para uma lataria tão velha quanto o
“carro” brasileiro. A boa Constituição é enxuta, deve ter poucos
assuntos, os essenciais.

Leia também “A formação que deforma”

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