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26/05/2020 Batistas e bolsonaristas: compatíveis?

Batistas e bolsonaristas:
compatíveis?
Bolsonarismo funciona como parasita que encontrou na Igreja Evangélica um fiel
hospedeiro

Após eleito, Bolsonaro participa de culto na Igreja Batista Atitude ao lado da esposa e do pastor
Valandro, que o apresentara aos fieis em 2018 (Fernando Frazão/Agencia Brasil)

Alonso Gonçalves*

Antes de mais nada é bom deixar claro o que seja o bolsonarismo. Trata-se
de um fenômeno social, que envolveu uma parcela da sociedade brasileira
que nutria já algumas décadas um discurso de extrema-direita, mas que
depois das eleições de 2018 houve uma radicalização e uma organização
como militância político-partidária, antes PSL e agora Aliança pelo Brasil,
que não se concretizou ainda como partido. Esse fenômeno social ganhou
proporção maior com o então candidato do PSL à presidência da república,
Jair Bolsonaro. Depois do pleito, tendo como resultado a eleição do atual

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presidente, o bolsonarismo seguiu sendo um grupo com pautas


antidemocráticas, explicitadas em manifestações, como também um grupo
com um braço paramilitar em treinamento que não esconde o uso de
armamento como pretexto para se defender de um inimigo identificado
como “esquerdistas” e “comunistas”. Além disso, esse grupo tem o apoio e
o alimento intelectual do seu principal guru, Olavo de Carvalho, que vive já
algum tempo nos EUA e de lá mexe algumas peças no tabuleiro do
governo. Daí que para alguns a expressão mais adequada seria
“bolsolavismo”. De qualquer forma, há pesquisadores que asseguram que o
bolsonarismo é maior que Jair Bolsonaro. Caso ele saia do governo,
terminando o mandato ou sendo retirado, o fenômeno social bolsonarismo
irá perdurar.

Além desse dois aspectos desse fenômeno social chamado bolsonarismo –


a militância raivosa e o braço paramilitar –, há também o endosso acrítico
de uma parcela da Igreja Evangélica. Com uma pauta moral esbravejante
nas falas de um Silas Malafaia e um Marco Feliciano, apenas para citar
esses dois como um estereótipo de que “evangélicos” estamos nos
referindo aqui, fez-se campanha para o então presidente e assumiu
definitivamente a face bolsoevangélica do Governo Federal, com ministros
evangélicos, bem como uma agenda presidencial voltada apenas para esse
segmento religioso do país, que é, por natureza, plural na sua religiosidade.
A narrativa é: “O Estado é laico, mas eu sou cristão” (leia-se, simpatizante
dos evangélicos). O fenômeno social do bolsonarismo capturou o desejo
nutrido por anos de ter, finalmente, um “presidente evangélico” e elegeu
Bolsonaro como seu “messias”. Dessa forma, foi possível surgir, como em
outras épocas da política nacional, mas muito mais acentuado agora, um
messianismo político-evangélico quando passou a idolatrar o presidente da
República como um “salvador” do país que estava, segundo eles, indo a
reboque quando um determinado partido no poder pregava aborto,
casamento entre pessoas do mesmo sexo, "ideologia de gênero" e
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militância política de esquerda nas escolas e universidades. Assim, o


bolsonarismo passou a funcionar como um parasita que encontrou na Igreja
Evangélica (parte dela e alguns líderes) um fiel hospedeiro.  

Para a surpresa de alguns, a decepção de outros e a resistência de uma


maioria, o bolsonarismo também conseguiu capturar mentes e almas entre
os batistas. Não apenas membros, mas pastores passaram a fazer parte da
militância bolsonarista. Para citar um, em específico, há o pastor Josué
Valandro Jr., da Igreja Batista Atitude, no Rio. No dia 19 de Agosto de 2018,
o pastor chamou à frente o candidato do PSL à presidência da República.
Sua intenção era orar pelo candidato, uma vez que a esposa do candidato
era membro da referida igreja. Além de emitir a sua opinião a favor do
candidato, a vontade de Deus, segundo o pastor, pelo menos num primeiro
momento, já estava manifestada para ele: o presidente era o então
candidato ao seu lado. Mesmo que o pastor tenha dito que na igreja não
havia “voto de cabresto”, ele negou, pelo menos, dois princípios dos
batistas. Um deles é a separação entre Igreja e Estado. Por esse princípio,
o candidato do PSL não deveria estar à frente da igreja, a não ser que este
fosse o presidente do país. O segundo princípio, é a liberdade de
consciência e opinião, que faculta a todos o direito inalienável de decidir
suas questões morais, éticas, políticas e religiosas.

Os batistas, para um rápido recurso da história, surgem como um grupo


político-religioso organizado que luta com veemência pela liberdade
religiosa e, como consequência, a separação entre Igreja e Estado,
reivindicando, portanto, o lugar do indivíduo como fator decisivo de
consciência, opinião, crença e participação política.

Tendo os batistas a sua gênese no movimento liberal inglês, eles participam


dos anseios e perspectivas de sua época, ou seja, liberdade religiosa e
separação entre Igreja e Estado. Esse ímpeto por liberdade levou o filósofo

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inglês John Locke a dizer que “os batistas foram os primeiros proponentes
de uma liberdade absoluta, justa e verdadeira liberdade, liberdade igual e
imparcial”.

Recentemente, houve deliberada desconsideração ao ethos histórico-


político-teológico dos batistas e dos caros princípios fomentados pelos
batistas ingleses da liberdade de consciência e separação entre Igreja-
Estado. O ethos histórico-político-teológico dos batistas se dá a partir do (i)
livre exame da Palavra de Deus; (ii) da liberdade de consciência; (iii) da
responsabilidade pessoal para com a igreja local e outras coirmãs; (iv) a
responsabilidade civil para com o Estado; (v) a separação entre Igreja e o
Estado; (vi) e o amor, que gera conduta e respeito para com o próximo,
testemunho e ação no mundo.

A partir disso, quem diz que é batista e tem nessa tradição o seu
balizamento para se identificar como tal, não poderia ser bolsonarista.
Esses dois pontos não são convergentes, antes são antagônicos.

O ser batista não tem qualquer relação com quem defende o fim de


instituições que compõem o Estado Democrático de Direito, como o
Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. Os batistas não tem no
seu histórico o fim do estrato político, antes, foi a partir do estrato político
que lutaram para que os princípios que balizam o ser batista hoje fosse
possível. Martin Luther King Jr., para citar um exemplo, pastor batista
ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1964, não fez qualquer tipo de
manifestação contra as instituições políticas dos EUA. Diferente de Malcon
X, Luther King não defendeu luta armada contra o governo porque os
direitos civis dos negros não estavam sendo respeitados a partir da
Constituição norte-americana. Antes, as batalhas se travaram no campo
político, mesmo sofrendo constantes atos de violência. É desse batista a
seguinte frase: “Através da legislação e de ordens judiciais procuramos

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regular o comportamento”. Luther King nunca cogitou lutar fora do contexto


político e democrático. Portanto, batistas que se julgam bolsonaristas estão
equidistantes do que é o espírito de luta e resistência que a tradição batista
legou.

O ser batista não tem qualquer relação com quem defende a volta do Ato
Institucional número 5. O AI-5 é o ato mais cruel do período da Ditadura
Civil-Militar no país (1964-1985). O AI-5 estabelecia: “A suspensão dos
direitos políticos; suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições
sindicais; proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de
natureza política; aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de
segurança: a) liberdade vigiada; b) proibição de frequentar determinados
lugares”. Esse foi o AI-5 com todos os seus elementos de privação e
violação de direitos em nome de uma guerra contra o “comunismo” que
nunca foi possível de maneira direta no país. É esse mesmo Ato
Institucional que é proclamado por bolsonaristas. A incansável busca dos
batistas se deu a favor da liberdade e isso custou a vida de Thomas Helwys
que morreu na prisão por defender o direito de dizer o que pensava.

Por fim, ressalto a definição do ser batista de A. B. Langston: “Os batistas


são um povo que tem a coragem das suas convicções. Creem num
indivíduo livre, numa igreja livre, num estado livre; creem nos direitos iguais
para todos e privilégios especiais para ninguém; creem numa democracia
política, religiosa, social, econômica e educativa”. Quando que ser
bolsonarista se enquadraria em algo assim? Nunca!

Democracia combina com o ser batista, já com o bolsonarismo jamais!

*Alonso Gonçalves é doutor em Ciências da Religião (Universidade Metodista de


São Paulo); pastor batista.

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