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FEVEREIRO 2023 20ª EDIÇÃO

R E V I S T A

Governo Lula monta liga de


inimigos da direita para
combater “discurso de ódio”

“A Fantástica Fábrica de J.R. Guzzo: a sabotagem


Chocolate” é submetido a econômica, chantagem e
censura por recomendação intimidação do Sleeping
de “leitores sensíveis” Giants
Índice
Editorial: O totalitarismo disfarçado de combate
03
à intolerância religiosa

J.R. Guzzo: Sleeping Giants: sabotagem


13
econômica, chantagem e intimidação

Augusto Mafuz: A Lei de Apostas e os sites. E por


18
que não o Jogo do Bicho e os bicheiros?

Governo Lula monta liga de inimigos da direita


21
para combater “discurso de ódio”

Judiciário faz lobby para aprovar projetos: do


29
aumento salarial a mudanças no impeachment

Mercado da cannabis cresce na internet e


38
esconde riscos por trás do suposto uso medicinal

“A Fantástica Fábrica de Chocolate” é submetido


47
a censura

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Propagar a própria religião e estimular os demais a aderir a ela é direito básico


garantido pela liberdade religiosa. | Foto: Monika Robak/Pixabay

| Editorial

O totalitarismo disfarçado de
combate à intolerância religiosa
Na eleição presidencial de 2022, um dos tabus
estabelecidos pela Justiça Eleitoral foi a aliança
entre o petista Lula e o ditador nicaraguense
Daniel Ortega, uma amizade tão notória que
nenhum dos lados fazia questão de esconder.
Em seu país, Ortega praticamente destruiu as

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liberdades de expressão, de imprensa e


religiosa, sem que se ouvisse um pio de seus
amigos brasileiros. O temor de que Lula chegue
no Brasil aos extremos impostos por Ortega aos
nicaraguenses – como a recente condenação do
bispo Rolando Álvarez a 26 anos de prisão –
pode até ser infundado, mas, como lembrou
meses atrás o colunista da Gazeta do Povo
Flávio Gordon, nenhum regime adversário da
liberdade religiosa sai fechando igrejas de
imediato; as restrições mais severas são apenas
o ponto culminante de todo um processo que se
inicia com uma perseguição “não violenta”, que
passa por fases como a ridicularização da crença
e o assédio administrativo, burocrático e
judicial.

Um exemplo desse tipo de ataque que, por trás


da sutileza e de supostas boas intenções,
esconde uma violação escancarada da laicidade

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estatal acaba de vir do governo da Bahia, estado


governado pelo PT desde 2007. Em publicação
no Instagram, o governo estadual e a Secretaria
de Estado da Promoção da Igualdade Racial e
dos Povos e Comunidades Tradicionais
(Sepromi) listaram uma série de “frases e
comentários carregados de ódio” que “são
crimes, de acordo com o Código Penal
Brasileiro”. Entre essas frases estão “Você
precisa encontrar Jesus”, “Isso lá é religião?”,
“Macumba é coisa do satanás” e “É de gesso,
não vai te ouvir”. Cada exemplo é acompanhado
de explicações didáticas como “Não é só Jesus. O
princípio básico de todas as religiões é o amor, o
que basta é encontrar aquela que te faz bem e
que eleve a espiritualidade e o afeto entre as
pessoas”, ou “Não temos o direito de criticar ou
julgar”, ou ainda “Todas as doutrinas
promovem bons sentimentos e afeto”.

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Ao tomar para si o papel de


determinar comportamentos e
“verdades” de cunho religioso, o
governo da Bahia vai muito além de
simplesmente jogar no lixo a
laicidade: ele se porta como
autêntico totalitarismo

Em outras palavras, sob o pretexto de combater


a intolerância religiosa, o governo da Bahia está
simplesmente assumindo o papel de catequista,
teólogo ou líder religioso, dizendo o que cada
um deve buscar em uma religião, o que é ou não
verdade em termos de fé, o que um fiel pode ou
não pode dizer ou discutir... já temos aí uma
ofensa explícita à laicidade estatal, pela qual o
poder político não se intromete, de forma
alguma, na esfera religiosa. Mas, ao tomar para
si o papel de determinar comportamentos e
“verdades” de cunho religioso, o governo da

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Bahia vai muito além de simplesmente jogar no


lixo a laicidade: ele se porta como autêntico
totalitarismo. Pois, se um regime autoritário
muitas vezes se limita a exercer com mão de
ferro o poder político, o regime totalitário se
imiscui em todas as esferas da vida humana,
como a religião, determinando que crenças são
aceitáveis e em que termos alguém pode viver
sua fé. Foi assim que a União Soviética, por
exemplo, perseguiu as igrejas e estabeleceu o
ateísmo de Estado; a China prefere estabelecer
versões “estatais” de religiões como o
catolicismo, caçando e prendendo os que não
aderem a essas entidades controladas pelo
Partido Comunista.

O colunista da Gazeta Guilherme de Carvalho,


ao analisar a campanha do governo baiano,
ressaltou alguns dos aspectos mais sórdidos da
iniciativa, como a criminalização da atividade

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evangelizadora, que está na essência de


praticamente todas as religiões. Afinal, é
natural que quem creia em algo e esteja
convencido de ter encontrado a verdade queira
propagá-la aos demais. Para os cristãos,
evangelizar é justamente dizer a outros que eles
“precisam encontrar Jesus” e, como afirma
Carvalho, desejar que os outros também tomem
conhecimento da verdade é uma atitude que
demonstra grande consideração para com o
próximo, desde que não se recorra à coerção –
este era um dos temas do tão famoso quanto
distorcido discurso de Bento XVI na
Universidade de Ratisbona, em 2006. Mas o
direito de difundir a própria fé, parte
indispensável da liberdade religiosa, é
transformado pelo governo da Bahia em
“discurso de ódio” e crime (obviamente, a
campanha não se presta a informar em qual

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artigo do Código Penal alguém que está


divulgando sua fé seria enquadrado, até porque
não existe tal situação na lei penal), quando na
verdade a intolerância está em impedir uma
pessoa de levar aos demais aquilo que ela
considera ser a verdade sobre algumas das
questões mais fundamentais da existência
humana.

E quanto às demais frases? Elas refletem apenas


o outro lado do mesmo direito: o de submeter
suas convicções religiosas ao “mercado de
ideias”. Como lembrou Guilherme de Carvalho
ao comentar a campanha baiana, há uma via de
mão dupla: todos têm o direito tanto de
propagar sua fé quanto de criticar a crença
alheia – e precisam estar dispostos a ouvir
críticas à própria religião. “Os instrumentos
internacionais deixam claro que as crenças
religiosas podem ser escrutinizadas e

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contestadas no debate religioso e filosófico


público, desde que as pessoas não sejam
estereotipadas e que a violência não seja
estimulada”, afirma, mostrando qual é o limite
que não deve ser ultrapassado quando se trata
de discutir religião. Por mais que muitos dos
que creem em Deus possam se incomodar ao ver
sua crença ou sua divindade chamada de
“delírio”, a ninguém ocorreria, por exemplo,
pedir a censura do famoso livro de Richard
Dawkins com esse título – mas é justamente o
que faz o governo da Bahia ao afirmar que
determinadas expressões de desaprovação a
crenças e rituais são “crime de ódio”. A vedação
estatal à crítica às crenças e práticas religiosas
alheias, portanto, é tão violadora da liberdade
religiosa quanto a vedação à defesa pública das
próprias crenças e práticas religiosas.

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Qualquer pessoa imbuída de bom senso e, ao


mesmo tempo, de um profundo respeito pelos
adeptos de todas as religiões (ou de religião
nenhuma) terá enorme dificuldade para
compreender onde estão o “ódio” e o “crime”
nas afirmações que o governo baiano qualifica
como tais, mas saberá identificar de imediato a
estratégia de classificar como “discurso de
ódio” qualquer afirmação que se pretenda banir
da esfera pública, como é o caso de alguns ditos
“progressistas” em relação ao discurso
religioso. Assim como a cartilha de “expressões
racistas” do TSE que recorria a uma etimologia
de botequim, a lista de “frases e comentários
carregados de ódio” do governo baiano é uma
tentativa canhestra de controlar a população
por meio da linguagem – neste caso, ainda por
cima, anulando uma liberdade relacionada a um
aspecto fundamental da experiência humana.

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Como afirmou Carvalho, sob o pretexto do


combate à intolerância religiosa, é o governo da
Bahia que comete intolerância religiosa ao se
portar como validador do discurso religioso e
pretender determinar como alguém deve
exercer sua fé. Como dissemos, um
totalitarismo que por ora se manifesta de modo
sutil, mas que, se não é contido, mais cedo ou
mais tarde trocará a saudável laicidade
estabelecida na Constituição de 1988 pelo
laicismo antirreligioso que se transforma em
perseguição ostensiva.

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J.R Guzzo

| Foto:

Sleeping Giants: sabotagem


econômica, chantagem e
intimidação
Uma organização copiada de algo semelhante
que existe na militância política extremista dos
Estados Unidos, e da qual importou até o nome
em inglês, está agredindo de maneira flagrante,

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sistemática e sem qualquer controle das


autoridades públicas um dos mandamentos
mais elementares da Constituição Federal do
Brasil – a liberdade de expressão. O grupo se dá
o nome de “Sleeping Giants”, ou “Gigantes
Adormecidos”, e a sua atividade central é fazer
chantagem e ameaças contra empresas privadas
que anunciam seus produtos e serviços nos
veículos brasileiros de comunicação. Funciona
como uma polícia da mídia: eles intimam as
empresas a deixarem de anunciar neste ou
naquele órgão de imprensa que entrou em sua
lista negra, sob pena de sofrerem ataques
difamatórios nas redes sociais. Os veículos
perseguidos pela organização são, sem nenhu-
ma exceção, publicações que não fazem parte da
confederação nacional das redações “de
esquerda”; são, portanto, “de direita” e na
visão do SG devem ser fechadas. Sua arma é a

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sabotagem econômica. Imaginam que elimi-


nando receitas dos órgãos que perseguem vão
levar todos ao fechamento.

A Gazeta do Povo já foi agredida pela organiza-


ção; não admitem, lá, que este jornal tenha um
conteúdo independente, e não aceite se subme-
ter ao consórcio pró-esquerda e pró-Lula que
administra hoje o que foram, no passado, os
meios de comunicação deste país. Não deu
certo, pois a Gazeta continua viva e atuante,
mas o SG é um deboche aberto às instituições
brasileiras. As mais supremas autoridades do
Brasil insistem o tempo todo que é proibido
pregar contra os princípios democráticos –
ninguém pode, por exemplo, propor a “desmo-
netização” das eleições, ou do Congresso e
muito menos do STF, com o propósito de fechar
tudo por falta de dinheiro; aliás, corre o risco de
ir para a cadeia se fizer isso. O SG propõe, dire-

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tamente, a eliminação de um preceito constitu-


cional, a liberdade de expressão, que tem tanto
valor quando a realização de eleições e o funcio-
namento dos Poderes Legislativo e Judiciário. É
como pregar a volta do Ato 5 e da sua censura –
algo que o STF garante que está proibido.

Sua arma é a sabotagem econômi-


ca. Imaginam que eliminando
receitas dos órgãos que perseguem
vão levar todos ao fechamento

A Associação Brasileira de Empresas de Rádio e


Televisão soltou uma nota em que acusa o SG de
praticar intimidação contra empresas e veículos
de imprensa, e denuncia as suas ações destruti-
vas em relação ao direito constitucional do
pensamento e da palavra livres. É disso, preci-
samente, que se trata: intimidação, apesar de
toda a hipocrisia utilizada pelo SG para justifi-

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car suas atividades. Empresas fracas,


conduzidas por dirigentes medrosos, entram
em pânico quando o SG bate à sua porta
exigindo que suspendam anúncios no veículo
“A” ou “B” – chamam os advogados, convocam
os gerentes de “imagem”, abrem mão do seu
direito de anunciarem livremente e obedecem
correndo as ordens que recebem. É uma desgra-
ça a mais, na escalada cada vez mais intolerante
contra a diversidade de ideias no Brasil.

Autor: J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na


Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi
um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968.Nos últimos
anos trabalhou como colunista em Veja e Exame.

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Augusto Mafuz

| Foto: Arquivo/Gazeta do Povo

A Lei de Apostas e os sites. E por


que não o Jogo do Bicho?
Não sou daqueles que entende que a regula-
mentação da Lei das Apostas Esportivas no
Brasil irá proteger os princípios dos esportes. E
tenho uma razão lógica fundamentada por uma
clássica lição do saudoso jurista Miguel Reale
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quando ensina sobre Direito e Moral: "Existem


atos juridicamente lícitos que não são moral".

Jogo de aposta é o gênero de um sistema em que


o jogo de azar é uma das espécies. As diferenças
não superam a identidade comum do elemento
mais relevante: a aposta para ter um ganho de
dinheiro através de um resultado incerto.
Continua atual a lição de Carlos Maximiliano,
referência na interpretação da lei: “A lei, no
atendimento de sua função social, só se justifica
se se opuser ao que é imoral e se reprimir os
atos contrários ao senso ético-social”.

A operação “Penalidade Máxima” implementa-


da pelo MP de Goiás ao mandar investigar a
manipulação de conduta na Segunda Divisão
nacional é simbólico. Não se apostava no
resultado do jogo, mas no número de cartões,
de escanteios ou de pênaltis.

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Para um jogador que ganha R$ 10 mil a oferta é


de R$ 150 mil. Não há regulamento que supere a
ilicitude que deu origem a lei. Não se pode duvi-
dar da conduta dos sites esportivos, na medida
em que não existem para dar uma prática sau-
dável, mas como trânsito para enormes lucros.

Daí concluir que a regulamentação dessa Lei de


Apostas por confrontar tudo aquilo que é moral,
não irá tornar menos vulnerável. Ao contrário, a
torna ainda mais nebulosa para entrar no
campo do Direito. Corruptos e corruptores
terão uma lei regulamentada para protegê-los.

O "jogo do bicho" corre o risco de se tornar a


mais "honesta" das apostas no Brasil. Hoje vai
dar cabra.

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Felipe Neto, Manuela d’Ávila e Débora Diniz integram o grupo de trabalho do


governo Lula com objetivo alegado de combater o “discurso de ódio”.| Foto:
Reprodução/STF/Marcelo Camargo/Agência Brasil

Governo Lula monta liga de


inimigos da direita para
combater “discurso de ódio”
Por Leonardo Desideri

O Ministério dos Direitos Humanos e da


Cidadania (MDHC) do governo de Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) anunciou a criação de um
grupo de trabalho com o objetivo alegado de
combater “o discurso de ódio e o extremismo”.
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A equipe será comandada pela ex-deputada


federal Manuela d'Ávila (PCdoB-RS) e terá a
participação do youtuber Felipe Neto.

O grupo poderá realizar estudos e propor políti-


cas públicas de direitos humanos “para comba-
ter o discurso de ódio e o extremismo”. Será
composto por cinco representantes do MDHC e
24 pessoas representantes da sociedade civil.
Além de Neto e Manuela, vários dos designados
para a tarefa são figuras que se notabilizaram
pelo discurso radical contra ideias associadas à
direita. Silvio Almeida, ministro dos Direitos
Humanos e da Cidadania, afirmou nesta quarta
que o grupo é “composto por profissionais e
estudiosos de várias áreas que se dedicam a
pensar a formação de uma cultura de paz”.

A antropóloga Débora Diniz, que está entre os


nomes, é uma das principais militantes

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pró-aborto do país e fundadora da ONG


abortista Anis. Recentemente, ela fez ataques
no Twitter contra o cardeal Odilo Scherer e o
catolicismo, insinuando que os católicos
deveriam se afastar do debate público na
discussão sobre a vida de bebês em gestação.
“Aborto é sobre cuidado e prevenção. Uma
religião que prega o perdão deveria se distanciar
de punição que mata e adoece mulheres. Igreja
Católica pode ter suas crenças particulares. Só
não pode ter a pretensão de transformá-las em
regra de bem viver para todos”, afirmou em
resposta a um tuíte do cardeal.

A feminista radical Lola Aronovich, que também


faz parte da lista, publicou uma postagem em
2020 em seu blog com o título “Facada mal
dada do Ca*****”, em referência ao atentado
do qual o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi
vítima em 2018. Lola já questionou diversas

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vezes a veracidade do atentado. Convocada ao


grupo de trabalho para combater o extremismo,
ela classificou recentemente os senadores
Rogério Marinho (PL) e Eduardo Girão (Novo)
como representantes da extrema-direita.

O sociólogo Michel Gherman, outro integrante


do novo grupo de trabalho, afirmou via Twitter,
em 2021, que era necessário parar de tratar os
apoiadores do governo Bolsonaro como
“bolsonaristas” e passar a chamá-los só de
“nazistas” ou “fascistas”. Em palestra recente
na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), ele afirmou que o Brasil enfrenta uma
“epidemia de nazismo”.

Outro nome da lista é o da socióloga Esther


Solano, que em artigo à revista Carta Capital fez
uma defesa explícita da estratégia de aliciar
evangélicos com um discurso dissimulado para

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conseguir virar votos nas eleições de 2022.


“Faço aqui um apelo a toda a militância petista,
a todos os simpatizantes, mas sobretudo às
figuras que têm um perfil público. Por favor,
vamos pensar antes de falar publicamente sobre
os fiéis e as igrejas evangélicas. Vamos aprender
as sutilezas comunicacionais do que dizer,
como dizer, com quem dizer, o léxico inteligen-
te a se usar, o léxico que não é. Depois das
eleições, a partir do conforto de nosso lugar
recuperado em Brasília, falamos como vocês
quiserem, mas antes não, antes, por favor,
temos de ganhar estas eleições e nossa vitória
não está garantida”, disse ela.

Grupo sobre discurso de ódio pode se unir a


"Ministério da Verdade" em tentativa de
controlar as redes

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O grupo de trabalho, que começará a atuar no


dia 1º de março, deverá produzir um relatório
180 dias após o início de suas atividades a ser
encaminhado ao ministro Silvio Almeida para
avaliação. Em sua primeira reunião, o grupo
estabelecerá o calendário de encontros, seu
modo de funcionamento e um plano de
trabalho.

No anúncio do lançamento do grupo, Almeida


sinalizou a intenção de coibir certos tipos de
discursos em redes sociais. Ele afirmou que
discursos de ódio “estão sendo naturalizados no
ambiente público, principalmente nas
chamadas redes sociais, onde certos grupos se
sentem absolutamente à vontade para destilar o
ódio e reforçar preconceitos”. “Esses discursos
que pregam ódio, discursos fascistas,
inspirados em experiências históricas de
destruição, como o nazismo, não estão dentro

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daquilo que a gente chama de democracia e de


liberdade de expressão. Eles têm que ser
fortemente combatidos, não podem chegar ao
coração das pessoas”, observou.

O funcionamento do novo grupo de trabalho é


semelhante ao de conselhos que combinam a
participação de membros da sociedade civil com
representantes de órgãos do Executivo, e que
foram cruciais no aparelhamento do Estado
promovido por gestões petistas no passado.
Embora não seja um conselho, o grupo tem o
mesmo tipo de funcionamento colegiado e de
poder consultivo.

A criação de um órgão para combate ao


“discurso de ódio” é mais uma iniciativa do
governo Lula que apela à índole de censura e
que tem ganhado força na esquerda nos últimos
anos, especialmente em temas relacionados ao

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controle da liberdade de expressão nas redes.


Dentro da Advocacia Geral da União (AGU), foi
criada a Procuradoria Nacional da União de
Defesa da Democracia; na Secretaria de
Comunicação Social (Secom) da Presidência da
República, estabeleceu-se o Departamento de
Promoção da Liberdade de Expressão. Esses
órgãos têm sido apelidados de “Ministério da
Verdade”.

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Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal – STF| Foto: Marcello


Casal Jr. / Agência Brasil

Judiciário faz lobby para aprovar


projetos: do aumento salarial a
mudanças no impeachment
Por Renan Ramalho

A renovação da Câmara dos Deputados e de parte do


Senado reacendeu no Judiciário a expectativa de
aprovar novas leis que interessam a ministros,
juízes e também a servidores dos tribunais.
Propostas de caráter salarial, administrativo e

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também relativas à própria atuação dos


magistrados foram apresentadas ou alavancadas
nos últimos anos.

Com novos deputados e senadores empossados,


magistrados se mobilizam novamente para que
projetos avancem na atual legislatura. O lobby
parte principalmente das associações de classe,
mas também há pressão de ministros de tribunais
superiores por mudanças na legislação.

Há interesse em projetos que aumentam a


remuneração dos juízes e de seus funcionários, em
proposta para regulamentar as redes sociais, em
proposição para dificultar o impeachment de
ministros e outras autoridades.

Confira as principais demandas do Judiciário junto


ao Legislativo, por temas:

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Mais aumentos no salário

Em dezembro, os ministros do STF conseguiram


aprovar, no Congresso, um projeto que aumentou o
salário que recebem e também de todos os outros
magistrados do país. No apagar das luzes do ano
legislativo, pouco antes do recesso, Câmara e
Senado aprovaram, num só dia, um reajuste
automático na remuneração dos ministros do STF
pelos próximos três anos.

O subsídio passou de R$ 39,2 mil para R$ 41,2 mil


neste ano; saltará para R$ 44 mil em 2024 e para
R$ 46,3 mil em 2025. O aumento beneficia a todos
os magistrados por causa do efeito cascata: todos
têm a remuneração indexada ao salário dos
ministros do STF, que é o máximo permitido para
todo o funcionalismo público. O custo é de R$
255,38 milhões em 2023.

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Existe no Senado uma proposta de emenda à


Constituição para desvincular o reajuste concedido
a ministros do salário dos demais magistrados. A
categoria é contra, alegando “quebra da unidade e
da isonomia” dentro da magistratura.

Ainda assim, magistrados querem mais. Um dos


sonhos é reinstituir no Brasil o “quinquênio”, um
penduricalho de 5% do salário adicionado no
contracheque de juízes a cada cinco anos de
trabalho, podendo ultrapassar o teto salarial do
funcionalismo.

No ano passado, cedendo a pressões de juízes, o


presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG),
chegou a pautar a proposta para votação no
plenário. Várias outras categorias de servidores
passaram a pressionar senadores para receber o
privilégio. Sem saber exatamente que custo isso

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teria, parlamentares pediram o adiamento e a


proposta foi arquivada com o fim da legislatura.

Associações de juízes e procuradores, no entanto,


ainda querem a aprovação e tentam se articular
para que a proposta volte à pauta. Um dos cami-
nhos é conseguir apoio de 27 dos 81 senadores para
o desarquivamento.

Nova lei do impeachment

No fim do ano passado, o ministro Ricardo


Lewandowski entregou a Rodrigo Pacheco um
anteprojeto para criar uma nova lei do impea-
chment, em substituição à que está em vigor, de
1950. A justificativa é atualizar a norma segundo os
princípios da Constituição de 1988, e consolidar
mudanças nos ritos feitas pelo STF nos processos
que cassaram os dos ex-presidentes Fernando
Collor, em 1992, e Dilma Rousseff, em 2016.

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A proposta, porém, se aprovada, tende a dificultar a


destituição do presidente e também dos próprios
ministros do STF. O texto exclui, por exemplo, os
crimes de responsabilidade fiscal pelos quais Dilma
foi condenada; mandatários que repetissem as
“pedaladas fiscais” ou outras manobras
orçamentárias para esconder rombos nas contas
públicas ficariam blindados.

Magistrados também gozariam de uma proteção


maior, uma vez que não configuraria crime de
responsabilidade uma decisão que adotasse
interpretação da lei que possa ser considerada
incorreta ou heterodoxa por outros magistrados ou
futuramente.

Ao receber o anteprojeto, em dezembro, Pacheco


disse que vai transformá-lo em um projeto de lei e
irá apresentá-lo formalmente, para ser discutido
nas comissões, ainda neste ano.

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Regulamentação das redes sociais

Alinhado ao interesse do novo governo em coibir


ameaças e atos de violência contra autoridades e
instituições de Estado, o ministro Alexandre de
Moraes anunciou que vai criar uma comissão no
TSE para enviar ao Congresso uma proposta de
regulamentação das redes sociais.

Ele não adiantou detalhes do que vai propor, mas


indicou que poderá se inspirar em medidas
adotadas no ano passado pela Corte, durante a
campanha eleitoral, para remover da internet
conteúdos “sabidamente inverídicos” que
atingissem a legitimidade da eleição – por
exemplo, textos ou vídeos que questionassem a
integridade das urnas eletrônicas.

Entre as medidas adotadas, estavam a retirada de


conteúdo de ofício pelo Judiciário, isto é, por
iniciativa própria, sem provocação das partes; a

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suspensão de perfis ou contas nas redes sociais


com “produção sistemática de desinformação”; ou
até o bloqueio temporário de plataformas que
descumprissem reiteradamente ordens desse tipo.

Outra ideia já defendida por Moraes é equiparar as


redes sociais às mídias tradicionais para fins de
responsabilização pelo conteúdo publicado.
Atualmente, as plataformas digitais só são punidas
caso descumpram ordem judicial de remoção de um
conteúdo ofensivo publicado por um usuário. Com
a mudança, elas poderiam ser responsabilizadas
por permitir a veiculação desse tipo de material. O
ministro e o TSE ainda não informaram quem vai
compor a comissão, como será o projeto e quando
será enviado ao Legislativo.

Estrutura do Judiciário

Tramita desde 2017 na Câmara um projeto para que


todas as custas judiciais – taxas cobradas para

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ajuizamento de ações nos tribunais – sejam usadas


para investimentos na estrutura do Judiciário.
Atualmente, esses recursos são destinados ao
Tesouro Nacional, podendo, portanto, ser
redistribuído livremente para despesas públicas
conforme a lei orçamentária.

A proposta diz que outros órgãos já usam as verbas


que recolhem em benefício próprio. São exemplos
dessa sistemática o Ibama, a Comissão de Valores
Mobiliários (CVM) e a Infraero. O objetivo é que a
Justiça conte com mais recursos e que eles sejam
destinados a despesas com programas internos de
melhoria dos serviços, estrutura mobiliária,
material permanente.

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Sites e redes sociais de empresas que comercializam produtos à base de cannabis


exageram benefícios e omitem riscos das substâncias| Foto: Reprodução

Mercado da cannabis cresce na


internet e esconde riscos por trás
do suposto uso medicinal
Por Ana Carolina Curvello

Movimentos pró-maconha têm se expandido


progressivamente com o avanço da tecnologia.
Pelas redes sociais, é possível encontrar uma série
de perfis que fazem apologia à droga de forma
deliberada e sem qualquer restrição. O comércio de

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produtos à base da planta, com supostos efeitos


medicinais, também cresceu – um levantamento
feito pela Kaya Mind, empresa brasileira especiali-
zada em dados e inteligência de mercado no
segmento da cannabis, mostrou que o Brasil conta
com mais de 80 empresas com CNPJ aberto que
atuam nesse mercado, mesmo sem
regulamentação abrangente.

De acordo com uma dessas empresas, a Remederi,


o número de médicos que prescrevem o medica-
mento aumentou mais de 250% nos últimos anos,
saindo de 200 prescritores em 2019 para mais de 5
mil atualmente.

Há sites que indicam o passo a passo para quem


deseja adquirir a prescrição necessária para a
compra de produtos à base de cannabis e que
apontam os possíveis benefícios à saúde do
canabidiol (CBD), uma das substâncias da planta,

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mas sem mencionar os possíveis riscos da maconha


ao organismo.

No site PangaiaCBD, de uma empresa


norte-americana que atua no mercado brasileiro
como comerciante de produtos à base de cannabis,
a propaganda sobre os benefícios do CBD chama a
atenção. Além de apontar a substância como um
analgésico natural capaz de aliviar dores, até em
casos mais graves como câncer e fibromialgia, a
empresa diz que o CBD reduz os sintomas de
Alzheimer, Epilepsia e Parkinson e ainda melhora o
sono. Os estudos sobre o uso do canabidiol para
essas doenças, entretanto, ainda são de qualidade
moderada ou baixa. Além disso, o uso
indiscriminado da substância pode apresentar
efeitos adversos e riscos ao usuário.

Por outro lado, a empresa também alega, em seu


site, que não há efeitos colaterais, nem qualquer

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contraindicação em relação ao seu uso simultâneo


com outros fármacos. A propaganda tendenciosa
preocupa especialistas e movimentos contrários às
drogas.

Outro site que incentiva o tratamento médico com


cannabis é o PangoCBD. No portal, a empresa não
esconde a tentativa de liberar o uso recreativo da
droga e dá até consultoria jurídica para quem
desejar cultivar. Um artigo do site sobre o "boom
do mercado canábico" diz que "a desburocratiza-
ção continua lenta, e a legalização do uso recreativo
não parece estar próxima. De qualquer forma, a
onda é forte. Porque enquanto o uso recreativo não
é permitido, os brasileiros encontram outras
oportunidades de investir no mercado".

Não há evidências científicas robustas sobre


benefícios da cannabis

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Vários estudos e a própria Associação Brasileira de


Psiquiatria (ABP) já apontaram que não existem
evidências científicas definitivas sobre os supostos
benefícios da substância para a maioria das
doenças. Há exceção nos casos citados pelo
Conselho Federal de Medicina (CFM), como para
pacientes com crises epiléticas relacionadas às
síndromes de Dravet, Doose e Lennox-Gastaut.

Em nova resolução que restringiu o uso de


canabidiol, publicada em outubro do ano passado, o
CFM explicou que as conclusões de estudos ainda
são frágeis em relação à segurança e eficácia do
canabidiol para o tratamento da maioria das
doenças. "O Conselho considera prudente aguardar
o avanço de estudos em andamento, evitando expor
a população a situações de risco", declarou o CFM
na ocasião.

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Em entrevista à Gazeta do Povo, o psiquiatra


Ronaldo Laranjeira alertou sobre a ampla difusão
de ideias falsas sobre o uso medicinal da maconha,
que desprezam as pesquisas científicas mais
avançadas. “A maconha não é uma mágica, como
se o chá da erva pudesse fazer um doente melhorar
de uma doença complexa. Não é assim que a
medicina trabalha. A maconha não pode ser tratada
como uma droga milagrosa, que é só fazer um chá e
vai dar certo. A medicina não funciona assim. Não é
seguro para ninguém virar curandeiro da maconha,
e é isso que tem acontecido no Brasil”, declarou.

Os problemas do termo "maconha medicinal"

O advogado Roberto Lásserre, coordenador


nacional do Movimento Brasil sem Drogas,
lamenta a abordagem usada por alguns sites que,
em sua avaliação, estão levando a sociedade ao
erro. “Não existe maconha medicinal. Estão

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tentando no Brasil uma forma de a sociedade


abaixar a guarda para que num futuro próximo, já
que 'a maconha tem efeitos medicinais', libere-se o
uso recreativo. Tentam levar a sociedade ao erro
para daí para frente 'liberar geral'”, diz.

Segundo Lásserre, algumas decisões judiciais


deram “brechas” para o comércio de medicamen-
tos à base de cannabis. Ele citou, inclusive, uma
decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que
garantiu a três pessoas a possibilidade de cultivar a
planta da maconha com a finalidade de extrair óleo
para uso próprio. Segundo a legislação brasileira, o
cultivo da planta configura crime.

“Foi uma decisão extremamente mal formulada


permitir a plantação de maconha em casa para fins
medicinais. E o pior é que vários juízes estão
tomando decisões desse tipo, abrindo precedentes

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para uma possível liberação da droga”, explicou o


advogado.

As decisões da Justiça, influenciadas por


campanhas de desinformação de empresas
interessadas na liberação da droga, contribuem
para elevar a circulação de extratos clandestinos de
canabidiol caseiro, muitos dos quais não
funcionam e podem oferecer efeitos colaterais
nocivos para quem os consome.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância


Sanitária (Anvisa) liberou apenas a importação dos
extratos de canabidiol e tetrahidrocanabinol (THC)
para a fabricação de produtos no Brasil. Em 2019, a
agência definiu que esses compostos seriam
marcados com tarja preta devido ao risco de
dependência, aumento de tolerância (necessidade
de ingerir quantidades cada vez maiores para obter
o mínimo efeito desejado) e intoxicação.

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Os 20 produtos com esses elementos aprovados


pela agência até o momento (não são considerados
medicamentos por falta de evidências científicas
consolidadas de eficácia) precisam ser prescritos
com receita amarela (índice de THC menor de
0,2%) ou azul (índice de THC maior de 0,2%, maior
risco).

O único medicamento à base de THC e canabidiol


aprovado para ser importado no Brasil é o Mevatyl,
produzido no Reino Unido. Ele foi aprovado pela
Anvisa como remédio adjuvante no tratamento de
espasticidade na esclerose múltipla, causada por
danos ou lesões na parte do sistema nervoso
central (cérebro ou medula espinhal) que controla
o movimento voluntário.

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Puffin Books, editora original do famoso livro infantil, alterou o conteúdo das obras
do escritor já falecido por orientação de “leitores sensíveis”.| Foto:
Reprodução/Martins Fontes

Livro “A Fantástica Fábrica de


Chocolate” é submetido a censura”
Por Eli Vieira

Roald Dahl, britânico autor de “A Fantástica


Fábrica de Chocolate”, falecido aos 74 anos em
1990, está tendo seu texto submetido pela editora à
interferência póstuma por causa de críticas de
“leitores sensíveis” profissionais — que querem
alterações que muitos chamariam de politicamente

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corretas. A Puffin Books, selo editorial da gigante


Penguin para títulos infantis, fundado em 1940,
publicou uma nota discreta em sua página de
copyright declarando que seus livros “foram
escritos há muitos anos, portanto, nós fazemos
revisão regular da linguagem para assegurar que
continuem a ser desfrutados por todos hoje”. O
autor já vendeu mais de 250 milhões de cópias de
suas obras no mundo.

Seis outros livros do autor foram afetados pela


edição “sensível” além de “A Fantástica Fábrica”,
livro publicado originalmente em 1964, com
primeira adaptação em filme de 1971 e edições
diferentes em português — a reportagem usou a
tradução de 2016, da Martins Fontes.

O jornal britânico The Telegraph encontrou a nota e


publicou uma investigação preliminar das
mudanças na última segunda-feira (20). “A

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linguagem relacionada ao peso, saúde mental,


violência, gênero e raça foi cortada e reescrita”,
resumiu o jornal. Uma das mais importantes foi no
livro “Matilda”(1988): uma menção a outro autor
infantil britânico, Rudyard Kipling, uma clara
homenagem de Dahl, foi cortada e substituída pela
respeitada autora Jane Austen, em nome da
diversidade de gênero.

Entre outras mudanças, Augusto Glupe, menino


gordo que cai em um rio de chocolate da fábrica
porque “só ouvia a voz do seu enorme estômago” e
se debruçara na grama “lambendo o chocolate
como se fosse um cachorro”, não pode mais ser
chamado de “gordo como um balão inflado, tinha o
corpo cheio de dobras de banha e seu rosto era uma
bola de massa com dois olhinhos espremidos”,
como diz a edição original. Agora, em vez de gordo,
Augusto é apenas “enorme”. Outra personagem,
Violeta Chataclete, que os umpa-lumpas,

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funcionários da fábrica, chamam em canção de


“irritante, feia e nojenta” por mascar chiclete o
tempo todo, na nova edição não é chamada de
“feia” mais.

O livro “As Bruxas” (1983), que virou filme com


Anjelica Huston em 1990 e com Anne Hathaway em
2020, também sofreu alterações. “Grande rebanho
de damas” virou “grande grupo de damas”. “Você
deve estar louca, mulher!” virou “Você deve ter
perdido a cabeça!”. Na edição de 2001, o narrador
explica que “Uma bruxa é sempre uma mulher. Não
quero falar mal das mulheres. A maioria delas é
amável. Mas fato é que todas as bruxas são
mulheres. Não existe bruxo homem”. Toda a
ressalva a favor das mulheres foi cortada e
substituída por “Uma bruxa é sempre mulher. Não
existe bruxo homem”.

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Quando um menino é transformado em rato pelas


bruxas, mais uma vez cortaram o adjetivo “gordo”
— e também uma fala dizendo que ele precisa de
dieta. Uma descrição da aparência grotesca das
bruxas foi completamente eliminada:
“Simplesmente não consigo contar o quão
horrendas elas eram, de alguma forma a visão era
ainda mais grotesca porque por baixo daquelas
carecas cheias de feridas os corpos estavam
vestidos com roupas da moda e bonitas. Era
monstruoso. Era anormal”. O jornal britânico
encontrou 59 dessas mudanças na obra.

Em “Matilda”, a censura não gostou que um


personagem ficava branco de susto, e trocou por
pálido. Também cortou a comparação do rosto de
uma mulher ao de um cavalo. Em “James e o
Pêssego Gigante” (1961), os “homens das nuvens”
tornaram-se “pessoas das nuvens”, a cabeça da
Senhorita Aranha não é mais descrita como “preta”

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a pele de uma minhoca não é mais “de uma linda


cor de rosa”, mas “lindamente lisa”. Ao todo, são
centenas de mudanças na obra completa.

Os “leitores sensíveis” são de uma organização


chamada Inclusive Minds (“mentes inclusivas”),
que se descreve como “um coletivo para pessoas
que são apaixonadas pela inclusão, diversidade,
igualdade e acessibilidade na literatura infantil e
estão comprometidas com mudar a cara dos livros
infantis”.

Não é a primeira vez que o politicamente correto,


especialmente motivado por novas crenças dos
movimentos identitários, interfere na publicação
de livros. Como alertou a Gazeta do Povo, trata-se
de uma nova onda de censura e já há alvos
equivalentes brasileiros, como a obra de Monteiro
Lobato.

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Reações

O escritor Salman Rushdie, ativista da liberdade de


expressão que recentemente perdeu a visão de um
olho após ser atacado a facadas por um
fundamentalista islâmico, condenou a
interferência editorial da Puffin: “Roald Dahl não
era um anjo, mas isso é uma censura absurda”,
tuitou o autor. “A Puffin Books e os
administradores do legado de Dahl deveriam ter
vergonha”.

O ator escocês Brian Cox, que atuou na adaptação


cinematográfica de 2009 de “O Fantástico Senhor
Raposo” de Dahl, também reagiu em entrevista à
rádio Times: “acredito que [os livros] são produto
de seu tempo e devem ser deixados como eram”.
Cox também comparou a edição “sensível” ao
macartismo.

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Laura Hackett, que foi fã de Dahl na infância e é


editora literária do Sunday Times de Londres,
prometeu mostrar somente edições antigas dos
livros a seus filhos, “para que um dia meus filhos
possam desfrutar deles em toda a sua plena,
malvada e colorida glória”.

Quem foi Roald Dahl

Filho de noruegueses e nascido no País de Gales em


1916, Dahl é um dos autores infantis mais
influentes do mundo. A história da fábrica de
chocolate foi inspirada em suas próprias memórias
da infância no condado inglês de Derbyshire. A
fabricante de chocolates Cadbury, ainda uma das
mais populares do Reino Unido, enviava amostra
grátis para as escolas em troca de opiniões das
crianças sobre os novos produtos. Daí a ênfase da
história em produtos estranhos, cujo consumo
pelas crianças selecionadas com o cupom dourado

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pelo excêntrico Willy Wonka na fábrica dava em


lições de moral sobre a desobediência infantil, além
da gula, comportamento mimado e excesso de
televisão.

Roald Dahl também foi piloto da aeronáutica


britânica durante a Segunda Guerra Mundial. Suas
histórias, lembrou o Telegraph, são marcadas por
um humor negro apropriado para crianças e
reviravoltas surpreendentes, com doses de
Schadenfreude (o prazer em ver alguém se dar mal)
contra personagens por seu mau comportamento
dar em maus resultados.

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PARA SE APROFUNDAR

● Editorial: O abortismo cria sua “polícia do


pensamento”

● Thaméa Danelon: A corrupção afeta a economia


de um país?

● Paulo Uebel: Brasil: país sem segurança jurídica


(e econômica), onde até o passado pode mudar

● ICMS e obras entram na articulação de Lula com


governadores por base no Congresso

● MEC quer mais escolas em tempo integral.


Entenda prós e contras do plano

● Brasil vive processo revolucionário desde 2013 e


não há pacificação no horizonte

● Rota turística no interior do Paraná se consolida


como iniciação para Caminho de Santiago

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Conceito visual: Claudio Cristiano Gonçalves Alves. Coordenação: Patrícia
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