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Como o identitarismo influenciou as

eleições de 2018
O resultado da eleição presidencial ainda estava sendo digerido pela esquerda quando

Ciro Gomes, derrotado no primeiro turno, ofereceu uma explicação simples para o

sucesso da extrema-direita: o foco dos setores progressistas nas pautas identitárias. “A

moral popular é diferente da moral dos setores ilustrados da sociedade”, argumentou em

entrevista à GloboNews em 11 de novembro. “Você explorar essa tolerância generosa

que nosso povo tem com políticas públicas para afirmar um identitarismo de minorias

que são mais próximas do pensamento progressista é falta de respeito.”

A afirmação foi controversa. Há anos os movimentos identitários, que se organizam


coletivamente em torno de identidades individuais – como a mulher, no caso do
feminismo, ou o negro, no do movimento negro –, vêm reforçando que o desequilíbrio
de direitos e de poder entre homens e mulheres, brancos e negros, héteros cis e LGBTs
deve ser encarado como um problema tão importante quanto os causados pelas
diferenças de base econômica. Não seria coincidência, afinal, a pobreza no Brasil ser
majoritariamente negra, as mulheres em idade reprodutiva terem maiores dificuldades
para encontrar emprego e conseguir cargos mais elevados, ou as
mulheres trans dificilmente conseguirem trabalho fora do mundo da prostituição.

De alguns anos para cá, parte da esquerda passou a reconhecer que a desigualdade
econômica precisa ser combatida junto a essas outras formas de desigualdade, que se
entrecruzam. Mas a centralidade que vem ganhando as pautas dos movimentos
identitários ainda é incômoda. “Tentar enfiar as narrativas identitárias pela goela abaixo
do pobre só vai continuar dando errado”, opinou via Twitter a cantora Lolly Amâncio,
ao comentar a entrevista de Ciro Gomes. Vocalista de uma banda de rock baseada na
Baixada Fluminense, região da área metropolitana do Rio historicamente abandonada
pelo poder público, ela declarou com firmeza: “Aceitem os fatos, deu merda e isso
ajudou a eleger um Fascista.”

O foco nas pautas identitárias foi responsável pela derrota da esquerda? Ou seria o
identitarismo o bode expiatório escolhido pelos progressistas que nunca o engoliram
diante da onda reacionária que lhe deu um caldo nessas eleições?

Conversamos sobre o assunto com a relações públicas e escritora Gabriela Moura, parte
do coletivo feminista Não me Kahlo. Para ela, é um erro acreditar que as pautas
identitárias devam ocupar um lugar secundário na agenda de esquerda. O problema não
estaria na atenção reservada ao tema, mas sim na incapacidade dos movimentos de
comunicarem direito suas pautas a quem está fora da bolha. “Você tem que adequar
seus discursos e se fazer entender”, defende Moura.
A ativista critica ainda o crescimento de uma representatividade vazia – a eleição de
mulheres com bandeiras antifeministas, por exemplo –, fruto dessa dificuldade de
comunicação da esquerda, e a falta de cruzamento entre os movimentos identitários com
a questão de classe. “Para mim não existe nenhuma defesa identitária válida que não
passe pela questão de classe”, resume. “Assim como eu não acredito em uma luta de
classes descolada das questões identitárias.”

Intercept – Em 2019, vamos ter 77 mulheres na Câmara, 26 a mais do que em


2014. Serão três negras a mais além de nossa primeira deputada federal indígena.
Até agora, 23 já declararam parte ser da base aliada de Bolsonaro e 32 não
declararam de que lado vão estar, ainda que entre essas mulheres tenhamos
figuras reconhecidamente conservadoras, como Clarissa Garotinho. Isso tem como
ser considerado uma vitória?

Gabriela Moura – Vitória é uma palavra meio forte. Quando a gente pega esse número
isolado, de 26 mulheres a mais do que na antiga bancada, parece, sim, uma evolução da
representatividade política das mulheres. Ao colocarmos um zoom na situação, vemos
que não é bem assim. Quando a gente tem mulheres que são declaradamente pró-
Bolsonaro, obviamente isso muda muito pouco a situação das mulheres no tocante a
políticas do gênero, do ser mulher. Então é uma pegadinha. Uma cilada que pode ser
usada como um grande cala boca, porque aí as pessoas que vão falar assim: “Não, não
pode reclamar, porque tem, sim, mulher na jogada, então vocês estão representadas.”
Mas a representatividade não se dá meramente por termos mulheres no Congresso, mas
pela posição política que elas defendem e pelas ideias que vão colocar lá dentro.

Foi a extrema-direita que elegeu a deputada estadual mais votada na história do


Brasil, Janaína Paschoal, e que no Rio elegeu como deputado federal mais votado
neste ano Hélio Bolsonaro, um homem negro. Gritamos por representatividade,
mas a direita ultraconservadora já pode gritar: “ok, mas fomos nós que
conseguimos mais votos pros grupos que vocês querem defender.” A centralidade
dada às pautas identitárias pela esquerda é um problema?

Isso põe um bom pé no peito na esquerda, que era necessário. Quando os caras da
direita chegam para a gente e falam: ‘A gente elegeu muito mais mulheres do que
vocês’, eles têm um ponto, de fato.

A questão do identitarismo fica confusa quando a gente não intersecciona os assuntos.


Eu não queria usar o termo “interseccional” para as pessoas não confundirem, não
acharem que eu estou falando de feminismo em si. Estou falando do cruzamento das
problemáticas sociais. Se tem a Janaína Paschoal, que é uma mulher declaradamente de
direita – e ela na verdade passeia por diversos vieses, porque ela se coloca, sim, como
uma representante das mulheres em diversos momentos, até pela condição que ela já
exercia antes de entrar na política, de ser professora da USP, de ter um bom cargo, ser
muito respeitada na instituição – então é um fato. A direita tem razão quando coloca que
elegeu mais representantes de minorias do que a esquerda.

Mas o que a esquerda vai fazer então já que a gente se coloca numa situação de
oposição? Como a gente vai fazer esse debate e entender as questões identitárias não
como um problema, mas como algo que não pode ser apresentado sem um
aprofundamento? Ou seja, não é sobre eleger mulheres e ponto final. É sobre quais
mulheres serão eleitas, porque se você tem uma Janaína Paschoal e um Guilherme
Boulos, que é um homem, branco, de classe alta etc., como você faz a defesa de que
prefere um homem do que uma mulher?

Não vamos ter as respostas na ponta da língua. É preciso pegar essa provocação e fazer
uma autocrítica para entender como a política pode ser feita em todos os períodos, não
só no período eleitoral. Bem ou mal, a direita só alçou a condição que eles conseguiram
alçar, porque eles estavam sim junto do povo, levando o discurso que o povo gosta, que
são respostas muito mais práticas, muito mais rápidas, a curto-médio prazo. Enquanto a
esquerda – e eu obviamente me coloco nisso, numa autocrítica, também –, fica nessa
masturbação mental de levar o pensamento para esferas que às vezes nem a gente
consegue alcançar. E obviamente assim não vamos conseguir afetar as massas
positivamente.

Em resumo, a resposta é trabalho de base?

Basicamente.

Como a gente volta para esse trabalho de base, que historicamente já foi muito
forte na esquerda e agora está muito nas mãos das igrejas e da direita?

Eu não sei te explicar como nos afastamos, porque é todo um processo. A esquerda é
fragmentada, não no sentido de “a esquerda não se une”. Existem diversas linhas de
pensamento na esquerda. A intelectualização da esquerda é muito boa, eu acho
necessária e acredito sim que as ciências devem ser usadas a nosso favor. Só que essas
mesmas ciências têm que ser popularizadas. É aquilo que as pessoas falam: você joga
um debate na USP, que é longe para caramba, não é fácil de chegar, às 15h. Quem você
espera receber? Enquanto isso, a direita está usando o Whatsapp, está conversando com
o tiozinho da esquina, está conversando com o cara que foi assaltado e está puto, porque
foi assaltado, sabe?

É você adequar o seu discurso. Quando eu me formei em comunicação, isso foi uma
coisa que me tocou e que eu tento policiar muito, que é a adequação do discurso. A
gente tem uma mania arrogante de dizer: “Eu sou responsável pelo que eu falo, não pelo
que você entende”. Não é isso, é o contrário. Se eu estou te passando uma mensagem,
eu sou sim responsável pelo que você entende se eu quero que você me compreenda. E
aí, mais para frente, se quisermos levar isso para outras esferas, podemos levar. Mas não
vou conseguir isso se não fizer o trabalho de base levando o bê-a-bá. A esquerda ficou
tão estigmatizada que qualquer mínimo ato humano que seja é tido como comunismo. E
o comunismo é visto praticamente como um crime, não como um viés político que pode
ser estudado, pode sim ser contestado. Mas [é visto] como crime. Então se você é
minimamente simpático [a ideias comunistas], você é tido como um criminoso. As
pessoas não sabem, elas não gostam, elas não querem saber. Então a direita ganhou
muito bem essa parcela da população, eles souberam fazer esse trabalho e a gente se
fudeu.

Apesar de os conservadores oficialmente rechaçarem a ideia de identitarismo, nos


EUA, crescem com força os grupos de supremacistas brancos que se disfarçam
como grupos identitários. Aqui no Brasil, o Bolsonaro foi criticado pela ausência
de mulheres em sua equipe de transição e escreveu no Twitter que não se importa
com a cor ou o sexo de ninguém, desde que seja competente, mas em seguida
colocou quatro mulheres na equipe. Todas militares e alinhadas o suficiente com o
discurso dele para aceitarem o convite. Caímos numa armadilha discursiva.

Exato. A população tem que entender o que é ser identitário. A questão dos
supremacistas brancos… a história é cíclica. Voltamos a um ponto perigoso. Acredito
que, em breve, a gente possa ter que enfrentar os mesmos tipos de manifestações que
acontecem nos Estados Unidos. Talvez de uma forma um pouco mais sutil, porque esse
tipo de manifestação nos Estados Unidos não é criminalizada, é tida como uma forma
de direito à expressão. Temos que entender primeiro o que é ser identitário e quais são
as identidades que vamos trabalhar e como. Para mim, particularmente, não existe
nenhuma defesa identitária válida que não passe pela questão de classe. Essa é uma
opinião pessoal minha. Assim como eu não acredito em uma luta de classes descolada
das questões identitárias – de raça, de gênero, de sexualidade.

Quando o Bolsonaro chega e fala: “Tem essa ministra aqui que é mulher”, mas o
apelido dela é Musa do Veneno, alguma coisa está muito errada e isso devia ligar o
pisca-alerta. É sim uma armadilha discursiva, porque quando a gente reivindica: “Eu
quero mulher, quero negro, quero LGBT”, não especifica as pautas que são defendidas.

Eu quero um negro, mas não que me dê veneno. Eu quero mulher que defenda o direito
ao aborto, os direitos reprodutivos. Também estamos falhando nessa comunicação sobre
o que nós estamos reivindicando, o que é necessário para a nossa população agora.

Uma crítica recorrente ao identitarismo é a fragmentação da esquerda em


microgrupos e uma consequente individualização das pautas progressistas. Para os
críticos isso acaba transformando grande parte da população em inimiga, de certa
forma. Como culpar todos os brancos pela escravidão. Você compartilha dessa
visão?

Eu concordo muito com a primeira parte, não concordo com esse final. Acho que
podemos sim prosperar com essas pautas, desde que haja essas premissas que você
falou no começo. Se a gente simplesmente joga as pautas identitárias isoladas, de fato
elas não vão fazer sentido e a gente vai formar pequenas microbolhas: a população
negra, a população LGBT, a população X, Y, Z. Temos que encontrar nosso
denominador comum, o tronco que nos une em relação a isso. Qual o histórico dessas
lutas? Se você pega a história do feminismo, do movimento negro, do movimento
LGBT, cada um tem uma gênese. A gente tem que resgatar essa gênese e
recontextualizar com o que estamos vivendo agora.

Você deu um exemplo mais consensual, vou ser um pouco mais polêmica. Você pega
um adolescente negro que não tem consciência de classe, consciência histórica. Mas o
cara está construindo uma autoestima em cima de uma lógica de consumo. Ele quer ser
lacrador, ele quer ser muito foda, imitar a Beyoncé, a Djamila [Ribeiro]. Isso é
totalmente individual e pode fazer muito bem para ele enquanto indivíduo. O macro vai
continuar intacto, porque a estrutura não vai ser mudada em nível nenhum. Ele vai
continuar sendo discriminado na rua, na faculdade, no trabalho, se ele conseguir
trabalho. Eu concordo sim que as lutas identitárias têm que ser vistas com muita
delicadeza, muito cuidado. Só que eu não descartaria elas, não colocaria em segundo
lugar, como muitas pessoas colocam. Para mim é um erro.
Vamos a um exemplo. Depois da entrevista do Bolsonaro no Roda Viva, em que ele
engoliu os jornalistas, nós perguntamos à pessoa que faz faxina aqui na redação:
“A senhora está preocupada se os arquivos da ditadura vão ser abertos ou não?”
Ela disse que não. “A senhora está preocupada com o quê?” Ela falou que com
emprego, saúde, educação. A pergunta poderia ter sido sobre representatividade
feminina ou negra e a resposta, suponho, teria sido parecida. Como mostrar que as
pautas identitárias e essas preocupações andam juntas?

Se eu tivesse essa resposta eu ganharia de pronto um Nobel. Na época da eleição eu


ouvi um jornalista que falou exatamente isso: “Cara, a população não está nem aí para
machismo e homofobia. Não é que machismo e homofobia não sejam um problema
extremo, é sim. Só que a população está muito mais preocupada com os problemas
imediatos.” O cara tem fome, o cara precisa de emprego, ele tem que pagar conta. É isso
que ele quer. Ele vai virar a atenção dele para quem promete para ele isso, para quem
promete que ele vai conseguir voltar para a casa à noite vivo, sem ser assaltado. Para
quem promete que a carteira de trabalho dele vai ser assinada. É isso.

Aí todo o resto fica muito em último lugar, porque as pessoas simplesmente não têm
tempo para pensar sobre isso. Essa é uma lógica capitalista cruel. Ela te coloca sempre
ocupada, com problemas muito básicos, que não deviam nem existir, que são passar
fome e ter onde morar, para você não ter tempo para pensar em outras coisas que
formam as relações humanas. Então para você quebrar esse ciclo cruel, você tem
primeiro que questionar todo o sistema econômico que está cristalizado há séculos e que
está sendo colocado como normal.

Muitas pessoas têm dito que o identitarismo elegeu o Bolsonaro. Isso me parece um
exemplo de backlash. Minha impressão é que de forma parecida com o que
acontece com o feminismo, o identitarismo está sendo demonizado como o
responsável pelas mazelas dos grupos identitários.

Total.

Como a gente sai desse ciclo quando a história nos mostra que estamos repetindo
isso há, no mínimo, um século e meio?

A gente volta para a questão do trabalho de base. Se a população tivesse um


conhecimento mínimo do que é feminismo, eles não iam acreditar em corrente de
WhatsApp que mostra mulher defecando em frente à igreja católica falando que isso é
feminismo.

Toda vez que a gente tem uma onda minimamente progressista que seja, a gente tem
esse efeito rebote muito intenso. Porque, óbvio, a camada que detém o poder entende
bem isso, eles vão se armar dos ardis mais sujos que puderem. Toda ala da esquerda,
sejam feministas, comunistas, anarquistas, ecologistas, o que seja, são vilões. São
pessoas que trabalham temas que as fazem ser vistas como destrutivas para a sociedade.

A gente precisa mostrar para a população o que são essas pautas. O que significa ser
feminista, o que significa a luta indígena, a luta negra, a luta LGBT. Porque não se sabe,
isso ainda é uma coisa muito presa a poucas pessoas que têm acesso a essas
informações, como eu e você. A gente sabe que nós duas podemos ter uma conversa
tranquila, mas se for falar [nesses termos] com a senhora que faz faxina aí que você
falou, não vai rolar. E também o contrário, eles não conseguem se fazer entender. Então
a gente fica sempre nadando no mega raso.

O historiador Asad Haider escreveu um livro sobre identitarismo nos EUA e


afirmou que a política identitária passou de uma prática política revolucionária
para uma ‘ideologia liberal individualista’. Acho que entra um pouco no que você
estava falando sobre o adolescente negro que quer imitar a Beyoncé, por exemplo.
Você acha que isso aconteceu no Brasil também?

Esse movimento é natural. A gente entraria talvez até numa questão psicológica disso
que é da construção da autoestima dos grupos marginalizados. Ninguém gosta de ser
marginalizado. Não é legal e você luta o tempo todo para ser parte de um grupo maior.
Esse grupo dominante, que são esses grupos liberais, que prezam o prazer individual e o
imediatismo, ditam o que é ser legal, o que é ser aceito. É normal que essa pessoa que
está nessa situação de construção de autoestima queira seguir muito mais esse caminho
do que outro que não tem incentivo nenhum. Não é porque essa pessoa é fraca, é porque
ela só tem isso como referência.

E para sair desse processo voltamos a tudo que já foi dito.

Exatamente [risos].

Como fazer para reverter esse aparente esvaziamento das pautas identitárias e
fazer com que elas retornem à sua origem?

Isso vai ser difícil, porque quando você questiona isso, você está mexendo justamente
com o brio, o ego das pessoas. E chega nesse momento de falar: “Cara, não é assim,
você está errado.” Não com essas palavras, mas você tem que mostrar que esse caminho
está errado e que outro tem que ser tomado. Você acaba arranjando mais um problema
que precisa ser contornado, que é a construção do eu de todo mundo que forma esse
coletivo. Mas acaba que para a gente poder reverter esse quadro – óbvio, isso não vai
acontecer em um ano, cinco anos, dez anos – isso perpassa esse caminho doloroso, tanto
da descoberta quanto de você ficar o tempo todo fora da zona de conforto. Então você
está o tempo todo em uma situação que é incômoda, que é ruim, que é desagradável,
mas que é necessária para que haja essa reversão.

Você se refere a falar que é preciso tomar outro caminho para as pessoas que estão
envolvidas nas lutas identitárias ou para as pessoas em geral?

Todo mundo. Você não vai falar da mesma forma, porque nem todo mundo vai
entender. Você tem que adequar o seu discurso e se fazer entender.

Do The Intercept
Identitarismo: trabalhador vira inimigo e
bilionário aliado
De: Wanderson Marçal / 10 meses atrás

Por vezes as pessoas me perguntam por que o identitarismo tomou conta do campo
progressista tão depressa. Como para quase tudo, não há um único motivo: a queda da
URSS deixou a esquerda órfã de uma orientação; a hegemonia neoliberal no mundo deu
uma guinada no espectro político à direita; e os movimentos por direitos individuais
ganharam legitimidade diante do fato de que problemas como machismo, homofobia e a
separação turva entre Estado e religião sempre foram um tanto negligenciados nos
países capitalistas.

Mas há um outro elemento: há muito financiamento estrangeiro e de ricaços e isso tem


locupletado muitas pessoas, as quais usam teses estapafúrdias como do tal “lugar de
fala” para se projetar em movimentos que, como dito, geram dinheiro e que viraram um
verdadeiro nicho de mercado. Mas a questão fundamental aqui é: por que ONGs e
bilionários injetam tanto dinheiro nesses movimentos? É simples entender: querem
tornar toda a esquerda global em imagem e semelhança do Partido Democrata dos EUA,
da Hillary Clinton, do Justin Trudeau. Defender diversidade (o que em si é bom, mas o
fazem a partir de concepções as mais absurdas, pós modernas e irracionalistas) para
obliterar da agenda do dia algo que combata o encarniçado estado de extrema
desigualdade que temos no mundo: o 1% mais rico tem mais de 50% das riquezas. É
uma nova aristocracia mundial, uma plutonomia.

E essa aristocracia percebeu que precisa legitimar seu domínio. Nada melhor do que
fazer propaganda de ideais que lhe confiram uma roupagem humanista e ao mesmo
tempo desmantelem qualquer possibilidade de se questionar seus privilégios: enquanto
uma pessoa negra, uma mulher e um ateu estão procurando um indivíduo de cor branca,
um homem e um religioso para culpar pelas mazelas do mundo, para chamar de
privilegiado, eles não perceberão que todos eles fazem parte do 99% que é explorado
pelo 1%, pelo topo da pirâmide. O 1% que agora é visto, por seu financiamento, sua
suposta generosidade e modernidade, como promotor de um mundo melhor por
defender a diversidade. O Luciano Huck que faz discurso contra o machismo, que
patrocina site lacrador em nome das minorias passa a ser visto como alguém melhor que
o Seu João da esquina, peão, trabalhador, embrutecido pela vida e que manda a, b ou c
tomar naquele lugar (o que seria homofóbico). Huck vira aliado e João, trabalhador,
inimigo.

Reconheçamos: é um golpe de mestre.

A esquerda identitária e a satanização da


maioria

1. Wilson Gomes disse:


9 de novembro de 2018

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7.5K

(Arte Andreia Freire/ Revista CULT)

Eu não sou um homem hétero, cis, branco e cristão. Mas se fosse um deles, muito
dificilmente votaria em um partido desses da esquerda identitária. Cada pessoa vota,
principalmente em eleições majoritárias, calculando perdas e ganhos. Todo mundo
precisa de um torrão de açúcar para se dar ao trabalho e à agonia de participar de
eleições. Mas para quem é homem hétero, cis, branco e cristão, a esquerda identitária
oferece apenas uma culpa e um conjunto de dívidas e obrigações daí decorrentes. Ora,
ninguém gosta de se sentir culpado nem de assumir responsabilidade por pecados,
principalmente quando julga que não os cometeu. Nem gosta de ouvir o tempo todo
que tudo em sua vida é resultado de privilégios, principalmente quando olha em volta e
vê que tem menos do que mereceria ter. Ou nem se considera propriamente uma pessoa
desprovida de méritos, esforços e sacrifícios, que não tenha que matar um leão por dia,
que não tenha tido que enfrentar desvantagens e dificuldades. Mas a esquerda identitária
basicamente diz para esse sujeito que sua vida se resume a privilégios, que ele é parte da
injustiça social e que tem que se acostumar a perder para que os outros possam, enfim,
ganhar alguma coisa.

O bolsonarismo faz parte de uma onda mundial de guinada à direita conservadora, que
tem um dos seus fundamentos na chamada guerra cultural. Trata-se, dentre outras
coisas, de uma reação (e de um reacionarismo) aos avanços liberais em pautas
relacionadas a minorias e a controvérsias morais. Mas é também um movimento
importante no jogo na política identitária.
A luta identitária

Política identitária (identity politics), para quem não sabe, é uma forma de politização
das contraposições entre determinados grupos sociais cujos membros reconhecem que o
seu pertencimento é compelido por aspectos da sua identidade. Exemplos de tais
identificações são grupos de referência – ou “comunidades”, como dizem os americanos
–, como aqueles baseados em cor, sexo, orientação sexual, etnia, em deficiências,
dialetos, origem geográfica, identidade de gênero etc. O mundo da luta identitária acaba
se tornando um conjunto de peças que nunca formam um mosaico, porque há
superposições e há colisões, em que cada pauta identitária tende a se fragmentar em um
processo infinito, uma vez que constantemente aparece uma nova microidentidade se
desgarrando do núcleo a que se vinculava e reivindicando o direito à
autorrepresentação. Estabelecido o princípio de que só a autorrepresentação é a
autêntica representação e estabelecida uma ética de convivência que se move pela
inclusão de qualquer reivindicação de identidade, o resultado é uma fragmentação
infinita assumida como destino.

Uma forte vertente da política baseada em identidades é aquela que estabelece que os
grupos identitários são oprimidos e que o caminho para a justiça passa pela remoção da
opressão. Antes, a identificação do tipo de opressão a que cada comunidade está
submetida é o princípio de corte identitário: quem sofre da mesma opressão, se
identifica uns com os outros sob aquele aspecto. Depois, no interior do recorte feito, vão
se identificando sucessivos estratos de opressão, a que parte dos membros da
comunidade estão submetidos e outra parte não, que fornecem sucessivos pontos de
corte, identidade dentro das identidades, até que não se tenha mais nada para cortar.
“Átomo”, em grego, significa literalmente o que não pode mais ser cortado ou
recortado. Individuum, em latim, é o que não pode mais ser dividido. A atomização é
para onde se dirige a lógica dos cortes e recortes que perpassam a política identitária.

Os problemas começam quando inevitavelmente grupos identitário muito coesos e


muito engajados na luta contra a opressão estrutural começam a satanizar categorias de
opressores. E é aí que o tal homem hétero, cis, branco etc. aparece na equação como o
demônio em comum em quase todos os grupos oprimidos. A palavra-chave aqui é
privilégio. O mundo identitário vive da identificação de opressões e de privilégios. O
homem, hétero, cis, branco é a quintessência da reunião de privilégios, mas a cada um
desses adjetivos correspondem privilégios específicos de que participam mesmo pessoas
que não os possuam todos de vez. Assim, homossexuais, cis e ricos vivem em um
bolsão de privilégio, como mulheres brancas, educadas e cristãs vivem em outro bolsão
de privilégio, embora nenhuma dessas subcategorias tenha direto ao máximo privilégio
das cinco estrelas. Incumbe, então, a cada pessoa admitir os privilégios da sua categoria
e da sua subcategoria e a cada um desses privilégios reconhecido ver reduzir, na mesma
proporção, os seus direitos de representar alguma categoria e ver aumentar os limites da
sua autorização identitária para falar em nome dos outros – o tal “lugar de fala”.

O passo seguinte é o processo que atribui a todos os membros do grupo de referência


oprimido os dividendos da superioridade moral da sua posição, enquanto cobra de todos
os indivíduos da categoria oficialmente opressora o pagamento das dívidas que é dos
opressores. Assim todo homem de algum modo pode ser convocado a responder pelo
machismo, independentemente da sua responsabilidade individual e compartilhamento
das ideias machistas. Ou todo branco poderá ser responsabilizado pelo racismo,
independente das suas posições pessoais sobre a matéria. E a coisa pode chegar a tal
ponto, na retórica e na prática, que frequentemente já nem se sabe ao certo se o inimigo
a ser derrotado é o machismo, o racismo, a homofobia ou o homem, branco,
heterossexual e cisgênero.

Pautas identitárias e política eleitoral

Enquanto as lutas identitárias se processam em âmbitos que compartilham os seus


pressupostos, como os ambientes acadêmicos ou o campo da cultura, sobretudo aqueles
dominados por valores de esquerda, a posição prospera e gera avanços consideráveis na
luta por direitos e por estima social. É possível gerar empatia social para além dos
afetados pelas e implicados na luta identitária. É possível, inclusive, haver ganhos na
transferência de, pelo menos, parte da pauta identitária para outros domínios sociais,
como o âmbito jurídico ou a esfera pública. Mas quando as lutas identitárias se
apresentam para públicos que não compartilham os seus exigentes pressupostos ou não
aceitam as consequências implicadas nas suas premissas, é difícil imaginar que possam
prosperar.

A esquerda identitária precisa decidir o que disputa no campo político, se quer ganhar
eleições ou se quer simplesmente vencer o campeonato de superioridade moral.
Superioridade moral é importante, mas ter razão não é superior a ter votos se o
propósito é ganhar disputas eleitorais. De fato, a democracia tem em seu cerne este
inconveniente: para governar você precisa ter a maioria do seu lado. Um lado não
precisa necessariamente ser melhor que o outro, mas precisa ser maior. E o seu lado não
se torna maior apenas porque você acredita ter superioridade moral. A esquerda tem
grande dificuldade de entender isso e trata a disputa eleitoral como se fosse uma
extensão das tretas e disputas que ambientes acadêmicos dominantemente de esquerda
mantêm, em moto contínuo, no seu interior. Com isso, fala cada vez mais para si mesma
e cada vez menos com os que estão fora dos muros de autocomplacência e de extrema
afinidade em que se refugia.

Estes dois movimentos em falso (a satanização dos opressores e imposição, aos


indivíduos singulares, das obrigações de pagar por opressões históricas das categorias a
que pertencem) podem ser politicamente fatais. A prova disso são os sucessivos êxitos
eleitorais recentes dos ultraconservadores, quando resolvem se promover como um
discurso de emancipação daqueles que foram satanizados pelos seus adversários da
esquerda liberal identitária. Como tal paradoxo é possível?

A questão é que heterossexuais, cis, brancos e cristãos são numerosos. Principalmente


quando o discurso “aceite a culpa, admita os seus privilégios, pague o preço” pode ser
mal recebido por pessoas que não se identifiquem integralmente com todas as cinco
características, mas que, digamos, caia na malha fina de três ou quatro delas. A começar
por mulheres heterossexuais, cis, brancas e cristãs ou homens, cis, não brancos e
cristãos. À medida que o jogo das culpas e responsabilizações identitárias se estende, o
universo vai ficando repleto de adversários. E mesmo quem não se sentia adversário,
será lembrado disso por algum identitário em seu turno de patrulha da opinião pública.
E assim se forma o paradoxo: como ganhar uma eleição quando a maioria dos eleitores
precisa assumir-se culpado e privilegiado para começo de conversa?
Numa dessas entrevistas ao vivo neste ciclo eleitoral, indagado sobre políticas de
compensações para negros em função do passado escravocrata do país, Bolsonaro
reagiu prontamente: “Eu nunca escravizei ninguém”. A multidão de eleitores de
Bolsonaro vibrou em uníssono pelos grupos de WhatsApp Brasil afora. “Que horror”,
disse a esquerda identitária, “essa gente fascista saiu do armário”. Na verdade, ali se
registrava pela enésima vez o fato de que não existe qualquer torrão de açúcar para este
público no discurso identitário quando ele se torna discurso eleitoral. A esquerda
identitária diz para a maioria numérica da sociedade que ela tem que arrastar correntes
para sempre, para purgar por privilégios que ela não reconhece, expiando
incessantemente uma culpa histórica que jamais poderá cessar. Estrategicamente a
direita conservadora aparece no cenário para oferecer à maioria, paradoxalmente, uma
oportunidade emancipatória: “Você não escravizou ninguém, a culpa não é sua, não
abra mão dos seus direitos para pagar uma dívida que você, singularmente, não
contraiu”.

Satanizações

No campo político, a satanização do outro é um dos expedientes de comunicação


estratégica mais eficazes. O bolsonarismo precisava de um inimigo a ser satanizado para
construir a sua própria identidade, do mesmo modo como a esquerda identitária
precisou do homem heterossexual, cis, branco e cristão para construir o seu próprio
espantalho. O bolsonarismo fuçou no imaginário político popular e achou “o
comunista”. Revolveu estratos mais recentes dos sedimentos do imaginário e achou a
esquerda identitária. Retirou daí a dimensão belicosa do “todo homem é um
estuprador”, o antirracismo em sua forma “quem é branco me deve”, descobriu a turma
da opção preferencial pelos pobres na forma “a elite branca não tem direitos ou valor”,
etc. É desse barro que se esculpe “o esquerdista” como espantalho. Que, amalgamado
com “o comunista”, “o defensor de direitos humanos que diz que a culpa do homicídio é
da vítima e do sistema e não do assassino”, gera o inimigo conveniente para ser
satanizado.

O que o bolsonarismo vendeu foi a ideia de que se você é cis, branco e hétero, a
esquerda/os comunistas/os direitos humanos/os petistas lhe farão arrastar correntes para
sempre, farão políticas públicas para transferir seus direitos para as suas minorias
preferidas, não reconhecerão seus méritos e valores e ainda destruirão a sua imagem. A
satanização consiste justamente nisto: em demonstrar que o outro deve ser temido,
odiado e, quando surgir a oportunidade, exorcizado. Ambos os lados, o bolsonarismo ou
a esquerda identitária, satanizam o seu inimigo predileto. Mas neste momento, no
Brasil, o bolsonarismo foi mais eficiente em converter a satanização em voto. E em
produzir uma “metassatanização”: a satanização da satanização das pessoas brancas, cis,
hétero, cristãs.

Lutas identitárias fazem definitivamente


parte do horizonte político do século 21.
Há boas razões históricas e sociais para
que elas existam. Mas toda luta se
compõe de tentativas e erros, táticas e
estratégicas que se provam eficientes e
outras que não levam a lugar algum. Já
há muita bibliografia sobre as
consequências, para a fragmentação da
esquerda, das pautas identitárias. Ou
sobre o quão contraproducente para tais
pautas é a dispensa da empatia social,
trocada pela imposição do dogma da
autorrepresentação, a famigerada “treta
do lugar de fala”. Gostaria de incluir
dentre essas táticas destinadas ao
fracasso, como lição que se pode
depreender do sucesso eleitoral da onda
ultraconservadora que prospera no
mundo, a satanização da maioria. Afinal,
ao fim e ao cabo, a democracia liberal é
um governo de maiorias. Pisar nos pés da
maioria e ainda pretender vencer eleições
não parece, portanto, uma ideia
promissora. Ainda mais se, no fim das
contas, a satanização do outro, além de
taticamente ineficaz, não me parece
nenhuma dimensão essencial,
moralmente superior ou
democraticamente justificável da luta
por direitos, estima social, igualdade e
respeito.

A pauta identitária e a divisão da


esquerda, por Vitor Fernandes
Por

VITOR SOUZA

06/07/2018

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Ilustração Medium
A pauta identitária e a divisão da esquerda, por Vitor Fernandes

Recentemente, em uma aula, após passar o documentário “The mask you live in” que
discute os papeis de gênero, mais precisamente como a cultura do machismo afeta os
homens também, um aluno reclama: “professor eu queria assistir um documentário de
direita também”. O aluno, que se identifica como direitista, pressupunha que o
documentário era “esquerdista”.

Em outra aula, essa de política, quando perguntei o posicionamento político dos alunos,
o que majoritariamente foi apresentado como identificação política eram os
posicionamentos frente às questões da “pauta polêmica” ou da “pauta identitária”:
casamento lgbt, feminismo, legalização da maconha, “bandido bom é bandido morto”,
cotas para negros em universidades, etc.

Esses exemplos, associados a vários outros, deixam claro, a meu ver, que a pauta
identitária (a pauta polêmica de modo geral) têm se sobreposto de longe às pautas
típicas da esquerda, ou seja, a pauta classista, focado nas questões econômicas, de
promoção de uma revolução socialista (cada vez mais fraca) ou de políticas de redução
das desigualdades sociais.

É só ir a uma manifestação política da esquerda que veremos a enorme força da pauta


identitária e como os “novos” movimentos sociais (movimento feminista, negro, lgbt,
etc.) têm muito mais força que os movimentos classistas. Isso é visível nas camisas dos
manifestantes, na quantidade destes e principalmente nos seus discursos.

Têm se tornado cada vez mais comum os discursos começarem apresentado a


“identidade” do falante. Ex.: “eu, mulher, negra, periférica, lésbica…”, “Eu, homem,
lgbt…” ou “Eu, mulher, negra, favelada, socialista”, etc. Achei especialmente
interessante essa última apresentação quando ouvi, pois o “socialista” foi apresentado
por último e me fez pensar: por quê? Agora é claro para mim que não é por acaso a
“identidade” classista ter ficado por último. É que ela é menos importante de fato em
parte significativa dos “novos” movimentos sociais.

Leia também: Manchas de petróleo: encobrindo o crime ambiental, por Gustavo Gollo

Lembro de o Mauro Iasi, grande intelectual marxista brasileiro, ex-candidato a


presidente pelo PCB, ser acusado de racista por integrantes do movimento negro em
uma palestra e que esses mesmos integrantes desse movimento disseram que “preferiam
mais Obamas que Che Guevaras na América”. Isso deixa claro o quanto a pauta “racial”
ou “racialista” é mais importante que a pauta classista para esse movimento.

Em outra situação um coletivo Ana Montenegro, um coletivo feminista-marxista, tentou


levar para a marcha das vadias (um importante ato do movimento feminista) no Rio de
janeiro, uma faixa, com claro teor marxista dizendo: “gênero nos une, classe nos divide”
(ou algo do tipo) e foi impedida pela liderança do movimento.
Em outra situação, um chargista (que foi meu aluno rs) Vini Oliveira fez uma charge em
que criticava a cantora Beyoncé por explorar o trabalho de costureiras asiáticas que
ganhavam um salário miserável para a sua grife famosa. Sua página foi atacada por
membros do movimento negro e do movimento negro-feminista, que fizeram diversas
denúncias ao facebook, e fizeram sua página sair do ar. O chargista foi acusado de
racista, machista, etc.

Eu, quando escrevi o texto que viralizou no fim de 2016, “professor, o senhor é gay?”,
em que relatava uma aula sobre gênero e sexualidade, fui acusado por várias pessoas de
estar querendo tomar à frente na fala, pois sou um homem branco, hétero que estava
falando sobre gênero e sexualidade e esse não era o meu “local de fala”.

O fortalecimento dos discursos identitários pode ser visto nos discursos e posts sobre a
morte da vereadora Mariele Franco (PSOL/RJ), o que predominou foi o discurso que ela
foi morta por ser mulher, negra e lésbica, o que considero no mínimo um enorme
exagero e um erro de análise e apaga o seu importante trabalho como vereadora que
investigava a ocupação militar e denunciava a violência policial em áreas pobres.

Outro exemplo é o mapa de votos do deputado federal Jean Wylys, que é fortemente
concentrado em áreas ricas da cidade do Rio de Janeiro, especialmente a zona sul.
Embora o Jean seja do PSOL, um partido de esquerda, o seu eleitor, é o do movimento
LGBT, contendo muitos com posicionamentos políticos à direita, que pressionam cada
vez mais o Jean pela troca de partido.

Esses exemplos que dei acima mostram o quanto a pauta identitária têm suplantado as
pautas classistas na esquerda e a própria esquerda têm usado essa estratégia de focar
parte significativa de seu discurso e de sua ação nessa pauta, que está em voga.

A meu ver, isso mostra o quanto o capitalismo é triunfante em nosso momento histórico
e até parte significativa da esquerda têm se esquecido cada vez mais da pauta classista e
focado na pauta identitária e é um dos muitos fatores que explica o voto da esquerda se
concentrar nas camadas médias e raramente penetrar a classe baixa. Mas esse ponto, eu
desenvolverei em outro artigo, junto com a questão ideológica (no sentido marxista) dos
novos movimentos sociais.

O foco na pauta identitária acaba funcionando como um véu que esconde, de certo
modo, as contradições de classe na sociedade e afasta parte do “cidadão médio”,
geralmente conservador, da esquerda e o entrega de mãos beijadas para a direita
conservadora ou até fascista como Bolsonaro e cia.

Não estou aqui criticando esses “novos” movimentos sociais de modo geral, mas o que
para mim são os seus “excessos”. Esses movimentos são extremamente importantes e
explicitam outras opressões que historicamente a esquerda também negligenciou, e isso
precisa ser corrigido.

No entanto, o clima de acusação, de “caça” ao branco, machista, hétero, de classe


média, onde parte da esquerda parece estar o tempo todo chamando uns aos outros de
“esquerdomacho”, “transfóbico”, “heteronormativo”, fazer “coisa de branco”, etc. não
ajuda em nada… mesmo que eu reconheça a legitimidade dessas pautas.
Enquanto isso, a direita está passando o rodo em todos nós, o golpe vai muito bem,
obrigado, Bolsonaro está com quase 20% de intenções de voto, nossos direitos
trabalhistas e previdenciários históricos estão indo pro ralo, estamos regredindo vinte
anos em 2, etc..

Mas setores da esquerda ou da “esquerda” querem colocar no centro do debate se Anita


cometeu ou não “apropriação cultural” com o seu último corte de cabelo…

Precisamos retomar a questão de classe, pois a direita está passando o “rodo” em nós e
na esquerda fica um chamando o outro de “esquerdomacho”, “transfóbico”,

Ah, claro que serei acusado de ter escrito esse texto por ser homem, hetero, machista,
homofóbico, branco, etc. por ter escrito esse artigo. Afinal, o que importa é a identidade,
no é?

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