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1. O que acontece depois que as mulheres chegam aos cargos políticos?

Crítica da deputada Marta Suplicy ao tratamento dado às parlamentares mulheres destacando a


importância da campanha Mulheres Sem Medo Do Poder e a necessidade de os partidos se
prepararem para o cumprimento das cotas.

2. A falta de preparo da política brasileira para lidar com as mulhere



 Por Marlise Matos, Danusa Marques e Layla Carvalho

A violência política de gênero é apenas uma das várias dificuldades que afligem as mulheres
que conquistam cargos políticos, tal fenômeno carrega em si a reafirmação das raízes
excludentes do campo político em todo o mundo, assumindo-se uma ordem internalizada de
que mulheres em cargos de poder estão “fora de seu lugar”. Reafirma-se, assim, a limitação
da cidadania feminina, buscando expulsar as mulheres do campo político para aniquilar suas
agendas, lutas e, em alguns casos, as próprias mulheres que ousaram seguir uma carreira
política profissional, como no caso do feminicídio político de Marielle Franco, vereadora do
Rio de Janeiro, assassinada em 2018.
Vale ressaltar que a violência política de gênero não é um fenômeno exclusivamente
brasileiro. Os exemplos existem na América Latina e nas democracias “consolidadas”. O
assassinato de Juana Quispe Apaza, em 2012, na Bolívia, criou um marco importante na
legislação boliviana, incapaz, entretanto, de impedir outras agressões a políticas do país,
como Patricia Arce, em 2019. Nos EUA, desde 2018, as deputadas democratas Alexandria
Ocasio Cortez (Nova Iorque), Ilhan Omar (Minnesota), Rashida Tlaib (Michigan) e Ayanna
Pressley (Massachusetts), todas mulheres não-brancas, têm sua rotina de trabalho político
marcada por ataques baseados em gênero e raça, o que mostra que a VPG anda de mãos
dadas com o racismo.
No Brasil, a política é muito violenta. Historicamente, temos pleitos eleitorais conturbados,
com assédio, ameaças, ataques e assassinatos como práticas recorrentes. Mas, para o conjunto
de mulheres, principalmente periféricas, não-brancas, críticas às desigualdades, desafiantes
da norma cisheteropatriarcal e engajadas na luta por justiça social, a realidade da violência
política por razões de gênero é marcante e contumaz (Matos, 2021).
Recentemente, Manuela D’Ávila reportou mais um caso de violência política, desta vez
contra ela e sua filha de cinco anos, que vem sofrendo ameaças de estupro. Em Cachoeira
(BA), a prefeita recém-eleita Eliana de Jesus tem recebido ameaças de morte. O final de 2020
foi marcado por uma violência registrada ao vivo, do deputado estadual Fernando Cury (SP)
importunando sexualmente a deputada Isa Penna no plenário da Alesp.
Ameaças e ataques a vereadoras trans e travestis, principalmente entre as representantes
negras, têm sido uma constante em 2021: depois de ser ameaçada e insultada em plenário
pelo vereador bolsonarista Douglas Gomes e após meses recebendo ameaças anônimas, a
vereadora Benny Briolly (Niterói) teve que deixar o país; a vereadora Duda Salabert (Belo
Horizonte) está recebendo graves ameaças; na mesma semana, a co-vereadora Carolina Iara
(São Paulo) sofreu um atentado a tiros e a vereadora Erika Hilton (SP) foi perseguida dentro
da Câmara Municipal de São Paulo. Para além desses eventos, mulheres representantes
denunciam tentativas sistemáticas de silenciamento em sua atuação parlamentar, como no
caso recente da CPI da covid-19.
Cabe ressaltar que as mulheres sofrem violência política também dentro das estruturas
partidárias. Não apenas adversários políticos, mas colegas de partido muitas vezes agem para
limitar o acesso das mulheres às instâncias internas de poder e organização. Isso pode
acontecer de diferentes maneiras, mas todas têm o mesmo objetivo: limitar a autonomia das
mulheres, atrapalhar sua organização, impedir sua atuação nos espaços de decisão política e
retê-las em posições menos prestigiosas
A violência política contra mulheres ativistas, defensoras de direitos humanos, jornalistas e
profissionais da política também tem expressão importante na política brasileira atual: a
mobilização da VPG como estratégia de carreira política. São muitos os casos de uso
planejado da VPG para expulsar mulheres e grupos que apresentam expressões político-
sexuais dissidentes, e também como uma ferramenta de promoção de carreiras políticas anti-
igualitárias, como no caso do deputado Daniel Silveira. Para grupos organizados em torno da
intolerância e da disseminação do ódio à(s) diferença(s), essa gramática da violência
transformou-se em ferramenta para alcançar visibilidade e posições de poder, quando não
estratégia para a sobrevivência política. Assim, presenciamos a estratégia reiterada de se
reservar, na prática, a cidadania para homens brancos proprietários, orientados pela norma
cisheteropatriarcal. O projeto neoconservador em curso não tolera a disputa democrática e
busca aniquilar tudo o que o confronta, incluindo mulheres críticas na política. Sigamos
atentas e fortes.
 A falta de preparo da política brasileira para lidar com as mulheres

Além dos casos de violência política, alguns casos nos mostram como a política brasileira
não está preparada para lidar com as mulheres que exercem dupla jornada, um exemplo atual
e forte foi o da deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que deu à luz ao seu primeiro
filho em junho, precisou enviar à Mesa Diretora da Casa um requerimento para que passem a
sinalizar nos painéis do plenário quando uma parlamentar está de licença-maternidade. Na
última terça-feira (10), quando aconteceu a votação da PEC que propunha o voto impresso,
seu nome apareceu como ausente.
MARIE CLAIRE Você enviou à Mesa Diretora da Câmara um requerimento para que a Casa
passe a sinalizar nos painéis de votações no plenário e nas comissões quando uma
parlamentar estiver de licença-maternidade. Qual a importância dessa mudança?
SÂMIA BOMFIM A licença maternidade na Câmara é uma luta antiga. A primeira
parlamentar a conseguir exercer esse direito foi a Jandira Feghali, no início da década de
1990. Haviam sugerido a ela entrar de licença médica, e por motivos óbvios ela se negou,
justamente pela importância de se reconhecer a licença-maternidade a uma parlamentar. Se
tem esse tipo de barreira no espaço do Parlamento, o reflexo disso ao restante das mulheres é
muito grande, é o não reconhecimento generalizado e um recado de que não podem ter seu
exercício profissional assegurado no momento em que também são mães. Esse não foi o
primeiro pedido. Ano passado, junto com toda bancada, fizemos um projeto de lei de
resolução interna que nunca foi adiante, mas que falava desse tema de painel e outros, como a
adaptação dos espaços físicos da Câmara. O banheiro no Senado foi feito muito
recentemente. Ainda precisa avançar muito para compreender a mulher mãe. Nos últimos
anos houve um aumento de presença de mulheres jovens parlamentares, em idade
reprodutiva, e são necessárias adaptações. O pedido que fiz, especificamente, tem a ver com o
tema do painel porque estamos no governo Bolsonaro e eu sou parlamentar de oposição,
combativa, e a partir do momento que aparece como ausente ou falta, isso também tem
significado político, de que não cumpriu com as responsabilidades ou que optou por não
votar, não enfrentar a pauta. Isso é grave num momento de tantos retrocessos. Não
corresponde ao meu perfil. O pedido de licença-maternidade é pela transparência com o
eleitor e porque é uma violência política contra a mulher.

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