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INTRODUÇÃO

A primeira travesti eleita para um cargo político no Brasil foi Kátia Tapety, em 1992,
para a câmara municipal de Colônia do Piauí. Kátia foi eleita, em dois mandatos, como
vereadora, e chegou ao cargo de vice-prefeita da cidade situada no interior do Piauí. Ainda
em 1992, porém no Rio de Janeiro, era fundada no dia 15 de março, a primeira a rede
integrada de apoio à comunidade trans chamada Associação de Travestis e Liberados
(ASTRAL)1, data que é considerada um marco inicial na luta do movimento trans. Trinta
anos depois destes acontecimentos, nas eleições de 2022, pela primeira vez na história duas
candidatas travestis se elegeram para o cargo de deputada federal. Erika Hilton,
representando o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), foi eleita no estado de São Paulo
com mais de 250 mil votos; enquanto Duda Salabert, filiada ao Partido Social Democrático
(PSD), alcançou a vitória em Minas Gerais com mais de 200 mil votos.
Os resultados das últimas disputas eleitorais, demonstram que pessoas trans 2 têm
conquistado poder no ambiente político. Esse fenômeno na política brasileira pode significar
uma resposta da comunidade trans aos elevados índices de violência contra essa parcela da
população. Considerando que uma cadeira na Câmara dos Deputados nunca tinha sido
ocupada por uma travesti, a presença de Erika Hilton e Duda Salabert pode nos oferecer
percepções sobre como esses espaços receberam esses corpos que normalmente são
marginalizados pela sociedade. Contextualizar essas novas representações políticas a fim de
traçar os fatores proporcionam a execução desses mandatos. É importante compreender não
apenas o momento político desse acontecimento, mas também a construção desses corpos que
alcançaram esse espaço de poder. Ambas deputadas eleitas têm projetos de governo que
englobam temas além da luta pelo combate à transfobia, porém nos interessa aqui
compreender como a estrutura patriarcal na qual a sociedade se insere tenta silenciar e
invisibilizar sua existência por causa da sua identidade de gênero.
Duda Salabert Rosa é professora, foi a terceira deputada federal mais votada de Minas
Gerais aos 41 anos. Nascida em Belo Horizonte, é casada com uma mulher cis com quem
possui uma filha. Durante mais de trinta anos, viveu de acordo com o gênero que a
impuseram desde o nascimento. Com dezoito anos de experiência em salas de aula, Duda é
também uma das fundadoras da ONG Transvest, projeto artístico-pedagógico dedica-se a
combater a transfobia e promover a inclusão de travestis e transexuais na sociedade. Sua
1 A Associação de Travestis e Liberados (ASTRAL) foi o ponto inicial de uma articulação de movimentos
sociais que sobrevive até os dias atuais através da Associação Nacional de Travestis e Transexuais.
2 Opto aqui por utilizar “pessoa trans” , como um termo guarda-chuva que inclui todas pessoas que não são
cisgêneras como homens transexuais, mulheres transexuais e travestis.
estreia em eleições aconteceu em 2018, quando disputou uma vaga para o Senado Federal, se
tornando a primeira pessoa transgênero a pleitear o cargo. Apesar de ser a oitava candidata
mais votada, Salabert não conseguiu se eleger pelo sistema proporcional de votos. Dois anos
depois, foi eleita vereadora mais votada para a Câmara Municipal de Belo Horizonte, que até
então nunca havia tido a presença de uma pessoa não cisgênera. Antes de terminar o
mandato, Duda foi eleita deputada federal, assumindo com Erika Hilton um pioneiro mandato
trans na Câmara Legislativa.
Erika Santos Silva, conhecida como Erika Hilton, foi eleita aos trinta anos de idade
para o cargo de deputada federal. Nascida em Franco da Rocha, cresceu na periferia de
Francisco Morato, ambas na região metropolitana de São Paulo. Em 2016, foi convidada a se
filiar ao PSOL para concorrer ao cargo de vereadora do município de Itu, no interior do
estado, após denunciar um caso de transfobia por uma empresa de transportes. Integrante da
candidatura coletiva eleita em 2018, chamada Bancada Ativista (PSOL), teve a oportunidade
de ter sua voz sendo ouvida pela primeira vez no espaço político. Em 2020 foi eleita
vereadora da cidade de São Paulo, com mais de cinquenta mil votos, sendo a candidata mais
votada da Câmara Municipal do município. A população de São Paulo também elegeu um
homem trans, Thammy Miranda do Partido Liberal (PL), que junto com Erica inaugurou a
participação de pessoas transexuais na casa legislativa do município.
O pioneirismo na participação do debate público através de mandatos políticos, é um
ponto em comum no percurso político das federais eleitas em 2022. Porém, suas vivências
como pessoa trans se diferem em alguns aspectos e podem mostrar como a transfobia age
para oprimir esses corpos de maneiras distintas. Enquanto Duda sofreu com a pressão de
viver com seu corpo aprisionado em um gênero que lhe foi imposto durante boa parte da sua
vida, Erika, por outro lado, teve a infância marcada pela violência e o abandono pelo fato de
ser travesti. Considerando o contexto da transfobia, é possível levantar a hipótese que Duda
Salabert, por ser compreendido pela sociedade como um homem cisgêreno e possivelmente
heterossexual durante sua construção pessoal, pode ter viabilizado mais oportunidades à ela,
como o seu acesso à educação e a possibilidade de contruir uma carreira profissional. Esse
diferencial coloca Duda como uma exceção em relação à experiência vivenciada por outras
travestis.
Erika Hilton, no entanto, emerge como uma sobrevivente do contexto de hostilidade
social enfrentado pela maioria das travestis no Brasil. Criada em um núcleo familiar pobre,
corrompido pelo cristianismo neopentecostal, desde a infância Erica conviveu com a
marginalização de seu corpo. Na adolescência, foi expulsa do lar e encontrou na prostituição
um meio de sobrevivência. Após seis anos vivendo da exploração do seu corpo, foi resgatada
pela mãe que parou de seguir orientações fundamentalistas e a apoiou nos estudos. Esse
arrependimento da mãe de Erika e o posterior acolhimento, proporcionou à deputada as
oportunidades que podem ter lhe garantido a conquista do seu poder político. A vivência de
Erika Hilton, nos faz refletir sobre como a marginalização dos corpos de travestis e
transexuais são fruto da rejeição de uma sociedade que lhes retiraram as oportunidades,
justamente para impedir suas existências. A forma com que essa violência tem sido
vivenciada pelas parlamentares, pode nos revelar as reações geradas pela transfobia enraizada
na sociedade brasileira. Com esse olhar, é possível identificar se a transfobia se constitui de
maneira específica em mulheres transexuais com vivências diferentes. Duda Salabert e Erika
Hilton, são constantemente vítimas de ameaças nas redes sociais de um grupo de pessoas que
vêm atuando para impossibilitar uma sociedade mais justa e acolhedora para pessoas trans. A
partir disso, nos cabe questionar como essas violências ocorrem, procurando compreender o
que motiva esses ataques.
Com isso, a presença de pessoas travestis liderando mandatos na Câmara Legislativa
do país, pode nos gerar materiais de análise que nos permitirão observar os múltiplos efeitos
causados pela quebra do ineditismo dessa representação política no Brasil podem gerar. O
primeiro ano de mandato de Erika e Duda na Câmara dos Deputados, gerou recorrentes
embates no plenário, gerado por uma parte dos deputados que não aceitam a ascensão de
grupos oprimidos em espaços de poder. Alguns parlamentares da extrema direita utilizam o
espaço público para proferir ofensas e desrespeitar as deputadas trans. Os discursos de
contestação a esses ataques, são empoderadores e denunciam as violências sofridas pela
população travesti e transexual. Considerando que o espaço digital tem se tornado um
amplificador dessas discussões, é possível questionarmos se essa pauta é levantada pela
extrema direita para mobilizar sua base eleitoral e como as deputadas trans também podem
utilizar desse palanque para promover justiça social. Analisar como esses discursos são
recebidos pelos seus eleitores nos meios digitais, podem apresentar pontos de investigação
interessantes para pesquisa.

TRANS NA POLÍTICA

No mesmo pleito, em que Erika Hilton e Duda Salabert alcançaram o cargo mais alto
alcançado por uma travesti na história do Brasil, outras duas mulheres transexuais foram
eleitas para o cargo de deputadas estaduais: Dani Balbi, do Rio de Janeiro, angariou mais de
55 mil votos; e Linda Brasil, representante de Sergipe, obteve mais de 28 mil votos, ambas
são as primeiras pessoas travestis ou transsexuais a ocuparem cadeiras nas Assembléias
Legislativas dos seus estados. Antes delas, nas eleições de 2018, em São Paulo, Erica
Malunguinho conqusitou mais de 54 mil votos e se tornou a primeira pessoa transsexual a
ocupar o cargo de deputada estadual no Brasil. Esses avanços podem ser resultado das
décadas de luta dos movimentos sociais.
Segundo os dados levantados pelo “Dossiê: assassinatos e violências contra travestis e
transexuais brasileiras em 2022”, as pessoas travestis e transexuais enfrentam os mais altos
índices de violência e violações de direitos humanos. Essa violência, de acordo com
Benevides (2023),é decorrente da quebra do paradigma sexo-gênero e da resistência à lógica
binária enraizada na sociedade atual. O dossiê é publicado anualmente pela Associação
Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), uma instituição que busca oferecer suporte à
comunidade trans. Além de desempenhar um papel fundamental ao monitorar as violências
enfrentadas por pessoas transgêneras e travestis, a ANTRA também busca iniciativas
direcionadas para a melhoria da qualidade de vida dessa população. Desde 2014, a associação
realiza um levantamento de dados sobre as candidaturas de pessoas trans no Brasil. Nas
pesquisas sobre as candidaturas trans, a Antra constatou que há uma crescente na participação
de travestis e pessoas transgêneras nas disputas eleitorais. Entre as eleições de 2018 e 2022,
houve um aumento de 54% de candidaturas de pessoas transexuais e travestis. Apesar disso,
os dados revelados no Dossiê de 2022, revelam que, “não houve qualquer mudança
significativa em relação a violência e a subalternização social que pessoas trans ocupam”.
(BENEVIDES, 2023, p.10).
Os dados referentes às candidaturas, compilados pela ANTRA ao longo dos últimos
cinco anos (2014, 2016, 2018, 2020 e 2022), são importantes para observar as
transformações do cenário representativo na política brasileira, tendo em vista o aumento da
presença trans nesses espaços. No âmbito das eleições municipais, é possível observar que
nenhuma travesti ou pessoa transexual foi eleita para o poder executivo. Porém, no Poder
Legislativo percebemos um crescimento significativo de candidaturas trans vitoriosas. Em
2016 foram eleitas oito travestis vereadoras no Brasil, em 2020, esse número aumentou para
trinta, incluindo travestis e pessoas transexuais. Esse avanço representa um aumento de 275%
no número de candidaturas de pessoas transexuais e travestis bem-sucedidas durante esse
período. Ainda no pleito de 2020, dois homens transexuais foram eleitos vereadores, fato até
então não registrado pelo levantamento. Outro dado interessante que a pesquisa revela, é em
relação ao espectro político partidário. Dentre oito candidatas trans eleitas em 2016, nenhuma
era filiada a partidos de esquerda e sua maioria era ligada à partidos de direita. Já em 2020,
53% das pessoas trans eleitas para vereadoras eram de esquerda. Essa mobilização é
relevante, pois demonstra que a comunidade trans está a cada eleição mais alinhada
ideologicamente com os movimentos sociais de luta contra a transfobia.
Tendo em vista essas vitórias no pleito eleitoral das últimas eleições, o Brasil
vivenciou pela primeira vez a presença de corpos travestis ocupando cadeiras em
Assembléias Legislativas na Câmara dos Deputados. Observar as reações provocadas no
primeiro ano de mandato das deputadas travestis, pode nos revelar como a transfobia e a
subalternização de corpos transgêrenos atuam nos espaços de poder. Além disso, essa
perspectiva nos possibilita compreender como esses mandatos podem comprovar que a
inserção desses corpos, podem representar a resistência da comunidade. As candidaturas
coletivas têm se mostrado um meio eficiente de inserir as pessoas travestis e transexuais em
mandatos políticos. Erika Hilton integrou a candidatura coletiva da Bancada Ativista, que foi
eleita e se juntou à Malunguinho na Assembléia Legislativa de São Paulo. No mesmo pleito,
em Pernambuco, Robeyoncé Lima foi eleita pela chapa Juntas (PSOL), tendo voz na
Assembleia Legislativa de Pernambuco. Apesar de ainda pequena, a presença desses corpos
nos espaços de poder pode ser entendida como um avanço significativo no combate à
transfobia.
Entretanto, ao mesmo tempo em que observamos essa evolução, o país vivencia uma
onda de retrocesso. No pleito de 2018, ainda foram eleitos também, representantes de uma
ideologia conservadora e violenta, que tem expressado ódio à comunidade LGBTQ+. No
mesmo ano em que Érica Malunguinho, Robeyoncé Lima e Erika Hilton conquistaram seus
espaços na Assembleias Legislativas, um representante dessa ideologia reacionária, Jair
Bolsonaro, do Partido Liberal (PL), foi eleito presidente da República. Na cadeira mais
importante do país, Bolsonaro provocou um retrocesso social no Brasil, por meio de decretos
executivos, medidas provisórias e projetos de lei, ou pela retórica governamental que
estimula o recuo da proteção desses direitos no país (MARTINS, p. 31, 2020). Ainda em
2018, a vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco (PSOL), foi executada por milicianos
ligados à extrema direita. A vereadora era uma mulher negra e lésbica, portanto tem o
percurso político muito parecido com o das mulheres trans, liderando mandatos que
representam grupos marginalizados da sociedade.
Em uma sociedade em que a violência contra a população travesti e transexual é
sistêmica e estrutural, ocupar posição de destaque é desafiador e arriscado. Em maio de 2022,
o jornal Folha de São Paulo, publicou uma série de reportagens sobre os mandatos de
travestis e transexuais. O levantamento, realizado com 24 parlamentares travestis e
transexuais eleitos em 2020, constatou que 17 relataram que já sofreram algum tipo de
ataque como ameaças de morte, xingamentos transfóbicos, uso proposital do gênero
masculino com mulheres trans, boicote a projetos e perseguição política (RODRIGUES;
SANTOS, Folha de São Paulo, 2023). Ao observar o contexto social em que as candidatas
trans foram eleitas, é possível observar que esses mandatos podem ser considerados símbolos
de resistência da comunidade trans. Seriam essas candidaturas uma resposta a uma tentativa
de retrocesso social?
A mobilização política da comunidade LGBT pode ser resultado do fenômeno da
polarização ideológica existente atualmente no Brasil. Sem dúvidas, a vitória de travestis e
transexuais nos pleitos eleitorais simboliza avanços sociais, visto que, elas são representantes
de um grupos marginalizados. O contexto social às inserem em uma posição de resistência
dessa população considerando o aumento das opressões e violências sofridas por ela,
sobretudo por transexuais. Mesmo após décadas de mobilização social, apenas nesse
momento as pessoas transexuais conquistaram cargos relevantes na política. Com a
polarização que vem sendo evidenciada nos resultados das últimas eleições, é recorrente os
embates na Câmara Legislativa. Deputados contrários à existência de pessoas travestis e
transexuais ocupando esses espaços de poder, buscam impedir suas atuações, tornando o
plenário legislativo um ambiente ainda mais hostil para corpos não cisgenero. Esses embates
são muitas vezes repercutidos nas internet.
Os dados sobre as candidaturas trans sugerem, não apenas uma mudança no cenário
político, mas também, uma transformação significativa no âmbito social, uma vez que através
dos mandatos políticos a mobilização é mais efetiva. Compreender os fatores que podem ter
contribuído para essa transformação pode ser útil para aprimorar os métodos que tornaram
esses mandatos precursores possíveis. Observando os últimos pleitos, nota-se que algumas
mudanças nos processos eleitorais, como a exibição do nome social na urna eletrônica, em
2020. Essa novidade pode ser considerada um fator relevante no aumento da participação de
travestis e transexuais no pleito. Apesar desses avanços no pleito eleitoral, a população trans
ainda sofre com a marginalização e a falta de representatividade em outros ambientes, como
por exemplo no Poder Judiciário, onde a presença de travestis e transexuais ocupando cargos
de poder é quase inexistente.

DISCURSO ERIKA HILTON 27.09.23


envelhecimento trans, textos email fellipe

Com a eleição de Erika Hilton e Duda Salabert para deputadas federais em 2022
é possível identificar as reações provocadas por esses corpos. como,
O poder político em mãos…
os principais desafios e investigar
Com isso, investigar os efeitos dessa participação pode ser proveitoso, uma vez que o
vanguardismo desse acontecimento pode levantar questões inéditas. caracterizando os pontos
mais fortes e os obstáculos enfrentados nessas candidaturas
resistencia
Com mandatos de deputadas federais, Erika Hilton e Duda Salabert, são até então, as
travestis que ocuparam o cargo mais alto ocupado por uma travesti no Brasil, tem autoria de
xx projetos de lei.

de pesar de

No campo da comunicação,
Observar os efeitos acerca desses,
como está o desenvolvimento dessa representatividade trans.

O caráter vanguardista que esses mandatos representam, um fenômeno interessante


para ser pesquisado, uma vez que o pioneirismo . desses mandatos, geram novas perspectivas
de

O pioneirismo na participação trans na política inserção de pessoas trans na


política, nos levanta questionamentos sobre

Vanguarda
quanto

o que mudou? eles tiveram cargos políticos antes ou se inseriram diretamente


na esfera federal?
candidaturas coletivas

população revelados pela ANTRA evidenciam o desafio do enfrentamento à


subalternização dessa população.

Esses dados podem significar uma reação da população trans aos altos índices de
violência vivenciados por essa população.

A ANTRA realiza um levantamento das candidaturas trans no Brasil, desde as


eleições de 2014, buscando mapear

Acessibilidade da população trans à política. como é o processo de emitir título e votar com
nome social?

DUDA SALABERT E ERIKA HILTON PESSOAS DA COMUNIDADE TRANS QUE


CHEGARAM MAIS ALTO

METODOLOGIA

Falta de dados, acreditar nos dados da ANTRA


SUMÁRIO

- Introdução
- Erica e Duda (biografia)
- Corpos trans (referencial teórico)

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