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No Dia Inernacional da Mulher, não me dê “parabéns”: Flores e as

congratulações podem ser substituídas pelo compromisso em se tornar um


aliado real da luta antissexista
Clara Teixeira
No Brasil, o movimento pela equidade entre os gêneros e pela ampliação dos direitos
das mulheres chega com mais força alguns anos depois. Em 1917 acontece a primeira
passeata das sufragistas no Rio de Janeiro. Diferentemente do que aconteceu na
Rússia e nos Estados Unidos, no nosso país as manifestações pelo voto feminino não
foram construídas pela base da sociedade. Uma das principais ativistas da época era
filha de um cientista e de uma enfermeira. Bertha Lutz se formou como bióloga (uma
exceção entre as mulheres brasileiras que, em sua maioria, ainda não estudavam) e
criou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, em 1922.
Foi somente em 1932 que a mulher conquistou o direito ao voto no Brasil, mesmo
assim, com restrições. O Código Eleitoral da época permitia o voto apenas para
mulheres casadas, desde que os maridos autorizassem. As viúvas e solteiras somente
poderiam votar caso tivessem renda própria. Em 1945 as principais restrições para o
voto feminino foram retiradas e ele passou a ser obrigatório para (quase) todos os
cidadãos, independente do gênero.
Enquanto nós mulheres fôssemos privadas de exercer nossos direitos, a nossa
representatividade política seria inviabilizada e nós continuaríamos vivendo em uma
sociedade totalmente organizada pelos interesses masculinos. Mesmo com tantos
avanços, grande parte das mulheres negras continuou de fora do processo
democrático brasileiro. Por não terem tido oportunidade de se alfabetizar, muitas
mulheres negras passaram a votar apenas em 1985, quando foi promulgada a
emenda constitucional que ampliava o direito de voto aos analfabetos brasileiros.
Nessa perspectiva, fica ainda mais claro como o movimento feminista brasileiro não
contemplou a realidade das mulheres negras.
O Dia Internacional da Mulher vem para nos lembrar que todo dia é um dia de luta.
Ainda hoje, não temos uma representatividade proporcional na política. Apesar de as
mulheres serem mais de 50% da população brasileira, ocupamos menos de 15% dos
cargos políticos no país. De acordo com o Mapa Mulheres na Política 2020, o Brasil
ocupa o lugar 140 no ranking de representatividade feminina nas 193 nações
pesquisadas. A sub-representação feminina na política impede que as demandas das
mulheres sejam contempladas na nossa organização social.
Ainda temos muito o que avançar. No Brasil, a violência contra a mulher e os crimes
de feminicídio são cada vez mais frequentes. De acordo com o Anuário Brasileiro de
Segurança Pública (2017) a cada 11 minutos acontece um estupro no nosso país; a
cada uma hora, 503 mulheres são vítimas de agressão; a cada duas horas, uma
mulher é assassinada no Brasil.
No nosso país, violência de gênero tem cor de pele. De acordo com a pesquisa da
doutora em demografia pelo Instituto de Filosofia e Ciência Humanas da Universidade
Estadual de Campinas, Jackeline Aparecida Romio, o feminicídio cresce entre
mulheres negras e indígenas e diminui entre brancas no Brasil.
Outro recorte importante de ser observado é o da sexualidade e da performance de
gênero. Nesse sentido, mulheres lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis correm
maior risco de violência. Infelizmente, não é raro que mulheres lésbicas ou
identificadas desta forma sejam vítimas de “estupros corretivos”. Esse tipo de violência
sexual é cometida com o intuito de controlar e punir as mulheres homoafetivas e assim
“corrigir” a sua orientação sexual.
Enquanto mulheres são vítimas de 67% das agressões físicas no Brasil, para as
mulheres transsexuais e travestis a situação é de ainda mais vulnerabilidade. O nosso
país é o que mais mata travestis e transexuais no mundo e os números não param de
crescer. Segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
(MMDH), o primeiro quadrimestre de 2020 registrou aumento de 49% nos
assassinatos de mulheres transexuais e travestis no Brasil.
Mesmo no cenário privilegiado das mulheres brancas ainda há muita desigualdade se
compararmos os acessos femininos com os espaços de poder do homem branco. De
acordo com a Catho (2017), a diferença salarial entre homens e mulheres pode chegar
a 62% dependendo do cargo. Ainda no contexto das organizações, quanto mais alto é
o cargo, menos mulheres se fazem presentes nas salas de reuniões. De acordo com a
Boston Consulting Group, apenas 19% das mulheres estão em cargos de gestão
sênior, 11% delas são CEO´s de empresa e somente 7% são membros de conselhos
administrativos.
Avançamos sim, porém muito pouco em relação a tudo o que precisamos nos
mobilizar para conquistar. Não queremos direitos apenas para algumas mulheres.
Queremos direitos, liberdade, segurança e uma vida digna para todas. É por esses e
por outros motivos, que eu não quero receber “parabéns” nesse Dia Internacional da
Mulher. As flores e as congratulações podem ser substituídas pelo compromisso em
se tornar um aliado real da luta antissexista, incluindo ações práticas no seu cotidiano
pela equidade de gênero.

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