Você está na página 1de 10

Paola Lima e raissa-portela-sob-supervisao

Publicado em 27/5/2022

A conselheira tutelar Tatiana Pires sempre esteve ao lado do


movimento negro e de defesa da mulher. Morando em Natal (RN),
ela decidiu disputar as eleições este ano para defender políticas
públicas em prol da comunidade, reivindicadas pelo coletivo de
mulheres em que atua na cidade. É pré-candidata a uma vaga na
Câmara dos Deputados.

A proteção dos animais é a preocupação da servidora pública


Vanessa Negrini. Com a proposta de uma relação mais harmônica
entre seres humanos e outros animais, ela também quer disputar,
pelo Distrito Federal, uma das vagas de deputada federal.

A técnica de enfermagem Vanda Witoto foi a primeira pessoa no


Amazonas a receber a vacina Coronavac. Ela ficou conhecida
durante a pandemia pela luta contra a covid-19 em sua
comunidade — o Parque das Tribos, em Manaus, onde vivem mais
de 35 etnias indígenas. Nesta eleição, Vanda vai tentar se eleger
deputada federal pelo Amazonas.
Tatiana, Vanessa e Vanda fazem parte de uma minoria: a das
mulheres que participam da vida política no país. De acordo com
o IBGE, mais da metade da população brasileira (51,13%) é
feminina, e elas representam, segundo Tribunal Superior Eleitoral,
53% do eleitorado. No entanto, ocupam hoje menos de 15% dos
cargos eletivos.

Tatiana, Vanessa e Vanda: com atuação política em suas comunidades, elas


querem disputar vagas na Câmara (fotos: Arquivo pessoal)

Desde o início da República, em 1889, o país teve uma única


presidente, Dilma Rousseff, e apenas 16 governadoras mulheres.
Dessas, só oito foram eleitas para o cargo, as demais eram vice-
governadoras que ocuparam o posto com a saída do titular.

As oito eleitas governaram seis estados — Maranhão, Rio Grande


do Norte, Pará, Rio de Janeiro, Roraima e Rio Grande do Sul —,
sendo três delas no Rio Grande do Norte. O estado nordestino,
aliás, é pioneiro em participação feminina na política. Foi o
primeiro, em 1927, a autorizar as mulheres a votarem e serem
votadas. Também foi, em 1928, o primeiro do país a eleger uma
prefeita: Alzira Soriano, na cidade de Lajes.

Apenas com o Código Eleitoral de 1932, há 90 anos, o voto


feminino foi autorizado em todo o Brasil. As brasileiras então
puderam ir às urnas e eleger seus representantes. Entre eles,
elegeu-se uma mulher, Carlota Pereira de Queirós, em São Paulo,
deputada pioneira do Parlamento.

— Ocupamos apenas 15% das cadeiras na Câmara dos


Deputados; no Senado, são 13%. Nas assembleias estaduais, a
mesma situação: apenas 161 mulheres foram eleitas, o que
também representa uma média de 15% do total de postos. Uma
vergonha! Temos de garantir a paridade de gênero no Congresso
Nacional e nas assembleias. A lei que exigiu um mínimo de 30%
de mulheres candidatas nas chapas foi importante, mas não é
suficiente — protesta Vanessa Negrini.
Para mudar essa realidade, é fundamental o estímulo ao
lançamento de mais candidaturas femininas, especialmente de
mulheres negras, indígenas e de identidades LGBTQIA+. Na
avaliação da consultora legislativa do Senado Mila Landin, ajudam
nesse processo medidas como a garantia de recursos financeiros
para o financiamento das campanhas; ações educativas para
combater a desigualdade de gênero; e ações afirmativas, como a
reserva legal de cotas para mulheres em alguns cargos.

Ações afirmativas
A senadora Leila Barros (PDT-DF), procuradora da Mulher no
Senado, também defende a adoção de ações afirmativas para
promover maior participação das mulheres na política, assim
como para combater as distorções históricas que colocaram a
mulher em segundo plano nesta área.
— A mulher tem uma visão mais ampliada da sociedade e é mais
afeita ao diálogo, além de ter maior conhecimento de causa sobre
pautas femininas como aborto, saúde, assédio, maternidade e
igualdade de gênero. Por outro lado, já demonstramos também ter
qualificação semelhante à dos homens para ocupar quaisquer
funções — afirma.

Senadoras Leila Barros e Eliziane Gama: defesa de ações para ampliar a


presença de mulheres na política (fotos: Pedro França/Agência Senado)

Leila e as demais integrantes da Bancada Feminina no Senado


promovem nesta segunda-feira (30), às 14h, o Seminário Mais
Mulheres na Política, no Plenário da Casa. O objetivo do evento é
incentivar e criar condições para que as mulheres usem o voto de
forma ativa, além de estimular o debate sobre a baixa
representatividade das mulheres nos diversos espaços de poder.
O encontro deve ainda rever ações e estratégias para ampliar a
participação feminina na política e assegurar que mais mulheres
sejam eleitas. O seminário contará com a presença de artistas,
jornalistas, empreendedoras, parlamentares e especialistas sobre
o assunto.

A líder da Bancada Feminina, Eliziane Gama (Cidadania-MA),


explica que o seminário busca a equidade de gênero nas esferas
de poder, para que a diferença de pontos de vista enriqueça as
discussões e aperfeiçoe os projetos e políticas públicas. O evento,
aberto ao público, é suprapartidário e conta com as parcerias do
TSE e da Câmara dos Deputados.

— A política precisa e deve ser assunto de mulher. É importante a


escolha de candidatos e candidatas que tenham compromisso
com políticas públicas e propostas para as mulheres e para o
Brasil — diz Eliziane.

Atriz Marieta Severo participa de campanha do Senado por mais


mulheres na política
Evento "Mais Mulheres na Política" terá a participação d

A senadora Maria do Carmo Alves (PP-SE), eleita pela primeira vez


há quase 25 anos, reconhece que historicamente o espaço de
poder foi negado às mulheres. Ela aponta a necessidade de
prepará-las para atuar nesse território.

— Conquistado esse espaço, precisamos fortalecer a liderança


feminina no nascedouro, dentro da comunidade, agregar uma boa
formação política e qualificar essa participação, criando
condições para que a mulher possa atuar plenamente e dar
grandes contribuições à sociedade — defende.

Em 2018, o Banco Mundial divulgou o relatório Perda de


Oportunidades: o elevado custo de não educar as meninas. O
documento constata que garantir às adolescentes o ingresso no
ensino médio resultava em uma gama de benefícios
socioeconômicos para o país, como a quase eliminação do
casamento infantil, a redução em um terço da taxa de fertilidade
em países com alto crescimento populacional e a diminuição da
mortalidade infantil e da desnutrição.

O relatório concluiu que o desenvolvimento de uma nação passa


pela equidade de gênero, ao se investir em políticas de educação
e inclusão produtiva das mulheres.

— A questão é como conquistar essas políticas se não tivermos


mulheres presentes na sua proposição, formulação e decisão.
Como deixar de ser o quarto país do mundo com relação ao
número de casamentos infantis? Como sair da quinta posição
mundial em casos de violência contra a mulher? Uma resposta
parece ser direta: nós, mulheres, temos de participar da política —
endossa a advogada especialista em direito eleitoral Gabriela
Rollemberg, cofundadora do Quero Você Eleita (QVE), movimento
de apoio jurídico a mulheres candidatas por todo o país.

Ativo desde junho de 2020, o QVE é um laboratório de inovação


política, em que uma rede de profissionais trabalha para ampliar a
presença feminina na política, ajudando em suas candidaturas e
mandatos.

Recursos para campanhas


Gabriela Rollemberg relata que o Brasil teve importantes avanços,
como as mulheres terem mais anos de escolaridade que os
homens, viverem mais tempo e serem mais da metade da
população ativa do país.

Para as eleições deste ano, ela dá como exemplo a recente


legislação que passou a obrigar uma destinação do percentual
mínimo dos recursos do fundo eleitoral e do fundo partidário para
as candidaturas femininas e, proporcionalmente, para as
candidaturas de mulheres e homens negros.
A Emenda Constitucional 111, promulgada em setembro de 2021,
determinou a contagem em dobro dos votos dados a mulheres e
pessoas negras no cálculo da distribuição dos recursos dos
fundos partidário e eleitoral nas eleições. A medida vale a partir
deste ano até 2030. O texto traz ainda a mudança do dia da posse
do presidente da República (para 5 de janeiro) e dos governadores
(para 6 de janeiro) e constitucionaliza a fidelidade partidária.

A EC 111 fará diferença para a candidatura de Tatiana Pires, que


conta com acompanhamento do QVE. Mesmo as mulheres negras
sendo o maior grupo demográfico do país (28% da população),
nas eleições municipais de 2020 elas representaram apenas 6%
dos eleitos para prefeitura ou Câmara Municipal.

— Eu me lembro de quando teve o plebiscito sobre monarquia ou


democracia e pessoas apontarem o dedo para mim e falarem:
“Vai ser monarquia, porque vocês têm que voltar a ser escravos”.
Isso eu nunca esqueci. Imagina uma adolescente ouvir coisas
como essas. A representatividade da mulher negra é muito
importante — reforça.

Congresso promulgou em abril a EC 117, tornando constitucional a destinação


de recursos a candidaturas femininas (fotos: Jefferson Rudy/Agência Senado)

Em abril deste ano, outra emenda constitucional foi promulgada


pelo Congresso como ação afirmativa para estimular
candidaturas femininas. A EC 117 incluiu na Constituição a
aplicação de percentuais mínimos de recursos do fundo partidário
nas campanhas de mulheres e em programas voltados à
participação delas na política.

Na prática, passa a ser regra constitucional a destinação de 30%


dos recursos de campanha dos partidos para candidaturas
femininas. E se o partido lançar mais que 30% de candidaturas
femininas, o tempo de rádio e TV e os recursos devem aumentar
na mesma proporção.

— A efetiva inclusão das mulheres é a certeza de que estamos


assegurando paridade igualitária na política brasileira. Muito ainda
deve ser feito e vamos continuar trabalhando nesse caminho —
assegura o senador Carlos Fávaro (PSD-MT), autor da proposta de
emenda à Constituição que deu origem à EC 117.
Relator da matéria no Senado, Nelsinho Trad (PSD-MS) cita a
participação feminina na vida econômica do país como
comprovação da necessidade de incentivos para que participem
também da vida política. Dados do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) revelam que 45% das famílias do
Brasil são sustentadas por mulheres. Elas também representam
48% dos empreendedores do país, de acordo com o Sebrae.

Consultora Mila Landin destaca importância do combate à violência política contra as mulheres (foto: Edilson
Rodrigues/Agência Senado)

Violência política
A consultora Mila Landin destaca outra frente de atuação para
ampliar essa participação feminina no poder público: o combate à
violência política, que atinge as mulheres, em razão do gênero,
com o objetivo de prejudicar ou anular o exercício de seus
direitos.

Ela lembra o assassinato da vereadora Marielle Franco no Rio de


Janeiro, em 2018, como um caso emblemático de violência
política de gênero. Em 2021, foi sancionada a Lei 14.192, que
estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência
política contra a mulher.

— Mas não basta que a lei exista. É necessário que as instituições


funcionem, investiguem os casos de violência e punam os
criminosos. Ainda é comum que políticas mulheres ocupem
posições de pouco destaque. E viram alvo de ataques de
conteúdo machista quando se sobressaem — lamenta a
consultora.

Relatora no Senado do PL 5.613/2020, que foi transformado na


Lei 14.192, a senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB) enfatiza que é
fundamental assegurar condições para que as mulheres que têm
vocação para a política sigam essa carreira.

— Não adianta dizer que é preciso mais mulheres na política e não


oferecer condições, não mostrar caminhos, através dos partidos,
para que isso realmente se concretize. Eu, por exemplo, enfrentei
muitas dificuldades por ser mulher. Fui a primeira senadora eleita
pelo meu estado, a Paraíba, e hoje posso afirmar mais do que
nunca que, sim, precisamos de mais mulheres na política.
Pronunciamento de Daniella Ribeiro no dia da votação do PL
5.613/2020

Daniella Ribeiro: violência política pode afastar mulhere

É preciso ainda a conscientização das eleitoras para que saibam


escolher seus representantes, homens ou mulheres, de acordo
com suas propostas e ideologias. A senadora Soraya Thronicke
(União-MS) considera relevante haver figuras femininas que
sirvam de exemplo e inspiração às outras mulheres e que possam
representá-las verdadeiramente.

Soraya ressalta a atuação das senadoras desta legislatura, que


fortaleceram sua representatividade por meio da Bancada
Feminina, reunindo parlamentares de ideologias políticas diversas,
mas que convergem na luta em defesa da mulher.

Ex-líder da bancada, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) reafirma


que a classe política precisa de maior diversidade para melhor
representar o povo brasileiro.

— Nos envergonha sermos o rodapé da representatividade


feminina em relação ao mundo: sermos apenas 15% no
Legislativo, quando a média mundial é 30%.
Uma crescente participação de mulheres na política possibilita
que as pautas classificadas como “femininas” tenham maior
visibilidade no poder público, sejam consideradas relevantes e
recebam um tratamento adequado. Mila Landin acrescenta que a
presença da mulher na discussão política leva a avanços na
legislação e na formulação de políticas públicas.

Para a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), algumas experiências


só são vividas pelas mulheres, o que acaba influenciando o modo
como elas fazem política, como no caso do enfrentamento ao
machismo e ao racismo. Há também uma sensibilidade maior na
defesa dos direitos relativos à maternidade, ressalta.

— A mulher precisa conquistar seu espaço através do voto, do


trabalho, da sensibilidade e da participação efetiva. Porque a
mulher tem um jeito diferente de ser. Ela é mais humilde, mais
acolhedora, mais exigente com ela mesma — completa a
senadora Nilda Gondim (MDB-PB).

A senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) concorda que o olhar da


mulher é mais carregado de humanidade. Talvez até pela
construção social em que foi delegado às mulheres o papel de
cuidadora, acredita:

— Essas características nos tornam mais aptas a olhar para


vulnerabilidades no país e construir políticas que de fato
impactam positivamente a vida das pessoas que mais precisam.

PARTICIPAÇÃO FEMININA
NO SENADO

  1871  

A PRIMEIRA SENADORA
Herdeira do trono imperial do Brasil, a princesa Isabel teve direito a uma
cadeira no Senado quando completou 25 anos de idade. Senadores da
época se dividiram quanto à legitimidade da questão, e alguns
argumentavam que apenas os príncipes homens teriam esse direito. Não
há registros que ela tenha exercido o cargo, mas Isabel é considerada a
primeira mulher senadora na história do país.

AVANÇAR  

Saiba mais:
Seminário Mais Mulheres na Política –
Evento interativo
Promulgada emenda que garante
recursos para candidaturas femininas
Promulgada emenda constitucional da
reforma eleitoral
Para críticos do voto feminino, mulher
não tinha intelecto e deveria ficar
restrita ao lar
Violência política contra a mulher agora
é crime
Mulheres na política: uma história de
lutas
DataSenado: candidatas são
discriminadas por serem mulheres

Pauta: Paola Lima
Reportagem: Paola Lima e Raíssa Portela (sob supervisão)
Edição: Tatiana Beltrão 
Multimídia: Bernardo Ururahy
Vídeo Marieta Severo: TV Senado
Edição de fotos: Ana Volpe
Infografia: Diego Jimenez e Cláudio Portella
Foto de capa: Jefferson Rudy/Agência Senado

Veja mais Infomatérias

Você também pode gostar