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DESIGUALDADES DE GÊNERO E VIOLAÇÕES DE DIREITOS


HUMANOS: EM TEMPOS DE CRISE A MULHER NEGRA E POBRE É
A PRIMEIRA A SENTIR

Carla Dayane Santiago do Nascimento1


Lidiane Silva de Oliveira2
Maria Tereza de Oliveira3

RESUMO

O presente artigo analisa aspectos acerca da submissão da mulher ao longa da história, a sororidade
feminina e a inserção da mulher no mercado de trabalho no contexto de exclusão social. O objetivo geral
é refletir sobre as desigualdades de gênero no Brasil, a partir das dificuldades de acesso das mulheres a
educação formal e a falta de oportunidade das mesmas no mercado de trabalho. Tem como objetivos
específicos: a) analisar os desafios enfrentados pela mulhere, especialmente as mulheres negras, em uma
sociedade que tem como base das relações sociais o patriarcado, o machismo e o racismo estrutural; b)
identificar as redes sociais que fortalecem os movimentos feministas, a partir da sororidade, e c) refletir
sobre as contribuições do movimento feminista no âmbito do Estado. A metodologia utilizada foi
a pesquisa bibliográfica e de campo, através de um questionário, com perguntas abertas e fechadas,
roteiro de entrevistas semiestruturadas, observação e diário de campo. As entrevistas foram realizadas
com um grupo de treze mulheres que estavam acampadas na lateral do prédio da Governadoria, no
Centro Administrativo do Estado do RN, localizado a Av. Senador Salgado Filho, 1 - Lagoa Nova,
Natal/RN, no dia 5 de junho de 2019, lutando pelos direitos de seus companheiros, que se encontravam
encarcerados nos perídios do RN. O estudo demonstrou que a mulher, negra e mãe solo, apesar de
ocupar um espaço significativo no Brasil, muitas delas acabam se afastando do mercado de trabalho
formal, como também de sua formação acadêmica no âmbito das relações sociais.

Palavras-chave: Exclusão, Direitos humanos, Movimentos feministas, Sororidade, Mulheres


negras.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho surgiu a partir de uma reflexão da campanha do Conselho Federal


de Serviço Social para celebrar o dia do Assistente Social sob o tema: “Se cortam direitos, quem
é preta e pobre sente primeiro”. O racismo no Brasil é estrutural e, na atual conjuntura, todos
os dados apontam que as mulheres são a maioria da população brasileira e as que mais buscam
o Serviço Social, sendo também as mais atingidas quando os direitos da classe trabalhadora
sofrem desmontes, daí a categoria incorporar essa luta (CFESS, 2019).

1
Graduada do Curso de Serviço Social do Centro Universitário FACEX – UNIFACEX, Natal – RN. E-mail:
carlasantiago0@yahoo.com.br
2
Graduada do Curso de Serviço Social do Centro Universitário FACEX – UNIFACEX, Natal – RN. E-mail:
lidycabugi@hotmail.com
3
Mestra em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Graduação em Serviço Social e
Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Professora do Curso de Serviço Social do
Centro Universitário FACEX – UNIFACEX, Natal - RN. E-mail: terezafilosofa6@gmail.com
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Segundo o CFESS, a categoria precisa compreender como o racismo atinge a população


usuária do Serviço Social, porque é no âmbito do cotidiano profissional que se dão as resposta
das demandas advindas das múltiplas expressões da questão social. Demandas que chagam pela
falta de acesso aos direitos sociais (educação, cultura, emprego, água, saneamento básico,
alimentação adequada e saudável, etc.), ausência de direitos econômicos que impede a
autonomia financeira feminina e seu reconhecimento como sujeito de direitos, bem como a
ausência de direitos políticos. A ótica da ofensiva neoliberal aprofunda a desigualdade social,
e leva as mulheres ao pauperismo. O Serviço Social precisa de um olhar não só de classe, mais
também de raça e gênero.
Os primeiros registros da luta das mulheres por direitos a liberdade foi a partir da
Revolução Francesa e durante a Revolução Industrial. Segundo Gurgel, antes mesmo de Marx
e Engels, a escritora Flora Tristan escreveu o livro União Operária, que propunha criar uma
Associação Internacional de Trabalhadores e Trabalhadoras, se configurando como a primeira
socialista a escrever sobre a indissociabilidade da luta das mulheres com a luta de classe
(GURGEL, 2010).
Dentre esses momentos históricos, durante o processo de urbanização e pós revolução
industrial, surge o movimento sufragista iniciado pelas britânicas no início do século XX se
alastrando por todos os continentes. No Brasil, o primeiro registro de movimento feminista foi
em 1910. As mulheres se reuniram na capital do país para reivindicarem direitos políticos e
igualdade de direirtos entre homens e mulheres, liderado pela professora baiana, indigenista
Leolinda de Figueiredo Daltro.
A luta sufragista no Brasil teve como protagonistas, pelos seus feitos históricos, várias
mulheres. A primeira brasileira com direito a votar e ser votada foi a professora Celina
Guimarães Viana, nascida em Natal, no ano de 1898, mesmo antes da aprovação do voto
feminino. Em 25 de novembro de 1927, aos 29 anos de idade, faz um requerimento para obter
registro como eleitora da cidade de Mossoró/RN. O deferimento foi baseado na lei n° 660, do
Estado do Rio Grande do Norte, datada de 25 de outubro de 1927. Essa mesma lei permitiria
que outra norte-rio-grandense, Luíza Alzira Teixeira Soriano (1896-1963), fosse a primeira
prefeita eleita no Brasil e na América Latina, com 60% dos votos válidos, no município de
Lajes, Rio Grande do Norte. No Brasil, o direito ao voto só se deu em 1932, através do Código
Eleitoral de 1932 e na Constituição de 1934. No entanto, só poderiam votar mulheres solteiras
e viúvas acima de 21 anos, as casadas somente com autorização de seus maridos (HANSEL,
2017).
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Outro movimento que surgiu e se desenvolveu durante o iluminismo do século XVIII


foi o abolicionismo, que teve a participação também das mulheres, cujo objetivo foi a abolição
da escravatura e do comércio de africanos. As abolicionistas impulsionaram o movimento
feminista e, ao mesmo tempo, o ativismo político do século XIX, na luta por igualdade de
direitos e pela emancipação feminina.

A abolição apresentou significados diversos para a mulher negra e para a mulher branca
em virtude do fato de as mudanças operadas no sistema de estratificação em castas não
serem acompanhadas, no mesmo grau, por mudanças na estratificação à base do sexo.
Com efeito, a mulher negra ganha, com a deterioração da sociedade de castas, pelo
menos a liberdade formal que lhe era negada anteriormente (SAFFIOTI, 2013, p. 252).

A trajetória da mulher na sociedade classista, ao longo da história, foi


marcada por lutas em defesa dos direitos humanos: civis, políticos, sociais, culturais e direitos
sexuais. Até o século XIV as mulheres não tinham direitos a educação, não participavam da
política, não tinham poder de decisão, nem o direito de votar e ser votada. Sua formação
educacional era baseada em princípios morais referenciados pela doutrina cristã e na
valorização dos bons costumes impostos pela sociedade marcada pelo patriarcalismo.
As ideias disseminadas pelo patriarcalismo se tornaram senso comum e fazem parte do
imaginário e do subconsciente das sociedades ao longo dos séculos, se manifestando
principalmente através da institucionalização do machismo, transmitido de geração para
geração, antes mesmo do período grego helenístico, como um sistema opressor e patriarcal, o
qual concebe as mulheres como objetos de satisfação masculina e, consequentemente, julgadas
como inferiores.
Segundo Stamatto (2002), a educação da mulher brasileira teve início através da ordem
religiosa católica, cujo objetivo era educá-las para o lar, serem boas mães e esposas, ou para a
vida religiosa. Nessas instituições haviam a presença de mulheres negras, encarregadas pelos
serviços domésticos, enquanto que as internas eram educadas e catequizadas com vistas a uma
formação pautada na desigualdade de raça e de classe. Nesse sentido, a primeira escola de ler e
escrever fundada no Brasil foi em 1549, sendo frequentadas somente por homens brancos,
formando assim a elite brasileira.
A escolarização feminina só se deu a aprtir das reformas pombalinas, com muitas
restrições, como por exemplo a separação do ensino por sexo. “Somente professoras mulheres
podiam dar aulas às meninas e professores homens aos meninos e nunca as meninas estariam
ao lado dos meninos na mesma sala de aula” (STAMATTO, 2002, p. 3)
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A inserção das mulheres no magisterio público se deu através da lei de 15 de outubro


de 1827, conhecida como Lei Geral, que previa a igualdade entre os salários para os mestres e
as mestras. No entanto, o decreto de 27 de agosto de 1831, no artigo 6, determinava que:

“os salários previstos em lei somente fossem percebidos por aqueles professores
habilitados nas matérias de ensino indicadas na Lei Geral, por concurso. Os governos
provinciais tinham a autorização de contratar candidatos não aprovados caso não
houvesse nenhum aprovado, à condição de pagá-los com salários menores. Ora, não
havendo escolas de formação para as meninas e não sendo ministradas todas as matérias
nas escolas de primeiras letras femininas, podemos entrever que as moças eram
possivelmente as candidatas contratadas ganhando menos (STAMATTO, 2002, pg. 5).

No Brasil, a formação sociohistórica tem no espectro do patriarcalismo, a herança do


sistema escravocata, e o legado do latifúndio e do coronelismo, predominando a cultura
machista, numa sociedade em que os interesses entre as classes sociais são profundamente
contraditórios e antagônicos, onde a figura do “senhor” assume características dominantes,
considerado os donos dos meios de produção sobre a figura do “trabalhador”, aquele que vende
sua força de trabalho para garantir o acumulo do capital e, ao mesmo tempo, ser o provedor da
família. Esse modelo de sociedade onde a cultura machista se tornou hegemônica se estende as
esferas da vida social, presentes especialmente nas relações familiares e nas instituições
educacionais e religiosas. A falta de igualdade entre os sexos nos séculos XIX e XX foi um dos
fatores que contribuiu para o fortalecimento das ideias sustentadas em preconceitos e
esteriotípos, responsáveis pela consolidação de uma sociedade machista.
Nesse sentido, Rezende aborda a questão do patriarcado sob duas perspectivas: as
esferas pública e privada.

No patriarcado privado, por um lado, o homem, como pai ou marido, encontra-se na


posição de opressor e de beneficiário da subordinação das mulheres, sendo seu principal
mecanismo a exclusão das mulheres da esfera pública. No patriarcado público, por outro
lado, as mulheres têm acesso às esferas público e privada, ou seja, sua participação
política não é impedida formalmente, como no patriarcado privado; entretanto, a
subordinação das mulheres persiste em ambas as esferas, havendo apenas a passagem
de uma relação de subordinação privada, como a que no âmbito doméstico, para uma
subordinação coletiva [...] (REZENDE, 2015, p. 21).

A cultura machista é gestada a partir do patriarcado público, de forma excludente,


perpassando pela escola e por todas as instituições das esferas pública/privada da sociedade
brasileira. Com a expansão dos modos de produção da sociedade capitalista a mulher é
requisitada a assumir novos espaços sociais, especialmente no âmbito do trabalho e da indústria,
como mão de obra barata, vendendo sua força de trabalho tal qual o homem, porém com uma
dupla jornada de trabalho: trabalhando em casa como cuidadora do lar, dos filhos e do marido
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e, como trabalhadora/operária para suprir as necessidades criadas pelo sistema capitalista, ao


mesmo tempo em que, com o desenvolvimento das forças produtivas, começa o mercado a
exigir dos trabalhadores e trabalhadoras uma formação profissional especializada voltada para
responder as exigências do capital e das transformações no mercado.

METODOLOGIA

A metodologia utilizada para elaboração do artigo foi a pesquisa bibliográfica e de


campo. Para a pesquisa de campo foi elaborado um questionário, com perguntas abertas e
fechadas, roteiro de entrevistas semiestruturadas, observação e diário de campo.
As entrevistas foram realizadas no dia 5 de junho de 2019, com um grupo de treze
mulheres que ocupavam uma área externa da lateral do prédio da Governadoria, no Centro
Administrativo do Estado do Rio Grande do Norte, localizado a Av. Senador Salgado Filho, nº
1 - Lagoa Nova, Natal - RN, 59064-901.
O grupo estava acampado desde o dia 24 de maio de 2019, lutando contra medidas da
Secretaria de Justiça e Cidadania e pelos direitos de seus companheiros apenados nos presídios
do RN. Tinha também como principais reivindicações: a entrada de alimentos, a transferência
de pavilhões de seus companheiros, a melhoria das condições de higiene, ampliação dos
espaços nos presídios, diminuição da opressão e separação das facções, e o acesso a remédios
para atender as necessidades de seus companheiros quando estivessem doentes.
Inicialmente a entrevista, semiestruturada, foi direcionada a todo o grupo, porém duas
mulheres se disponibilizaram a responder as questões além das perguntas propostas.
Naturalmente houve entre elas um revezamento ao responder as questões. Durante a entrevista,
entre as participantes do grupo, uma se destacou, porém fez questão de deixar claro que não
existia uma líder no grupo, mas que o movimento era liderado por todas.
A entrevistada de nome “Flor”, informou que elas foram se conhecendo e se
organizando através de grupo de WhatsApp, formado por mulheres dos detentos. Elas deixaram
claro que só deixariam o acampamento após serem recebidas pela Governadora do Estado,
Maria de Fátima Bezerra (PT- RN), bem como uma resposta para as suas reinvindicações.
Durante a entrevista, em uma roda de conversa, foi questionado ao grupo sobre o
significado da palavra sororidade e qual a concepção, o entendimento, que as mesmas tinhas
em relação a palavra. Diante do silêncio, percebemos que nenhuma das mulheres tinham
conhecimento acerca da palavra. Para compartilhar o significado da palavra sororidade, foi
utilizado a própria experiência prática vivenciada pelo grupo. Buscou-se fazer essa relação de
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forma que as mesmas percebessem o vínculo amoroso, de cuidado e a própria conotação política
da experiência concreta, de luta, materializada em ações específicas na defesa dos direitos
humanos.
Durante o processo dialógico, novos questionamentos surgiram acerca do significado e
da importância da sororidade. Um dos depoimentos nos deixou emocionadas: “não tem como
esquecer, é a mistura de soro com solidariedade”, e puderam entender que aquele ato é um
exemplo de sororidade feminina, é um ato político.

DESENVOLVIMENTO

A formação social brasileira tem em suas raízes a estrutura de família burguesa e


patriarcal, herdeira dos grandes latifundiários, e que formaram a elite brasileira. Essa estrutura
de família é forjada para atender aos interesses do capital, constituindo assim o Estado
brasileiro. Nesse contexto, a mulher negra e pobre tem dificuldades tanto da sua inserção no
mercado de trabalho quanto de sua permanência nas escolas e nas universidades, tendo em vista
que há vários fatores que a impedem de dá continuidade aos estudos e, consequentemente,
permanecer atuando no mundo do trabalho: o acumulo de carga horária devido sua dupla
jornada de trabalho, as tarefas domésticas que lhes são atribuídas, excluem o tempo necessário
para os estudos, sendo as questões socioeconômicos que ocasionam a evasão escolar.
No entanto, segundo Saffioti,

A mulher das camadas sociais diretamente ocupadas na produção de bens e serviços


nunca foi alheia ao trabalho. Em todas as épocas e lugares tem ela contribuído para a
subsistência de sua família e para ciar a riqueza social. Nas economias pré-
capitalistas, especificamente no estágio imediatamente anterior à revolução agrícola e
indústrial, a mulher das camadas trabalhadoras era ativa: trabalhava nos campos e nas
manufaturas, nas minas e nas lojas: nos mercados e nas oficinas, tecia e fiava,
fermentava a cerveja e realizava outras tarefas domésticas. Enquanto a família existiu
como uma unidade de produção, as mulheres e as crianças desempenharam um papel
econômico fundamental” (SAFFIOTI, 2013, p. 61- 62).

Apesar do passar dos tempos, as ideias e os comportamentos machistas continuam


resistindo às novas ideias e as novas concepções do mundo, onde o tempo não terá tanta
influência nas mudanças sociais. Como afirma Bauman (2001, p. 8), “os sólidos têm dimensões
espaciais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a significação do tempo
(resistem efetivamente a seu fluxo ou o tornam irrelevante)”.
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Camara (2019) afirma que recentemente o movimento feminista vem adquirindo uma
nova definição, onde diferentes grupos formam uma grande rede, concebendo o feminismo
como uma corrente política cujo objetivo é construir uma sociedade mais justa e igualitária para
as mulheres.
Para Kemper et al. ( 2005) apud Basso (2006, p. 161), a rede social é uma representação
das relações e interações entre indivíduos de um grupo e possui um papel importante como
meio de propagação de informação, idéias e influências.
Numa sociedade patriarcal é vital o ativismo na luta pelos direitos humanos, pela
liberdade, pela igualdade e pela sororidade4, tendo como um dos princípios fundamentais a
solidariedade, fundamental nas lutas contra todos os tipos de preconceito e de exclusão. Para
tanto, a teoria feminista permite que a sororidade seja para as mulheres uma corrente de ações
protetoras, o que leva a solidarização de umas com as outras na perspectiva da construção de
uma rede feminista sólida.
Falar de sororidade é falar das redes que se caracterizam através do apoio formado pela
solidariedade feminina, na perspectiva de não fazer pré julgamentos, de não discriminar, de
consumir o trabalho realizado por outras mulheres, de oferecer apoio diante das dificuldades
por elas vivenciadas demostrando confiança, não negligenciar a vida de outra mulher
desmitificando o ditado que “em briga de marido e mulher não se mete a culher”.
Essas redes podem ser formadas por diferentes tipos de relações, são mulheres que
constroem uma ligação através de uma pauta que as unem em torno de uma mesma situação
vivida ou sofrida, cujas vulnerabilidades sociais são decorrência da ausência de seus direitos.
Outro tipo de rede, importantíssimo no apoio para a defesa da vida da mulher, é a rede
socioassistencial formada para garantir o direito da mulher de todas as classes, mas que as
mulheres das classes trabalhadoras necessitam muito mais de toda a extensão dessa rede, uma
vez que elas já tiveram seus direitos básicos violados. Essa rede é formada pelas Delegacias
Especializadas em Atendimento à Mulher - DEAM, as Casas de Passagem, os Centros de

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A palavra sororidade, surge em 1960 com o termo sisterhood, criado pela escritora norte-americana Kate Millet.
Tem o significado semântico de “irmandade de mulheres” (sister significa irmã), em tradução para outras línguas,
no castelhano e em português sororidade. Segundo Marcela Lagarde, a sororidade parte de um esforço em
desestruturar a cultura e a ideologia da feminilidade que encarna cada uma. Inicia-se como um processo de
amizade/inimizade das mulheres e avança na amizade das amigas, em busca de novos tempos, de novas
identidades. As francesas chamam essa nova relação entre as mulheres, sororité, do latín sor, irmã; as italianas
dizem sororitá; as feministas de língua inglesa falam sisterhood; e na América Hispânica podemos chamá-la de
sororidade. Significa a amizade entre mulheres diferentes e pares, cúmplices que se propõem a trabalhar, criar,
convencer, que se encontram e reconhecem no feminismo, para viver a vida com um sentido profundamente
libertário (MANUAL, 2004, p. 375).
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Referência de Assistência Social - CRAS, os Centros de Referência Especializados de


Assistência Social – CREAS e os Centros de Referência da Mulher.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

É importante ressaltar a desigualdade sofrida pela mulher, principalmente aquelas


negras, pobres e mães solo5, em relação ao tempo de trabalho não pago, ou seja, aquele tempo
gasto com atividades que não são remuneradas, onde na grande maioria das vezes elas executam
em maior tempo de trabalho, e em diferentes turnos, reservado aos afazeres domésticos
No Brasil, os trabalhos reservados culturalmente para a população negra e com pouca
ou nenhuma qualificação profissional são aqueles que requerem maior esforço: os serviços
braçais e os trabalhos domésticos, herança do processo escravocrata, onde homens negros
trabalhavam severamente de forma árdua, sem jornada de trabalho e sem remuneração,
enquanto as mulheres ficavam com as atividades domésticas e o cuidado dos filhos de seus
senhores. Durante todo o período escravocrata a educação era reservada para os senhorios,
enquanto que população negra em geral, inclusive as mulheres, não tinham acesso, sendo
reservado aos mesmos trabalhos braçais e serviços domésticos.
O Brasil por ser um país marcado pela desigualdade social, onde a riqueza concentra-
se nas mãos de poucos, fator que reflete ainda mais somado a desigualdade de gênero nas
camadas populares, foi necessário que fosse criada uma legislação específica para proteção das
mulheres: a Lei Maria da Penha nº11.340, de 7 de agosto de 2006, na perspectiva de combater
o ciclo de violência contra a mulher.
Segundo dados do Atlas da Violência, de 2019, houve um crescimento na taxa de
homicídios femininos no Brasil, e confirma que a maioria das vítimas de violência letal são
mulheres pertencente a raça/cor negra, conforme,

Enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras teve crescimento de 1,6% entre
2007 e 2017, a taxa de homicídios de mulheres negras cresceu 29,9%. Em números
absolutos a diferença é ainda mais brutal, já que entre não negras o crescimento é de
1,7% e entre mulheres negras de 60,5%. Considerando apenas o último ano
disponível, a taxa de homicídios de mulheres não negras foi de 3,2 a cada 100 mil
mulheres não negras, ao passo que entre as mulheres negras a taxa foi de 5,6 para cada
100 mil mulheres neste grupo (Atlas da Violência, 2019, p. 39).

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Expressão que vêm ganhando popularidade nas plataformas online e nas redes sociais, designada pelo movimento
“mãe solo”, composto por mulheres para se referir aquelas mães que são as únicas ou principais responsáveis pela
criança, encarando o desafio de sozinha criar um filho.
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Segundo dados do Censo SUAS 2017, há uma ampla e diversificada rede de serviços,
além da presença e participação ativa de mais de 19.000 entidades da sociedade civil vinculadas
à política de Assistência Social. No que se refere aos equipamentos da Assistência Social, esses
são organizados a partir da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, formando uma
grande rede socioassistencial.
Nesse sentido, é necessário que se faça presente uma rede de fortalecimento do
movimento feminista, para que as mulheres possam apreender o significado de composição
social do feminismo6, em torno da luta por direitos iguais, para que se possa requerer do Estado
políticas públicas mais eficases de apoio a rede feminina, com o objetivo de proteger os direitos
adquiridos e efetivar os que ainda precisam avançar, garantindo não somente o salário, mais
também o direito a formação, a bens e serviços como terra, água, sementes, energia e todos os
serviços públicos que garantam autonomia feminina.
Novas mudanças nas instituições sociais vêm ocorrendo em decorrência da dinâmica da
sociedade, onde é possível destacar as novas configurações de famílias que não necessariamente
precisam de laços consanguíneos, essas mudanças também estão relacionadas com o momento
histórico e contexto social a qual estão inseridos.
Desta forma a mulher mãe “solteira” termo a qual não se vem sendo utilizado entre as
mulheres, porém ainda presente no vocabulário da sociedade, logo se vem adotando a expressão
mãe solo, também configurada como um modelo de família, onde ela sozinha é a responsável
financeiramente pelas despesas do lar e de todo o cuidado e responsabilidade com o/os filho/s.
Historicamente a maternidade é romantizada pela sociedade, porém vêm se buscando
descontruir atrelar-se a ideia de ser mãe ao de estado civil da mulher, ou seja, rompendo o que
tradicionalmente a sociedade impões a mulher, que a família padrão necessita da presença de
um homem, e que é importante reconhecer que existe mulheres que querem ser mãe solo, sem
a figura do cônjuge, e optam por procedimentos convencionais, como por exemplo, o de
inseminação artificial. Destacamos aqui a mulher negra mãe solo, que ocupa uma posição social
e um espaço significativo no Brasil, porém diante do racismo e do machismo opta por ser
somente mãe. Muitas delas acabam se afastando do mercado de trabalho formal, de sua
formação acadêmica e suas relações sociais. Como afirma Barbosa:

6
Convém ressaltar, que o feminismo luta precisamente contra essa forma androcêntrica de ver o mundo, que
considera o homem modelo de ser humano e que, por conseguinte, a suprema melhoria para a mulher é eleva-la à
categoria de homem (que do ponto de vista patriarcal é sinônimo de elevá-la à categoria de ser humano)
(MANUAL, 2004, p. 114).
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Parece que nos é permitido ser tudo ou, ao menos, vislumbrado sê-lo, desde que não
assumamos o papel de mãe. A maternidade vem e nos impõe, automaticamente, um
sistema de exclusão, entramos no modo “OU”: OU o mundo OU a maternidade. Como
se combinações não fossem possíveis e a responsabilidade pelos filhos fosse
exclusivamente da mulher (BARBOSA, 2019, p. 5).

A maternidade real é um assunto que as mulheres mães vem discutindo nos dias atuais,
desmistificando o sentido romantizado e idealizado pela sociedade, mostrando a outras
mulheres seus desafios diários a qual são enfrentados, que esse papel muitas vezes
extremamente difícil e pesado para algumas mulheres deve ser encarado na singularidade de
cada mulher, em seu tempo e espaço.
Segundo dados do IPEA:

Brasil Ano Mulheres chefes de família e com filhos menores de 15 anos


Brasil 2013 7287041
Brasil 2014 7479868
Brasil 2015 7599206
Fonte: IPEA, 2019.

A planilha acima mostra que no Brasil entre 2013 e 2015 as mulheres que se tornaram
chefes de famílias assim citado pelo IPEA, e com filhos menores de 15 anos cresce de forma
significativa, e diante da atual conjuntura de um governo de Estado mínimo que criminaliza a
situação social de cada um, existe uma grande possibilidade de aumentar, uma vez que famílias
pobres, em sua maioria negras que vivem à margem da linha da pobreza sofreram as mudanças
sociais de forma mais severas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Hoje ainda é possível demonstrar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres na luta por
direitos e contra a discriminação frente a algumas empresas no mercado de trabalho com
missão, visão e filosofias tradicionais, pautadas nos ideais e valores do patriarcalismo. Um
exemplo clássico é a questão dos salários pagos para homens de forma diferenciada em relação
as mulheres que ocupam a mesma função no mercado de trabalho. Em pleno século XXI, as
mulheres ainda enfrentam esse tipo de situação por uma questão de gênero: conquista cargos
iguais, mas salários diferenciados, onde as empresas negam a capacidade intelectual e executiva
das mesmas.
A conquista alcançada pelas mulheres, através de tanta luta, tem grande significado, pois
muda toda o cenário social onde as mesmas estão inseridas. No entanto, apesar das conquistas,
quando se trata de mulheres negras, pobres e mãe solo, a discriminação se torna mais visível e
os desafios a serem enfrentados no dia a dia são mais frequentes. Além dessas mulheres
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vivenciarem cotidianamente situações que tem princípios pautados no sistema patriarcal


solidificado, elas ainda enfrentam o racismo estrutural, que tem como característica a
criminalização e culpabilização da mulher negra e da mãe solo pela sua condição social, numa
perspectiva de visão do mundo fragmentada, não relacionando as condições sociais,
econômicas, políticas e culturais para aquela situação a qual essa mulher se encontra.
O Estado deve responder a questão social feminina de forma ampla, democrática,
considerando as singularidades de classe, cultura, raça, gênero e cor, fortalecendo os segmentos
que compõe a rede feminina nas áreas da saúde, assistência, educação, habitação, renda, entre
outras, fomentando a empatia, o respeito, bem como a desmistificação do movimento feminista,
ao qual ainda é muito criminalizado pela ideologia dominante.

REFERÊNCIAS

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443

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