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COM ERIKA
HILTON:
“APESAR DOS
RETROCESSOS,
ESTAMOS
CONSTRUINDO
NOVOS MARCOS
DE CIVILIDADE”
A CIÊNCIA AJUDA VOCÊ A MUDAR O MUNDO ED. 375 JUNHO DE 2023
ESCOLAS
SOB ATAQUE QUASE METADE DOS
ATENTADOS EM INSTITUIÇÕES
DE ENSINO NA HISTÓRIA DO
PAÍS OCORRERAM NO ÚLTIMO
ANO. O QUE EXPLICA O
DISPARO DESSES CRIMES?
COMPOSIÇÃO
JUNHO DE 2023
03
CAPA
ESPECIALISTAS
ANALISAM ORIGEM
DE ATAQUES A
ESCOLAS
NO PAÍS
35
SAÚDE
ESCOLAS
SOB ATAQUE DESDE 2002, BRASIL
JÁ TESTEMUNHOU
22 ATENTADOS A
ESCOLAS. DESSES, 12
FORAM COM ARMAS DE
FOGO. ESPECIALISTAS
ANALISAM O FENÔMENO E
APONTAM ALTERNATIVAS
PARA UM MAL QUE JÁ
MATOU 35 PESSOAS,
FERIU 72 E PODE GERAR
AINDA MAIS VÍTIMAS
A
Ainda hoje, 12 anos depois da tragédia que ficou
nacionalmente conhecida como Massacre de Re-
alengo, Adriana Maria da Silveira Machado, de 52
anos, sente o coração disparar toda vez que es-
cuta hélice de helicóptero ou sirene de ambulân-
cia. No mesmo instante, ela é transportada, invo-
luntariamente, para a manhã do dia 7 de abril de
2011, uma quinta-feira, quando um ex-aluno da
Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo,
Zona Norte do Rio de Janeiro, entrou na unida-
de e, com dois revólveres calibre 38, efetuou 62
disparos. Segundo os sobreviventes, o assassino,
de 23 anos, mirava na cabeça das meninas e no
corpo dos meninos. Um dos disparos atingiu Lui-
za Paula da Silveira Machado, de 14 anos. A filha
de Adriana cursava o oitavo ano.
mas não apertou o gatilho. Em vez disso, foi atingido com um tiro
de fuzil na barriga. Caído no chão, atirou contra a própria cabeça.
O delegado Felipe Ettore descartou a hipótese de o atirador fazer
parte de algum grupo extremista. Para o então titular da Divisão
de Homicídios (DH), ele agira sozinho.
A ORIGEM DO MAL
O Massacre de Realengo não foi o primeiro ataque a escola regis-
trado no Brasil. Nem o último. Mas foi o mais letal — nenhum outro
provocou tantas mortes. O primeiro caso que teve desfecho trági-
co aconteceu em 28 de outubro de 2002, quando um estudante
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ESCOLA OU PRESÍDIO?
O atentado que causou a morte de quatro crianças em uma creche
de Blumenau gerou comoção. Logo, o medo de o Brasil se transfor-
mar nos Estados Unidos, onde o problema é crônico, obrigou ges-
tores e autoridades a anunciar as mais variadas medidas de segu-
rança: de “botões de pânico” e detectores de metais a seguranças
armados dentro das escolas; de câmeras de vigilância e catracas
eletrônicas a rondas policiais no entorno das unidades, de proto-
colos de fuga em caso de invasão a treinamento de autodefesa
para docentes e funcionários.
TIROS EM COLUMBINE
Se Adriana Silveira combate o bullying nas escolas brasileiras, Tom
Mauser, de 71 anos, protesta contra a cultura de armas nos EUA.
Em 20 de abril de 1999, dois estudantes da Columbine High School,
uma escola de ensino médio no Colorado, mataram 13 pessoas — 12
alunos e um professor — e feriram outras 24 nas dependências da
escola. Os autores do massacre, de 17 e 18 anos, usaram, entre ou-
tras armas, uma carabina e duas espingardas. Depois de trocarem
tiros com a polícia, cometeram suicídio na biblioteca da instituição.
Daniel Mauser, o filho de Tom, foi uma das vítimas. Tinha 15 anos.
“Meu filho estava sempre desafiando os próprios limites. Não era
atlético, mas se inscreveu no programa de corrida cross country.
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ENTREVISTA
E
Em 2020, a paulista Erika Hilton fez história ao se
tornar a mulher mais votada de todo o Brasil ao
cargo de vereadora. Dois anos depois, ela repetiu
o feito: foi a primeira mulher transgênero eleita deputada
federal por São Paulo, em uma das dez candidaturas mais
votadas do estado, o mais populoso do país. No mesmo ano,
foi reconhecida como uma das 100 mulheres mais inspira-
doras e influentes do mundo pela rede britânica BBC.
Sua trajetória, porém, não foi fácil. “Ser jovem, ser mulher,
ser negra, LGBT, me faz sempre precisar correr mais, inclu-
sive pra me legitimar mais, para ser mais respeitada, para
ser ouvida”, afirma Hilton, em entrevista a GALILEU. Natural
de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, ela foi expulsa
de casa aos 15 anos por causa de sua expressão de gênero
e morou na rua por seis anos, até ser resgatada pela mãe.
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CIÊNCIA
FRUTÍFERA
DE HIV A CURA DA CALVÍCIE, AS CÉLULAS-TRONCO ESTÃO SE
TORNANDO UMA IMPORTANTE FERRAMENTA PARA A MEDICINA
REGENERATIVA – E O BRASIL TEM DESTAQUE NESSA NOVA CORRIDA
Ilustração: Getty Images
N
Nova York, Düsseldorf, Londres e Berlim são os codinomes das pes-
soas que representam, possivelmente, os primeiros casos de cura da
infecção pelo vírus HIV por meio de um método inovador: o trans-
plante de células-tronco. Os quatro eram portadores do vírus cau-
sador da aids e sofriam com câncer sanguíneo (três com leucemia
e um com linfoma não Hodgkin). A partir do tratamento com qui-
mioterapia e da intervenção com células de doadores compatíveis,
eles tiveram a remissão dos sintomas – tanto do câncer no sangue
quanto da imunodeficiência.
O caso de Nova York virou notícia em março deste ano, após a pu-
blicação de um estudo no periódico Cell por cientistas de diversas
instituições dos Estados Unidos. Com 64 anos, a pessoa por trás
do nome da cidade estadunidense é a única mulher do grupo. Ela
também foi a única que recebeu células-tronco retiradas do cor-
dão umbilical de um bebê, que tinha genes de resistência ao HIV.
O transplante aconteceu em 2017, ela está livre do câncer há cinco
anos e sem medicação antirretroviral há dois.
Nos anos 1980, três décadas após os primeiros transplantes com cé-
lulas-tronco da medula óssea, pesquisadores perceberam que, além
de terem células mesenquimais, a placenta e o cordão umbilical são
fontes abundantes de células-tronco hematopoiéticas (semelhantes
às da medula) – logo, possuem grande propriedade imunológica e
de regeneração. Soma-se a isso o fato de as células do cordão umbi-
lical serem de mais fácil acesso, mais jovens, menos expostas a vírus
e bactérias e 100% compatíveis com a própria pessoa, o que reduz
os riscos de complicação em transplantes. Essa descoberta abriu
caminho para o estudo de terapias contra centenas de problemas.
Décadas depois, o caso de Nova York é um reflexo disso.
DOENÇAS IN VITRO
Degeneração da mácula, incontinência urinária, diferentes tipos
de câncer, tratamento de queimaduras, sequelas de AVC, doenças
cardiovasculares, neurodegenerativas, autoimunes, hepáticas, res-
piratórias e até reversão da calvície compõem a extensa lista de
males que podem ser combatidos com células-tronco. Hoje, quase
2 mil ensaios clínicos sobre terapias do tipo estão em andamento no
mundo, incluindo o Brasil, como mostra a plataforma ClinicalTrials.
gov. Alguns deles bastante promissores e em estágios avançados,
como é o caso de uma pesquisa da Universidade Harvard, nos EUA,
que curou um paciente com diabetes tipo 1.
Mas esse e outros trabalhos não seriam possíveis sem o método que
venceu o Prêmio Nobel de Medicina em 2012 e mudou os rumos da
medicina regenerativa: a reprogramação de células adultas para se
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Mas nem tudo são flores. Sempre que uma área ganha destaque
na medicina, cresce a picaretagem em torno dela. Não foi diferente
após a descoberta de Takahashi e Yamanaka, quando formou-se
um verdadeiro turismo por clínicas que prometiam intervenções
milagrosas com células-tronco a partir de métodos que ainda não
foram devidamente aprovados pelos órgãos responsáveis.
BRASIL NO TOPO
Uma a cada 650 crianças que nascem no país tem fissura labiopa-
latina. Esse problema congênito de má formação dos lábios e do
palato (o céu da boca) pode prejudicar o desenvolvimento e é en-
volto em preconceito. As crianças têm mais dificuldade para comer
e falar, o que pode levar a má nutrição, e também costumam sofrer
bullying e até enfrentar problemas de socialização na vida adulta.
A dentista Daniela Franco Bueno luta para mudar esse cenário. Pes-
quisadora de células-tronco há 20 anos, quando esse campo da ci-
ência ainda era “mato”, ela desenvolveu um método que assegura
menos dor e menor tempo de recuperação. Em vez de retirar um
naco da bacia, a ideia é usar células-tronco dos dentes de leite da
própria criança para preencher o palato. “Se a gente tem célula-
tronco mesenquimal em qualquer tecido do corpo e sabemos que os
enxertos de ossos nas fissuras são feitos entre 8 e 12 anos, por que,
em vez de usar a crista ilíaca, não usamos célula-tronco do dente de
leite — que, querendo ou não, vai cair?”, indaga Bueno.