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Violência Política de Gênero - Lei 14.

192/2021

Texto originalmente escrito para a Folha da Mantiqueira, em maio de 2022, em parceria com Thamiris
Dias, e atualizado para o Jusbrasil (setembro/2022).

As eleições estão chegando e é importante refletirmos sobre a Lei 14.192/2021,


que criou a figura da violência política de gênero.

De acordo com o levantamento realizado pela organização Terra de Direitos e


Justiça Global [1], as mulheres representam aproximadamente 13% dos cargos
eletivos de todas as esferas políticas do Brasil (municipal, estadual e federal). A baixa
representatividade e participação femininas na política nacional podem ser
consideradas um reflexo das desigualdades entre os gêneros, presentes em tantas
esferas da sociedade brasileira.

Entre os fatores de desigualdade que afetam a participação política das


mulheres está a violência política de gênero. Isso significa que, para além das barreiras
históricas para se eleger, quando as mulheres chegam ao poder elas ainda enfrentam
muitas dificuldades para manter os cargos conquistados – simplesmente por serem
mulheres.

Através da pesquisa, é possível verificar que esta violência acontece em maior


parte, não em forma de agressão física, mas em ameaças, intimidação psicológica,
humilhações e ofensas, pelos oponentes ou colegas das mulheres por meio de
ameaças massivas virtuais. O levantamento ainda aponta que “ nos casos em que foi
possível identificar o sexo do autor da violência, os homens aparecem como autores
em 100% dos casos de assassinatos, atentados e agressões e, em mais de 90% dos
casos, de ameaças e ofensas”. (Lauris & Hashizume, 2020: 49)

Esta violência pode ser definida, segundo o Ministério da Mulher, da Família e


dos Direitos Humanos, como a agressão física, psicológica, econômica, simbólica ou
sexual contra a mulher, com a finalidade de impedir ou restringir o acesso e exercício
de funções públicas e/ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade.

Ressaltamos aqui alguns tipos de violência política de gênero: simbólica


(inexistência de banheiro feminino no plenário do Senado Federal até 2016);
psicológica (difamação, intimidação, ameaças); econômica (recursos do fundo
partidário destinados de forma desproporcional); sexual (comentários relacionados ao
corpo da mulher); física (empurrar, jogar objetos). [2]

Destacamos alguns casos recentes deste tipo de violência:

● da vereadora de Niterói/RJ Benny Briolli, que sofreu ameaça de morte por duas
vezes e já teve que deixar o Brasil [3];
● da escritora, filósofa e ex-candidata a governadora do Rio, Márcia Tiburi, que
também sofreu diversas ameaças, foi vítima de “fake news” e campanhas de
desinformação, teve a casa invadida e também deixou o Brasil [4];
● da primeira vereadora negra eleita em Joinville/SC, Ana Lúcia Martins, que
sofreu ameaça de morte e injúria racial [5],
● o feminicídio político de Marielle Franco [6];
● da senadora Simone Tebet, chamada de descontrolada na CPI da Covid [7];
● da deputada estadual (SP) Isa Penna, que sofreu importunação sexual no
plenário da Assembleia, no exercício de sua função, por um deputado estadual
e ainda foi ameaçada de estupro e morte [8]
● e o caso da deputada federal (RS) Maria do Rosário [9], em que o atual
presidente da república foi condenado à indenização por danos morais e à
retratação, ao dizer que a deputada não merecia ser estuprada por ser feia,
quando era deputado federal.

Com estes exemplos e tantos outros, constatamos o quanto a violência contra


mulheres que ocupam os espaços de poder é naturalizada em nossa sociedade e este
é um dos maiores fatores que inibe o acesso das mulheres à ocupação de cargos
políticos. A violência política de gênero é uma violação dos direitos humanos das
mulheres, além da questão da (falta) de representatividade nos espaços de poder
[10].

A fim de coibir os abusos cometidos contra mulheres candidatas e/ou eleitas,


em agosto de 2021 foi promulgada a Lei 14.192/21, cujo projeto foi da deputada
Rosângela Gomes, com relatório da deputada Ângela Amin, que estabelece normas
para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher nos espaços e
atividades relacionados ao exercício de seus direitos políticos e de suas funções
públicas e também para criminalizar a violência política contra a mulher. [11]

Pela lei, considera-se violência política contra a mulher toda ação, conduta ou
omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da
mulher. [12]

Constituem igualmente atos de violência política contra a mulher qualquer


distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício de seus direitos
e de suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo.

Serão garantidos os direitos de participação política da mulher, vedadas a


discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça no
exercício de funções públicas.

As autoridades competentes priorizarão o imediato exercício do direito violado,


conferindo especial importância às declarações da vítima e aos elementos indiciários.

O Código Eleitoral (Lei 4737/65) trouxe um novo crime em seu artigo 326 – B:
Assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata
a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou
discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de
impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato
eletivo. A pena para este crime é de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa.

Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço), se o crime é cometido contra mulher:


gestante, maior de 60 (sessenta) anos; com deficiência.

Aumentam-se, ainda, de 1/3 (um terço) até metade, se qualquer dos crimes é
cometido: com menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça
ou etnia; por meio da internet ou de rede social ou com transmissão em tempo real.

A mulher transgênero poderá ser vítima deste crime, da mesma forma como
acontece com a aplicação da Lei Maria da Penha para mulheres trans [13]. Inclusive
o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE/RJ) recebeu denúncia do
Ministério Público Eleitoral, por meio da Procuradoria Regional Eleitoral no RJ, contra
o deputado estadual Rodrigo Amorim (PTB), pelo crime de violência política de gênero
(Código Eleitoral, art. 326-B, c/c 327, II, III e V). Na sessão desta terça-feira (23), o
TRE/RJ acolheu por unanimidade a acusação formulada em função de ofensa,
constrangimento e humilhação da vereadora de Niterói Benny Briolly, que foi
menosprezada e discriminada como mulher trans, pelo deputado acusado. [14]

Ainda que a criminalização de condutas não seja o melhor caminho para


enfrentar a violência contra mulheres em todas as suas esferas, uma vez que o
punitivismo não resolve a raiz do problema, a educação em gênero é a única
ferramenta que poderá mudar o pensamento machista da sociedade. Nomear as
condutas através de lei é um grande passo para identificarmos, quantificarmos e
pensarmos em políticas públicas que possam, de fato, acabar com a violência de
gênero em nosso país.

Lilia Gomes - Advogada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie com Extensão


Universitária em Direito Contratual pela PUC/SP e Especialização Lato Sensu em Direito
das Mulheres pela Uni DomBosco. Atuou na defesa de mulheres encarceradas na
Penitenciária Feminina de Sant´Anna em São Paulo e atualmente é conselheira do
Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Cambuí/MG, advogada em questões de
direito público, direito das famílias e direito das mulheres.

[1] https://bityli.com/KqYaZ

[2] https://bityli.com/sInCT

[3] https://bityli.com/qxCVx

[4] https://bityli.com/okAVs

[5] https://bityli.com/Azxux

[6] https://bityli.com/LafZL

[7] https://bityli.com/bxGpA

[8] https://bityli.com/LKeho

[9] https://bityli.com/hsTnm

[10] https://bityli.com/GBLmQ
[11] https://bityli.com/GbJaY

[12] https://bit.ly/3i7Qauv

[13] https://bityli.com/wMjWq

[14] http://www.mpf.mp.br/regiao2/sala-de-imprensa/noticias-r2/mp-eleitoral-
denuncia-deputado-da-alerj-por-violencia-politica-de-genero

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