Você está na página 1de 2

Considerações sobre a decisão do STF de não prisão após condenação

em segunda instância. Ou o mero cumprimento de cláusula pétrea


constitucional.
Texto originalmente publicado em meu perfil do Linked In em 2019 e atualizado com a
tramitação da PEC 199/19 para o Jusbrasil (julho/2022)

No dia 07/11/2019, por 6x5, o STF derrubou a prisão após condenação


em segunda instância, ou seja, os condenados só cumprirão pena após o
julgamento do último recurso. O que o STF fez foi decidir sobre algo que já estava
decidido no inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal, que é cláusula
pétrea: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória”. Trata-se de uma decisão de matéria e não uma
decisão política. Por ora, venceu o Direito Processual Penal. Ainda que pese a
discussão sobre o fato de que a apreciação do recurso em 2ª instância esgota a
discussão sobre fatos e a culpa esteja formada, o que por si só justificaria a prisão
nesse momento processual, este tema é objeto da PEC 199/191, que altera os
arts. 102 e 105 da Constituição, transformando os recursos extraordinário e
especial em ações revisionais de competência originária do Supremo Tribunal
Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
O foco daquela decisão foi a soltura do ex-presidente Lula, mas a questão
vai muito além disso. Um exemplo emblemático é o apresentado pela Defensoria
Pública de SP em sustentação oral no Plenário do STF na semana de novembro
de 2019: Desirée Mendes, ex-dependente de crack presa em 2012, condenada
por tráfico a 6 anos de prisão em regime fechado, foi presa preventivamente
grávida e teve seu filho na cadeia2. Foi permitido recurso em liberdade e referida
decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça e junto veio o mandado de prisão.
Foi interposto recurso ao STJ, sem sucesso. Só em 2018 quando o caso chegou
ao STF, ela teve reconhecido o direito ao regime aberto com redução da pena e
substituição por pena restritiva de direitos. Durante o processo ela se recuperou,
virou confeiteira e micro empresária, trabalhando em dois empregos: de manhã
em regime CLT e à tarde por contrato empresarial. Desnecessário dizer que se
ela tivesse sido presa após a condenação em 2ª Instância sua história seria bem
diferente. Não há segurança jurídica na execução provisória da pena. O STJ
concede 62% dos Habeas Corpus impetrados pela Defensoria Pública de SP e o
STF, 13,5%. O STJ também reforma 44% das condenações de 2ª Instância
questionadas pela Defensoria em Recurso Especial.3
Um dos argumentos dos ministros que votaram a favor da prisão após
condenação em 2ª Instância, e de políticos que desejam alterar a Constituição
por questões claramente políticas e não de matéria, é que somente os réus ricos
seriam beneficiados pela execução da pena ao final dos recursos. Entretanto,

1
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2229938
2
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43218622
3
https://www.instagram.com/tv/B4fZusLD44w/?igshid=YmMyMTA2M2Y=
matéria da Folha de SP demonstrou que a Defensoria Pública supera advogados
particulares em casos revistos por STF e STJ4.
Lembrando que a Defensoria Pública é órgão público que atua na defesa
de pessoas que não têm condições financeiras de pagar advogados.
O Brasil vive uma triste política de encarceramento em massa, com mais
de 900.000 pessoas encarceradas5, em que pessoas negras e periféricas são as
mais afetadas por este sistema punitivista e de violência institucional, que já
provou ser ineficiente para resolver os graves problemas de violência e segurança
que enfrentamos atualmente.

Lilia Gomes - Advogada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie com


Extensão Universitária em Direito Contratual pela PUC/SP e Especialização Lato
Sensu em Direito das Mulheres pela Uni DomBosco. Atuou na defesa de mulheres
encarceradas na Penitenciária Feminina de Sant´Anna em São Paulo e
atualmente é conselheira do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de
Cambuí/MG, advogada em questões de direito público, direito das famílias e
direito das mulheres.

4
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/11/defensoria-publica-supera-advogados-
particulares-em-casos-revistos-por-stj-e-stf.shtml
5
https://www.conjur.com.br/2022-jun-08/escritos-mulher-sistema-prisional-durante-covid

Você também pode gostar