Você está na página 1de 1

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Literatura Hispano-Americana III


Aula: O ensaio de Lezama Lima: a metáfora da insularidade
Professora: Dra. Elena González/ Maria Fernanda

Conceitos:

Para Lezama, o Barroco é a arte da miscigenação, e por isso, da contraconquista. Para ele como para Carpentier, a
miscigenação não é sinônimo de subdesenvolvimento, mas de transculturação, a partir do emaranhado de línguas e culturas
que coexistem. Ainda para Lezama, o barroco é fundado pela estranheza do colonizador em relação ao colonizado e vice-
versa. Para Lezama, o Barroco marca a Fundação a partir da diferença; foi a partir daquilo que era para o colonizador
diferente,e por isso inominável,que fundamos nossa própria identidade.
O Barroco é, assim, a linguagem da negação, da ambiguidade, da invenção, da tensão, uma contraposição à linguagem
clássica e ao pensamento cartesiano. Por isso, os ensaios de Lezama trazem, muitas vezes, uma linguagem difícil, pois tenta
incorporar na própria escrita suas teorias. É uma escrita ametódica, no sentido de não seguir/obedecer a um método, mas ao
contrário, negar aquilo que acabou de afirmar, desconstruindo certezas.

As eras imaginárias são fantasmas, vestígios de algumas civilizações que perpassam o tempo e tornam-se, portanto,
referência de poder e paradigma. Lezama exemplifica com as pirâmides do Egito que até hoje nos fazem lembrar daquela
civilização do Egito antigo. São desejos de infinitude, de eternidade que cercam certas civilizações. A nossa civilização se
forma justamente pela abertura latinoamericana a outras culturas, ou seja, a outras eras imaginárias.

“Na América, onde quer que surja a possibilidade de paisagem, tem de existir a possibilidade de cultura. O mais frenético
possesso da mimese do europeu, se liquefaz se a paisagem que o acompanha tem seu espírito e o oferece, e conversamos
com ele mesmo que seja no sonho. O vate do México, as coordenadas coincidentes na baia de Havana, a zona andina sobre a
qual operou o barroco, isto é, a cultura cusquenha; e o pampa é paisagem ou natureza?, a constituição da imagem em
paisagem, linha que vai desde o calabouço de Francisco de Miranda até a morte de José Martí, são todas elas formas da
paisagem; isto è, na luta da natureza com o homem, constituiu-se em paisagem de cultura como triunfo do homem no tempo
histórico. O sonho de Sor Juana é a noite do vale do México, enquanto dorme parece que o seu eu dialoga com o vale, e os
que pareciam termos da dialética escolástica convertem-se, transmutados pelo sonho, nos sinais predispostos para os
segredos daquela paisagem. Os artistas simples da escola cusquenha filtram em suas telas um céu reverente, tão distante das
nuvens que vão desde Botticelli até Murillo, mais como um presságio indecifrável que como uma terna companhia. E quando
nos propomos à discussão de se o pampa é natureza ou paisagem, ouvimos nas duas primeiras invocações de Martín Fierro e
de A volta de Martín Fierro, que o idioma foi revivido com novo orgulho, confiança e hombria, por uma natureza que se põe
mais ao rés do chão para brindar-nos seu estribo, fazendo-se paisagem pelo novo idioma que o percorre. Ouçam a guitarra de
Martín Fierro, com a voz humana que a domina no seu melhor lado de companhia:

Cada paisagem americana sempre se acompanhou de semeadura especial e de arborescência própria. A civilização pré-
cortesiana fundamentava-se na "espiga vermelha", no milho, inclusive a cultura maia é a cultura do milho, da peneira que cobre
as estações. Gera um ócio tão refinado, como o que podiam desfrutar os gregos, ou o otium cum dignitate dos latinos. A
grande xícara barroca do soconusco revela o senhor na ponte do mando da sua voluptuosidade. Repassa uma fadiga que
depois alarga novamente em seu galpão, na sua grande sala de baile. O romântico abandonou-se, já no XIX à extensão, ao
trinado pela planície; à errância que apaga suas pegadas. O umbu, a árvore que caminha na noite do pampa, conforme nos diz
um grande argentino, Ezequiel Martínez Estrada, brinda a vegetativa mansão na perigosa distância a vencer.26 Se não o
umbu, seja a ceiba geratriz, com sua permanência vindicativa. Tranquiliza o ventre fecundo e resguarda a estância em unidade
de lugar27. E o remate, no jeito fino do crioulo, lançado na fumaça da folha do tabaco, entre o vagar da silabação e os finais da
frase, que pugnam para dar um agudo no fecho harmonioso de suas vogais. Árvores historiadas, respeitáveis folhas, que na
paisagem americana ganham valor de escritura onde se estabelece uma sentença sobre o nosso destino.
Me sento no chão de um baixio
pra cantar um argumento
- como se soprasse o vento faço os pastos tiritar –
com ouros, copas e paus
joga ali meu pensamento.

Eu sou touro em meu rodeio


e touraço em rodeio alheio;
Sempre me tive por inteiro,
e se me querem provar
saiam outros pra cantar
e veremos quem é menos”.
LIMA, José Lezama. A expressão americana. São Paulo: Brasiliense, 1988, p. 171-173.

Você também pode gostar