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Flocos de solidão

Diana Corso

17/11/2013
Disponível em: http://www.marioedianacorso.com/flocos-de-solidao

Solidão é uma forma peculiar de silêncio

Dizem que em 1984 nevou em Porto Alegre. Dizem, porque não vi. Não foi daquela
vez que conheci a neve, na ocasião minha descoberta foi a solidão. Era o primeiro
dia de estágio obrigatório em uma área na qual eu não tinha interesse. Fui admitida
de favor em uma empresa que aceitou a estagiária mais desmotivada do mundo. Sem
saber o que fazer com a recém chegada, puseram-me em um cubículo sem janelas
com uma enorme pilha de folhetos para classificar. Bateram a porta depois de
informar o horário do fim do expediente. Na hora da libertação, no elevador da
firma, todos falavam excitados sobre a neve que viram das janelas e alguns desceram
para tocá-la. Minha desolação não podia ser maior. Na época não havia celular, muito
menos rede social, e ninguém na empresa lembrou ou sabia que eu estava lá. Não
havia um colega para avisar a reclusa do fenômeno.

As facilidades tecnológicas de comunicação que temos são frequentemente acusadas


de promover exibicionismo e certa falsidade afetiva. Super -conectados, não
faríamos mais do que mascarar o isolamento. Discordo: a verdadeira solidão
consiste na inexistência de comunicação, ainda que virtual, exígua. Mesmo que no
cubículo estivesse a pessoa pior relacionada do mundo, certamente teria sido
informada dos flocos rarefeitos, esparsos, mas festejados pelo surpreendente.

Solidão é ausência absoluta de diálogo, nem que seja imaginário. Não basta ver a
neve, para entendê-la é preciso poder contar isso para alguém. Seria suficiente uma
frase, enviada a míseros dois contatos virtuais.

Certa vez, sobre um cenário que a impressionou em uma viagem, a escritora Virginia
Woolf escreveu que a beleza era tanta que se tornou indescritível. Isso lhe parecia
insuportável “como se a natureza tivesse me dado seis pequenas navalhas para
fatiar uma baleia”. Em viagens, às vezes fotografamos um cenário assombroso,
esperando que a imagem nos balbucie algumas palavras. Na dor a solidão é uma
crueldade, mas também nos momentos belos é preciso dizer para crer. Ao ver a neve
ou a paisagem inusitadas, carece dividir isso com alguém para entendê-las. Naquele
dia ninguém partilhou sua neve comigo.

A solidão é algo muito maior do que a ausência de amigos, família, colegas. Quando
ela se apresenta em toda sua dimensão, absoluta como ocorre em certas vidas ou
momentos, ela é principalmente uma forma peculiar de silêncio. Precisamos dizer
para pensar. As diversas formas virtuais de comunicação funcionam como
interlocutores imaginários. São antídotos contra a impessoalidade das cidades, onde
é fácil sentir-se invisível, transparente. Nesse sentido, as redes sociais, tão amadas
quanto criticadas, acabam sendo imprescindíveis. Todo encontro é válido, sempre é
muito melhor que nada.

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