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COMENTÁRIOS A EXCERTOS D'A IMPOSSIBILIDADE DE QUE

O ASTRÓLOGO ACERTE POR SI MESMO QUANTO AO QUE DEPENDE


DA VONTADE HUMANA DE CARLOS NOUGUÉ 1

(Comentários meus [Bruno Melchiori] em itálico)

«Pode mostrar-se da seguinte maneira, portanto, a impossibilidade de que os astros in-


fluam de outro modo que predisponentemente sobre o humano. Suponha-se que determinado
homem, influído de algum modo pelos astros, e sem ter alcançado a sabedoria e a virtude du-
rante toda a vida, se tenha viciado em jogos de azar. Sucede porém que, velho já, decide por
livre arbítrio – de que é dotado todo e qualquer ser humano – que deixará de jogar para não
desagradar à esposa gravemente enferma, mas no momento mesmo de sua decisão sofre um
ataque cardíaco fulminante e morre. Terá morrido, assim, contrariando uma tendência predis-
ponente adquirida por influxo dos astros.»
Um estudante de Lógica ao deparar com essa argumentação deveria horrorizar-se, de
tão vergonhosa que é, e mais ainda quando souber que o autor de tal texto, o senhor Carlos
Nougué, é professor, dentre outros assuntos, de Lógica. Ora, começa-se dizendo que se iria
provar não ser possível influências dos astros senão pela predisposição (está-se portanto pen-
sando única e exclusivamente na Astrologia Natal); usa-se então um exemplo que contradiz a
determinação absoluta dessa predisposição; e termina-se tirando, sabe Deus de onde, que não
existe outra determinação pelos astros. É o mesmo que declarar a inexistência de outros tipos
de carros que o fusca, dar o exemplo de que nem todos os fuscas são azuis, e terminar com ares
de vitória após "comprovação tão cabal" a inexistência de ferraris, vans, mustangs, etc. É, com
efeito, tirar coelho da cartola.
Mais ainda. O exemplo dado por ele às vezes pode ser previsto pela Astrologia, usando
de métodos de previsão como as profecções, revoluções solares, etc., ou simplesmente reali-
zando uma pergunta na Astrologia Horária, não impugnando de modo algum a eficácia da
Astrologia nisso, se bem que, sim, o velho viciado em jogos pode sempre usar do livre-arbítrio
para parar com seu vício, ou ser movido pela Misericórdia de Deus para tal, como acertada-
mente o diz o autor logo em seguida.
«E, se tal decisão foi movida por alguma graça divina, então ainda mais se patenteia a
impossibilidade de influxo direto dos astros sobre a alma humana: porque, se a alma humana

1
https://www.estudostomistas.com.br/2017/01/a-impossibilidade-de-que-o-astrologo.html
por si não pode sofrer influxo imediato dos astros, muito menos o poderá aquele que é o criador
dos astros.»
Sem discussão: Deus pode à hora que bem entender interferir na vontade de qualquer
pessoa independentemente de Saturno estar domiciliado na casa 12 em Escorpião, por exem-
plo.
«Por isso mesmo é que a Igreja (ou seja, seu magistério e sua tradição, incluídos seus
Padres e Doutores) não só condena veementemente a astrologia, mas anatematiza seus defen-
sores.»
Um católico desavisado pensaria após a leitura desse trecho que não só toda a Igreja
estaria contra a Astrologia, mas ainda que tivesse profunda aversão a ela desde os primórdios.
Contra o primeiro ponto, basta citar o nome de dois santos – a saber, Alberto Magno,Tomás
de Aquino. Contra o segundo, um pouco de conhecimento da história da Igreja já nos remedi-
aria, pois há papas e clérigos diversos que consultavam astrólogos e, por vezes, tinham seus
astrólogos pessoais. 2
«Como diz Santo Tomás de Aquino, “é pecado grave recorrer aos juízos dos astros com
respeito às coisas que dependem da vontade humana”; e, se se acerta em algo com respeito a
isto, tal não se deverá senão a um “pacto ou sociedade com o demônio”.»
Assino embaixo neste ponto.
SÓ QUE muitos, incluído o sr. Nougué, não compreendem o verdadeiro sentido do pen-
samento tomista quanto à astrologia, malgrado o Aquinate gastar umas 50 páginas da Summa
contra gentiles para só isso. E pior: Nougué decorou e repete nesse seu texto a grande contri-
buição do Doutor Angélico para a ciência astrológica sem porém entendê-la. Todavia, não o
culpo de todo, porque os horóscopos de jornalecos e a cultura New Age envolta na astrologia
moderna contribuem na maculação da Astrologia. Pois bem, Santo Tomás observa que, con-
quanto tenhamos, por assim dizer, em teoria a liberdade de usar dos influxos astrais ou recusá-
los quando quisermos, na prática a maioria das pessoas não usa desse recurso e fica à mercê
do jogo celeste, à mercê do devir astral, comportando-se pois como bichinho, excetuando os
santos e os virtuosos. E fica claro que, se os astros não interferem diretamente no Homem,
então, para descobrir por antecipação o que fulano ou sicrano – atenção! – VAI ESCOLHER,
o único meio de atingi-lo seja pacto com o demônio, donde a condenação de Santo Tomás a
essa prática. PORÉM, o Santo nada disse quanto à descrição das determinações celestes sobre
a situação em que fulano e sicrano vão escolher. Pois o astrólogo pode, e deve, tomar por

2
Como por exemplo Leão X, Clemente VII, Júlio II e Paulo III.
princípio que seja provável que fulano ou sicrano escolha isto ou aquilo nesta ou naquela
circunstância, e se acerta é porque as pessoas envolvidas não usaram do livre-arbítrio ou pre-
feriram seguir a vontade dos astros, e se erra é porque as pessoas envolvidas usaram o livre-
arbítrio a contrapelo das determinações astrais ou foram influídas na vontade pelo grande e
bom Deus.
22 de novembro de 2019

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