Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Antes de tudo, é necessário que saibas que a virtude dos corpos celestes se
estende à moção dos corpos inferiores. Com efeito, disse Santo Agostinho no
livro quinto d´A Cidade de Deus: “Definitivamente, nem sempre é absurdo
dizer que determinados astros podem ocasionar mudanças nos corpos”.
Ou seja, era ponto pacífico para Santo Tomas – e, segundo ele, também para
Santo Agostinho – que havia alguma relação entre os movimentos dos astros e
os acontecimentos terrestres. Isso é importante. Um intelecto investigativo
como o do Aquinatense e um espírito completamente avesso à astrologia
como o do Bispo de Hipona admitiam que existia o que Olavo de Carvalho
chama de “o fato astrológico”, ou seja, há um nexo entre eventos terrestres
e o céu visível.
Dos efeitos corporais que Santo Tomás alude (e, portanto, em conexão com o
parágrafo anterior, admite que possam ser previstos pelos astros) alguns são
eventos físicos óvbios; outros não podem ser explicados pelo calor e pela luz
do Sol ou pela massa da Lua. Além disso, ele afirma que não é pecado
consultar os astros para observar tais efeitos.
Isso não me parece tão certo. É claro que os demônios estão sempre aí para
tentar o homem e seduzi-lo ao erro, mas sobre o devir nos assuntos humanos,
há duas outras razões para o acerto: uma; por definição, não se pode impor
aos homens que usem do livre arbítrio. Nós podemos nos comportar como
animais – deixando nossas paixões e o entorno nos levarem -, e muitas vezes o
fazemos. Se isso é assim no caso de um ser humano individual, o é muito mais
no caso de grandes quantidades de pessoas (o destino de um país, de uma
empresa, de uma multidão). Santo Tomás concorda com isso, de certa forma,
em um trecho da Summa; sobre isso eu escreverei em uma outra ocasião.
Por este motivo, Agostinho diz ainda, no livro segundo de seu tratado Sobre a
Doutrina Cristã, que as observações astrais desta espécie equivalem a um
pacto contraído com demônios.
Ora, o cristão deve evitar totalmente ter pacto ou sociedades com demônios,
segundo esta palavra do Apostolo (I Cor. 10, 20): Não quero que vos torneis
associados aos demônios. E assim, deve ser tido por certo que a consulta aos
astros sobre o que depende da vontade do homem é um pecado grave.
Em resumo: segundo Santo Tomás, há uma relação óbvia entre o céu visível e
os acontecimentos terrestres, e usar o primeiro para prever o segundo não é
pecado, a menos que os acontecimentos em questão dependam da vontade
livre humana. Ou seja, alguns tipos de “adivinhação” astrológica são aqui
considerados como neutros, ao contrário do atual catecismo, sobre o qual eu
já escrevi.
No site, também consta o texto “Notas sobre a posição de Sto. Tomás com
relação a astrologia, Apêndice ao texto ‘Acerca da Consulta aos Astros’”, que
é, na verdade, uma tradução do capítulo X do livro “Les corps celestes dans
l’univers de Saint Thomas d’Aquin”, de Thomas Litt, com algumas
observações da equipe do site.
Resumindo essas “notas”, no que interessa aqui:
1- Mais uma vez, a relação entre os corpos celestes e os acontecimentos
terrestres é afirmada (em ambos os textos, o que se diz é uma “influência”;
mas eu penso que o termo seja, além de inexato, equívoco, hoje em dia),
“incluindo os eventos fisiológicos concernentes aos animais e aos homens”.
2- “[A] influência dos corpos celestes sobre os atos humanos é indireta e
jamais necessitante”, e “a opinião contrária é herética, porque exclui a
liberdade humana”. No entanto, eles podem ser “causa ocasional
indiretamente”, ou seja, podem influenciar as ações humanas (o que vai ao
encontro do que eu disse acima, sobre prever ações livres e descrever as
situações nas quais essas ações irão ocorrer).
3- O autor cita algumas passagens nas quais Santo Tomás cita, de um modo ou
de outro, a astrologia. Como os trechos são bastante interessantes, eu baixei
alguns que encontrei e vou comentar oportunamente.
Em suma (no pun intended), Santo Tomás é mais “liberal” quanto ao uso da
astrologia do que o catecismo atual. O que quer dizer somente o seguinte:
como eu disse anteriormente, a prática da astrologia, em grande parte, está
– acidentalmente – proibida para os católicos, mas não é – essencialmente –
incompatível com a Fé Católica. No entanto, é bom lembrar que há práticas
astrológicas que são pecados gravíssimos, independente da fonte que se
consulte (ou da época em que se consulte). Não só prever o resultado de
decisões livres do ser humano, mas também a realização de magia astrológica
(talismãs, por exemplo) e a tentativa de se eximir de responsabilidade pelos
próprios atos com base nos astros (essa é a definição de “astrolatria” de John
Frawley; “traí a minha mulher porque Vênus passou pelo meu ascendente”,
“matei o vizinho porque Marte estava na minha casa 3” são exemplos bobos e
extremos, mas “com esse Mercúrio, eu não poderia ter passado, mesmo” é
comum de se ouvir em meios astrológicos).