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CONPEDI - BRASÍLIA/DF
TEORIA CONSTITUCIONAL
Diretoria – CONPEDI
Presidente - Prof. Dr. Raymundo Juliano Feitosa – UNICAP
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Vice-presidente Nordeste - Profa. Dra. Maria dos Remédios Fontes Silva – UFRN
Vice-presidente Norte/Centro - Profa. Dra. Julia Maurmann Ximenes – IDP
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T314
Teoria constitucional [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UnB/UCB/IDP/UDF;
Coordenadores: Gisela Maria Bester, Marcus Firmino Santiago, Menelick de Carvalho Netto – Florianópolis:
CONPEDI, 2016.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-5505-202-6
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: DIREITO E DESIGUALDADES: Diagnósticos e Perspectivas para um Brasil Justo.
CDU: 34
________________________________________________________________________________________________
Apresentação
A jurisdição constitucional e o papel do Poder Judiciário são abordados sob três aspectos:
uma crítica, à luz da teoria luhmaniana, à prática do STF acerca da modulação dos efeitos das
decisões de inconstitucionalidade; uma análise do ativismo judicial e do desequilíbrio
presente nas relações institucionais; e uma defesa do sistema de controle difuso de
constitucionalidade diante da especial abertura participativa que este proporciona.
Nos debates, em perspectiva crítica ao "status quo" reinante no atual cenário jurídico-político-
institucional brasileiro, fez-se, em sintonia das diversas manifestações, uma reafirmação da
defesa da força normativa da Constituição de 1988, em toda a sua riqueza de conteúdos que
não podem ser flexibilizados, ignorados ou ultrapassados, nem mesmo pelo STF, em prejuízo
do sistema de direitos e garantias instituído pelo constituinte originário.
Prof. Dr. Marcus Firmino Santiago - PPGD Centro Universitário do Distrito Federal / PPGD
Instituto Brasiliense de Direito Público
O ESTADO PLURINACIONAL DA BOLÍVIA: A CONTRIBUIÇÃO DO TRIBUNAL
INDÍGENA PARA UMA RESSIGNIFICAÇÃO DO SISTEMA DE JUSTIÇA
EL ESTADO PLURINACIONAL DE LA BOLIVIA: LA CONTRIBUCIÓN DEL
TRIBUNAL INDÍGENA A UNA REENCUADRE DE LO SISTEMA DE JUSTICIA
Bruno Ferreira 1
Maria Aparecida Lucca Caovilla 2
Resumo
A história da América Latina possui traços semelhantes à história dos povos originários.
Após séculos de opressão política, econômica e cultural, esses povos vêm sendo
protagonistas de mudanças. A Constituição da Bolívia (2009) representa um marco nesse
processo, fundamentada no pluralismo jurídico democrático-participativo e no
constitucionalismo latino-americano, representa uma ruptura no sistema tradicional de
justiça, pondo em cheque conceitos clássicos da teoria constitucional. O artigo pretende
analisar se o Estado Plurinacional da Bolívia, a partir da criação do Tribunal Indígena, pode
caminhar para uma ressignificação do sistema de justiça, servindo de modelo para os outros
países da América Latina?
Abstract/Resumen/Résumé
La historia de América Latina tiene características similares a historia de los pueblos.
Después de siglos de opresión política, económica y cultural, estas personas han sido
protagonistas del cambio. La Constitución de Bolivia (2009) representa este proceso, basado
en el pluralismo jurídico democrático y participativo y el constitucionalismo latinoamericano,
es una ruptura en el sistema de justicia tradicional, poniendo en verificación conceptos
clásicos de la teoría constitucional. El artículo analiza el Estado Plurinacional Bolivia, desde
creación Corte de la India, se puede caminar por una reinterpretación del sistema de justicia,
que sirve como modelo para otros países de América Latina?
23
INTRODUÇÃO
1
Entiendo por epistemología del Sur el reclamo de nuevos procesos de producción y de valoración de
conocimientos válidos, científicos y no-científicos, y de nuevas relaciones entre diferentes tipos de conocimien-
to, a partir de las prácticas de las clases y grupos sociales que han sufrido de manera sistemática las injustas
desigualdades y las discriminaciones causadas por el capitalismo y por el colonialismo. (SANTOS, 2010, p.43).
2
O ano de 1492, segundo nossa tese central, é a data do “nascimento” da Modernidade; embora sua gestação –
como o feto – leve um tempo de crescimento intra-uterino. A modernidade originou-se nas cidades européias
medievais, livres, centros de enorme criatividade. Mas “nasceu” quando a Europa pôde se confrontar como o seu
“Outro” e controlá-lo, vencê-lo, violentá-lo: quando pôde se definir como um “ego” descobridor, conquistador,
colonizador da Alteridade constitutiva da própria Modernidade. De qualquer maneira, esse Outro não foi
“descoberto” como Outro, mas foi “en-coberto” como o “si-mesmo” que a Europa já era desde sempre. De
maneira que 1492 será o momento do nascimento da Modernidade como conceito, o momento concreto da
“origem” de um “mito” de violência sacrificial muito particular, e, ao mesmo tempo, um processo de “en-
cobrimento” do não-europeu. (DUSSEL, 1993, p. 8).
24
Para tanto, surge s seguinte problematização: se o Estado Plurinacional da Bolívia, a
partir da criação do Tribunal Indígena, pode caminhar para uma ressignificação do sistema de
justiça, servindo de modelo para os outros países da América Latina?
Deste modo, o artigo está estruturado em quatro partes: a primeira parte contempla
alguns antecedentes históricos sobre os povos indígenas, assim como a conceituação de
“índio”. Já na segunda parte será tratado o direito dos povos indígenas à luz do novo
constitucionalismo latino-americano, utilizado como marco nesta pesquisa. No terceiro
momento, serão analisadas as contribuições do pluralismo jurídico democrático-participativo
de Antonio Carlos Wolkmer. E por fim, no quarto momento será analisado o Tribunal de
Justiça, a partir da promulgação da Constituição de 2009, voltando-se para a análise do
Tribunal Indígena na Bolívia.
O século XIX foi marcado na América Latina, pela criação de estados nacionais,
alguns majoritariamente indígenas, mas construídos à imagem e semelhança dos
antigos colonizadores: Estado único e Direito único, na boa proposta de acabar com
os privilégios e gerar sociedades de iguais, mesmo que para isso tivesse que reprimir
de forma violenta ou sutil as diferenças culturais, étnicas, raciais, de gênero, estado
ou condição. (SOUZA FILHO, 2012, p. 63).
25
E assim, nos limite do Direito imposto, todas as sociedades humanas passariam por
esse estágio de evolução, inclusive as sociedades indígenas, constituindo, desta forma, a
chamada política de integração dos povos indígenas. “Ser indígena correspondia assim, na
visão antropológica dominante, a um estado necessariamente transitório, que desapareceria na
medida em que os grupos aborígenes fossem gradual e harmoniosamente incorporado às
sociedade nacionais” (CORDEIRO, 1999, p. 79).
O ideal integracionista para com os povos indígenas encobriu a verdadeira identidade
desses povos, compelidos a uma cultura jurídica totalmente diferente, momento encarado,
como “um fenômeno cultural em vias de extinção, sem possibilidades autônomas de
reprodução e sem viabilidade própria diante da força supostamente homogeneizadora da
civilização ocidental” (CORDEIRO, 1999, p. 79-80).
A América Latina se estabeleceu no mundo moderno com o rótulo de periferia, em
que os povos indígenas foram considerados como seres inferiores, selvagens, primitivos. Não
houve preocupação em afirmar e efetivar qualquer direito, pois isso poderia arruinar os planos
do colonizador, que consistia em explorar terras, riquezas, servindo-se da mão-de-obra
indígena (COLAÇO, 2003, p. 76).
A “descoberta” traduz a ganância do colonizador sobre as terras latino-americanas,
uma viagem cujo objetivo inicial era de chegar até as Índias. Entretanto, fatores climáticos
modificaram o rumo de Cristóvão Colombo. O desfecho dessa história, ou o começo de um
trágico episódio ocorre em terras latino-americanas, imaginado pelo colonizador como terras
das Índias. Foi assim que se estabeleceu e foi se delineando a definição de índio (BANIWA,
2006).
No entanto, definir o que é ser índio3, não é uma tarefa fácil, muito embora o termo
utilizado para muitos, têm o a conotação pejorativa e discriminatória, numa clara
inferiorização moderna do índio. O índio hoje, ainda é considerado, por alguns, como um ser
primitivo, sem cultura, irracional, preguiçoso, selvagem, típico exemplo do tratamento
imposto pelos colonizadores (BANIWA, 2006).
Nesse sentido, não é demais lembrar que os povos indígenas, vêm sofrendo, ao longo
dos anos, desapropriações de terras, inferiorização, discriminação, negando-se a sua própria
identidade, sofrendo limitações de todas as ordens. Para (BANIWA, 2006, p. 31-32): “A
3
Ao definir o conceito de índio, Manuela da Cunha define o conceito de “comunidade indígena”, a qual
considera como melhor definição: “Comunidades indígenas são aquelas que se consideram segmentos distintos
da sociedade nacional em virtude da consciência de sua continuidade histórica com sociedades pré-colombinas e
índio é aquele que “se considera pertencente a uma dessas comunidades e é por ela reconhecido como
membro.”” (CUNHA, 1987, p. 25-26).
26
denominação original de caboclo na Amazônia, por exemplo, está fortemente relacionada a
essa negação das identidades étnicas dos índios”. Isso ocorre devido à superioridade racional
imposta pelo colonizador, pois ser branco era ser civilizado.
Antes da década de 1970, chamar alguém de índio, fosse ele nativo ou não, era uma
ofensa. E como a denominação estava associada aos povos nativos,
conseqüentemente as denominações e as autodenominações étnicas eram igualmente
indesejáveis. Por isso, muitos índios negavam suas identidades e suas origens, ou
melhor, tentavam negar suas origens étnicas, pois na maioria dos casos a negação
era uma verdadeira ilusão, uma vez que ninguém consegue esconder aparência
física, usos, costumes e modos de vida e de pensamento. (BANIWA, 2006, p. 31).
4
Promulgada no Brasil pelo Decreto n° 5.051 de 19 de Abril de 2004.
27
articulação entre as autonomias e o paradigma do Estado Plurinacional 5, sendo a última a que
trás consigo os avanços mais notáveis na temática indígena.
Nesse contexto, sobre as formas de produção de direito não oficial, devem ser
considerados os povos indígenas, visto que o direito positivado não consegue abarcar todas as
manifestações desses povos, não garantindo a autonomia e o respeito aos conhecimentos e
costumes locais, relegando a cosmologia e epistemologia próprias destes povos. Deste modo,
o novo constitucionalismo latino-americano pode contribuir para a ressignificação da cultura
jurídica na América Latina.
5
Bajo el concepto del ‘Estado plurinacional’ se reconocen nuevos principios de organización del poder baseados
en la diversidad, la igual dignidad de los pueblos, la interculturalidad y un modelo de pluralismo legal
igualitário, con un expreso reconocimiento de lãs funciones jurisdicionales indígenas que lãs Constituciones
precedentes de Bolivia y Ecuador no contemplan con tanta claridade. Se pluraliza la definición de derechos, la
democracia y la composición de los órganos públicos y lãs formas de ejercicio del poder [...]. (FAJARDO, 2011,
p. 150).
28
contextos vividos na complexa realidade dos povos indígenas latino-americanos, que sofreram
com efeitos da colonização europeia.
A colonização na América Latina, aliada à influência do direito Europeu, dito como
único e universal, trouxe um profundo processo de extermínio dos povos indígenas.
Atualmente o direito para estes povos não se vê garantido no sistema unificado de justiça
latino-americano, pois não trata as diferenças, pelo contrário, tenta uniformizá-las,
mascarando uma realidade multicultural esquecida ao longo dos anos.
Sob este aspecto, os povos indígenas tornam-se protagonistas, reinventando-se nas
suas diferenças culturais, isso se deve muito as alterações Constitucionais na América Latina,
que criam novos horizontes, inclusive a possibilidade de descolonizar o direito.
29
La refundación del Estado presupone un constitucionalismo de nuevo tipo. Es um
constitucionalismo muy distinto del constitucionalismo moderno que ha sido
concebido por las élites políticas con el objetivo de construir um Estado y una
nación con las siguientes características: espacio geopolítico homogêneo donde las
diferencias étnicas, culturales, religiosas o regionales no cuentan o son suprimidas;
bien delimitado por fronteras que lo diferencian con relación al exterior y lo
desdiferencian internamente; organizado por un conjunto integrado de instituciones
centrales que cubren todo el territorio; con capacidad para contar e identificar a
todos los habitantes; regulado por um solo sistema de leyes; y poseedor de una
fuerza sin rival que le garantiza la soberanía interna y externa. (SANTOS, 2010,
p.71-72).
Essa nova percepção de pensar o direito, sobretudo com a legitimação das classes
populares, torna a América Latina expoente nesse processo de transformação e luta por uma
refundação das bases do Estado. Isso se dá, principalmente pela ineficiência do Estado em
proporcionar o básico, e ainda, torna-se mais difícil o enfrentamento dos grandes sistemas de
dominação e exploração incorporados na cultura latino-americana, quais sejam, as marcas
deixadas pelo colonialismo e o capitalismo desmedidos. Nas palavras de Boaventura:
30
legitimadora que acompanha os processos constituintes [...]” (DALMAU, 2008, p. 6, tradução
nossa, grifos do autor). Assim, o velho constitucionalismo das elites tem mais dificuldades em
impor seus interesses, se o poder for emanado do povo, o qual é parte legitima no processo
decisório.
31
Latino-Americana e a multiplicidades de direitos encobertos pela força da colonização torna o
pluralismo jurídico como ponto fundamental para o reconhecimento de outras formas de
regulamentação social, engendradas pela realidade plural latino-americana.
O professor Antonio Carlos Wolkmer elaborou um profundo estudo acerca do
pluralismo jurídico democrático-participativo, na obra intitulada “Pluralismo Jurídico:
fundamentos de uma nova cultura no direito”, o qual conceitua o pluralismo jurídico da
seguinte forma:
32
social, como é o caso dos sistemas jurídicos indígenas, reascendendo a discussão do sistema
de jurisdicidade, com base no viés da pluralidade de fontes.
Para tanto, o reconhecimento do pluralismo jurídico com base na concepção de
Wolkmer, da alteridade e da emancipação, deve ser compreendido por meio de elementos
multiculturais criativos, porquanto o pluralismo em uma comunidade e culturas diferentes
expressam o reconhecimento de valores coletivos, de práticas e conhecimentos locais, que não
podem sofrer limitações de um direito dominante. Tendo presente a perspectiva do pluralismo
comunitário-participativo, porquanto ocorre a insuficiência do monismo estatal e em
contrapartida o alargamento de centros geradores de produção jurídica (Wolkmer, 2001,
p.151).
As novas exigências que emergem na América Latina permitiram a compreensão da
insuficiência e esgotamento do atual modelo de Estado. É nesse espaço que aparece a
oportunidade de inserir novas práticas emancipatórias, capazes de introjetar direitos que não
passam pelo crivo estatal. Surge, a partir desse ponto, a pluralidade de formulações jurídicas,
direcionadas a comunidade, emergindo de diversos pontos, de caráter informal, múltiplo,
mutável, promovendo a ressignificação do modelo de justiça atual, por meio do pluralismo
jurídico democrático-participativo.
Levando-se isso aos sistemas jurídicos dos povos indígenas, essa produção jurídica é
acompanhada com muita resistência no que tange a multiplicidades de direitos existentes em
um mesmo espaço geopolítico, no reconhecimento e aplicabilidade dos sistemas jurídicos
indígenas, como é o caso do Brasil, a questão da aplicação dos direitos indígenas (considerado
como não oficial) ainda precisa ser superada6 e compreendida.
6
Después de dos siglos de supuesta uniformidad jurídica no será fácil para los ciudadanos, organizaciones
sociales, actores políticos, servicios públicos, abogados y jueces adoptar un concepto más amplio de derecho
que, al reconocer la pluralidad de ordens jurídicos, permita desconetar parcialmente el derecho del Estado y
reconectarlo con la vida y la cultura de los publos (SANTOS, 2010, p. 89).
33
Naturalmente, a legalidade oficial imposta pelos colonizadores nunca reconheceu
devidamente como Direito as práticas tribais espontâneas que organizaram e ainda
continuam mantendo vivas algumas dessas sociedades sobreviventes. Vale dizer que
o máximo que a justiça estatal admitiu, desde o período colonial, foi conceber o
Direito indígena como uma experiência costumeira de caráter secundário [...].
(WOLKMER, 2003, p. 45).
34
humanos. Esse processo Martínez Dalmau aponta como principal fator da mudança
Constitucional:
[...] O proceso constituinte boliviano arrincou nas loitas sociais que, desde a década
dos noventa, reivindicaron a necesidade dun cambio constitucional no país que
apunte cara á integración social, a mellora do benestar do pobo, a ampliación e
aplicación dos dereitos e cara a um goberno responsable que responda ás
excpectativas de participación que propugnaban os cidadáns. (DALMAU, 2008, p.
12).
7
Preâmbulo da Constituição Política do Estado Plurinacional da Bolívia. Disponível em:
<http://www.harmonywithnatureun.org/content/documents/159Bolivia%20Consitucion.pdf>. Acesso em 10 de
Março de 2016.
35
A partir desse novo cenário, surgem processos reivindicatórios de direitos, propostas
de reformulação das instituições públicas, de legitimação do Estado descolonizado, cujo
debate se instaurou a partir da realidade pluriétnica, com a satisfação das necessidades
concretas da população, com a permanente participação crítica das pessoas no processo de
construção do Estado plurinacional.
8
Constituição da Bolívia de 2009 é a primeira Constituição das Américas que estabelece as bases para o acesso a
direitos e poderes de todos, adotando uma posição integra e congruentemente anticolonialista, a primeira que
rompe de forma decidida com o trato tipicamente americano do colonialismo constitucional ou
constitucionalismo colonial desde os tempos da independência (CLAVERO, 2009).
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autogoverno, cultura e reconhecendo suas próprias instituições. Este é um legítimo processo
de mudança pelo qual passa a Bolívia, a qual prevê, ainda, que as instituições indígenas são
parte da estrutura do Estado.
Assim, observa-se que tais sujeitos passam a exercitar seus direitos de acordo com sua
cosmovisão, abrindo um caminho para novas práticas, novas concepções, a partir da realidade
dos povos indígenas. Rompe-se com o paradigma monista de pensar e aplicar o direito,
reconhecendo e respeitando os costumes, as crenças, línguas dos povos indígenas, esquecidos
durante sua própria história.
A participação de todos nos processos decisórios constitui um avanço importante, que
serve de exemplo para os demais países da América Latina, dada a sua imparcialidade,
segurança jurídica, publicidade, celeridade, gratuidade, pluralismo jurídico, interculturalidade,
equidade, harmonia social, participação cidadã e respeito aos direitos, insculpidos no artigo
178 da Nova Carta Política da Bolívia9, sendo que não há sobreposição de hierarquia, visto
que a jurisdição indígena originária campesina goza de igualdade de hierarquia, sujeitas
apenas ao Tribunal Constitucional Plurinacional.
O novo texto constitucional reservou um capítulo para tratar da jurisdição originária
campesina, assim, as nações e povos indígenas possuem legitimidade para exercerem funções
jurisdicionais, por meio de suas autoridades competentes, aplicando seus princípios, valores
culturais, com normas e procedimentos próprios, os quais respeitam a vida, o direito e as
garantias estabelecidas na Constituição.
Artículo 190. I.Las naciones y pueblos indígena originario campesinos ejercerán sus
funciones jurisdiccionales y de competencia a través de sus autoridades, y aplicarán
sus principios, valores culturales, normas y procedimientos propios. II. La
jurisdicción indígena originaria campesina respeta el derecho a la vida, el derecho a
la defensa y demás derechos y garantías establecidos en la presente Constitución.
Constitución Política del Estado Plurinacional Bolivia.10
9 Artículo 180. I.La jurisdicción ordinaria se fundamenta en los principios procesales de gratuidad, publicidad,
transparencia, oralidad, celeridad, probidad, honestidad, legalidad, eficacia, eficiencia, accesibilidad, inmediatez,
verdad material, debido proceso e igualdad de las partes ante el juez.
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Artículo 191. I. La jurisdicción indígena originario campesina se fundamenta en un
vínculo particular de las personas que son miembros de la respectiva nación o
pueblo indígena originario campesino. II. La jurisdicción indígena originario
campesina se ejerce en los siguientes ámbitos de vigencia personal, material y
territorial: 1. Están sujetos a esta jurisdicción los miembros de la nación o pueblo
indígena originario campesino, sea que actúen como actores o demandado,
denunciantes o querellantes, denunciados o imputados, recurrentes o recurridos. 2.
Esta jurisdicción conoce los asuntos indígena originario campesinos de conformidad
a lo establecido en una ley de Deslinde Jurisdiccional. 3. Esta jurisdicción se aplica a
las relaciones y hechos jurídicos que se realizan o cuyos efectos se producen dentro
de la jurisdicción de un pueblo indígena originario campesino.
38
entanto, percebe-se que mesmo com a inovação constitucional, os povos indígenas carecem
de reconhecimento, pois o Estado não permite a aplicação do pluralismo jurídico.
O Estado Plurinacional da Bolívia (e o Tribunal Indígena) representam novas
possibilidades de garantir a todos, não só no plano formal, a liberdade e reconhecimento dos
povos indígenas, sendo que, no caso do Brasil, guardadas as devidas proporções, de conflitos
e interesses, a questão indígena ainda não foi tratada como deveria. Nessa linha, a Bolívia
surge como expoente na tentativa de resgatar os povos indígenas, mas mais que isso, tratá-los
sem discriminação, respeitando seus conhecimentos, sua normatividade, sua cosmologia, sua
identidade, abrindo o diálogo acerca da possibilidade de ressignificação da cultura jurídica.
CONCLUSÃO
A reflexão proposta neste artigo evidencia a atuação dos povos indígenas na América
Latina, guiados pelo movimento do constitucionalismo latino-americano, cada vez mais
visível e marcante nos cenários políticos nacionais e internacionais. A história da América
Latina para com os povos indígenas não reconheceu a diversidade e identidade própria destes
povos, relegados ao plano da inferioridade. Por isso, questiona-se a eficiência do poder estatal
em manter a organização dos povos latino-americanos, dada a coexistência normativa em um
mesmo espaço geopolítico.
Do movimento do novo constitucionalismo emergem novas possibilidades para a
ressignificação do sistema de justiça, contrapondo o modelo de unicidade estatal. A
Constituição da Bolívia de 2009 é a primeira que promove a ruptura no paradigma colonial
dominante, com o surgimento do Estado Unitário Social de Direito Plurinacional
Comunitário. A isso, soma-se a contribuição do pluralismo jurídico democrático-participativo,
do professor Antonio Carlos Wolkmer.
Com o pluralismo jurídico democrático-participativo, surge uma proposta
emancipatória, que traduz a possibilidade de práticas comunitárias, como é o caso da Bolívia,
que rompe com o paradigma dominante do colonialismo. O monismo jurídico abre espaço
para a inclusão, portanto, necessário repensar o Estado e a Justiça na América Latina, abrindo
espaços para a descolonização e a emancipação social das diversas etnias, seus valores,
crenças e tradições que foram subalternizados por mais de 500 anos. A jurisdição indígena,
portanto, contribui para legitimar um sistema jurídico indígena que já existia antes da
colonização.
39
A Constituição da Bolívia de 2009 representa um marco no processo de reformulação
do sistema judicial, representando uma ruptura paradigmática, que põe em cheque conceitos
clássicos da teoria constitucional, cuja reconfiguração da cultura jurídica, especialmente dos
povos indígenas, permitem a aplicação “de um direito próprio, do seu direito”, a partir da
criação do Tribunal Indígena na Bolívia. É assegurada uma série de direitos, não reconhecidos
no sistema constitucional clássico, sendo que não há sobreposição de hierarquia, visto que a
jurisdição indígena originária campesina goza de igualdade de hierarquia, sujeitas apenas ao
Tribunal Constitucional Plurinacional.
Nesse sentido, percebe-se o avanço no sistema de justiça boliviano, em especial pela
nova carta política e pela criação do Tribunal Indígena, os quais rompem com a tradição
excludente e discriminatória, permitindo a inclusão dos povos indígenas, segundo suas
cosmologias. Antes de tudo, há a preocupação com a identidade desses povos, de um direito
que lhes permita representá-los em sua essência, mantendo sua identidade, seus princípios e
seu modo de vida.
O Estado Plurinacional da Bolívia, a partir da criação do Tribunal Indígena, pode, sim,
caminhar para uma ressignificação do sistema de justiça, servindo de modelo para os outros
países da América Latina, especialmente ao Brasil, que possui um longo caminho a percorrer
no que tange os direitos indígenas.
REFERÊNCIAS
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Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.
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perdido. 4ª ed. Porto Alegre: L&PM, 1985.
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natureza e perspectivas: uma visão básica das conflituosidades jurídicas. WOLKMER,
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KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. 6. Ed. São Paulo:
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SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O renascer dos povos indígenas para o
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WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. 3ª Ed. rev. e atual. Rio de
Janiro: Forense, 2003.
41