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2013
Resumo: Este trabalho se insere no campo dos estudos históricos sobre o patrimônio no Brasil, cujas
origens remontam antes do surgimento do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN),
em 1937. De acordo com tal pressuposto, historiou-se a noção de patrimônio durante o século XIX – com
ênfase no contexto do Brasil Império – partindo da premissa de ser um conceito socialmente construído.
Durante essa etapa não existiam políticas públicas de preservação do patrimônio, precisando antes ser
representado enquanto suporte da nação brasileira. Nesse sentido, identificou-se uma reflexão em torno
aos monumentos históricos presentes no resgate de memórias históricas da Igreja Católica, em artigos
relacionados à arte colonial e em crônicas de cunho memorialístico sobrepondo os seus valores histórico-
civilizatório e artístico. Por último, a contribuição teórica deste artigo aponta para uma proposta de estudo
histórico do patrimônio em uma etapa prévia a sua institucionalização, cujas representações anteciparam
o conceito do patrimônio vigente durante boa parte do século XX.
Palavras-chave: história, patrimônio, monumentos históricos.
* Historiador e turismólogo. Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense, RJ, 2011. Atualmente
cursa estudos de Pós-Doutorado na Universidade Federal do Rio Grande/RS, Brasil com o projeto “Escritas de viagens,
turismo e representações: o Rio Grande do Sul entre fins do XIX e metade do XX”. Licenciatura em História pela
Universidade de Havana (1998), Mestre em Ciências Pedagógicas – Universidade Pedagógica de Las Villas, Cuba
(2002), e Mestre em Gestão Turística de Destinos Locais – Universidade de Havana, Cuba/Universidade de Barcelona,
Espanha (2005).
E-mail: hvenegas75@yahoo.com Endereço para correspondência: Rua 24 de Maio. No. 49 C. Apto. 202. CEP 96200-
006, Rio Grande, RS, Brasil.
Isso não constitui uma reflexão desacertada, se designado embaixador extraordinário em Roma,
for levada em consideração que as referências junto à Santa Sé, pelo monarca D. João V. A
políticas, culturais e jurídicas provinham de carta enviada ao Governador de Pernambuco
Portugal na sua condição de metrópole e que o não constitui um referencial histórico de outros
Brasil era entendido como uma “extensão” do projetos para a salvaguarda do patrimônio cul-
território português que espelhava as institui- tural brasileiro (Camargo, 2004: 2).
ções bragantinas. Não seria pertinente falar para o século
Ora, o certo é que, 21 anos depois da pro- XVIII de patrimônio cultural brasileiro, e sim
mulgação do alvará de 1721, o Vice-Rei André da proteção de uma edificação colonial. O reco-
de Melo e Castro, conde das Galveias, expediu nhecimento do patrimônio é um fenômeno que
uma carta endereçada a Luís Pereira Freire de se constata na produção escrita de importantes
Andrade, governador de Pernambuco. Nela, o intelectuais dos oitocentos, podendo-se inferir,
Vice-Rei André de Melo e Castro pediu ao Gover- também, que essa forma de expressão é paralela
nador de Pernambuco para não ocupar o palácio ou decorrente à invenção do próprio conceito de
das Duas Torres, que fora construído por Mau- Brasil.4
rício de Nassau, príncipe holandês (MEC/Sphan/
Pró-Memória, 1987: 60). Emitindo cuidados com
a preservação da memória, assim se expressou: 2. A noção de patrimônio e a invenção do
Brasil
“Pelo que respeita aos Quartéis que se pre-
tendem mudar para o Palácio das duas Tor- Segundo o historiador Afonso Carlos Marques
res, obra do Conde Maurício de Nassau, em dos Santos, a História serve como elemento de
que os Governadores fazem a sua assistência, coesão das tradições reinventadas e essas se
me lastimo muito que se haja de entregar mostram na base do discurso legitimador da
ao uso violento e pouco cuidadoso dos solda- nação que inseriu o patrimônio no projeto de
dos, quem em pouco tempo reduzirão aquela construção da identidade nacional ao longo do
fábrica a uma total dissolução, mas ainda me século XIX e durante boa parte do século XX
lastima mais que, com ela, se arruinará tam- (Santos, 2007). Frente as contradições socioeco-
bém uma memória que mudamente estava nômicas desse Brasil dos oitocentos, inventou-se
recomendando à posteridade as ilustres e uma nação herdeira nas tradições luso-cristãs –
famosas ações que obraram os Portugue- elas seriam a base legítima sobre a qual deveria
ses na Restauração dessa Capitania” (MEC/ ocorrer a continuidade histórica para os projetos
Sphan/Pró-Memória, 1987: 61). da monarquia bragantina empenhada em tor-
nar civilizada a ex-colônia portuguesa. O Bra-
Segundo o historiador Haroldo Camargo, sil que se “inventou” selecionou o passado que
a carta em questão é importante pelo fato de melhor se adaptou à sensação de movimento e
constituir o primeiro documento do qual se mudança que imprimiu a presença dos Bragança
tem notícia a respeito da preocupação com a no empenho em tornar civilizada uma ex-colônia
preservação de uma edificação colonial e, tam- com muitos contrastes sociais (Botelho, 2005:
bém, pelas interpretações que dele se despren- 321-341) perante os olhos das nações civilizadas
dem. Evidenciam-se assim, algumas indagações: européias.
poder-se-ia estabelecer este documento como o Na consecução desse objetivo e, do ponto de
referencial histórico de outros projetos públicos vista artístico, foi fundamental a chegada ao
para a restauração e conservação do patrimônio Brasil de um conjunto de artistas e artífices
cultural brasileiro? Os conteúdos deste docu- que é conhecida como a ‘Missão Francesa’. Dos
mento sugeririam uma linha evolutiva que nos motivos para os quais eles vieram, atendiam,
conduziria até os projetos de preservação de segundo o próprio D. João VI, “ao bem comum,
monumentos das primeiras décadas do século que provém aos meus fiéis vassalos, de se esta-
XX? (Camargo, 2004: 2). Uma resposta atinada belecer no Brasil uma Escola Real de Ciências,
a tal questionamento foi dada pelo historiador Artes e Ofícios, em que se promova e difunda
supra mencionado. Ele argumenta que a exis- a instrução e conhecimentos indispensáveis aos
tência deste documento histórico remete à inde- homens (...) fazendo-se, portanto, necessário aos
pendência portuguesa da Coroa da Espanha com habitantes o estudo das Belas-Artes” (Schwarcz,
a ascensão dos Bragança ao trono de Portugal, 2008: 208). Mesmo dando um impulso funda-
ainda mais quando se considera que o Conde mental às artes e aos ofícios durante anos e
das Galveias - autor do documento em questão – assumindo o estilo neoclássico como expressão
antes dos cargos ocupados no Brasil, havia sido oficial da arquitetura do Império, a produção
desses artistas não foi suficiente para que suas visível, palpável e descoberta em sua grandeza.
obras fossem reconhecidas pelo patrimônio luso- É claro, tal produção não ficou alheia ao pro-
brasileiro como um sinônimo da produção artís- cesso de consolidação das instituições imperiais,
tica da jovem civilização nos trópicos. o que foi ainda reforçado pelos moldes do IHGB
Porém, a imagem oficial do Império também cuja leitura da história foi marcada:
se consolidou com a visão civilizada do Brasil
perante o mundo ocidental através da fotogra- “(...) por um duplo projeto: dar conta de
fia e mediante a construção de uma memória uma gênese da Nação brasileira, inserindo-
que justificasse tal empreitada com o apoio a, contudo numa tradição de civilização e
fundamental do Instituto Histórico e Geográ- progresso, idéias tão caras ao iluminismo.
fico Brasileiro (IHGB). Através da fotografia A Nação, cujo retrato o instituto se propõe
consagrou-se a imagem de um Brasil civilizado traçar, deve, portanto, surgir como o desdo-
e moderno, sobretudo da sua cidade imperial, o bramento, nos trópicos, de uma civilização
Rio de Janeiro, e da figura do Imperador Pedro branca e européia. Tarefa sem dúvida a
II (Mauad, 1997: 191). Não havia espaço naque- exigir esforços imensos, devido à realidade
les anos para registrar em imagens as antigas social brasileira, muito diversa daquela que
edificações do Brasil, ao contrário do que acon- se tem como modelo” (Guimarães, 1988: 8).
tecia na Europa. Por exemplo, na França, nos
anos 40 do século XIX Viollet-le-Duc encomen- Em relação com essas intenções, pode-se infe-
dava daguerreótipos da igreja de Notre-Dame rir que não seria o patrimônio o centro das pre-
antes de iniciar a sua restauração (Lowenthal,
ocupações e, sim, os documentos históricos que
1998: 177).
apontaram para a unidade nacional pretendida
No Brasil, importava mais consolidar e
pela jovem nação brasileira o que levou a serem
representar o Império dos Bragança mundo
coletados, classificados e publicados pelo Insti-
afora. Já no âmbito interno e a partir da procla-
tuto Histórico e Geográfico Brasileiro, seguindo
mação da Independência, existiu uma tendência
o pressuposto de que “a nação brasileira data de
a construção de estátuas cujo fundamento era o
1822, pois a Portugal pertencem os seis anos do
culto à nação, “sustentado no ideário do patrio-
Brasil-Reino (1816-1822) e os 316 sob o domínio
tismo e afirmado em torno de práticas cívicas”
colonial (1500-1816)” (Revista IHGB, 1898: 9). O
(Knauss: 2009:18). Do ponto de vista legal, não
existiram políticas públicas de preservação do regime monárquico teria de enobrecer seu pas-
patrimônio. Isto não significa a ausência de sado em terras da América e limpar das suas
medidas legais para preservar sua integridade origens todo vestígio de atraso e barbárie, afinal
como se comprova com um decreto que D. Pedro tinha um representante dos Bragança ocupando
I mandou executar referido ao Código Criminal um trono de Ultramar, o que foi possível graças
do Brasil, em 1830. No seu capítulo IV “Destrui- à atuação do IHGB. Neste lugar foi onde gra-
ção ou danificação de construções, monumentos vitou uma parte importante da vida intelectual
e bens públicos” artigo 178 previa-se multas em brasileira dos oitocentos e, também, responsável
dinheiro e penas de prisão para quem destru- por um projeto histórico que visava unificar a
ísse “monumentos, edifícios, bens públicos ou nação através das páginas do seu órgão oficial,
quaisquer outros objetos destinados à utilidade, a Revista do Instituto Histórico e Geográfico
decoração ou recreio público” (Soeiro, 1972: Brasileiro.
267). Contudo, foi apenas uma medida legal Ao se referir aos conteúdos dos primeiros
para impedir que o vandalismo atentasse con- exemplares dessa publicação, o primeiro-secre-
tra as expressões visíveis do poder imperial dos tário do Instituto Histórico e Geográfico Brasi-
Bragança no Brasil. leiro, Joaquim Manoel Macedo, argumentou que
Uma história da noção do patrimônio no “a coleção de nossas revistas se têm tornado em
Brasil durante o século XIX, além dos exemplos um cofre precioso, onde se guardam em depósito
anteriores, identifica-se nas entrelinhas da pro- tesouros importantíssimos; e a leitura delas será
dução escrita que trouxe à luz memórias histó- muitas vezes frutuosa para o ministro, e legisla-
ricas do Rio de Janeiro, os traços civilizatórios dor e o diplomata, e em uma palavra para todos
– visíveis e monumentais – da jovem nação bra- aqueles que não olham com indiferença para as
sileira que contribuíram para a definição de uma coisas da pátria” (Macedo, 1851: 3). Sem querer
identidade do Império, associada quase sempre minimizar a importância que merecem os aspec-
a sua capital. Verificou-se que essa precisava de tos relacionados com a escrita da história e com
símbolos, como: monumentos, igrejas, conven- o mito da nação (Certeau, 2000: 54-65), durante
tos, praças, personalidades, ruas, para se tornar o século XIX, o que deseja-se aqui ressaltar é
que houve preocupações mais imediatas direcio- da herança civilizatória luso-cristã em terras
nadas a tornar civilizado o Brasil do Segundo brasileiras.
Reinado (1840-1889), deixando em segundo Pizarro de Araújo, Araújo Porto-Alegre,
plano a institucionalização do seu patrimônio Macedo e Moreira de Azevedo foram represen-
cultural. Antes ele precisava ser representado tantes da cidade das letras que fixou as institui-
enquanto suporte da jovem nação brasileira, ora ções que mantinham a ordem estabelecida pelo
fazendo ênfase na dimensão histórico-civiliza- poder imperial no Brasil. Na América Latina,
tória, ora ressaltando a dimensão artística dos “foi evidente que a cidade das letras arreme-
seus monumentos. dou a majestade do Poder, apesar de que este
regeu as operações letradas, inspirando seus
princípios de concentração, elitismo e hierarqui-
3. A primazia civilizatória do patrimônio zação” (Rama, 1985: 54). Para o caso do Brasil,
diferente dos domínios coloniais hispânicos, tal
O Brasil imaginado precisava da coesão que tarefa foi reforçada com o traslado da Corte dos
no mundo das idéias trazia o discurso historio- Bragança o que trouxe consigo a constituição
gráfico do Instituto Histórico e Geográfico Bra- de uma elite política que tinha o monopólio das
sileiro elaborado “de acordo com os postulados letras e responsável pela missão civilizadora
típicos de uma história comprometida com o da construção do Império Brasileiro. Boa parte
desvendamento do processo de gênese da nação” desses letrados foram membros ativos do IHGB
(Guimarães, 1988: 8). Ainda que essa intenção e suas pesquisas foram publicadas pelo seu
fosse uma constante, na segunda metade do órgão oficial. Existe em suas obras, uma rela-
século XIX, houve espaço para os assuntos rela- ção entre a produção do conhecimento histórico
tivos a herança civilizatória luso-cristã no Bra- desde os tempos joaninos até o fim do Império
sil mais visível: os monumentos históricos. No e o reclamo ou reconhecimento de elementos de
século XIX até o fim do Império, identificaram- identidade e civilizatórios na arquitetura legada
se três formas de pensar o patrimônio e todas pela presença lusitana no Brasil.
dentro dos moldes que assumiu a conformação Em 1820, “na Impressão Regia e com
licença de Sua Magestade”, foram publicadas
da cidade das letras no Brasil Imperial.
as “Memórias históricas do Rio de Janeiro e
A primeira delas pertence ao período prévio à
das províncias anexas a jurisdição do Vice-Rei
criação do IHGB e caracteriza-se pelo resgate de
do Estado do Brasil, dedicadas a El-Rei Nosso
memórias históricas da Igreja Católica no Bra-
Senhor D. João VI, por José de Souza Azevedo
sil da qual Monsenhor José de Souza Pizarro e
Pizarro e Araújo. Natural do Rio de Janeiro,
Araújo (1753-1830) é seu representante. Uma
Bacharel Formado em Canones, do Conselho
segunda forma de pensar o patrimônio no século
de Sua Magestade, Monsenhor/Arcipreste da
XIX, mais artística do que histórica, corresponde Capella Real, Procurador Geral das três Ordens
aos artigos de Manoel de Araújo Porto-Alegre Militares”. Seu autor pesquisou, coletou e clas-
(1806-1879). A ele se atribui as primeiras idéias sificou documentos em numerosos arquivos
teóricas sobre a arte no Brasil e a intenção de eclesiásticos e civis não só circunscritos ao Rio
encontrar as raízes genuínas dela em tempos de Janeiro, mas a outras cidades do Brasil e
de domínio colonial lusitano. Há ainda uma até Lisboa. Como um fiel cronista do período
terceira maneira na construção do conceito de joanino, Pizarro e Araújo, em seu livro, teceu
patrimônio relacionada com o resgate memoria- comentários historiográficos sobre a interioriza-
lístico da cidade do Rio de Janeiro através de ção imposta pela metrópole. Pode-se supor que
crônicas publicadas em jornais da época, escri- não faltem nele referências às memórias históri-
tas por Joaquim Manoel Macedo (1820-1882) e cas da Igreja Católica, já que essa era um pilar
por Manuel Duarte Moreira de Azevedo (1832- do poder real.
1903). Nelas, o Rio de Janeiro descobria-se his- Encontram-se, nas Memórias....relatos da ori-
tórica e monumental para os cariocas. Existe gem da fundação da Província do Rio de Janeiro,
um ponto em comum entre essas formas identi- dados históricos dos prelados, dos governadores,
ficadas de pensar o patrimônio: os monumentos das igrejas matrizes; assim como narrações
históricos. Segundo a perspectiva riegliana, tais detalhadas dos desmembramentos de paróquias
monumentos – os históricos – são uma criação e outro tipo de informações históricas (Peixoto,
da sociedade moderna (Riegl, 1987 [1903]) e tes- 2008: 114) com uma sistematização que o colo-
temunhas de um passado revisitado pela Histó- cou como referência para outras pesquisas his-
ria (Magalhaes, 2004). Eles foram o centro das tóricas no decorrer do século. Também, indepen-
reflexões e, ao mesmo tempo, os traços visíveis dente da motivação de Pizarro e Araújo, suas
res. Menos importante e luminosa que a do “(...) não era das províncias centrais e lon-
cronista das artes plásticas de Minas Gerais gínquas que pretendo falar. Dessas temos
no período colonial, a Memória sobre a antiga notícia de que fosforizam as suas eleições
escola fluminense de pintura, publicada em periodicamente, e é o que basta. Quanto ao
1841 por Manuel de Araújo Porto-Alegre, mais, representam um mundo que ainda está
tem, entretanto, merecimento excepcional, à espera do seu Colombo; e não admira que
gerando maior número de escritos sobre a assim exista ignorado, quanto é certo que
matéria que o trabalho deixado pelo vere- nem conhecemos bem a cidade de S. Sebas-
ador setecentista (...) ele foi, de fato, o pio- tião do Rio de Janeiro. Note-se que esta incú-
neiro dos estudos sobre a história da arte no ria seria escusável ao montanhês de Minas,
Brasil, pois a memória de 1790 de Joaquim ao guasca do Sul, ao caipira do Paraná; o
José da Silva só veio a ser publicada, como que, porém, muito mais surpreende é que os
se adiantou, longos anos depois de impressa próprios cariocas não estejam ao fato da his-
tória e das crônicas da capital, de que tanto
a sua acerca da antiga escola fluminense de
se ufanam” (Macedo, 1862: 20).
pintura”. (Andrade, 1952: 130-132).
a Igreja de São Pedro, o Colégio de Pedro II, a um chamado aos artistas brasileiros para cons-
Capela Imperial e a Santa Sé do Rio de Janeiro. truírem um digno palácio do Imperador e tam-
Ao todo, nesse livro de Joaquim Manoel bém do próprio país (MOREIRA DE AZEVEDO,
Macedo há cinco edifícios de tipos religioso e 1877: 14). Depois de tratar de várias constru-
três de tipos civil, todos guardiães da história ções presentes no Rio de Janeiro..., Moreira de
carioca. Essas edificações foram testemunha Azevedo situa o leitor frente o Palácio de Belas
de um passado de três séculos e meio onde se Artes, uma construção na qual combinam-se a
misturaram a tradição católica e a presença dos arquitetura e o gosto artístico segundo os juízos
Bragança, por sinal, um passado pouco conhe- do autor. É precisamente na matéria que ele
cido, na época, devido à preferência de alguns dedica à Academia de Belas Artes onde apro-
cariocas em conhecer mais as montanhas da veita para fazer uma valoração do progresso das
Suíça e os jardins e palácios de Paris e Londres artes no Império afirmando que:
do que a cidade do Rio de Janeiro (Macedo, 1862:
20). Nas edificações visitadas, o predomínio de “As artes entre nós ainda não caminham
valores históricos por sobre os artísticos caracte- em estrada aberta; não há gosto artístico,
riza a reflexão desse autor, inclusive ao tratar do influência da multidão, animação do povo,
estado de conservação delas. De fato, são breves estudo dos princípios artísticos que devem
descrições artísticas se comparadas com as nar- ser considerados como um elemento essencial
rações históricas, dados de personagens históri- para a educação dos homens (...) Ignora-se
cos, lendas e imaginário carioca em que se apoia sua influência na indústria e em todos os
para construir a narração que caracteriza Um elementos materiais da civilização (...) Ainda
passeio pela cidade do Rio de Janeiro. não se inoculou no país o gosto artístico (...)
Para Joaquim Manoel Macedo importava mais enquanto não haver proteção, amor pelos
o resgate da história da cidade do Rio de Janeiro artistas, educação artística, enquanto não se
– reiteradamente chamada de Sebastianópolis difundir pelo povo o gosto, o ensino das artes
em clara alusão à tradição que se esconde nas liberais, enquanto não se nacionalizar a arte,
histórias de seus monumentos históricos. E, para imprimir-lhe um caráter pátrio, nacional (...)
isso, para incentivar o amor dos cariocas pela não teremos artistas nem o povo que se possa
cidade o autor recorre a elementos narrativos chamar de industrioso e civilizado [sic]”
inovadores, não importava “que o sobrenatural (Azevedo, 1877: 198-199).
se misturasse nesta tradição com os fatos regis-
trados na História” (Macedo, 1862: 131). Esse
estilo narrativo, sui generis, de Macedo leva seus Civilização, educação, artes liberais, senti-
leitores da época, e ainda os atuais, a acompa- mento nacional fazem parte dos reclamos de
nhá-lo em suas andanças pela cidade. Moreira de Azevedo: uma crítica aguda que
Também histórica e monumental se desco- encontraria, segundo seu entender, a solução
bre a cidade do Rio de Janeiro nas reflexões de dentro da sociedade brasileira da época. Moreira
Manuel Duarte Moreira de Azevedo (1832-1903) de Azevedo – juntamente com Manoel de Araújo
através de suas construções religiosas, civis e Porto-Alegre e Joaquim Manoel Macedo – fez
militares, porém, num estilo narrativo diferente parte daquela cidade das letras que se bem
se comparado com o de seu contemporâneo no começo do século fixou com rigidez a ordem
Joaquim Manoel Macedo. Entre umas e outras nova da Corte, já para os anos setenta teste-
matérias Moreira de Azevedo inseriu esboços munhou uma ampliação do seu circuito letrado
biográficos de homens notáveis, repetindo dessa mais rico em opções e questionamentos, ainda
forma um padrão da época ao escrever a histó- legitimando a ordem monárquica. Sua reflexão
ria. Grosso modo, é essa a proposta de Moreira sobre os monumentos históricos transgride o
de Azevedo no livro O Rio de Janeiro: sua histó‑ monumental das construções. No seu pensa-
ria, monumentos, homens notáveis, usos e curio‑ mento, haveria civilização nas construções não
sidades (Azevedo, 1877). Esta edição de 1877 foi apenas pelas dimensões e história, mas pela
condensada em dois volumes com 32 matérias união dessas com um apurado e vernáculo gosto
dedicadas às edificações do Rio de Janeiro.7 estético (Azevedo, 1877: 87). Contudo, importa
Nas reflexões de Moreira de Azevedo sobre as mais para o autor o registro de memórias histó-
construções civis são importantes as valorações ricas de edifícios, de irmandades, de personali-
de tipo estético, por sinal, bastantes críticas. Ele dades notáveis que marcaram a história do Rio
trouxe um debate interessante e rico no sentido de Janeiro antes do que se deter em descrições
de despertar, nos cidadãos cariocas, o gosto pelas estéticas dos monumentos de tipo religioso e
artes, o que se comprova, por exemplo, ao fazer civil.
7
Em 1877 Baptiste Louis Garnier, livreiro-
editor do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro e figura importante para o desen-
volvimento das letras brasileiras do século
XIX, referindo-se a primeira edição da obra
de Moreira de Azevedo situa como antece-
dente um trabalho deste autor, publicado em
1861, e intitulado Pequeno panorama ou des‑
cripção dos principais edifícios da cidade do
Rio de Janeiro.
8
Dom Pedro I (12 de outubro de 1798 – 24
de setembro de 1834) filho de Dom João VI
e de Dona Carlota Joaquina de Bourbon.
Proclamou a Independência do Brasil, em
7 de setembro de 1822, separando-se assim
de Portugal e tornou-se o primeiro monarca
(1822-1831) e fundador do Império do Brasil.
Recibido: 01/03/2012
Reenviado: 19/09/2012
Aceptado: 04/10/2012
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