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O mais famoso livro do escritor tcheco Franz Kafka não conta apenas a história do
homem transformado em um inseto monstruoso. Ao narrar a trajetória do caixeiro
viajante Gregor Samsa que ao acordar vê o próprio corpo metamorfoseado em um
bicho com “dorso duro e inúmeras patas” o escritor consegue, através de metáforas,
contextualizar a condição humana e os dramas psíquicos da sociedade. Considerando
o conceito usado no livro “Teoria Literária: abordagens históricas e tendências
contemporâneas”, de que crítica sociológica é aquela que procura ver o fenômeno da
literatura como parte de um contexto maior, uma sociedade, uma cultura, a obra
enquadra-se como exemplo concreto da concepção da produção literária como reflexo
do contexto social de uma época.
A obra foi escrita em 1912, dois anos antes do início da Primeira Guerra Mundial. O
clima de agonia e pessimismo mantido por Kafka é apontado por alguns autores como
relação direta com o cenário mundial da época em que a obra foi escrita. Apesar de ter
sido escrita no início do século XVII, a obra permanece atual porque explora temas
característicos da sociedade contemporânea, como a crise existencial, a
desesperança do ser, pessimismo, a ausência de resposta, a solidão, impotência e a
fuga temas recorrentes da literatura de Franz Kafka.
Na medida em que não pode mais produzir renda, não serve para mais nada. Não é
uma mera alusão à sociedade capitalista. Trata-se de uma forma cruel, mas talvez
verdadeira de retratar a frieza e falta de escrúpulos do ser humano diante de
situações de conflito. Quando a família passa a trabalhar e não depender mais dele,
os problemas se resolvem. E ela faz questão de se livrar dele, como mostra esse
trecho da obra:
“... quando nesse momento alguma coisa, atirada de leve, voou bem ao seu lado e
rolou diante dele. Era uma maça; a segunda passou voando logo em seguida por cima
dele. Gregor ficou paralisado de susto; continuar correndo era inútil, pois o pai tinha
decidido bombardeá-lo. Da fruteira em cima do bufê, ele havia enchido os bolsos de
maçãs e, por enquanto, sem mirar direito, as atirava uma a uma. As pequenas maçãs
vermelhas rolavam como que eletrizadas pelo chão e batiam umas nas outras. Uma
maçã atirada sem força raspou as costas de Gregor, mas escorregou sem causar
danos. Uma que logo se seguiu, pelo contrário, literalmente penetrou nas costas dele.
Gregor quis continuar se arrastando, como se a dor, surpreendente e inacreditável,
pudesse passar com a mudança de lugar; mas ele se sentia como se estivesse
pregado no chão e esticou o corpo numa total confusão de todos os sentidos...”
O mundo imaginário e surreal que marca as obras do autor faz surgir o termo kafkiano,
característico de todo esse universo desconhecido e único. Em A Metamorfose, o
fantástico norteia a história, mas uma leitura atenta pode revelar que a abordagem
registrada na obra pode não ser tão imaginária como se pode pensar, em um primeiro
momento. A impotência de Samsa perante ações que antes lhe eram rotineiras como
sair da cama ou caminhar, faz uma alusão às fraquezas humanas diante de pressões
sociais. Denuncia como a sociedade restringe o valor do ser humano ao que produz e
às aparências.