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MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia

ISSN 2318-0811
Volume III, Número 1 (Edição 5) Janeiro-Junho 2015: 87-110

A Quarta Proposição de J. S. Mill na Teoria Austríaca


dos Ciclos Econômicos

Ubiratan Jorge Iorio*

Resumo: Na Quarta Proposição Fundamental de J. S. Mill, formulada em 1848, o au-


tor sugere que a demanda de bens de consumo e a demanda de investimentos podem
mover-se em sentidos opostos, em contraste com os modelos macroeconômicos mo-
dernos, nos quais os níveis de gastos de consumo e de investimento movem-se no
mesmo sentido. Neste artigo, meu propósito é mostrar o papel que a Quarta Propo-
sição Fundamental de J. S. Mill desempenha na Teoria Austríaca dos Ciclos Econômi-
cos, de modo a comparar o posicionamento teórico austríaco com correntes macroe-
conômicas contemporâneas.
Palavras-chave: John Stuart Mill, Macroeconomia, Teoria Econômica, Teoria Austría-
ca dos Ciclos Econômicos.

J. S. Mill’s Fourth Proposition in the Austrian Theory


of Economic Cycles
Abstract: In the Fourth Proposition of J. S. Mill, formulated in 1848, the author suggests that
the demand of consumer goods and the demand of investments can move in opposite direc-
tions, in contrast with modern macroeconomic models, in which the levels of consumption
expenditures and of investment move in the same direction. In this article, my purpose is to
show the role played by J. S. Mill’s Fourth Proposition in the Austrian Theory of Economic
Cycles, in order to compare the Austrian theoretic stance with contemporary macroeconomic
streams.
Keywords: John Stuart Mill, Macroeconomics, Economic Theory, Austrian Theory of Econo-
mic Cycles.

Classificação JEL: A1, B53, E2

*
Ubiratan Jorge Iorio é Professor Associado da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ), visiting professor da Scuola di Liberalismo della Fondazione Vincenzo Scoppa na Itália,
Presidente Executivo e CEO do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (CIEEP), Vice Presidente
da instituição mantenedora e membro do Conselho Editorial de COMMUNIO: Revista Internacional de Teologia e
Cultura, Diretor Acadêmico do Instituto Ludwig von Mises Brasil (IMB), e Editor Responsável de MISES: Revista
Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia. Cursou a graduação em Economia na Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ) e o doutorado em Economia na Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio
Vargas do Rio de Janeiro (EPGE/FGV-RJ). Foi Economista do Banco Central, Diretor da Faculdade de Ciências
Econômicas da UERJ e professor da FGV-RJ, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e do
Instituto Brasileiro de Mercados e Capitais do Rio de Janeiro (IBMEC-RJ), além de ter atuado como colunista dos
jornais Monitor Mercantil, O Dia, Jornal da Tarde e Jornal do Brasil. Em 2013 foi agraciado com o Premio Internazionale
Liber@mente, conferido pela Scuola di Liberalismo della Fondazione Vincenzo Scoppa, em Catanzaro, Calábria, na Itália.
É autor de inúmeros artigos publicados em jornais, revistas, sites na internet e periódicos acadêmicos, além de
ter escrito seis livros, dentre os quais se destacam Economia e Liberdade: a Escola Austríaca e a Economia Brasileira
(Forense Universitária, 1997), Ação, Tempo e Conhecimento: A Escola Austríaca de Economia (Instituto Ludwig von
Mises Brasil, 2011), Dez Lições Fundamentais de Economia Austríaca (Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2013) e Dos
Pós-Escolásticos a Menger: Uma Breve História das Origens da Escola Austríaca de Economia (Instituto Ludwig von
Mises Brasil, 2015).
E-mail: ubiratan@mises.org.br
88 A Quarta Proposição de J. S. Mill na Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos

I - Introdução (2º) a doutrina da poupança forçada; (3º) a es-


trutura de capital da economia; (4º) o papel de
A Quarta Proposição Fundamental de coordenação intertemporal da taxa de juros;
John Stuart Mill (1806-1876), formulada em (5º) o efeito Ricardo, o efeito taxas de juros,
1848, no Livro I, capítulo V dos Principles1, na o efeito preços relativos e o efeito concertina;
forma de um aforismo (“demanda de mercado- (6º) a teoria hayekiana do conhecimento e (7º)
rias não é demanda de mão de obra”) é um dos a Quarta Proposição fundamental de John
elementos decisivos para distinguir a “macro- Stuart Mill.
economia” dos austríacos – e particularmen- Neste artigo, desejo mostrar o papel que
te a de F. A. Hayek (1899-1992) – da macroe- o último desses elementos desempenha na
conomia da economia mainstream. Em todos TACE. Antes, parece conveniente ressaltar
os modelos macroeconômicos modernos, de que embora a Escola Austríaca não contenha
tintas keynesianas ou não, os níveis de gas- algo que se possa chamar de “macroecono-
tos de consumo e de investimento movem-se mia”, não existe nada de errado em utilizar
no mesmo sentido. Nesta famosa proposição, este termo para que possamos compará-la
contudo, Mill sugere que a demanda de bens com as teorias alternativas, das quais as prin-
de consumo e a demanda de investimentos cipais são a teoria keynesiana e o monetaris-
podem mover-se em sentidos opostos. Tenta- mo. De resto, os assuntos tratados pela ma-
remos mostrar como John Maynard Keynes croeconomia e pela TACE são rigorosamente
(1883-1946), noventa anos depois, demons- os mesmos, variando apenas a metodologia.
trou não ter compreendido sua essência, en- É oportuno fazer um pequeno resumo
veredando pelo caminho dos “agregados das seis primeiras proposições, tal como fi-
macroeconômicos”, no que foi seguido pelos zemos no livro mencionado3 e em diversos
monetaristas. Tal postura influenciou prati- artigos4.
camente toda a macroeconomia ensinada nas
universidades, bem como as práticas dos go-
vernos de todo o mundo, desde os anos 30 do I.1 - O Processo de Mercado
século XX.
A Teoria Austríaca dos Ciclos Econômi- Embora, para efeitos de exposição,
cos [doravante TACE], plantada pelos pro- Hayek tenha partido de uma situação que
toaustríacos e pelo fundador da escola, Carl se abstrai da existência de recursos ociosos,
Menger (1840-1921), formulada por Ludwig sua teoria dos ciclos é essencialmente “aus-
von Mises (1881-1973) em seu tratado mone- tríaca” na medida em que trata os mercados
tário de 1912, desenvolvida posteriormente como processos dinâmicos de descoberta e de
por F. A. Hayek nos anos 30, explicada magis- coordenação. Como observou Fritz Machlup
tralmente por Murray Rothbard (1926-1995) (1902-1983), a tese fundamental da teoria é
e outros austríacos de renome e compatibili- que os ciclos são causados por fatores mone-
zada com a macroeconomia convencional de tários, mas são constituídos por fatores reais.
maneira bastante criativa por Roger Garrison, Esses últimos nada mais são do que o desen-
é formada por sete elementos, que podem ser rolar do próprio processo de mercado em res-
assim isolados2: (1º) o processo de mercado; posta a um choque que elimine a coordenação
no mercado. Neste processo, os sinais emiti-
1
MILL, John Stuart. The Principles of Political dos pelos preços funcionam como elementos
Economy. New York: D. Appleton and Company, 1885.
2
Para uma discussão mais aprofundada, ver o capítulo 3
Idem. Ibidem.
7 de minha obra: IORIO, Ubiratan Jorge. Ação, Tempo
e Conhecimento: A Escola Austríaca de Economia. 4
Que podem ser encontrados em <http://www.
São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2011. ubirataniorio.org>.
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coordenadores: quando a manipulação mone- mais elevadas). Na linguagem dos economis-


tária cria uma sinalização falsificada de pre- tas austríacos, a estrutura de produção torna-
ços, está plantada a semente da ausência de -se mais indireta (roundabout), isto é, aumenta o
coordenação econômica. número de estágios que a compõem. Mas, com
o decorrer do tempo e a consequente escas-
sez dos bens de capital (complementares) de
I.2 - A doutrina da poupança forçada ordens inferiores, a ausência de coordenação
intertemporal acabará sendo revelada, o que
Quando ocorre uma expansão na oferta levará a uma tentativa da economia (isto é, das
de moeda, verifica-se uma inchação na oferta ações humanas individuais) de retornar à es-
de fundos para empréstimos, o que introduz trutura de produção inicial (menos roundabout,
uma cunha entre poupança e investimento. ou seja, mais direta).
A concepção de poupança forçada (que não A estrutura de produção pode ser repre-
deve ser interpretada como compulsória, mas sentada por uma série de retângulos em que,
como falsa, forçada, ilusória) de Hayek refere- da direita para a esquerda, caminhamos dos
-se a uma situação ex-post: os consumidores bens de ordens menos elevadas (de consumo)
descobrem que devem consumir menos do para os de ordens mais elevadas (de capital).
que haviam planejado para cada nível de ren- O eixo horizontal mede o tempo envolvido
da e a poupança forçada é igual à diferença na estrutura de produção e a altura de cada
entre a poupança observada e a poupança retângulo reflete o valor de produção (preço
planejada. Em outras palavras, a moeda nova vezes quantidade) em cada diferente estágio
fantasia-se de poupança, ao reduzir artificial- de produção. O último estágio à direita da
mente a taxa de juros abaixo de seu nível na- estrutura de produção mede, obviamente, o
tural (aqui, Hayek adotou a nomenclatura de valor do bem de consumo final.
Knut Wicksell (1851-1926)), fazendo com que
a trajetória de investimentos se torne incon-
sistente com o montante de poupança real e I.4 - O papel de coordenação
com as preferências intertemporais de consu- intertemporal da taxa de juros
mo, dando início a um processo de ausência
de coordenação intertemporal. A função principal da taxa de juros na
concepção austríaca (especialmente em Eugen
von Böhm-Bawerk (1851-1914)) é a de servir
I.3 - A estrutura de capital como elemento de coordenação entre as tra-
jetórias de consumo e investimento (e, obvia-
Os bens de capital são heterogêneos e mente, de poupança). O tempo de produção
relacionam-se uns com os outros mediante di- (ou período de produção, na linguagem de
versos graus de complementariedade e substi- Böhm-Bawerk), é uma variável endógena, na
tuibilidade, ao longo dos diversos estágios que medida em que determinará a existência ou
caracterizam a estrutura de produção, que vão não de coordenação entre as decisões de pro-
desde os bens de primeira ordem (de consumo dução e de consumo. E a taxa de juros é justa-
final) até os bens de ordens mais elevadas (de mente a variável que, incorporando o tempo,
investimento). Tanto estes como os primeiros afeta ambas as decisões.
são intertemporalmente complementares: ta- Assim, quando a taxa de juros estiver
xas de juros artificialmente baixas eliminam a em seu nível natural, isto é, quando for deter-
coordenação intertemporal, que se manifesta minada exclusivamente pelas preferências in-
inicialmente na forma de sobreinvestimentos tertemporais e pela demanda de investimen-
em bens de capital (isto é, em bens de ordens tos, haverá coordenação entre as trajetórias
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de consumo e de investimento; quando não sos mais indiretos ficam relativamente mais
estiver, não existirá essa coordenação, o que lucrativos. A isto os austríacos denominam
significa que haverá desequilíbrios fatais en- capital deepening, ou aprofundamento do ca-
tre a demanda e a oferta ao longo da estrutura pital, para indicar que a base do triângulo de
de produção. Hayek se alarga, com a criação de novos está-
gios de produção à esquerda, mais afastados,
portanto, do estágio do bem de consumo final
I.5 - O efeito Ricardo, o efeito taxas ou bem de primeira ordem.
E, conforme a taxa de juros aumenta, os
de juros, o efeito preços relativos e o
retornos caem em geral, mas com um viés em
efeito concertina favor dos processos de produção mais dire-
tos. Nesse caso, tende a acontecer um estrei-
I.5.a - Efeito Ricardo tamento da base do triângulo de Hayek, ou
capital shallowing.
Em sua formulação original, o efeito Ri- Existe, portanto, uma assimetria nos
cardo dizia respeito à substituição de mão de switches de curto para longo prazo e de lon-
obra (fator de produção de curto prazo) por go para curto prazo, ou seja, variações na taxa
capital (fator de produção de longo prazo), de juros não afetam de maneira proporcional
como decorrência de uma redução na taxa de todos os setores da estrutura de produção. As
juros. No contexto da teoria hayekiana dos ci- variações na taxa de juros afetam a economia
clos, entretanto, a substituição não se dá entre de uma forma desigual ao longo da estrutura
“homem” e “máquina”, mas sim entre bens de produção. Essa constatação não é consi-
de capital de ordens menos elevadas e de or- derada pelos modelos macroeconômicos, em
dens mais elevadas: na fase inicial do ciclo, a que mudanças na taxa de juros afetam toda a
taxa de juros artificialmente baixa estimula os economia por igual, de modo uniforme.
investimentos em bens de capital de ordens
mais elevadas; com a consequente disputa I.5.c - Efeito preços relativos
por bens de capital de ordens mais baixas
(complementares) os preços destes últimos O aprofundamento dos processos de
aumentam, o que provoca um aumento na de- produção (capital deepening) permite obter
manda por crédito (desperation borrowing) e o quantidades de produto maiores a partir de
subsequente aumento da taxa de juros, o que, um dado volume de fatores de produção; mas
por sua vez, encoraja a liquidação dos proje- estes bens só estarão disponíveis posterior-
tos de produção iniciados na primeira fase, mente, e tanto mais posteriormente quanto
mas ainda não terminados. Em resumo, o mais indireto for o processo de produção. Eis
efeito Ricardo original refere-se à substituição a decisão econômica: é mais lucrativo manter
de homens por máquinas, quando os salários ou alterar a estrutura de produção? A respos-
nominais aumentam e/ou os preços dos bens ta vai depender da comparação entre o preço
caem, enquanto o efeito Ricardo hayekiano recebido pelo bem final e os preços que de-
diz respeito à substituição de métodos mais vem ser pagos pelos bens intermediários.
indiretos por métodos menos indiretos, em Tomemos o caso de uma expansão na
decorrência de aumentos salariais e/ou que- oferta de moeda. Ela reduz a taxa de juros, o
das nos preços. que aumenta o grau de roundaboutness, isto é,
acontece um alargamento da estrutura de pro-
I.5.b - Efeito taxas de juros dução. Com isso, os preços dos bens finais su-
birão comparativamente aos preços dos bens
À medida que a taxa de juros cai, os re- mais distantes do consumo final, o que eleva-
tornos aumentam em geral, mas os proces- rá os rendimentos nos setores produtores dos
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primeiros e provocará, assim, uma redução (1908-1986), que criticou a teoria hayekiana,
no grau de roundaboutness. Hayek denominou não foram capazes de entender.
isto, como vimos, de efeito Ricardo que, em A conclusão é que a expansão monetária
sua formulação original, referia-se à substi- e a queda da taxa de juros encorajam inves-
tuição de mão-de-obra (fator de produção de timentos em capital em geral, especialmente
curto prazo) por capital (fator de produção os mais indiretos, mas o efeito subsequente
de longo prazo), em decorrência de uma re- de elevação dos preços dos bens finais tende
dução na taxa de juros. Mas, para Hayek e os a anular este viés, antes mesmo que a taxa de
austríacos, a substituição relevante não é en- juros aumente. No fim, vem a recessão, mas
tre “homem” e “máquina”, mas entre bens de a facilidade de recursos e a queda dos rendi-
capital de ordens menos elevadas e de ordens mentos nos estágios de bens finais deflagram
mais elevadas ao longo da estrutura de capi- o efeito Ricardo reverso. Assim, começam no-
tal. Na fase inicial do ciclo, a taxa de juros ar- vamente a tornar-se atrativos os investimen-
tificialmente baixa estimula os investimentos tos em métodos de produção mais indiretos.
em bens de capital em estágios mais afastados O boom artificial induzido pela expansão
do consumo final. Isto provocará uma disputa monetária provoca, após algum tempo, distor-
por bens de capital de ordens mais baixas – ções consideráveis na estrutura de produção.
complementares aos de ordens mais elevadas Mesmo antes do aumento na taxa de juros, as
– fazendo subir os seus preços, o que provoca subidas nas taxas de retorno fazem com que
um aumento na demanda por crédito (despe- projetos investimentos de investimentos que
ration borrowing) e o subsequente aumento da pareciam lucrativos tornarem-se não lucrati-
taxa de juros, o que, por sua vez, encoraja a li- vos e serem abandonados. Quando a taxa de
quidação dos projetos de produção iniciados juros subir – o que acontecerá em decorrên-
na primeira fase, mas ainda não terminados. cia da disputa pelo crédito entre os setores
mais próximos e os mais afastados dos bens
I.5.d - Efeito concertina de consumo final – ocorrerá uma aceleração
nesse processo. Adicionalmente, os efeitos
O efeito Ricardo produz o impacto ini- da queda na renda nesses setores agora não
cial de aumentar o produto (embora o nível mais lucrativos causarão queda na demanda
de investimento não mude), mas produz o de bens de consumo final e mais desemprego.
fenômeno do capital shallowing ou efeito con- A queda na demanda de bens intermediários
certina – em português, algo como efeito san- da estrutura de produção, gerada pela menor
fona, já que a concertina é um instrumento demanda de bens finais, será mais um agra-
musical com fole, semelhante a um acordeão, vante.
em que, ao abrir-se o fole pressionando um
botão, obtém-se uma nota musical e, ao fechar
o fole, tem-se outra nota. I.6 - A teoria hayekiana
O efeito concertina refere-se, portanto, do conhecimento
ao fato de que a poupança forçada incenti-
va inicialmente métodos de produção mais A manipulação monetária ilude os par-
indiretos, mas, após algum tempo, os inves- ticipantes dos mercados, fazendo com que
timentos acabam sendo realocados para os eles se comportem de modo diferente do que
métodos menos indiretos, fazendo com que imaginavam; isto é possível porque o conhe-
a estrutura de capital “estique” e “encolha”, cimento sempre é insuficiente. Para Hayek,
tal como uma sanfona. No final das contas, o há dois tipos de conhecimento: o científico
estoque de capital “agregado” ou capital fixo e o dos participantes dos mercados. Pode-se
diminui. Esta proposição é que os economis- esperar que os participantes dos mercados –
tas keynesianos, entre eles Nicholas Kaldor
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dado o seu conhecimento das circunstâncias tanto, anterior ao livro seminal de Menger,
particulares de tempo e lugar – sejam indu- o famoso The Principles of Political Economy,
zidos pelos preços de mercado a comportar- de 18715.
-se “como se” possuíssem o conhecimento Vejamos sucintamente os enunciados
científico, isto é, como se compreendessem a das três primeiras proposições:
estrutura do sistema econômico; mas não se
pode esperar que possam interpretar instan- Primeira Proposição:
taneamente como tais as distorções de pre-
ços provocadas pela manipulação monetária, “A indústria é limitada pelo capital” (e,
com base em um conhecimento científico da adicionalmente, “todos os aumentos de capi-
estrutura da economia. tal proporcionam, ou são capazes de propor-
cionar, empregos adicionais na indústria, e
isso sem um limite atribuível”).
II - As Quatro Proposições
Fundamentais de John Stuart Mill Segunda Proposição:

A famosa Quarta Proposição decorre “O capital é o resultado da poupança”.


naturalmente das três primeiras. No entan-
to, essas últimas parecem envoltas em certo Terceira Proposição:
mistério, para quem não leu os Principles of
Political Economy de Mill. Para que o leitor “A poupança não é um abismo, um ne-
não se pergunte por que apenas nos refe- gativo, uma ausência, mas é uma utilização
rimos à Quarta Proposição sem fazer qual- produtiva real dos recursos” (e, ainda, “o ca-
quer referência às três primeiras, vamos pital, embora poupado, é o “resultado” da
descrevê-las aqui. De certa forma, a quarta economia e, não obstante, também é consu-
proposição é uma extensão lógica das três mido)”.
primeiras. Neste trabalho, Steven Kates,
embora trabalhando com agregados e pa- E a Quarta Proposição? Segundo o próprio
recendo desconhecer a Teoria Austríaca do Mill:
O que sustenta e emprega o trabalho pro-
Capital e, por conseguinte, a TACE, mostra
dutivo é o capital despendido e destinado
claramente que existe coerência interna en- para o trabalho, e não a demanda dos com-
tre as quatro proposições e também que o pradores pelo produto do trabalho, quando
conjunto das quatro é uma ferramenta ines- concluído. Demanda de commodities não é
timável e coerente para a compreensão de demanda de mão de obra6.
uma economia de trocas. Trata-se de uma
abordagem essencialmente neoclássica, Para a maioria dos economistas de hoje,
mas esse fato não anula sua validade nem entretanto, isto soa ou como incompreensí-
tampouco sua compreensão, desde que a vel ou mesmo como absurdo, porque o key-
reinterpretemos à luz dos elementos que nesianismo sustenta como suposição básica
compõem a TACE em seu conjunto. Neste exatamente o oposto. No mundo keynesiano,
artigo, no entanto, enfatizaremos a Quarta a demanda por mercadorias representa enfa-
Proposição, já que estamos interessados em ticamente a demanda de mão de obra, embo-
examinar o seu papel específico e a sua im-
portância na TACE. É importante, contudo,
deixar registrado que as quatro proposições 5
Disponível em português como MENGER, Carl.
são um resumo da posição dominante clás- Princípios de Economia Política. São Paulo: Nova
Cultural, 1988.
sica prevalecente na época de Mill e, por-
6
MILL. The Principles of Political Economy.
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ra esta seja uma demanda derivada daquela. a base para a produção, que pode ser sob a
Esta suposição implícita de que adquirir mer- forma de bens de consumo ou de investimen-
cadorias (ou quebrar vidraças, como escreveu to, sendo que estes servem para aumentar o
Bastiat (1801-1850)) contribui para empregar próprio estoque de capital. No gráfico 1 o pro-
trabalhadores – que a Escola Austríaca sem- duto se compõe de um montante C1 de bens
pre rejeitou – é a que Mill estava tentando ne- de consumo (ou commodities) e um montante
gar. Desejava demonstrar que comprar mer- de capital I1. Notemos que C* e I* represen-
cadorias não é o mesmo que empregar o fator tam, respectivamente, o nível máximo de con-
de produção trabalho e que aumentos na de- sumo que aconteceria quando o investimento
manda por mercadorias, ou seja, por bens de fosse zero e o nível máximo de investimento
consumo, podem até mesmo fazer diminuir o caso o consumo fosse nulo. A distância entre
número de pessoas empregadas. Precisamos C* e C1 representa o montante de poupança,
entender como a lógica dessa proposição de- definida como a diferença entre o produto to-
pende claramente da validade das três propo- tal e o consumo. A esse respeito, Mill escreveu
sições anteriores. Este é nosso passo seguinte. que “consumir menos do que o montante produ-
zido é poupar; e este é o processo mediante o qual o
capital aumenta”.
III - A Coerência entre as Quatro Correto, mas devemos lembrar, à guisa
Proposições de Mill de parêntesis que, para os austríacos, no en-
tanto, a poupança não é simplesmente a di-
Eis os vários degraus da lógica das qua- ferença entre produção e consumo – ou seja,
tro proposições fundamentais de Mill, confor- entesouramento –, mas é determinada essen-
me apresentados em um modelo diagramá- cialmente pelas preferências intertemporais,
tico bem simples, formulado e desenvolvido em que a taxa de juros determina quanto vai
por Kates7: ser consumido hoje e quanto de consumo será
postergado para o futuro, ou seja, poupado
Primeiro estágio hoje.

Tomemos as duas primeiras proposi- Gráfico 1


ções: (1ª) a indústria é limitada pelo capital; Curva de Possibilidades de Produção –
(2ª) o capital é criado pela poupança. Consumo e Capital
Kates apresenta, para simplificar, uma
Curva de Possibilidades de Produção em li-
nha reta. No entanto, esse expediente não pre-
judica sua análise, porque as conclusões não
se modificam com o seu relaxamento, ou seja,
com a inclusão de curvas côncavas no senti-
do lato. No eixo vertical está a produção de
mercadorias (bens de consumo ou de ordens
menos elevadas para os austríacos) e, no hori-
zontal, a produção de bens de capital (bens de
ordens mais elevadas). O capital proporciona

7
KATES, Steven. Mill’s Fourth Proposition on Capital
and Say’s Law: Why the Demand for Commodities
Really Isn’t Demand for Labour. Disponível em:
http://www.econrx.org/htdocs/hes/kates_mill_fourth_ Vamos agora aumentar a demanda por
proposition.pdf. bens de consumo para C2, como no gráfico 2.
94 A Quarta Proposição de J. S. Mill na Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos

Levando em conta que a capacidade da eco- to para a esquerda e para baixo na curva de
nomia de produzir qualquer quantidade de possibilidades de produção, aproximando-a à
produto é limitada por sua base de capital, origem dos eixos.
esse aumento no consumo deve diminuir o O aumento na demanda de mercadorias
nível de investimento, ou seja, a produção de diminuiu a oferta de poupança, como se vê
bens de capital. Esse aumento na demanda no gráfico 2, de C* - C1 para C* - C2. Houve
por bens de consumo pode se dar ou por po- também uma queda equivalente na geração
líticas de estímulo à demanda por esses bens de capital (investimento), de I1 para I2. Com
ou por uma diminuição no desejo de poupar o passar do tempo, esse nível mais baixo de
por parte dos agentes econômicos, como vere- investimento significará que a capacidade de
mos no gráfico 9 mais adiante. produzir tanto mercadorias como capital vai
diminuir, restringindo novamente o cresci-
Gráfico 2 mento do capital no longo prazo.
Curva de Possibilidades de Produção – Existe uma relação positiva entre nível
Efeito de um Aumento no Consumo de investimento e montante de capital dispo-
nível na economia. Iso é retratado na figura 3:
a consequência da queda no investimento (de
I1 para I2 ) é uma diminuição na disponibili-
dade de capital (de K1 para K2).

Gráfico 3
Efeito de uma Queda no Investimento
sobre o Estoque de Capital

Como consequência – prossegue corre-


tamente Kates – o desvio da produção de bens
de capital para a produção de commodities vai
diminuir a taxa de crescimento global da eco-
nomia. Isso acontece porque o crescimento do
capital, tanto em quantidade quanto em avan-
ço tecnológico, produz impactos maiores so- Segundo estágio
bre a capacidade de crescimento da economia
do que o aumento na demanda por bens de Mill está convencido de que não é a com-
consumo. Notemos que esse movimento para pra de bens e serviços que gera emprego, mas
mais consumo e menos investimento tem um sim a sua produção, sua oferta. O que a de-
efeito imediato sobre a acumulação de capi- manda determina é o que deve ser produzido
tal, mas também um efeito de longo prazo, na (notemos a harmonia dessa afirmativa com o
medida em que a economia ficará restrita em pensamento de Menger e toda a tradição aus-
sua capacidade de acumular capital por meio tríaca). Em suas próprias palavras:
do crescimento do produto. Esse efeito pode- A demanda de commodities determina em
que ramo específico da produção o traba-
ria ser visto no gráfico como um deslocamen-
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lho e o capital devem ser empregados; ela Gráfico 4


determina a direção [prefeririamos dizer o Produto como uma Função Crescente
sentido] do trabalho8. do Capital

É a decisão prévia de produzir, toma-


da por algumas empresas, o que determina
o nível de produção e isso vai depender da
quantidade de capital disponível. O produ-
to é uma função crescente da oferta de capi-
tal. A quantidade de produto é determinada
pela quantidade de capital, conforme mos-
tra a figura 4.
Devemos notar, no entanto, a ausên-
cia nesta análise de um fator importantíssi-
mo na Teoria Austríaca, que é a Estrutura
de Capital da Economia (ou triângulos de
Hayek). Com efeito, Mill e, por conseguinte,
seu comentarista, o Prof. Kates, parece con- Com o nível de produção determinado
siderarem o capital como algo homogêneo pela quantidade de capital, uma queda nesta
e agregado, composto pelo estoque acumu- última geraria também uma queda no nível
lado, até a data presente, de investimentos de produção. O desvio de esforço produtivo
em máquinas, equipamentos, instalações e (investimento) para o consumo presente ocor-
construções, ou seja, o capital físico. rido no primeiro estágio diminuiu o montan-
Isto entra em choque flagrante com a te de capital disponível. Essa diminuição no
análise austríaca – desenvolvida por Men- capital (de K1 para K2) traduz-se em uma
ger e aprofundada brilhantemente por queda correspondente no nível de produção
Böhm-Bawerk, que trata o capital como (de Y1 para Y2). Em essência, isto está corre-
uma estrutura bastante heterogênea ao lon- to, mas não podemos deixar de lado o que es-
go dos diferentes estágios da estrutura de crevemos há pouco, isto é, que o capital não
produção, desde os que produzem bens de pode ser considerado um simples agregado,
capital (bens de ordens mais elevadas) até assim como o produto. Em outras palavras,
os que produzem bens consumo (ou bens essas quedas não são uniformes ao longo da
de ordens baixas, sendo que os bens de con- estrutura de capital da economia.
sumo final, na nomenclatura adotada por
Menger, ainda em 1871, são chamados de Terceiro estágio
bens de primeira ordem. Para os austríacos,
portanto – e isso é muito importante – o ca- Neste estágio aparece o efeito da queda
pital não se resume a máquinas e equipa- dos níveis de produção (de Y1 para Y2) so-
mentos, mas a todos os insumos que estão bre o nível de emprego. E aqui Mill acrescenta
sendo utilizados nos diferentes estágios do uma condição adicional, a de que os salários
processo de produção, aí incluída a mão de reais deveriam pelo menos ser mantidos:
obra e o tempo de produção em cada está- Eu entendo que, se por demanda de traba-
gio ou etapa desse processo. lho se entende a demanda pela qual os sa-
lários aumentam, ou o aumento no número
de trabalhadores no mercado de trabalho, a
demanda de mercadorias não se constitui
em demanda de trabalho9.

8
MILL. The Principles of Political Economy. 9
MILL. The Principles of Political Economy.
96 A Quarta Proposição de J. S. Mill na Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos

Com a queda no valor do capital puxan- anteriormente: não é correto, na concepção


do para baixo o salário médio real que pode austríaca, tratar a mão de obra, o consumo e
ser pago, o efeito de uma queda na produção o emprego de mão de obra como agregados,
é uma queda na procura de trabalho ao nível já que, como a produção é composta por está-
atual do salário real. Uma vez que é a disponi- gios, em cada um destes haverá um mercado
bilidade de capital no agregado o que importa de trabalho específico, com oferta e demanda
- o que é muito mais do que apenas o “fundo e as quedas não serão unigormes, pelo con-
de salários”, pois inclui todo o trário, serão desiguais ao longo da estrutura
estoque de itens de capital que podem ser uti- austríaca de produção, pela combinação dos
lizados no processo de produção – a redução efeitos Ricardo e preços relativos.
de capital se traduziu em uma redução na
demanda por trabalho. Como Mill escreveu: Efeitos de aumentos na demanda de mercadorias
“Cada adição ao capital dá para o trabalho: ou (consumo presente)
empregos adicionais ou remunerações adicio-
nais”, (assim como cada redução no capital Este modelo sugerido por Kates é coe-
deve ou reduzir o emprego de mão de obra rente e internamente consistente, no contexto
ou levar a uma queda em sua remuneração). neoclássico, para representar a economia des-
crita pelas três primeiras proposições de Mill
Gráfico 5 sobre o capital. A Quarta Proposição segue,
Efeito sobre o Nível de Emprego de uma como já escrevemos, da compreensão das
Queda na Produção três primeiras. Ela mostra que um aumento
na demanda de mercadorias (consumo pre-
sente) levaria a uma queda na demanda por
mão de obra, porque desviaria a utilização de
recursos da criação de capital adicional – e é
apenas a quantidade de capital que suporta
maior emprego. Uma queda na quantidade
de capital produzido levaria a uma queda no
valor de produção e, portanto, a uma redu-
ção no nível de emprego, para que os salá-
rios reais pudessem ser mantidos constantes.
Aqui devemos salientar que essa diminuição
na demanda de mão de obra não se dará em
todos os estágios da estrutura de produção,
mas apenas naqueles que produzem bens de
O gráfico 5 mostra uma função de pro- ordens mais elevadas, distantes, portanto, do
dução com o nível de produto relacionado consumo final.
com o nível de emprego (é a famosa função No entendimento da noção de commodi-
de produção neoclássica). Vemos que a queda ties, é claro que Mill refere-se ao uso da base
na produção de Y1 para Y2, mantido o salário de recursos de uma economia para produzir
real – ou seja, com a remuneração do traba- formas de produto não geradoras de cresci-
lho mantida constante – provoca uma queda mento. Estas são formas de produção que não
no nível de emprego de L1 para L2. Portanto, fornecem uma base para aumentar o nível
um aumento na demanda de consumo levou de emprego. Para Mill, a produção de bens e
a uma queda no nível de emprego, contraria- serviços não utilizados para agregar valor ao
mente ao que o keynesianismo suporia mais estoque total de capital, ou como insumos em
de oitenta anos depois. Conclusão correta, uma empresa produtiva, mas sim como mer-
mas que padece do mesmo defeito apontado cadorias para serem vendidas em um arma-
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Ubiratan Jorge Iorio 97

zém, ou como bens e serviços comprados pe- para conhecimento do leitor, cabe dizer que
los assalariados, não podem aumentar o nível os outros dois são Alfred Marshall (1842-
de emprego ao salário real existente. 1924) e Allyn Young (1876-1929). Para Kates,
E este é o ponto de Mill, na concepção quando cada um deles tenta mostrar concor-
neoclássica. Foi uma conclusão que satisfez dância com Mill, no final, “são incapazes de
toda uma geração de economistas e é difícil compreender o que Mill tentou dizer”. Nosso
ver de que forma ela estaria realmente errada. propósito é mostrar que, pelo menos no que
É certamente um argumento válido em seus diz respeito a Hayek, isto não é verdadeiro.
próprios termos e contexto. É sempre possível Sobre Hayek, podemos resumir a crítica
aumentar o emprego ao mesmo tempo, se o de Kates: Hayek fornece uma avaliação mais
salário real médio cair. Mas se o objetivo da completa em sua Teoria Pura do Capital10.
política é manter ao mesmo tempo o emprego Como Alfred Marshall, sua discussão está
e tornar a comunidade mais próspera, então o em um anexo do texto principal e, outra vez
foco deve ser na acumulação de capital em seu como Marshall, Hayek vê a quarta proposição
sentido mais amplo, o que significa que esse de Mill sendo “naturalmente intimamente ligada
conceito deve incluir as mudanças tecnológi- com a teoria do fundo de salários”11. Mas, então,
cas e, possivelmente, até o desenvolvimento Hayek, na tentativa de explicar o significado
de habilidades (capital humano, um conceito de Mill, começa por reinterpretar o que Mill
que não era conhecido por esse nome na épo- realmente disse:
ca). Apesar de os austríacos discordarem de Antes de prosseguir, no entanto, será acon-
políticas econômicas, essa conclusão de Mill selhável a restabelecer a proposição de Mill
não anula o fato elementar de que a essência de uma forma que não deixa dúvidas sobre
do crescimento econômico é a acumulação de o seu significado exato. Em primeiro lugar,
é provavelmente claro que o modo como a
capital, que acontece mediante investimentos
doutrina tem sido geralmente colocada pre-
(e não por estímulos ao consumo presente). cisa ser corrigido, como temos feito, para
Vidraças quebradas só oferecem ganhos para substituir “commodities” por bens de con-
vidraceiros e para a indústria de vidros. sumo e que a demanda de “commodities”
Resumindo a Quarta Proposição: um terá de ser descrita não como uma simples
aumento na demanda de consumo desvia es- quantidade, mas como uma demanda ou
forços produtivos da acumulação de capital curva que descreve as quantidades de bens
e, portanto, das formas de produção que po- de consumo que serão comprados a preços
dem suportar ou apoiar o nível de emprego. diferentes. Em segundo lugar, o teste para
Demanda de mercadorias não é demanda de saber se a demanda por “bens” dos con-
trabalho. sumidores é “demanda por trabalho” (ou,
podemos dizer, demanda pura por inputs)
deve ser claramente se um aumento na cur-
va de demanda por bens de consumo au-
IV - Críticas de Kates a Hayek e a menta a curva de demanda por inputs (e
Resposta Austríaca se uma queda da primeira reduz a última),
ou se uma alteração na demanda dos con-
Segundo Kates, há três interpretações sumidores de bens não causa mudança na
simpáticas a Mill, mas equivocadas no seu mesma direção, ou talvez mesmo, uma mu-
dança na direção uma mudança na direção
modo de entender. Kates sugere ser instruti-
oposta, para a demanda pura por inputs.
vo lançar um olhar mais atento a essas discus-
sões mais importantes da Quarta Proposição
de Mill, em que o comentarista declarou con- 10
HAYEK, F. A. The Pure Theory of Capital. Auburn,
cordância inicial, mas depois mostrou desa- Alabama: The Ludwig von Mises Institute, 2009 [1941].
p. 433-39.
cordo fundamental. Nossa atenção aqui esta-
rá dirigida, logicamente, a Hayek, mas apenas 11
Idem. Ibidem, p. 433.
98 A Quarta Proposição de J. S. Mill na Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos

Aí parece claro que Hayek tinha em que Hayek não tinha respondido à Teoria
mente a estrutura de capital que caracteriza a Geral imediatamente após a publicação. A
Escola Austríaca. razão pode, de fato, ser que, tanto quanto o
Este é o ponto de Hayek. Do modo como ponto principal com que Keynes estava pre-
ocupado, ele e Keynes estavam em completo
interpretou o efeito-Ricardo (não como a sim-
acordo. Mill tinha tentado argumentar que a
ples substituição de homens por máquinas e
demanda por bens e serviços não levaria a
sim por substituições entre bens de ordens um aumento do emprego. Hayek, no entan-
mais elevadas por bens de ordens menos to, concordou com Keynes que, em tempos
elevadas ao longo da estutura de capital), a de alto desemprego, aumento da demanda
Quarta Proposição de J. S. Mill significa que levaria a uma maior emprego.
consumo e investimento, definidos não como
agregados, mas compartimentalizados em es- Ainda seguindo Kates, agora citando li-
tágios, podem e devem normalmente variar teralmente Hayek:
em sentidos opostos. O fato de que em condições de sub-emprego
Hayek interpreta o aforismo da Quarta o princípio geral de Mill não se aplica dire-
Proposição (“demanda de mercadorias não é tamente foi, naturalmente, bem conhecido
demanda de trabalho”), sugerindo que Mill pelos “economistas ortodoxos” e por J. S.
procurava enfatizar que é precipitado in- Mill em particular. Em sua exposição a afir-
mação de que a indústria “está limitada pelo
corporar demandas derivadas em economia
capital”, em que, como vimos, a proposta
política e tirar conclusões a esmo. As teorias
em discussão é baseada, imediatamente se-
macroeconômicas modernas, em que as de- guido pela declaração de que “nem sempre
mandas pelo produto final e pelos fatores de vai até esse limite”. E alguns economistas
produção movem-se sempre no mesmo sen- competentes podem nunca ter duvidado de
tido, parecem não dar importância a essa ad- que, em posições de desequilíbrio em que
vertência. Esta é a Quarta Proposição de Mill há reservas não utilizadas de recursos de
segundo Hayek. todos os tipos, a operação deste princípio
Para Kates, ambas essas reinterpreta- é temporariamente suspensa, embora eles
ções afastam-se de Mill. Relacionar mercado- possam nem sempre ter dito isso12.
rias com bens de consumo não é muito certo,
segundo ele. Commodities para Mill são bens Em outras palavras, para Kates, quando
que são consumidos no presente sem deixar há recursos não utilizados, a demanda por
renunciar a um ambiente econômico mais commodities constitui-se em demanda de tra-
produtivo (?) [interrogação nossa]. Não são balho. A partir disto, a conclusão a que chega
apenas os consumidores finais que podem fa- Hayek é bastante diferente da de Mill:
zer isso, mas os governos também (?) [idem], Mais do que nunca, parece-me ser verdade
que a compreensão completa da doutrina
bem como, e em algumas circunstâncias, em-
de que “a demanda de commodities não é
presas. E em segundo lugar, Hayek transfe-
a demanda por mão de obra” – e de suas
re o significado da demanda de mão de obra limitações – é “o melhor teste para um eco-
para a “demanda pura por inputs”, que para nomista”.
ele significa muito mais do que apenas tra-
balho, pois inclui todas as formas de contri- Como podemos inferir da teoria austría-
buição para o processo de produção. Kates ca, não há qualquer “afastamento” de Mill: os
interpreta que o ponto crucial que Mill estava austríacos, desde Menger em 1871, de Mises
tentando ressaltar sobre a relação entre a dis- em 1912 e de Böhm-Bawerk, sempre trabalha-
ponibilidade de capital e e nível de emprego, ram com o conceito de Estrutura de Capital
portanto, desaparece imediatamente.
Na verdade – prossegue Kates – “é pior”.
Tem havido algum debate sobre os anos em 12
Idem. Ibidem, p. 439.
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Ubiratan Jorge Iorio 99

(ou Estrutura Mengeriana de Produção ou damental desta proposição, ainda nos anos
Triângulos de Hayek). 1920, antes, portanto, do surgimento real do
Uma estranha conclusão, segundo Ka- keynesianismo.
tes, dado que Mill tinha considerado esta Se o consumo presente está caindo, isto
uma de suas proposições fundamentais sobre não significa necessariamente que a demanda
o capital. Não poderia ter sido inteiramente de trabalho e de outros fatores também este-
fundamental se contivesse os tipos de “limita- ja caindo: pode significar que a propensão a
ções” que Hayek descreveu. Nada de “estra- poupar esteja aumentando e, portanto, que o
nho” – rebatemos – desde que se considere o consumo futuro também vai crescer, o que,
capital como uma estrutura heterogênea. se for incorporado às expectativas dos pro-
dutores, poderá fazer crescer a produção de
bens de consumo futuros e, assim, aumentar
V - A Quarta Proposição e a TACE a demanda de trabalho no período atual. Para
Hayek, em um dado período, os gastos de
Acabamos de ver, embora ligeiramente, consumo e de investimento podem e, em con-
que, com seu conhecido aforismo “demanda dições de pleno emprego (ou de nível natural
de mercadorias não é demanda de trabalho”, de emprego), devem mover-se em sentidos
Mill procurava ressaltar o perigo da incorpo- contrários.
ração de demandas derivadas em economia Da mesma forma, se o consumo está au-
política. As teorias macroeconômicas moder- mentando (como consequência, por exemplo,
nas, em que as demandas pelo produto final e de uma disposição menor a poupar), isto não
pelos fatores de produção movem-se sempre significa automaticamente que a demanda de
no mesmo sentido, parecem não dar impor- trabalho e de outros insumos componentes da
tância à advertência de Mill e muito menos às Estrutura de Capital esteja também subindo:
dos austríacos, aqui representados por Hayek. pode significar que o desejo de poupar esteja
Assim, na conhecida equação de corte caindo e que, portanto, o consumo futuro tam-
keynesiano Y = C + I, em que Y representa o bém vai cair – porque a formação de capital
produto “agregado”, C o consumo “agrega- vai declinar e não será lastreada na poupança,
do” e I o investimento “agregado”, se um dos que diminuiu –, o que, quando incorporado
componentes da demanda (C, por exemplo) às expectativas dos produtores, poderá dimi-
estiver subindo (caindo), então o outro (I, no nuir a demanda de trabalho imediatamente.
caso), necessariamente, também estará su- Na verdade, este deslocamento de re-
bindo (caindo). Essa suposição – a nosso ver, cursos entre bens de ordens inferiores (“con-
equivocada – é base para todo o keynesianis- sumo”) e bens de ordens superiores (“investi-
mo, com seu conhecido efeito multiplicador. mento”) e entre os diversos estágios da estru-
A formulação austríaca reconhece que tura de produção – os efeitos Ricardo, preços
as duas demandas podem mover-se em senti- relativos, taxas de juros e concertina – é que
dos opostos e essa atenção para com a Quarta leva à coordenação intertemporal ou à sua au-
Proposição daquele economista inglês do sé- sência: coordenação, quando o deslocamento
culo XIX (de quem Hayek era um admirador) é provocado por alterações nas preferências
é uma das diferenças mais significativas entre temporais e falta de coordenação quando é
a teoria dos ciclos austríaca – TACE – e suas causado por manipulações monetárias, por
rivais. crédito não lastreado em poupança.
Na verdade, a quarta proposição de Mill Vale novamente enfatizarmos que a de-
serve para distinguir a “macroeconomia” de manda por fatores de produção é estritamen-
Hayek – e, por conseguinte, a Escola Austrí- te uma demanda derivada e, embora não haja
aca – da macroeconomia keynesiana e Hayek qualquer objeção à noção de demanda deriva-
explicitamente reconheceu a importância fun- da no âmbito microeconômico de análise de
100 A Quarta Proposição de J. S. Mill na Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos

equilíbrio parcial, extrapolar, como fez Key- No contexto macroeconômico, podemos


nes, da empresa ou da indústria para a econo- conceber toda a economia como um conjun-
mia como um todo e afirmar que a demanda to de atividades de consumo e atividades de
da economia por mão de obra é derivada à la investimento. Portanto, dada a fronteira de
Marshall da demanda por bens de consumo é possibilidades de produção, ou seja, abstrain-
incorrer na conhecida falácia da composição, do-nos da questão do crescimento econômi-
que consiste em se admitir que o que é verda- co, que tem o efeito de deslocar essa fronteira
de para uma parte do sistema, então também para cima e para a direita, um aumento em
é verdade para todo o sistema. Observamos um desses dois componentes deve ser acom-
que isso nos leva à própria macroeconomia. panhado de uma diminuição no outro. Para
Por exemplo, se a quantidade de pães fabrica- a economia como um todo, o nível de gastos
dos por um trabalhador em uma padaria for de consumo e do nível de despesas de investi-
muito elevada num determinado dia, o ren- mento devem mover-se em direções opostas.
dimento dos seus colegas aumentará, embo- Hayek reconhece claramente essa relação e
ra a produção dos mesmos possa até ter sido esse reconhecimento viria a se tornar básico
menor naquele dia; porém, se todos os traba- para suas críticas a Keynes, cuja teorização
lhadores na padaria conseguirem produzir desprezou a Quarta Proposição de Mill, já
quantidades muito grandes de pães, o rendi- que, na visão de Keynes, isto se daria apenas
mento do conjunto poderá ser mais baixo. Se no caso especial e improvável de uma econo-
concluíssemos o contrário, incorreríamos na mia no pleno emprego.
falácia da composição. Embora tenha colocado em seu livro
A teoria keynesiana, no entanto, não se mais famoso o título de “Teoria Geral”, Key-
restringe à demanda por bens de consumo, nes, na verdade, em termos metodológicos,
mas a todas as formas de gastos: quanto maior lidou apenas com um caso especial, o de ocio-
a demanda agregada, maior a demanda por sidade de recursos. Conforme nota Garrison,
mão de obra. Este é o ponto fundamental da consumo e investimento podem se mover
análise do tipo C + I + G + X – M, sintetizado no mesmo sentido apenas quando o nível de
no início dos anos 40 por Alvin Hansen (1887- ociosidade de recursos se move no sentido
1975) e John Hicks (1904-1989) nas famosas oposto. Não há custos de oportunidade (ocio-
“curvas IS e LM”. Adicionalmente, de acordo sidade passada não é um custo) associados a
com Mill, qualquer homem que não seja um ter mais de ambos os componentes da ativi-
débil mental intui que aumentos na demanda dade econômica. Com efeito, foi o desprezo
por bens de consumo não aumentarão por si de Keynes em relação à Quarta Proposição de
próprios a demanda de trabalho. Mill que levou Hayek a se referir à economia
O Professor Roger Garrison, da Auburn keynesiana como “economia da abundância”.
University, em resenha ao livro Money, Capi- No ensaio de 1928, Hayek mostra como
tal, and Fluctuations: Early Essays13, observa que o mecanismo de preços relativos do mercado
em dois dos ensaios contidos no livro – Inter- desloca recursos das atividades de consumo
temporal Price Equilibrium and Movements in the para atividades de investimento em respos-
Value of Money, de 1928, e Capital Consumption, ta a mudanças nas preferências intertempo-
de 1932 – Hayek aprofunda a integração da rais dos consumidores. Ele mostra como uma
teoria austríaca do valor com as teorias mo- queda na demanda de produtos (isto é, no
netárias de Knut Wicksell e de Ludwig von consumo corrente), pode ser associada com
Mises. um aumento na demanda de trabalho e ou-
tros inputs no espectro temporal da estrutura
de produção, permitindo assim um aumen-
13
HAYEK, F. A. Money, Capital and Fluctuations:
Early Essays. Chicago: The University of Chicago
to no nível de consumo futuro. Estes são os
Press, 1984. mecanismos de mercado, cuja existência ou
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Ubiratan Jorge Iorio 101

é negada ou ignorada ou negligenciada por da produção. Os dois efeitos (o derivado da


Keynes. demanda e o desconto temporal) atuam sepa-
Eis a essência da TACE: com taxas de rada e complementarmente na estrutura de
juros artificialmente baixas, os consumido- capital.
res reduzem a poupança e passam a consu- Pelo efeito derivado da demanda, uma
mir mais, e os empresários aumentam seus diminuição da demanda por bens de consu-
gastos com investimento. E então se cria um mo desestimula os investimentos nos estágios
desequilíbrio entre poupança e investimento. finais da produção, reduzindo a altura do tri-
Tem-se uma economia com crescimento in- ângulo hayekiano e, pelo efeito do desconto
sustentável. Essa é, em suma, a lição da crítica temporal, uma taxa de juros reduzida estimu-
austríaca aos bancos centrais, desenvolvida la os investimentos nos estágios iniciais da
nos anos 1920 e 1930. produção, aumentando a base do triângulo
Com bastante clareza, o Prof. Garrison hayekiano.
observa que, quando as pessoas optam por Aumentos na poupança, portanto, têm
poupar mais, mandam dois sinais aparente- efeito tanto na magnitude do investimento
mente conflitantes para o mercado: o primeiro quanto no padrão temporal da criação de ca-
é que consumo menor enfraquece a demanda pital. A FPP mostra que mais poupança per-
por bens de capital que estão próximos – em mite mais investimento. O triângulo hayekia-
termos temporais – do produto final de con- no mostra que a criação de capital nos últimos
sumo. Esse é o efeito derivado da demanda. estágios da produção (tais como estoques va-
E o segundo é que uma taxa de juros menor, rejistas) diminui, ao passo que a criação de ca-
que significa empréstimos a custos menores, pital nos estágios iniciais (tais como desenvol-
estimula a demanda por bens de capital que vimento de produtos) aumenta.
estão distantes, em termos temporais, do pro- A estrutura da produção passa a ter
duto final de consumo. Esse é o efeito do des- uma orientação mais voltada para o futuro, o
conto temporal – ou simplesmente o efeito da que é consistente com a poupança, o elemen-
taxa de juros. to que tornou possível tal reestruturação. Ou
Os efeitos derivados da demanda e do seja, as pessoas estão poupando agora para
desconto temporal estarão em conflito apenas aumentar seu poder de compra futuro. U m
se o “investimento” for concebido como um aumento na poupança tem efeitos diferencia-
simples agregado – como é na fórmula key- dos na demanda por mão de obra nos estágios
nesiana C + I + G. Na macroeconomia baseada iniciais e finais. Nos estágios finais, o efeito
no capital, ou seja, na Escola Austríaca, o capi- derivado da demanda (o investimento se dá
tal – logo, o investimento – é concebido como em detrimento do consumo) supera o efeito
uma estrutura. Mudanças na demanda por da taxa de juros. Nos estágios iniciais, o efeito
investimentos, portanto, produzem efeitos da taxa de juros (condições creditícias favorá-
distintos sobre os vários estágios da produção veis) supera o efeito derivado da demanda.
(que podem sofrer adições ou subtrações) que A Escola Austríaca não trata o mercado
compõem a estrutura de capital. de trabalho como um todo, mas especifica um
A teoria de Keynes, que foi feita em ter- mercado de trabalho para cada um dos está-
mos de agregados, negligenciando não só a gios da estrutura de produção. Com altera-
teoria austríaca do capital, mas qualquer ou- ções na taxa de juros, logicamente os salários
tra teoria do capital deu motivos para a afir- específicos por estágio se alteram seguindo
mação de Hayek de que “os agregados do Sr. um padrão, e não uniformemente. A esse res-
Keynes escondem os mecanismos mais fun- peito, embora fosse possível especificar um
damentais da mudança”. mercado de trabalho para cada estágio da
Um aumento na poupança resulta em estrutura de capital, a característica das mu-
uma realocação de recursos entre os estágios danças (ou gradiente salarial, nas palavras de
102 A Quarta Proposição de J. S. Mill na Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos

Hayek), só é revelado se distinguirmos entre no estágio inicial, levando a um crescimento


os mercados de trabalho do estágio inicial e no salário real, ao mesmo tempo em que no
final, conforme a figura 6 nos mostra. estágio final (de bens de consumo final), ela
cai, reduzindo o salário real.
Gráfico 6 Esta conclusão lógica nada mais é do
Mercado de Trabalho por Estágios que a Quarta Proposição de Mill na interpre-
da Estrutura de Capital tação austríaca.

Notemos agora que aumentos na pou-


pança produzem efeitos diferenciados na de-
manda de trabalho nos estágios iniciais e fi- Quando a economia cresce de forma
nais: nos primeiros, o efeito da taxa de juros – sustentada, vale dizer, escorada em uma dis-
ou seja, condições de crédito mais favoráveis posição dos agentes de pouparem mais no
–, é mais forte do que o efeito derivado da de- presente e, por conseguinte, adiarem o con-
manda, enquanto nos estágios finais o efeito sumo, os triângulos hayekianos aumentam
derivado da demanda, em que o aumento no de tamanho, correspondendo a expansões da
investimento se dá em contraposição a uma fronteira de possibilidades de produção. Isto
queda do consumo, supera o efeito da taxa de é visto no gráfico 7.
juros. Isto pode ser visualizado na figura 7, Com o aumento da formação de capital
em que a demanda de mão de obra aumenta da economia, tanto a fronteira de possibilida-
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Ubiratan Jorge Iorio 103

des de produção como a estrutura de produ- e o da menor disposição de poupar, que


ção deslocam-se para cima: o consumo menor aparecem nos gráficos 8 e 9.
enfraquece a demanda por bens de capital que No gráfico 8, um aumento na poupança
estão próximos – em termos temporais – do resulta em uma realocação de recursos entre
produto final de consumo. Esse é o chamado os estágios da produção. Os dois efeitos (o
efeito derivado da demanda. Por outro lado, a derivado da demanda e o desconto tempo-
menor taxa de juros agora vigente, vale dizer, ral) atuam separada e complementarmente
empréstimos a custos menores, estimula a de- na estrutura de capital. Pelo efeito derivado
manda por aqueles bens de capital afastados da demanda, a diminuição da demanda por
dos bens finais de consumo, na estrutura de bens de consumo desestimula os investi-
produção Esse é o efeito do desconto tempo- mentos nos estágios finais da produção, re-
ral ou o efeito da taxa de juros. duzindo a altura do triângulo hayekiano. E
Mas esses dois efeitos só estarão em con- o efeito do desconto temporal dá-se porque
flito se o “investimento” for concebido como uma taxa de juros reduzida estimula os in-
um simples agregado, tal como na abordagem vestimentos nos estágios iniciais da produ-
keynesiana. Na “macroeconomia” austríaca – ção (por aumentar os valores presentes de
que trabalha com uma estrutura de capital o seus projetos de investimento comparativa-
investimento é tratado como uma estrutura. mente aos valores presentes dos projetos de
Logo, alterações na demanda por investimen- investimentos dos estágios mais próximos
tos costumam produzir efeitos distintos sobre dos bens de consumo final), aumentando a
os vários estágios da produção (que podem base do triângulo hayekiano.
sofrer adições ou subtrações) que compõem a A estrutura da produção passa a ter
estrutura. Temos, novamente, a Quarta Pro- uma orientação mais voltada para o futuro,
posição de Mill. o que é consistente com a poupança genuína
que tornou possível tal reestruturação. Ou
Gráfico 7 seja, as pessoas poupam agora para aumen-
Crescimento Sustentado (Lastreado em tar seu poder de compra futuro. Embora o
Poupança Genuína) consumo presente diminua, ele certamente

Para reforçarmos como a Quarta Pro- voltará a crescer a uma taxa maior, assim
posição é importante na TACE, vejamos que a economia se adaptar à nova taxa de
dois casos, opostos e simétricos, o da maior crescimento, que será maior porque os in-
104 A Quarta Proposição de J. S. Mill na Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos

vestimentos que foram feitos eram lastrea- nos estágios iniciais e finais: nos primeiros,
dos em poupança. Assim, poupar mais hoje o efeito taxa de juros – ou seja, condições de
significa poder consumir mais no futuro, crédito mais favoráveis –, é mais fraco do que
tal como no gráfico 7 que explicamos linhas o efeito derivado da demanda, enquanto nos
atrás, que mostra os efeitos de longo prazo estágios finais o efeito derivado da demanda,
dessa disposição maior de poupar. em que o aumento no investimento se dá em
contraposição a uma queda do consumo, é
Gráfico 8 superado pelo efeito taxa de juros. Isto pode
Efeitos de Aumentos na Poupança ser visualizado na figura 9, em que a deman-

E o que dizer de mudanças nas prefe- da de mão de obra diminui no estágio inicial,
rências intertemporais que reduzem o desejo levando a uma queda no salário real, ao mes-
de poupar e, portanto, aumentam a demanda mo tempo em que no estágio final (de bens de
de bens de consumo presente? Notemos ago- consumo final), ela sobe, aumentando o salá-
ra que a queda na poupança produz também rio real.
efeitos diferenciados na demanda de trabalho
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Ubiratan Jorge Iorio 105

Gráfico 9 vestimento” for concebido como um agrega-


Efeitos de Quedas na Poupança do. Na “macroeconomia” austríaca – que tra-

Com a queda da formação de capital da


economia, tanto a fronteira de possibilidades
de produção como a estrutura de produção
balha com uma estrutura de capital - o inves-
deslocam-se para baixo: o consumo maior
timento é tratado como uma estrutura. E, tal
fortalece a demanda por bens de capital que
como no caso anterior, os efeitos produzidos
estão próximos – em termos temporais – do
pelos investimentos sobre os vários estágios
produto final de consumo. Esse é o chamado
da produção são diferentes. Temos, mais uma
efeito derivado da demanda. Por outro lado, a
vez, a Quarta Proposição de Mill.
taxa de juros maior agora vigente desestimula
No gráfico 10, vemos o efeito nocivo so-
a demanda por bens de capital afastados dos
bre a economia que uma preferência temporal
bens finais de consumo, na estrutura de pro-
pró-consumo provoca. Mais consumo signifi-
dução Esse é o efeito do desconto temporal ou
ca menos poupança e, portanto, menos inves-
o efeito taxa de juros.
timento e, por conseguinte, menor formação
Mas, tal como no caso simétrico anterior
de capital. Em poucas palavras, significa re-
em que o desejo de poupar aumentava esses
trocesso e não progresso.
dois efeitos só entrarão em conflito se o “in-
106 A Quarta Proposição de J. S. Mill na Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos

Para a escola Austríaca, o famoso para- conceito agregado rejeitado pelos austríacos.
doxo da poupança de Keynes soa como ab- Se para Keynes a Grande Depressão fora pro-
surdo. De acordo com Keynes, qualquer re- vocada por poupança demais e investimento
dução nos gastos do consumidor iria resultar de menos, para Milton Friedman (1912-2006)
em um excesso de estoques, que por sua vez fora provocada por moeda de menos circu-
causariam cortes na produção, demissões e lando na economia.
espirais baixistas na renda e nos gastos. A eco- Assim, tanto o keynesianismo quanto o
nomia entraria em recessão, e a comunidade monetarismo apresentam falhas comuns, ape-
empresarial iria investir menos. A “solução” sar de o primeiro ser contra o mercado e o se-
que apresentou foi que o governo aumentasse gundo ser a favor. Um desses defeitos é o uso
seus gastos. de agregados; outro, a ausência total de qual-
O paradoxo da poupança sugere falsa- quer teoria do capital; um terceiro, a aceitação
mente que aumentos na disposição de poupar de que os bancos centrais devem existir; e um
gerariam desemprego. Os ciclos econômicos quarto, para resumirmos, a desconsideração
são provocados por poupança de menos e in- dos demais sete elementos da TACE, nele in-
vestimentos demais, e não – como acreditava cluída a Quarta Proposição Fundamental de
Keynes – por poupança demais e investimen- Mill.
tos de menos. A TACE se distingue das abordagens
Sempre pensando em “agregados”, Key- dos keynesianos e dos monetaristas por desa-
nes sustentava que o mercado atua perversa- gregar a economia e por conter uma teoria do
mente, impedindo que a poupança e o inves- capital, o que explica não apenas a alocação
timento se “equilibrem” partindo do pressu- intertemporal de recursos, mas também que
posto de que o desemprego e a ociosidade dos a melhor solução é a de mercado. Com efeito,
recursos eram a regra geral, defendia políticas Hayek mostrou que a coordenação entre pou-
contracíclicas fiscais e monetárias, e, em últi- pança e investimento só pode ser obtida se a
ma instância, uma “socialização abrangente taxa de juros for determinada exclusivamente
do investimento”. Dizem que no início dos pelo mercado. Como observa Garrison,
anos 1940 já não pensava mais dessa forma, Se os estoques varejistas fossem um inves-
mas não deixou nada escrito sobre sua mu- timento “representativo”, então Keynes
dança no modo de pensar, vindo a falecer em estaria certo. Nesse caso, o efeito derivado
1946. da demanda dominaria. Uma redução nos
gastos do consumidor significaria menos
Já Friedman, um incontestável defen-
reposição de estoques. E no geral, os inves-
sor dos mercados, baseava-se em níveis ain- timentos dos estágios finais da produção
da maiores de agregados, podendo-se, nesse ocorrem de acordo com os gastos do consu-
sentido, dizer que era um “keynesiano”. Ali- midor. Entretanto, o efeito da taxa de juros
ás, é famosa uma de suas frases, “we are all domina os investimentos de longo prazo
Keynesians”. A Teoria Quantitativa da Moeda, – ou os estágios iniciais dos investimentos.
MV=PY faz uso de uma variável agregada, Uma taxa de juros mais baixa pode estimu-
o PIB (Y), negligenciando completamente a lar uma construção industrial, por exemplo,
questão da alocação de recursos e as mudan- ou o desenvolvimento de novos produtos.
ças nos preços relativos provocadas pelas in-
jeções de moeda na economia. É famosa sua
alegoria do “helicóptero” despejando moe-
da sobre a economia de maneira uniforme. E
centralizou sua atenção para a relação entre
a oferta de moeda, estabelecida previamen-
te pelos bancos centrais de acordo com uma
“regra x”, e o “nível geral de preços”, outro
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Ubiratan Jorge Iorio 107

Gráfico 10
Efeitos de uma Queda no Desejo de Poupar
sobre Crescimento

gráficos que Garrison se afasta da Praxeologia


VI - A Dinâmica dos Ciclos de Mises nem dos outros elementos básicos
da tradição de Carl Menger, como o trata-
Para compreender corretamente a di-
mento do fator tempo, do capital e da teoria
nâmica da TACE, recomendo vivamente ao
hayekiana do conhecimento. Para nos certifi-
leitor que tenha interesse em se aprofundar
carmos disso, basta entender os gráficos den-
no tema a leitura do livro de Roger Garrison,
tro da perspectiva austríaca.
Time and Money: the Macroeconomics of Capital
Recomendo também a coletânea de ar-
Structure14. Neste livro, que amplia e aperfei-
tigos de Ludwig von Mises, Gottfried von
çoa diversos trabalhos anteriores publicados
Haberler (1900-1995), Murray Rothbard e F.
em revistas especializadas, o autor expõe a
A. Hayek, compilada por Richard Ebeling e
TACE com maturidade, profundidade de co-
com introdução e sumário de Roger Garrison,
nhecimentos não apenas da Escola Austríaca,
The Austrian Theory of the Trade Cycle15, editada
mas da macroeconomia da mainstream, de
pelo Mises Institute em 1996 e cuja edição ori-
maneira brilhante, utilizando-se de gráficos
ginal é de 1978, publicada pelo Center for Li-
extremamente criativos e, exatamente por
bertarian Studies. E, por fim, o livro memorá-
utilizar o instrumental gráfico – que, como
vel de Rothbard, recém editado pelo Instituto
sabemos, não segue estritamente a tradição
Mises Brasil, A Grande Depressão Americana,
austríaca – nos permite comparar com mais
com introdução de Paul Johnson16.
facilidade (especialmente os economistas) os
pontos de vista da Escola Austríaca com os
das escolas rivais. Esse é o grande valor do 15
EBELING, Richard M. (Ed.). The Austrian Theory of
livro e estamos convictos que não é por usar the Trade Cycle and Other Essays. Auburn, Alabama:
Ludwig von Mises Institute, 1996.
14
GARRISON, Roger. Time and Money: The 16
ROTHBARD, Murray N. A Grande Depressão
Macroeconomics of Capital Structure. London and Americana. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises
New York: Routledge, 2001. Brasil, 2012.
108 A Quarta Proposição de J. S. Mill na Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos

Nas linhas que se seguem, vamos tentar brio sustentável, mas um desequilíbrio que,
condensar a interessante análise de Garrison, por algum tempo, fica encoberto pela injeção
acrescentando-lhe nossos comentários. A fi- desses fundos adicionais de crédito. É nesses
gura 11 ilustra a dinâmica da TACE de uma períodos que comentaristas, não vendo além
forma muito interessante. do curto prazo, costumam afirmar que “a eco-
nomia apresenta sinais de recuperação”.
Gráfico 11 Portanto, essa injeção artificial de di-
A Dinâmica dos Ciclos nheiro através dos mercados de crédito cria

Suponhamos que o banco central au-


mente a oferta de moeda. Esse aumento da
oferta monetária entra na economia em um
ponto (ou pontos) específico da estrutura de
capital e não uniformemente, como supõem
os keynesianos e os monetaristas, através dos
mercados de crédito. As chamadas “autori-
dades monetárias”, literalmente, cria dinhei-
ro do nada – já que atualmente não se exige
qualquer lastro – e o coloca em circulação.
Esse novo dinheiro (ΔM) passa a ser visto
como poupança (é o mecanismo da poupan-
ça forçada ou artificial), um dos sete elemen-
tos da TACE a que já nos referimos no início um descompasso entre poupança e investi-
deste artigo. Assim, a oferta de fundos para mento. Os investidores se movem ao longo da
empréstimos (crédito) se desloca para a di- sua curva de demanda, se aproveitando dos
reita – mas sem que tenha havido – sempre menores custos dos empréstimos, enquanto
é bom lembrarmos disso – qualquer aumento os poupadores, por sua vez, se movem ao lon-
da poupança. Reagindo ao incentivo de uma go da sua inalterada curva de poupança, em
taxa de juros menor, os agentes (ação huma- resposta ao menor incentivo para se poupar.
na) passam a poupar menos e a consumir A discrepância entre poupança e investimen-
mais. O resultado não será um novo equilí- to é ocultada por novas criações de dinhei-
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Ubiratan Jorge Iorio 109

ro, que por si só não representam recursos a des de se completar a nova estrutura do capi-
serem investidos. A maioria dos escritos de tal voltada para os estágios iniciais.
Hayek direciona-se a um enfoque menor na A dinâmica desse ciclo, na linguagem
relação básica entre dinheiro e o nível geral de de Mises, gera tanto investimentos excessivos
preços, característica dos monetaristas, e a (sobreinvestimentos) – mostrados no diagra-
um enfoque maior no rompimento da coor- ma da FPP – como também investimentos er-
denação intertemporal causada pela expan- rôneos ou maus investimentos (alongamento
são do crédito. do triângulo hayekiano). Essas distorções são
Condições favoráveis de crédito, como agravadas pelo sobreconsumo (como ilustra-
de hábito, estimulam mais investimentos, o do na FPP e no triângulo de Hayek). O cabo
que sugere um movimento no sentido ho- de guerra que opõe consumidores a investi-
rário ao longo da FPP, no sentido do inves- dores leva a economia para além da FPP, algo,
timento. Mas os assalariados na realidade evidentemente, insustentável. A baixa taxa de
estão poupando menos (logo, consumindo juros favorece o investimento, e as restrições
mais), o que sugere um movimento anti- cada vez maiores de recursos impedem que a
-horário ao longo da FPP, na direção do con- economia atinja esse ponto além da FPP. Essa
sumo. A discrepância entre poupança e in- estrutura de produção temporariamente em
vestimento se converte, no dizer de Hayek, conflito (triângulos desconexos), ou seja, essa
em um cabo de guerra (tug of war) entre con- quebra de coordenação transforma, após al-
sumidores e investidores. Observando a di- gum tempo, um crescimento transitório – por-
mensão do investimento (sentido horário) e que é artificial e, portanto, insustentável – em
a do consumo (sentido anti-horário), vemos recessão e, possivelmente, em uma depressão.
que uma expansão do crédito “empurra” a As tentativas dos bancos centrais de prove-
economia para um ponto localizado além da rem cada vez maior liquidez só irão agravar
FPP. Em outras palavras, está-se exigindo da os problemas que eles mesmos criaram, por-
economia mais do que ela pode oferecer. A que seus diretores, por mais inteligentes que
resposta não tardará e, quanto mais os go- venham a ser, nunca estudaram a TACE.
vernos aumentarem gastos e os bancos cen- Essa é a gênese das estagflações e esse é
trais estimularem o crédito barato, essa res- o mundo em que vivemos atualmente.
posta se tornará cada vez mais dolorosa.
A baixa taxa de juros baixa – porque
é menor do que a taxa natural de Wicksell, VII - Conclusões
outro economista que influenciou Hayek –,
consistente com uma orientação mais volta- Vimos em que consiste exatamente a
da para o futuro, estimula o investimento nos Quarta Proposição de Mill na concepção de
estágios iniciais. Os projetos de longo prazo, Hayek e como ela decorre das três primeiras.
associados aos estágios iniciais da estrutura Vimos também a interpretação neoclássica
de produção, tornam-se mais atrativos do que dessa proposição, suas críticas a Hayek e a
os de curto prazo, associados à produção nos resposta austríaca a elas. Em seguida, mos-
estágios finais, próximos ao consumo. Mas, tramos como em uma formulação teórica que
como os novos investimentos não são lastrea- contemple uma teoria do capital – no caso, a
dos em poupança genuína, não haverá recur- teoria austríaca do capital, com sua estrutura
sos suficientes para outros pontos da estrutu- temporal de produção – a Quarta Proposição
ra de capital e segue-se que a maioria desses do economista inglês desempenha um papel
investimentos jamais será completada. E, na muito importante, ao mostrar que consumo
verdade, o aumento da demanda dos consu- e investimento podem se mover em sentidos
midores atrai alguns recursos para os estágios opostos, ou seja, que “a demanda de bens de
finais, diminuindo ainda mais as possibilida- consumo não é demanda de mão de obra”.
110 A Quarta Proposição de J. S. Mill na Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos

Por fim, reforçando ainda mais a Quarta Pro- – que descrevemos no artigo – tendem a agra-
posição, descrevemos a dinâmica dos ciclos var o problema.
econômicos, que são sempre desencadeados O monetarismo, por sua vez, embora
por fatores monetários, embora se manifes- defenda os mercados livres, peca pela agrega-
tem primordialmente por fenômenos reais, ção, por negligenciar a Quarta Proposição de
como o desemprego de mão de obra. O Prof. Mill e por também não trabalhar com uma te-
Gottfried Haberler, referindo-se às injeções oria do capital, qualquer que viesse a ser esta.
artificiais de crédito na economia, mostra su- Por isso, o “remédio” receitado por Friedman
cintamente como essas emissões provocam para combater grandes recessões – injetar mo-
falta de coordenação na economia: eda maciçamente na economia – para os aus-
[...] o tempo de produção é muito maior do tríacos não é remédio, mas veneno, porque
que o tempo para a circulação do dinheiro. provoca ausência de coordenação entre pou-
O novo dinheiro necessariamente entra no pança e investimento, vale dizer, entre oferta
mercado para bens de consumo muito antes e demanda.
de que os novos processos sejam completa-
Para encerrar, enunciamos novamente a
dos e produzam bens prontos para o con-
sumo17.
Quarta Proposição em uma linguagem austrí-
aca: alterações na demanda de bens de con-
Em outras palavras, se um bem leva, sumo não são acompanhadas por mudanças
por exemplo, oito meses para ser produzido proporcionais na demanda de mão de obra.
e para ser posto à venda em uma loja de de- Adicionalmente, uma queda na demanda de
partamentos, a demanda por esse bem acon- bens de consumo pode acontecer porque os
tecerá antes desses oito meses. Isto é ausên- indivíduos mostram-se mais dispostos a pou-
cia de coordenação. Da mesma forma, não par, o que, sem dúvida, fortalecerá seu poder
existirá coordenação se outro bem precisa de de compra no futuro. Mudanças na demanda
seis meses em produção até ser posto em uma de trabalho não são um simples espelho da
prateleira de uma loja, mas a demanda por demanda de consumo presente, mas refletem
esse bem surgir depois desses seis meses. Na alterações nas preferências intertemporais.
TACE, o elemento que coordena a demanda
com a oferta é a taxa de juros. Por isso, quan-
do os governos alteram artificialmente essa
variável, a falta de coordenação será um fato
líquido e certo. Haverá escassez imprevista
ou formação de estoques indesejados.
Em suma, os sete elementos básicos da
TACE e, muito especialmente, a Quarta Pro-
posição de John Stuart Mill simplesmente de-
molem os argumentos keynesianos em prol
de estímulos à demanda. Evidentemente, essa
proposição por si só não é capaz de tamanha
proeza, mas podemos afirmar que sem ela se-
ria difícil atacar os argumentos de Keynes e
os de seus seguidores. Definitivamente, estí-
mulos à demanda não aumentam o emprego
de mão de obra e, em circunstâncias especiais

17
HABERLER, Gottfried. Money and the Business
Cycle. In: EBELING (Ed.). The Austrian Theory of the
Trade Cycle. p. 57.

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