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ACEPAL

e a Industrialização Brasileira
(1950-1961)
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Chance ler
Dom Dadeus Grings

Re i tor
Ir. Norberto Francisco Rauch

Conselho Editorial
Antoninho Muza Naime
Antonio Mario Pascual Blanch i
Délcia Enricone
Jayme Paviani
Luiz Antonio de Assis Brasil
Regina Zilberman
Telmo Berthold
Urbano Zilles (Presidente)
Vera Lúcia Strube de Lima

Diretor da EDIPUCRS
Antoninho Muza Naime
J acqueline Angélica Hernández Haffner

ACEPAL
e a Industrialização Brasileira
(1950-1961)

Coleção HISTÓRIA 49

EDIPUCRS

Porto Alegre
2002
© EDIPUCRS, 2002

Capa :
Samir Macha do de Machado
Preparação de originais:
Eurico Saldanha de Lemos
Revisão:
da autora
Editoração:
S upernova Editora
Impressão e acabamento:
Gráfica Epecê
Coleção História - Vol. 49
Coo rdenador da Coleção:
Moacyr Flores

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Hl38C Haffner, Jacqueline Angélica Hernández


A CEPAL e a ind u strialização brasileira ( 1950-
1961 l I Jacqueline Angélica Hernández Haffner. -Por-
to Alegre: EDIPUCRS, 2002.
238 p.- (Coleção História ; 49 )
ISBN 85-7430-274-0
1. CEPAL - História 2. Industrialização - Brasil -
História 3 . Brasil - História - Governo Getúlio Vargas
4. Brasil - His tória - Governo Juscelino Kubitschek
5. Integração Econômica- América Latina 6. Integração
Econômica- Brasil I. Título II. Série
CDD 382.981
338.098

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~ EDIPUCRS
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Para
Sérgio, Evelyn e Brian
Sumário

Introdução . .. . . ... ... . ... .... .. . . .. . . .... .. . ... .. .. . . . . .. . .. .. . ... . . . .. .. . . . ... 9

CAPÍTULO I - A viabilização do projeto desenvolvimen-


tista nos governos Vargas e Kubitschek.................. .. .. 19
o A teoria da CEPAL e os aspectos conjunturais do perío-

do 1950- 196 1 ............ .. .......................................... .. .. .. 19


o O papel do Estado na Industrialização .. ...... .. .. .... .... ... 24
o As idéias de Getúlio e Juscelino sopre çiesenvolvimento 45
o Resistências ao proj eto desenvo1vimentista . .. .. .. .. .. .. .. . 65

CAPÍTULO 11 - O papel da assistência técnica e finan-


ceira na Industrialização do período 19p0-1961 ...... 79
o A cooperação financeira como instrumento para al-
cançar a industri;:tlização ............... .. .... .... .. .... .............. 81
o A cooperação técnica como instrumento para alcan-
çar a industrialização .. ...... .. ............................. ........ .. . 97

CAPÍTULO Ill - A importãncia da infra-estrutura


na industrialização segundo a CEPAL, Vargas e
Kubitschek . .. ... . ... . . . . . . .. . . . ... ... . .. . .. ... .. .... . . . .. .. .. .. .. .. . .. .. .. .. . . . 119
o Criação de infra-estrutura nas áreas de energia e mi-
nérios .................................................. .. ............ ........... 127
o Infra-estrutura na área de transportes .. .. .. .. .. .. .. .. .. . .. .. . 141
o Indústria automobilística....... ... .. .. ....................... .. .... . 147
o Setor de comunicações ........ .. ... .. .. ... ............................ 148
o Setor agrário ...... ............ ..... ................... ...... ... .. ... ........ 150

7
CAPÍTULO IV - Os efeitos do crescimento industrial
segundo a CEPAL e sua evolução no período 55-61 . . . 163
• A questão da renda na época............. ........ ............... ... 163
• Efeitos do crescimento industrial na renda................ 174
• Crescimento demográfico ..... ....... ................. ............... 189
CAPÍTULO V - A visão da CEPAL, Vargas e Kubitschek
sobre a integração latino-americana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
• A visão da CEPAL sobre a integração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
• A questão da integração nos governo Vargas e Kubtis-
chek ............ .. ..................... .. ..... ........ .. ...... ........ ... ......... 199
• A proteção do mercado interno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 O
Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. .. . . . .. . . . .. 229

LISTA DE TABELAS
Tabela 1 -Fontes de Financiamento da Industrializa-
ção do Brasil (1950-1954) . . . . . . . . . . . . . .. .. . . . . . . . .. 83
Tabela 2 -Ingresso do Capital Estrangeiro no Brasil
( 1956-1961)....... . .. .. . .. . . . . . . . ... . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . .. .. 94
Tabela 3 -Receitas e Despesas da União ( 1956-1961) . . 95
Tabela 4- Distribuição de Recursos Financeiros da
Comissão Mista Brasil-Estados Unidos ..... 100
Tabela 5- Empréstimos do BNDE em Moeda Nacio-
nal(l952-1962) ................... ................ ....... 106
Tabela 6 - Índices de Crescimento da Energia Elétrica
e da Produção Industrial (1950-1954) .. ..... 134
Tabela 7 - Índices de Crescimento da Energia Elétrica
e da Produção Industrial (1956-1961) ....... 136
Tabela 8- Produção Agrícola (1950-1955) ... ....... ... ..... 156
Tabela 9 -Crescimento e Modificações Estruturais no
Brasil após a Segunda Guerra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
Tabela lO- Importações em Percentagem da Oferta Total 168
Tabela 11 - Salário Mínimo Real (195 2-1961) . . . . . . . . . . . . . . 186
Tabela 12 -Crescimento Demográfico ( 1950-1954) . .. . .. 190
Tabela 13 - Balanço de Pagamentos ( 1948-55) . . . . . . . . . . . . . . 218

8
Introdução

O período posterior à li Guerra Mundial caracteriza-se por


uma conjuntura complexa, cuja especificidade e riqueza exige
uma análise profunda e detalhada. Foram anos significativos
em que se despertou para necessidade de um amplo debate
sobre as questões relacionadas, principalmente, à política
econômica dos países em desenvolvimento.
A grande discussão mundial da época apontava para os
efeitos negativos que produzia o livre comércio nos países
periféricos. Este ataque às economias primárias ou desenvol-
vidas- já que elas comandavam este processo-, supunha um
posicionamento por parte dos governos dos países em desen-
volvimento, em particular sobre planejamento e o protecio-
nismo, que eram vistos como meios de se alcançar a indus-
trialização rápida e eficiente e, conseqüentemente, de se alte-
rar o curso da história da forma como vinha acontecendo.
Isto significava modificar as estruturas dominantes a fim de
diminuir a dependência externa destes países via industriali-
zação, o que se constituía no grande argumento preconizado
pela Comissão Econômica para América Latina e o Caribe
(CEPAL) para atingir o desenvolvimento.
Este órgão, que iniciou suas atividades em 25 de fevereiro
de 1948 sob o comando das Nações Unidas, foi criado com a
principal finalidade de auxiliar os países latino-americanos
na tarefa de promover um melhor desenvolvimento econômi-
co. Por meio desta instituição, realizar-se-iam pesquisas e
relatórios que colaborariam na busca de soluções para os
problemas da América Latina, assim como na obtenção da
cooperação necessária para a recuperação e estabilização des-

9
tes países via industrialização, que em última instância leva-
ria ao desenvolvimento econômico .
Neste sentido, Raúl Prebisch, economista argentino e prin-
cipal pensador da teoria que é a base deste livro juntamente
com a CEPAL examinaram, a partir de uma perspectiva his-
tórica, a realidade latino-americana e entenderam que as trans-
formações necessárias à industrialização correspondiam a
mudanças fundamentais nas estruturas produtivas dos paí-
ses em desenvolvimento e que esta questão era inevitável. Isto
porque tanto as técnicas produtivas como os benefícios de
sua maior produtividade precisavam ser absorvidos por esta
região, que movia-se em sentido contrário às imprescindíveis
alterações, mostrando-se atrasada em relação àquelas que já
haviam se industrializado, o que eqüivale a dizer que os re-
sultados da produção eram transferidos para o exterior, não
conseguindo, portanto, manter os benefícios dentro do país
que os produzia.
Constatadas as dificuldades vividas, no período pós-se-
gunda guerra, pelos países em desenvolvimento, considera-
mos ser o corpo teórico da CEPAL de fundamental importân-
cia para a realização deste livro, porque de um modo geral,
tanto as principais controvérsias do caso brasileiro como seus
mais importantes estímulos políticos mostram-se como sen-
do, basicamente, da mesma natureza daqueles encontrados
no núcleo da teoria do subdesenvolvimento da CEPAL, que
buscava identificar e apontar para a essência dos problemas
que enfrentavam os países da região. Deste modo, o que pro-
curamos verificar, especificamente, são as grandes semelhan-
ças existentes entre o processo brasileiro dos governos de
Getúlio Vargas e J uscelino Kubitschek e o da CEPAL, tanto
em termos concretos como subj etivos. Afinal, em ambos os
níveis havia uma proposição política para países subdesen-
volvidos, em que se colocava em destaque a proposta de su-
perar a dependência externa via industrialização para que esta
fosse adotada como meio de mudar o quadro existente. A idéia
de se industrializar nasce então como uma forma de se ven-
cer a pobreza ou de reduzir as diferenças entre a América
Latina e os países ricos, atingindo-se a independência políti-
ca e econômica através de um crescimento auto-sustentado.

10
O conceito-chave que organizava a teoria da CEPAL e lhe
concedia unidade desde o seu começo - e o faz até hoje -, é a
idéia de propiciar o desenvolvimento. Para alcançá-lo através
da industrialização seria necessário cumprir, dentro dos paí-
ses de economias retardatárias, vários itens de caráter eco-
nômico e social, o que torna possível a aproximação do pen-
samento econômico da CEPAL à discussão do processo de
industrialização brasileira, já que dentro do país esperava-se
atingir obj etivos muito ligados à proposta Cepalina.
A CEPAL expôs minuciosamente toda uma linha ideológi-
ca que explicava o caminho que deveria ser percorrido para
alcançar o desenvolvimento e as transformações que dele sur-
giriam. Atingir a industrialização integral era Vista, então, como
via fundamental da superação da pobreza e do subdesenvol-
vimento do países latino-americanos.
Segundo a teoria Cepalina. era preciso intervir na econo-
m ia dos países que estavam se industrializando j á que se cons-
tatara a impossibilidade de se obter u ma industrialização efi-
ciente e racional através da espontaneidade das forças de mer-
cado. Deste modo, parecia ser imprescindível introduzir o pla-
nejamento econômico guiado pelo Estado . A técnica de pro-
gramação econômica constituía-se como peça fundamental
para atingir os principais objetivos dos países latino-ameri-
canos, pois este era o meio em que se definiria, de uma forma
clara, a expansão desejada dos setores econômicos e os ins-
trumentos de promoção da mesma. Caberia ao Estado, o pa-
pel de ordenar a execução da expansão necessária à indus-
trialização, captando e orientando recursos financeiros nacio-
nais e internacionais e promovendo investimentos diretos em
setores prioritários e naqueles em que a iniciativa privada fosse
insuficiente, assim como propiciar a cooperação técnica ex-
terna nestes países. Previa-se também a integração econômi-
ca da América Latina com o objetivo de se obter melhorias na
produção e a complementaridade entre os países da região.
A instituição pregava ainda que a implantação destas me-
tas gerais possibilitaria a obtenção de grandes benefícios eco-
nômicos , constituindo-se como os de maior importância: a
criação de infra-estrutura, a expansão de um parque indus-
trial, a distribuição de renda e o aumento do emprego;

11
demostrando, assim, que todas estas medidas visavam uma
elevação das condições e níveis de vida da população.
No entanto, é importante destacar que a teoria da CEPAL,
da maneira como foi apresentada na época da sua criação,
fez com que a unidade e abrangência do seu pensamento fos-
se raramente reconhecida de forma integral, apesar da influên-
cia que exercera no contexto latino-americano e brasileiro. Às
vezes as idéias Cepalinas parecem isoladas quando na verda-
de não o são, por isso tentaremos mostrar que a interpreta-
ção da CEPAL dos problemas da América Latina é bem mais
ampla que a mera soma de argumentos localizados. Afinal,
as propostas da instituição foram amplamente confirmadas
através de todas as pesquisas desenvolvidas pelo órgão e pelo
grande grupo de investigadores latino-americanos ligados a
ele .
A atualidade do tema, apesar da teoria ser do final da dé-
cada de 40. pode ser comprovada com a preparação do 13°
Congresso Brasileiro de Economia e o r Congresso Latino-
Americano e Caribenho de Economistas, realizado no Rio de
Janeiro entre os dias 13 a 17 de setembro de 1999, ocasião
na qual ocorreu uma mesa redonda comemorando o cinqüen-
tenário do Manifesto Latino-americano Prebisch-CEPAL, o que
mostra que estas idéias não foram esquecidas e ainda fazem
parte do contexto da região.
Na verdade, trata-se de uma teoria abrangente que leva
em conta não somente fatores econômicos, mas também so-
ciais e históricos de cada país. Raúl Prebisch frisava sempre
que não podiam ser esquecidas as especificidades de cada
nação analisada bem como o seu contexto ao se fazer qual-
quer avaliação econômica, apontando-nos, assim, para a im-
portância da produção analítica da CEPAL, que dedicava-se
exclusivamente para as questões latino-americanas, respei-
tando em todo momento suas particularidades ao mesmo tem-
po apresentando -se de uma forma que fosse adequada aos
problemas do continente.
Neste contexto, consideramos de grande relevância desta-
car justamente a falta de um relato sobre a evolução do de-
senvolvimento brasileiro em relação à controvérsia desenvo1-
vimentista e uma avaliação dos determinantes históricos eco-

12
nômicos dessa evolução. Daí o caráter representativo do tema
aqui apresentado, já que toda a organização do texto visa ex-
plicar o significado histórico do pensamento econômico da
CEPAL em suas ligações com o movimento da própria histó-
ria da industrialização brasileira durante os governos de Vargas
e Kubitschek. Desta forma, este livro se constitui em um res-
gate da teoria Cepalina e da sua importãncia, apesar das con-
trovérsias em torno da sua validade e da quantidade de auto-
res que a contestaram. Por estes motivos, queremos esclare-
cer desde já que a nossa proposta não envolve a discussão de
questões da teoria econômica tradicional, como acumulação
de capital, análise da produtividade industrial, economias de
escala, etc., aspectos que derivam desta teoria e já foram
amplamente abordados por diferentes autores, dos quais se
obteve aprovação e desaprovação, tanto em forma geral como
parcial. Sendo assim, o que será realizado é uma análise glo-
bal da teoria da CEPAL do ponto de vista da industrialização,
da proposta que era feita para efetivar tal situação.
Dentro de uma perspectiva mais específica, este livro de-
senvolve ainda uma avaliação mais completa da história eco-
nômica brasileira da década 50-60, na qual recorremos não
somente aos fatos históricos e econômicos, mas também aos
sociais do período, já que de acordo com a bibliografia anali-
sada, os autores parecem privilegiar sempre mais um aspec-
to em detrimento dos demais. Deste modo, abordamos todos
os pontos da teoria Cepalina da época antes mencionada, em
função do movimento da industrialização brasileira, ou seja,
a nossa preocupação centra-se na análise global dos fatos.
Bielschowsky ( 1996) aponta que o debate brasileiro se
confundiu, por diversas vezes, com o internacional do pós-
guerra. O Brasil, além de ser, evidentemente, um importante
campo de observação e ação para as proposições que esta-
vam em pauta, tanto em relação à reorganização mundial quan-
to ao modo como as novas medidas econômicas mundiais
seriam aplicadas, viu-se fortemente influenciado pelas idéias
de Prebisch e da CEPAL através dos pensadores que trouxe-
ram esta teoria para o país e, posteriormente, dos técnicos
incluídos no governo. Neste sentido, podemos apontar Celso
Furtado como o maior expoente desta geração, que defendia

13
a industrialização, porque por intermédio desta poderia se
chegar ao desenvolvimento econômico .
Nos primeiros anos após a criação da CEPAL, inicia-se no
Brasil, durante o governo Vargas, um processo de fortaleci-
mento das idéias que buscavam promover a industrialização
geral do país e que terão seu auge na metade da década de 50
com Kubitschek. Por estes motivos, mostramos como o pen-
samento econômico e social da CEPAL, que tem em seu nú-
cleo teórico o "sistema desenvolvimentista", assemelha-se
quase que completamente ao difundido inicialmente por Ge-
túlio e posteriormente por Juscelino, que usaram ao longo
dos seus governos os argumentos deste modelo para implan-
tar a indústria de base no país e para sustentar as suas pro-
postas de desenvolvimento nacional.
Sendo assim, é relevante destacar que a escolha dos pri-
meiros anos d,a década de 50 como marco inicia l para este
livro, tem como objetivo demonstrar que há elementos con-
sistentes nesta época que permitem fazer um paralelo entre
os principais aspectos da política econômica brasileira do
período 50-61 e a teoria CEPAL, já que tanto o Brasil como a
instituição estavam comprometidos com a procura de formas
adequadas de implantar e defender o desenvolvimento. Alérri
disso, havia dentro do país um contexto político que estimu-
lava as discussões, abrindo espaço para que os debates em
torno do desenvolvimento fossem cada vez mais freqüentes.
Por estes motivos, o objetivo central da nossa discussão é for-
mar um tripé composto pela teoria da CEPAL, os governos de
Vargas e de Kubitschek, para que sejam verificadas as aplica-
ções das formulações da instituição dentro do Brasil, da sua
influência e importância na política econômica seguida na
época.
Quanto à metodologia empregada na elaboração deste li-
vro, optou-se pela discussão, em um primeiro momento, da
teoria da CEPAL, seguida da história social, política e econô-
mica do governo Vargas e posteriormente os mesmos aspec-
tos do período Kubitschek. A escolha por um estudo funda-
mentado numa seqüência cronológica deve-se ao fato de que
ao analisar as hipóteses levantadas tivemos que separar a
teoria da CEPAL em cinco grandes capítulos uma vez que

14
apresentados desordenadamente poderiam provocar desen-
contros e dificuldades na análise do mesmos .
Avaliando a bibliografia encontrada, destacamos uma
maior variedade na referente ao período de Getúlio Vargas
em relação ao do governo Juscelino Kubitschek que aparece
em menor número. Sobre Vargas, existe uma quantidade
satisfatória de publicações que tratam desse governo sob di-
ferentes pontos de vista, propiciando assim uma visão mais
ampla desse período . Já no que diz respeito a JK. as análises
estão concentradas nos aspectos econômicos e políticos. fal-
tando relatos mais específicos de caráter social. Nesta mes-
ma perspectiva podemos afirmar ainda que a quantidade de
autores além de ser mais reduzida quando comparada ao
governo getulista caracteriza-se pelo fato dos mesmos, por
várias vezes . se referirem mutuamente não modificando de
forma significativa os pontos de vista já tratados nas publica-
ções estudadas. Por estes motivos, recorremos insistentemente
aos discursos de Juscelino e as publicações da presidência
da República para elaborar a análise do período.
No que tange à divisão e organização do livro, a teoria da
CEPAL é analisada em cinco capítulos, que são abordados
como vem a seguir.
No primeiro capítulo, são apresentados inicialmente, os
aspectos conjunturais do período 55-61. Posteriormente, tra-
tamos do papel do Estado nas atividades econômicas, da vi-
são da CEPAL sobre esta questão, e do comportamento do
governo brasileiro neste período para fornecer as bases eco-
nômicas , políticas e institucionais capazes de propiciar a in-
dustrialização. Neste sentido é destacado o papel desempe -
nhado por Vargas na implantação de órgãos que dessem sus-
tentação ao projeto desenvolvimentista e que futuramente se-
riam de fundamental utilidade para que Kubitschek levasse
adiante esta proposta. Também são discutidas as ideologias
destes governantes e as resistências aos seus projetos.
No segundo capítulo, elucidamos a importância dada pela
CEPAL à obtenção de assistência técnica e financeira por par-
te dos países que estavam se industrializando. Partindo deste
ponto de vista, analisamos o tipo de ajuda externa obtida pelo
Brasil para se industrializar, tanto de ordem financeira co-

15
mo técnica, e as diferentes posturas que tiveram Vargas e
Kubitschek em relação ao capital externo e ao comprometi-
mento que o país deveria ter neste sentido. Por outro lado,
vemos como foram canalizados os recursos internos para a
industrialização via Comissão Mista Brasil-Estados Unidos,
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e o
papel que exerceu a CEPAL no período.
No terceiro capítulo, analisamos a proposta da CEPAL
quanto à criação de infra-estrutura nas economias retardatá-
rias. Fazemos um mapeamento do que foi instalado dentro
do Brasil nas áreas de energia e mineração, transporte, in-
dústria automobilística, comunicações e agricultura. A ques-
tão da infra-estrutura que se mostra como de real importân-
cia para o país conforme os argumentos de Getúlio e Jusceli-
no, é amplamente discutida já que ambos acreditavam que a
ausência de uma infra-estrutura sólida impediria o avanço
da industrialização . Por esses motivos, os presidentes se em-
penharam, ao longo da década de 50, para a implementação
desta proposta. Também são apresentadas as profundas trans-
formações estruturais pelas quais o país passou e que exigi-
ram uma marcada intervenção do setor público na economia.
No quarto capítulo , discutimos os benefícios apontados
pela CEPAL como provenientes do crescimento industrial, que
somente poderia ser atingido, nos países de economias retar-
datárias, via industrialização. Vemos ainda se efetivamente
houve mudanças para a população em termos da realização
de melhorias nas condições de vida por meio de um aumento
da renda e dos níveis gerais de vida no período em pauta.
Observamos também, o aumento da produtividade industrial,
procurando mostrar que este período foi caracterizado por
um forte ciclo expansivo do setor industrial, o que levou a
uma diversificação da estrutura produtiva, fazendo com que
se sentissem os efeitos na renda provenientes desta nova si-
tuação. Outro aspecto mostrado neste capítulo refere-se à in-
terferência do crescimento demográfico no processo de indus-
trialização e os efeitos provocados na economia devido ao gran-
de número de mão-de -obra à disposição na época.
No quinto capítulo discutimos a proposta da CEPAL no
que se refere à integração regional e como o Brasil de Getúlio

16
Vargas e de Juscelino Kubitschek atuaram neste sentido,
tanto interna como externamente. Também analisamos a im-
portância da proteção do mercado interno para realizar a in-
dustrialização, assim como os diferentes ajustes que foram
efetivados na época para tornar os produtos brasileiros com-
petitivos internacionalmente. Por outro lado, apontamos a
complexidade que envolvia levar adiante estas propostas inte-
gracionistas, obrigando Vargas e JK a trabalhar diplomatica-
mente estas questões de política econômica do país, para
atingirem os seus objetivos sem muita resistência interna e
externa.
Embora ao longo de todos os capítulos deste livro ocor-
ram avaliações dos dados apresentados, ao final destacamos
algumas conclusões mais específicas, evidenciando assim a
relevância da elaboração de um estudo deste tipo.

17
CAPÍTULO I
A viabilização do projeto
desenvolvimentista nos
governos Vargas e Kubitschek

A teoria da CEPAL e os aspectos conjunturais do


período 1950-1961
No começo da d écada de 1950, o Brasil se caracterizava
como um país de economia basicamente primária. Sua forma
de produção estava baseada no sistema primário-exportador,
ou seja, voltado para fora, que era o meio de produção predo-
minante na época nos países subdesenvolvidos. Desta forma,
é possível assegurar que o país firmava-se economicamente
num tipo de relacionamento comercial internacional altamente
vulnerável às crises econômicas dos países importadores de
produtos primários e às flutuações dos preços internacionais .
No século passado e nas primeiras décadas deste século,
este tipo de problema envolveu não só o Brasil mas também
outros países latino-americanos que tinham métodos de pro-
dução atrasados em relação aos grandes centros industriais.
Tendo como base a probiemática das exportações e sua
alta vulnerabilidade, era necessário, portanto, efetivar a in-
dustrialização dos países periféricos para a modificação des-
te quadro. As análises que contrariavam o desenvolvimento
industrial recebiam atentas respostas e exigia-se um aprimo-
ramento dos projetos deste setor, destacando-se, neste senti-
do, o trabalho da Comissão Econômica para América Latina
e o Caribe (CEPAL). Esta instituição teve grande destaque neste
período, afinal tratava-se de um órgão internacional criado

19
pelas Nações Unidas, após a II Guerra Mundial, exatamente
no ano de 1948, com o objetivo de promover o desenvolvi-
mento latino-americano.
O que de fato estava acontecendo, mesmo sob o olhar dos
mais cépticos, era uma evidente transformação. Este argu-
mento podia ser confirmado pelas estatísticas, que cada vez
mais divulgadas tanto pelos órgãos de governo nacionais como
internacionais, sobre assuntos econômicos. Além disso, os
discursos de personalidades públicas e de entidades desen-
volvimentistas internacionais e nacionais como a CEPAL fa-
ziam com que a consciência das elites fossem conquistadas,
assim como a dos políticos e técnicos do país .
Em 1948, a CEPAL começava a caracterizar as dificulda-
des que as estruturas econômicas e sociais da periferia te-
riam durante o seu desenvolvimento, e a definir o modo de
superá-las. Isto porque tratava-se de uma teoria de industria-
lização problemática, uma vez que as economias latino-ame-
ricanas mantinham um processo industrial de padrões dife-
rentes do europeu, ou seja, não existia uma acumulação de
capital capaz de financiar as necessidades crescentes desta
área. Foi pensando nisto que se buscou elaborar uma teoria
específica cujo objetivo era introduzir o planejamento como
princípio orientador, a fim de que fosse possível abrir o cami-
nho para o crescimento rápido e equilibrado.
A instituição pensava, na época, que os resultados do de -
sempenho do Estado seriam traduzidos em melhorias dentro
do país. E mais, acreditava-se que a industrialização permiti-
ria à periferia o acesso aos métodos produtivos mais eficien-
tes. Atingidos estes objetivos, conseguir-se-ia, então, aumen-
tar a produtividade do trabalho, assim como a absorção de
mão-de-obra, que era um problema sério a ser sanado. Desta
forma, o progresso técnico seria difundido em toda a estrutu-
ra produtiva, proporcionando a perda do seu caráter hetero-
gêneo e especializado de produzir, aspecto marcante das es-
truturas atrasadas de produção. Rodríguez, sintetiza bem esta
parte da teoria da CEPAL:

"( ... ) durante a fase de desenvolvimento para dentro


[nome dado pela CEPAL ao período no qual começa

20
a haver uma mudança de paradigma nas economias
periféricas no que se referia as exportações e im-
portações, ou seja, nafase de desenvolvimento para
dentro começa acontecer a industrialização]. A ex-
pansão das economias periféricas se baseia obriga-
toriamente na industrialização. Esta última se reali-
za necessariamente, através da produção interna de
bens que antes eram importados, ou seja, a substi-
tuição de importações, num sentido físico. Para que
a industrialização se dê, é preciso, além disso, limi-
tar a importação dos bens supérfluos, para que se
possa aumentar as importações necessárias para
produzir os bens cuja substituição for empreendida;
mas como se comprime a importação de certos tipos
de produtos e se expande a de outros tipos, a substi-
tuição de importações é acompanhada de uma mu-
dança na composição das importações. Através da
industrialização substitutiva, logra-se (. .. ) que a pro-
dução e a renda cresçam a um ritmo superior ao das
importações e exportações globais. Assim, a indus-
trialização através da substituição de importações
traz consigo uma baixa nos coeficientes de impor-
tações e exportações das economias periféricas"
(Rodríguez, 1981, p. 74).

Uma vez que as bases da teoria da CEPAL estavam funda-


mentadas na necessidade da participação decisiva do Estado
no processo de desenvolvimento, este desempenharia um pa-
pel fundamental na industrialização periférica. Todo o apare-
lho burocrático ficaria à disposição deste objetivo e o bem
maior a ser alcançado seria o desenvolvimento, que se obte-
ria via planejamento econômico. O Estado teria que atuar como
impulsionador das atividades econômicas, proporcionando,
assim, a condução deliberada do processo de industrializa-
ção, atividade esta que seria orientada pelo mercado interno
nacional, começando pelos bens mais simples e chegando aos
mais complexos, os quais requereriam quantidades maiores de
capital e tecnologia. Conforme Rodríguez aponta, a intervenção
estatal na forma de planejamento era "vista como um requi-
sito da política de desenvolvimento, sendo esta última uma
condição necessária do próprio desenvolvimento" (idem, p . 171 ).

21
O mesmo autor afirma ainda que:
"Os documentos da CEPAL observam, com fre-
qüência, que a intervenção estatal não é compatível
com o funcionamento da economia de mercado, mas
que, pelo contrário cumpre o papelfundamental de
dar curso e eficácia a seufuncionamento. Em outras
palavras, a posição da CEPAL é contrária ao laissez-
faire [as livres vontades da economia]. mas ao mes-
mo tempo parte do conhecimento da existência de
um regime de iniciativa privada, cuja eficácia e ade -
quação aos grandes objetivos do desenvolvimento
dependerão de diferentes graus de intervenção, de
acordo com as características concretas de cada eco-
nomia periférica e, especialmente, com a gravidade
de seus problemas de estrutura" (ibidem, p. 172).

Neste sentido, a fim de que se realizasse o projeto de de-


senvolvimento brasileiro houve na década de 50 dois gover-
nantes que se preocuparam com esta questão. O primeiro foi
Getúlio Vargas e o segundo Juscelino Kubitschek.
Vargas teve grande relevância neste processo porque rea-
lizou um extenso delineamento sobre como deveria ser o de-
senvolvimento do país. Defendia a necessidade de o Estado
tomar o rumo da industrialização, ir além das medidas já
propostas por governos anteriores e foi com este fim que ele,
em conjunto com seus assessores, introduziu o conceito de
planejamento na economia brasileira, tanto no nível teórico
como prático conseguindo de uma forma bem acentuada a
aceitação deste novo tipo de modalidade na administração do
governo. No entanto esta temática toda perdeu um pouco seu
rumo com a deposição de Vargas mas logo foi recobrada pelo
seu sucessor.
Juscelino Kubitschek foi empossado em 1956 e como o
novo presidente eleito do Brasil retomou a ampla e profunda
transformação que vinha acontecendo no país desde o segun-
do governo de Getúlio Vargas, ou seja, a partir deste momen-
to começam a se aprofundar todas as etapas de implantação
da indústria de base e de infra-estrutura existentes.
O novo governo eleito pelo voto direto, ao entrar em cena
após a morte de Getúlio, encontra circunstâncias conjunturais

22
muito diferentes daquelas enfrentadas pelo presidente ante-
rior. Isto porque, inicialmente, o colapso do pós-guerra já havia
passado e as condições econômicas e sociais do país e do
mundo eram outras em comparação às do início da década
de 50. A diferença principal residia no fato de que o mundo
se encontrava organizado e não mais em fase de reorganiza-
ção. Sendo assim, as diretrizes gerais de como devia se com-
portar o mundo tanto no nível econômico como no social já
estavam dadas e os efeitos provenientes do conflito não se
faziam sentir como no segundo governo de Vargas.
Esta especificidade trouxe amplos benefícios para o su-
cessor de Getúlio, pois os problemas que deveria enfrentar
estavam mais voltados para a parte interna que a externa, ou
seja, uma vez que o mundo não se encontrava tão conturbado
como no governo anterior, havia maiores facilidades para o
Brasil de se relacionar com os demais países, promovendo,
assim, maior estímulo aos aspectos internos do desenvolvi-
mento. No que se refere à teoria da CEPAL, esta continuava
pregando as mesmas transformações que no período de Vargas
o que trazia notadas vantagens para o novo governante e
maiores possibilidades para poder realizá-las .
O relacionamento estabelecido entre o Estado e a econo-
mia já não estava determinado pelo comportamento externo
e sim pelo fator interno do país ou da indústria que havia
conseguido se instalar. Nestes termos, os investimentos go-
vernamentais e privados, nacionais e estrangeiros foram pro-
gramados de acordo com a infra-estrutura preexistente no país.
O papel do Estado na economia e no desenvolvimento havia
sido amplamente discutido e existia dentro do país uma grande
consciência em torno da questão do planejamento econômico
divulgada pela CEPAL e dos benefícios deste tipo de compor-
tamento governamental.
Deste modo, o debate realizado no governo Kubitschek
estava relacionado mais com a continuidade do desenvolvi-
mento do país e com a total estruturação da indústria de base
que com a problemática da industrialização que era a grande
preocupação de Vargas . Na realidade, esta discussão já havia
sido efetuada ao longo de toda a primeira metade da década
de 50 e o tema era bastante comum em todas as esferas eco-
nômicas. Desta forma, os empecilhos encontrados para efeti-

23
var este processo eram diferentes, já que as bases para reali-
zar esta grande tarefa haviam sido dadas no governo anterior
e estavam amplamente em andamento.
O que se podia notar, na época, era que o Brasil estava
absolutamente preparado para continuar o trabalho que
Getúlio havia começado . De fato, Vargas deixara as bases
institucionais e financeiras necessárias para dar continuida-
de à industrialização brasileira, cabendo a Juscelino aprovei-
tar estas condições que se mostravam extremamente satisfa-
tórias. Além disso, havia acontecido uma mudança no para-
digma das idéias econômicas: instaurara-se dentro do país a
discussão do planejamento econômico, concluíra-se também
que esse era o único caminho para atingir o desenvolvimento
e, por último, havia material humano suficientemente treina-
do e motivado para efetivar as idéias já iniciadas.
Os maiores entraves que Juscelino iria encontrar no seu
governo seriam, portanto, de ordem política, porque a oposi-
ção identificava no novo governante a imagem das idéias
Getulistas. Os oposicionistas pensavam que era muito peri-
goso para o país dar continuidade às propostas de Getúlio,
principalmente devido aos resultados marcantes da era Vargas .
Sendo assim, foi iniciada uma luta política que perdurou ao
longo de todo o governo com o intuito de desestabilizar o pre-
sidente e a sua ideologia desenvolvimentista.
Por estes motivos, Kubitschek tentou durante todo o seu
governo manter uma atitude que tentasse agradar tanto aos
militantes do partido da União Democrática Nacional (UDN),
como aos militares antigetulistas e ao grupo que via com sim-
patia as idéias do presidente deposto. Na verdade, houve uma
continuidade das idéias de Getúlio neste novo mandato. Cer-
tamente, vários conceitos foram modificados, mas no que se
refere ao pensamento desenvolvimentista, este conseguiu ser
mantido pelo novo governante.

O papel do Estado na industrialização

O governo de Getúlio Vargas


No início do segundo mandato de Vargas já havia dentro
do país uma conscientização de que a economia brasileira

24
deveria mudar. A diferença básica entre aquele momento e os
anos anteriores era o fato da industrialização ter deixado de
ser um expediente ocasional para transformar-se em uma
política definida, no sentido de modificar drasticamente a es-
trutura existente. A razão fundamental desta mudança foi a
tomada de consciência de que, no futuro, o Brasil não pode-
ria alcançar elevado ritmo de crescimento se continuasse a se
apoiar basicamente na exportação de seus principais produ-
tos primários. Era necessário desenvolver-se e criar um par-
que industrial dentro do país, não somente para exportar, mas
também para obter uma maior autonomia internacional e para
acompanhar a tendência mundial do pós-guerra.
A relação criada por Getúlio entre o Estado e o desenvol-
vimento brasileiro mostra-se, portanto, de extrema importân-
cia. Foi este governante que teve a ampla visão de que o mun-
do era outro, totalmente diferente do período anterior à guer-
ra, e que quem não mudasse a forma de encará-lo não pode-
ria acompanhar o rumo dos acontecimentos mundiais do
pós-guerra. Era imperativo para o país uma mudança no
padrão comercial e industrial para atender às necessidades
internas e externas.
Desta forma, com a finalidade de resolver os problemas
econômicos e financeiros mais urgentes do país, e em favor
do desenvolvimento industrial acelerado, o Estado foi levado
a assumir tarefas novas e a desempenhar papéis decisivos
para a expansão econômica ocorrida posteriormente, ou seja,
fora adotado o planejamento econômico dentro do país . De
fato estas idéias estavam influenciadas pela teoria da CEPAL
que causaram grande repercussão na América Latina na épo-
ca, após a publicação do Estudio Económico de 1949 de Raúl
Prebisch, grande economista latino-americano, nascido na
Argentina, que influenciou muito o pensamento sobre desen-
volvimento e políticas econômicas da região. Vale dizer que
esta teoria defendia a importância do planejamento econômi-
co nas economias dos países latino-americanos, que fora
introduzida no Brasil, por Celso Furtado, na Revista Econô-
mica Brasileira e no Grupo Misto da CEPAL com o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). grupo que
é apresentado mais detalhadamente no capítulo seguinte, as-
sim como Furtado.

25
Para atingir o grande objetivo da industrialização, Getúlio
incumbiu ao seu ministro da Fazenda Horácio Lafer a estr u-
turação da base financeira e administrativa interna e externa
para os investimentos em infra-estrutura do país. Obteve a
aprovação do Congresso e sua viabilização foi possível devido
ao Plano de Reaparelhamento Econômico, administrado pelo
BNDE . Os recursos em moeda estrangeira seriam negociados
com o Eximbank e com Banco Internacional de Reconstrução
e Desenvolvimento ou Banco Mundial (BIRD). apoiados por
projetos formulados pela Comissão Mista Brasil-Estados Uni-
dos , a qual analisamos no próximo capítulo.
O presidente também criou um Conselho de Desenvolvi-
mento Industrial (CDI), que orientaria os investimentos in-
dustriais por meio de planos setoriais. Além deste aparelha-
mento burocrático, formou, ainda, sua assessoria Econômi-
ca, a quem caberia formular os projetos mais complexos do
seu governo.
As iniciativas de planejamento do governo Vargas eram,
portanto, oriundas de três grupos que se caracterizavam pela
sua operacionalidade, tanto financeira como administrativa:
a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, a Assessoria Eco-
nômica e o BNDE. E:ste grupo estratégico surgia num momento
em que o BIRD fazia sentir sua força tanto no âmbito finan-
ceiro como na área das recomendações de planejamento, o
que era traduzido em exigências que iam além das questões
econômicas e que afetavam os assuntos internos dos países
que estavam recebendo ajuda financeira.
Neste período, que coincidia com o da criação da CEPAL,
o que existia, era este grupo de técnicos trabalhando em con-
junto com órgãos do governo, cujo ideal firmava-se na indus-
trialização planejada, vista como a solução histórica para o
atraso e os problemas sociais brasileiros , que faziam com que
ao longo de todos esses anos o Brasil não conseguisse sair da
condição de país de economia retardatária. Acreditava-se, ain-
da, que as modificações internas deveriam ser comandadas
pelo governo e que não poder-se-ia aguardar a iniciativa de
capitais internacionais para tal propósito . Vale dizer, que ha-
via um certo ceticismo quanto à real participação do capital
estrangeiro na formação da indústria nacional, principalmente

26
no que se refere aos setores estratégicos mais cobiçados, como
o do petróleo, da mineração, do transporte e da energia elé-
trica, assim como também da grande indústria siderúrgica e
química, itens que assumiam uma conotação nacionalista e
estatizante. Quanto aos demais setores industriais , o capital
estrangeiro era bem-vindo, sempre que não fosse utilizado em
itens estratégicos da industrialização . Defendia-se o fato de
que os investimentos privados deveriam obedecer à ordena-
ção de um planejamento econômico.
Conjuntamente com o presidente havia, ainda, um grupo
de profissionais que também pregavam as idéias desenvolvi-
mentistas. Por este motivo, criou-se um meio de divulgação
desta teoria que foi a revista Cadernos de Nosso Tempo,
editada pelo Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e
Política (lbesp) entre 1953 e 1956. Nesta instituição, reuni-
ram-se um grupo destacado de sociólogos, filósofos e histo-
riadores como Hélio Jaguaribe, Guerreiro Ramos, Roland
Corbisier, Vieira Pinto, Cândido Mendes e Nelson Werneck
Sodré, os quais, em conjunto, trabalhavam para fazer não
somente uma análise dos problemas estruturais da economia
brasileira como também objetivavam a sua divulgação. A im-
portância destes pensadores neste período alia-se ao fato
de que pregavam, da mesma forma que a CEPAL, as grandes
idéias colocadas pela instituição. Segundo esta última, as mu-
danças viriam para beneficiar as camadas sociais menos avan-
tajadas, ou seja, pretendia-se uma transformação política a
fim de que fossem tomadas medidas econômicas de caráter
essencialmente social.
A partir dos aspectos apontados acima, podemos consta-
tar, então, que estes técnicos eram, na sua grande maioria,
pessoas particularmente preocupadas com as condições de
desemprego, pobreza e atraso cultural da população brasilei-
ra, o que colaborava com as propostas que o governo queria
colocar em prática.
Nesta época, também circulavam dentro do país, como
já foi explicitado, as idéias da recém-criada CEPAL, o que le-
gitimava a questão do desenvolvimento e reforçava os dife-
rentes posicionamentos internos sobre como deveria ser con-
duzida a indústria nacional para atingir este fim. Segundo

27
Bielschowsky, a instituição era bem aceita por correntes não-
nacionalistas (reunida na Comissão Mista e no BNDE) e pela
corrente nacionalista (assessoria econômica de Vargas e ou-
tro segmento do BNDE) (Bielschowsky, 1996, p. 326).
A caminhada para implantar a industrialização era longa.
Por este motivo, foram criadas condições de infra-estrutura e
institucionais para a aceleração do desenvolvimento industrial
do país, elementos necessários para a realização desta gran-
de empreitada. Não só foram gerados novos órgãos destina-
dos a favorecer o desenvolvimento econômico, mas também
realizaram-se estudos técnico-científicos sobre os problemas
brasileiros nesta área. Além disso, aprofundou-se o debate
técnico e político sobre as perspectivas abertas à expansão
da economia nacional o que propiciou a discussão a propósi-
to do planejamento desta área e da adoção de políticas elabo-
radas pelo governo e seus diferentes setores. Essa foi, por-
tanto a época em que se criaram novos órgãos governamen-
tais, com a finalidade específica de impulsionar a industriali-
zação e a resolução de problemas econômicos, financeiros e
administrativos.
O surgimento de instituições de regulamentação e contro-
le das atividades econômicas do país, ocorrido antes do se-
gundo governo de Vargas, foi decisivo para a realização do
projeto desenvolvimentista uma vez que tais instituições pas-
saram a ser utilizadas efetivamente neste mandato, pois as
bases institucionais já estavam firmadas . A exemplo do que
foi dito destacavam-se: o Departamento Administrativo do
Serviço Público- Dasp ( 1938), o Conselho Federal de Comér-
cio Exterior- CFCE ( 1934), o Conselho Técnico de Economia
e Finanças - CTEF ( 1937), a Coordenação de Mobilização
Econômica - CME ( 1942), o Conselho Nacional de Política
Industrial e Comercial - CNPIC (1944) e a Comissão de Pla-
nejamento Econômico- CPE ( 1944). Estes novos órgãos reu-
niam autoridades do governo, empresários, militares nacio-
nalistas e técnicos civis. O que os aproximava era a consciên-
cia do bem comum do país, assim como o resguardo da eco-
nomia nacional e das suas estruturas, fato este que seria am-
plamente divulgado no segundo governo de Vargas. De acor-
do com Bielschowsky e Furtado, o objetivo era fazer com que

28
o país não fosse tão suscetível às mudanças e crises interna-
cionais e para isto as bases que criaram uma consciência
desenvolvimentista foram estabelecidas, a fim de que um pro-
cesso auto-sustentado levasse à industrialização do país
(Bielschowsky, 1996, p. 254, Furtado, 1979, cap. XXXII).
Dos órgãos citados acima saíram vários técnicos que atua-
riam futuramente no segundo governo de Vargas ou na área
acadêmica, influenciando, assim, o rumo do país. É o caso de
Simões Lopes, que seria posteriormente presidente da Fun-
dação Getúlio Vargas, ou ainda, Tomas P Accio1y Borges e
América Barbosa Oliveira, dois desenvolvimentistas convic-
tos, destacando-se o último como fundador do Clube dos Eco-
nomistas, em 1954, juntamente com Celso Furtado.
Outras personalidades desenvolvimentistas importantes,
que emergiram destes órgãos foram o General Horta Barboza,
que teve um papel de caráter expressivo na Companhia Nacio-
nal de Petróleo, entre 1948 e 1953, e Jesus Soares Pereira,
que chegaria a ser chefe da Assessoria Econômica de Vargas,
entre 53-54, destacando-se pela autoria dos principais proje-
tos da Petrobrás e Eletrobrás.
Da Coordenação da Mobilização Econômica temos Ary
Torres, personalidade que obteve grande importância no iní-
cio dos anos 50, chegando a se tornar figura desenvolvimentista
marcante ao chefiar a seção nacional da Comissão Mista Bra-
sil-Estados Unidos, assumindo, posteriormente, a presidên-
cia do BNDE.
Ainda nesta época, surgiu do Conselho Nacional de Políti-
ca Industrial e Comercial um amplo debate em torno do de-
senvolvimento do país e o seu planejamento. O maior expoen-
te deste órgão foi Rômulo de Almeida, personalidade que li-
derou o pensamento desenvolvimentista no início da década
de 50 , passando depois esta liderança para Celso Furtado.
A criação destas agências para o planejamento setorial e
geral foram de fundamental importância no caminho que se-
ria traçado posteriormente, no qual a transição para o capi-
talismo industrial dentro do país era irreversível. Estes ór-
gãos tornaram-se, sem dúvida, os principais núcleos de refle-
xão sobre a questão do desenvolvimento brasileiro . Vale lem-
brar ainda, que os técnicos que participaram destes debates

29
tiveram suas idéias amadurecidas a partir da Revolução de
30 e concretizadas, objetivamente, no segundo governo de
Vargas.
É relevante ressaltar também que estes órgãos, em con-
junto com seus técnicos, criaram as bases para que, poste-
riormente, no segundo governo varguista, estas políticas de
desenvolvimento fossem instrumentalizadas, uma vez que o
planejamento econômico já não era um assunto desconheci-
do dentro do país. Desta forma, estas personalidades pude-
ram trabalhar as idéias desenvolvimentistas que estavam
absolutamente inseridas dentro da teoria da CEPAL e consti-
tuíam a base do seu pensamento, caracterizando, assim, este
período do primeiro governo Vargas como o ponto de origem
do projeto desenvolvimentista.
Também foram muito importantes os técnicos que com-
puseram a assessoria de Getúlio e tiveram uma participação
ativa no seu governo. Foi certamente o foco nacionalista do
presidente que se mostrou mais eficaz. Em primeiro lugar,
por serem pessoas de absoluta confiança de Vargas, muito
ligadas a ele e, em segundo lugar, por serem técnicos eficien-
tes e convincentes para comandar o projeto desenvolvimentista,
pela sua capacidade de articulação juntamente com a convic-
ção que tinham de obter êxito. Grande parte da obra arquite-
tada na época foi realizada por estes assessores, tanto no
Ministério como no Parlamento. Segundo D'Araújo:

"dessa assessoria brotaram grandes estudos e surgi-


ram grandes discussões acerca da importância de se
pensar o desenvolvimento do Brasil num sentido mais
integrado, preservando as riquezas nacionais, geran-
do mais empregos, mas acima de tudo, dando ao Esta-
do brasileiro um papel mais decisivo no encaminha-
mento da economia nacional" (D'Araújo, 1986, p. 125).

Quanto à viabilização da implantação da indústria, foi ne-


cessário acertar alguns problemas políticos. Isto porque o
populismo de Vargas, fundamentado nas promessas de refor-
mas sociais e no nacionalismo, entrava em conflito com os
interesses das classes dominantes e conservadoras (princi-
palmente os partidos de direita, empresariado não-naciona-

30
lista e militares). que estavam mais comprometidas com o
capital internacional. Neste período, do segundo mandato de
Getúlio, o poder público e a maioria do Congresso se com-
portava tanto ideológica como praticamente de uma forma
antiintervencionista e internacionalizante, seguindo o curso
dos acontecimentos do governo Dutra, cuja política estava
destinada, principalmente, a garantir as condições de funcio-
namento e prosperidade do setor privado, nacional e estran-
geiro. Esta ideologia era bastante diferente à de Vargas, cujo
interesse era lutar por um Estado mais atuante e comprome-
tido com os destinos do país, o que correspondia, segundo
seus opositores, a um Estado bastante estatizado . Na verda-
de o que a grande parcela deste grupo queria era uma econo-
mia mais aberta, sem tanto controle governamentaL Estes fa-
tos resultaram naquilo que, de certa forma , já est ava previs-
to : o surgimento de grandes conflitos entre o governo e a opo-
sição pela diferença de interesses existente entre eles.
Sendo assim , com o objetivo de não criar rriuito atrito,
mesmo sabendo dos problemas que iria enfrentar, ao assu-
mir a presidência do país, Vargas optou pela tática de trans-
mitir confiança às elites empresariais e políticas. Para isto,
as pastas do governo foram compostas por membros de dife-
rentes partidos, ficando para o seu, o Partido Trabalhista Bra-
sileiro (PTB). o Ministério do Trabalho, o que mostra a im-
portância que o presidente atribuía a este setor.
A volta de Vargas ao poder significava, então, o retorno ao
país da aspiração à industrialização acelerada, que poderia
ser realizada a partir dos moldes da CEPAL, ou seja, de acor-
do com as propostas da instituição para a época, condição
"sine qua non" para o progresso social e a autonomia nacio-
nal. Tentava-se consolidar, portanto; urna política de desen-
volvimento econõmico independente, apoiada nas forças po-
pulares e nacionalistas e cujo comando caberia ao Estado,
que era o papel fundamental dado pela CEPAL para os gover-
nos que estavam querendo se industrializar.
Vargas tinha idéias nacionalistas bem definidas e pen-
sava, assim como a CEPAL, que d everia ser implantado um
capitalismo industrial moderno no país. Estes princípios eram
baseados na decidida inclinação por ampliar a intervenção

31
do Estado na economia, através de políticas de apoio à in-
dustrialização, integradas, na medida do possível, a um sis-
tema de planejamento abrangente, incluindo também investi-
mentos estatais em setores básicos. Toda esta discussão es-
tava em franca ascensão , alimentando a conscientização so-
bre o processo que buscava racionalizar a economia em favor
do desenvolvimento nacional. Para Rodríguez, o planejamen-
to era visto pela CEPAL como:

"( ... ) um método imprescindível, do qual o Estado deve


lançar mão para racionalizar a política de desenvol-
vimento a longo prazo. A necessidade de contar a
ação estatal com uma política de desenvolvimento
deliberada e coerente e de implantá-la através de
planificação, são três idéias1orça do pensamento Ce-
palino estritamente conectadas entre si" (Rodríguez,
1981' p . 174).

Desta forma, podemos reconhecer que, com o surto


industrial dos anos 50 e com a tendência mundial de recons-
trução do pós-guerra, o papel do governo brasileiro, expan-
diu-se fortemente. Logo, a mensagem básica que se transmi-
tia era que a industrialização deveria ser um processo trans-
formador. Na verdade, a CEPAL tentava mostrar que as mu-
danças decorrentes da industrialização seriam revertidas numa
maior autonomia nacional e principalmente em melhores con-
dições de vida para a população.
Nesta época, o planejamento geral e o aparecimento oca-
sional de grupos especiais para fomentar o desenvolvimento
de setores específicos foram aceitos como uma modalidade
de comportamento governamental que contribuíram para a
introdução progressiva de técnicos que buscavam viabilizar
tal mudança. De fato, com a ambição dos regimes dos anos
50 de promover uma industrialização rápida, tornou-se cla-
ro, para aqueles que tomavam as decisões, que o sucesso de
suas políticas dependia das iniciativas do governo em vários
campos, porque sem esta ajuda o país não poderia fazer, por
si só, o que o Estado deveria comandar.
Todos estes motivos fizeram com que o crescimento do
papel do Estado em setores como os de mineração, petróleo

32
e petroquímica, embora tivesse origem na atitude nacionalis-
ta de não permitir a entrada de firmas estrangeiras em seto-
res considerados fundamentais para a soberania da nação,
também se processasse rapidamente, afinal era esta uma im-
portante maneira de se facilitar a aceleração do desenvolvi-
mento geral da industrialização. As recomendações da CEPAL
neste sentido eram de criar infra-estrutura para consolidar.
de uma forma eficiente, o processo em pauta. Esperava-se
ainda aumentar a auto-suficiência nacional em certos recur-
sos e contribuir para a diversificação das exportações .
A meta brasileira de rápida industrialização tornou, por-
tanto, inevitável um envolvimento muito maior do Estado na
economia do que se observa nas economias de mercados tra-
dicionais. Tudo isto devido à necessidade que a situação da
época impunha e acabava por conduzir as mudanças neces-
sárias por aqueles caminhos.
Para este fim, é importante destacar aqui, que o grande
debate político da época já havia evidenciado os principais
pontos de estrangulamento na economia do Brasil, tendo-se
em conta as possibilidades reais e as tendências possíveis de
desenvolvimento. De fato, as discussões políticas e econômi-
cas dos problemas do país já haviam criado uma consciência
das principais questões econômico-financeiras brasileiras,
assim como o papel do poder público na economia.
Essa foi a função de Getúlio Vargas no seu segundo man-
dato, fazer com que o governo atuasse mais intensamente no
processo de industrialização e desse as bases para que este
se desenvolvesse. As grandes realizações desta época deram
início ao nacional-desenvolvimento respaldado pelos órgãos
que foram criados. O auge da década de 50 somente foi inter-
rompido entre meados de 54 e 55 com o governo liberal de
Café Filho, mas logo foi retomado por Juscelino Kubitschek.
Evidencia-se, portanto, a partir dos fatos apresentados
anteriormente, que as medidas adotadas pelo governo faziam
com que o Estado de Vargas criasse, concretamente, novas
condições para a expansão e diferenciação do sistema econô-
mico brasileiro. Mais que isso, o poder público estava se tor-
nando praticamente indispensável e decisivo para as próxi-
mas transformações da economia do país, que era o que, de

33
fato, a CEPAL vinha propondo para os países latino-america-
nos.
Na verdade, não somente era necessário eliminar pontos
que apresentavam fragilidade na economia brasileira, na área
agrícola ou no setor industrial, como tratava-se, também, de
fortalecer o controle estatal dos instrumentos de política eco-
nômica. Indo mais além, é possível afirmar que, para o gover-
no, era extremamente importante nacionalizar centros de de-
cisão relativos à política econômica do país. A CEPAL tam-
bém apontava neste sentido, quando propôs uma mudança
da variável exógena (decisões tomadas externamente), por uma
variável endógena (decisões tomadas internamente). Isto sig-
nifica dizer que o fator dinâmico da economia do país deveria
estar dentro e não fora dele. Cardoso de Mello descreve estas
mudanças como:

"( ... ) o deslocamento do centro dinâmico das econo-


mias latino-americanas, quer dizer, a substituição de
variável exógena "demanda externa" pela variável
endógena "investimento" como motor da economia,
eqüivale ao deslocamento para o interior da Nação,
dos centros de decisão" (Cardoso de Mello, 1987, p. 21).

Ianni também aponta que cada vez mais foi reforçada a


idéia em todos os setores políticos e econômicos, bem como
no governo, da necessidade de coordenar, disciplinar e plani-
ficar o modelo pelo qual as forças produtivas deveriam com-
por-se dinamicamente (lanni, 1991, p. 139).
Entretanto, é importante frisar que não houve mera reto-
mada do projeto estadonovista com a volta de Vargas. Sobre
base e dinâmica sociais bastante distintas, definiu-se, no iní-
cio dos anos 50, um projeto político mais profundo e comple-
xo, além de ser mais abrangente, ambicioso e integrado que o
delineado no final da década de 30.
Os estudos da época, mostram uma grande diferença en-
tre o primeiro mandato de Vargas e o segundo. Esta se con-
centraria no processo de formação do aparelho econômico
do Estado brasileiro no segundo governo de Getúlio, que deve
ser entendido a partir de uma ótica diferente a do período
anterior, porque esta face do governo não se resumia apenas

34
n a expansão do organismo es tatal centralizado, mas firmava-
se também n as idéias desenvolvimentistas. Sonia Draibe, por
exemplo, aponta, na sua análise sobre o governo, que:

"do ponto de vista dajorma do Estado e das relações


sociais que expressava, o segundo governo Vargas
teve muito mais a ver com o futuro do que com o pas-
sado que a continuidade da personagem poderia su-
gerir" (Draibe, 1985, p. 180).

Deste modo, as idéias nacionalistas de propiciar o desen-


volvimento, a industrialização e a autonomia nacional, que
começaram a surgir entre os anos 30 a 45, podem ser vistas
como consolidadas no segundo governo de Vargas e concreti-
zadas a partir de um processo que já havia sido iniciado. Além
disto, era a época em que a questão do planejamento, con-
forme os moldes da CEPAL, estava diretamente relacionada
à condução deliberada, por parte do Estado, do processo
de industrialização, introduzido dentro do país. Ressalta-se
ainda que esta mesma s ituação ocorria não somente no Bra-
sil, como também na E uropa e em outros países subdesen-
volvidos.
Do que foi apresentado até aqui, podemos verificar, por-
tanto, que na época do governo Vargas, iniciava-se uma nova
fase nas relações entre Estado e economia. Diante da situa-
ção econômica e social com a qual o governo se defrontava, o
poder público foi levado a engajar-se mais amplamente no
sistema econômico. Deste modo, foram criadas novas condi-
ções econômicas e políticas para a aceleração do desenvolvi-
mento industrial do Brasil, aspectos estes que serão tratados
mais amplamente ao longo deste capítulo.

O governo de Juscelino Kubitschek


A segunda metade da década de 50 ficou marcada pelos
empreendimentos do novo presidente do Brasil, Juscelino
Kubitschek, que foi quem mudou a capital do país para o pla-
nalto central, fez extensas rodovias e deu andamento aos pro-
jetos que haviam ficado inacabados por Getúlio Vargas.
De fato na campanha presidencial já anunciava que faria
"cinqüenta anos em cinco". Para ele a solução do subdesen-

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volvimento nacional, com todas as suas injustiças sociais e
tensões políticas, vinha da necessidade urgente da industria-
lização, questionamento que também era da CEPAL, a qual
no seu discurso propunha a industrialização nos países sub-
desenvolvidos para fazer frente a estes problemas.
O projeto desenvolvimentista de Juscelino já estava esbo-
çado antes da sua posse e foi publicado logo depois de assu-
mir o comando do país. Desta forma, nos primeiros dias de
seu mandato, instalou o Conselho de Desenvolvimento Eco-
nômico (COE), que planejou, executou e acompanhou o "Pla-
no de Metas", que viria a se tornar uma grande empreitada
no campo econômico, tornar-se -ia uma das vigas mestras do
governo em pauta e constituiria o último programa governa-
mental para que o processo substitutivo de importações se
esgotasse.
O Conselho de Desenvolvimento Econômico foi criado em
1956 para reformular e coordenar a política de investimento
do governo Kubitschek . Este órgão ficou encarregado de rea-
lizar uma série de estudos setoriais e que posteriormente da-
riam subsídio ao plano. A publicação de toda a reflexão eco-
nômica feita por Juscelino ficou também aos cuidados deste
Conselho que acompanhou ao longo do governo não somente
o lançamento do plano como a sua execução.
A primeira mudança marcante deste mandatário em rela-
ção ao anterior foi manter uma estratégia clara no sentido de
promover um diálogo aberto com os investidores. Para isto,
fez um apelo direto tanto ao setor privado nacional como in-
ternacional para investir no país, prometendo que sustenta-
ria uma política de crédito liberal e que manteria a demanda
interna em condições vantajosas para os investidores, o que
acarretaria mercados proveitosos para quem tivesse interes-
se em investir no país. A tática era integrar o Estado, o capi-
tal estrangeiro e o empresariado nacional, e isto poderia ser
articulado através de uma estrutura de produção industrial
mais avançada e mais integrada à nova divisão social do tra-
balho internacional. Esta tarefa visava acabar com as resis -
tências ao governo proporcionando assim amplas negociações
em que se apelava para a ideologia desenvolvimentista a fim

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de realizar tal estratégia. Neste sentido Skidmore afirma que
o sucesso deste governante:

"( ... ) residia na marcante habilidade de Kubitschek


em encontrar alguma coisa para cada um, enquanto
evitava qualquer conflito direto com seus inimigos.
Este estilo político não envolvia mudançasfundamen-
tais" (Skidmore, 1976, p. 206).

Na verdade, se lançou mão de todos os recursos disponí-


veis para a realização do Plano de Metas. Foram dados incen-
tivos especiais para investir na indústria brasileira e houve
uma preocupação especial com a remessa de lucros para o
exterior. A desconfiança que existia quanto aos investimentos
vindos do exterior já não era tão grande, e pensava-se que
além de necessária o importante era que tal remessa viesse
para o país sem muitos questionamentos ideológicos. E para
que fossem atingidas todas estas metas, deu-se início a uma
grande movimentação no setor de investimentos públicos, onde
foram aproveitadas as bases herdadas do começo da década
de 50.
De fato, os projetos deixados pela Comissão Mista Brasil-
Estados Unidos e pelo grupo da CEPAL em conjunto com o
BNDE, não chegaram a ser totalmente concretizados no go-
verno anterior e Juscelino quis, portanto, aproveitar as con-
dições técnicas e econômicas por eles deixadas. Draibe apon-
ta que o então governante soube se utilizar de todos os orga-
nismos e infra-estrutura deixadas por Getúlio Vargas:
"Na verdade, o mapeamento, o planejamento, e
projeção para o futuro das necessidades de investi-
mento público (em energia, petróleo, carvão, siderur-
gia, transportes, comunicações )já haviam sido, como
vimos, estudadas e amadurecidas durante aquele
período [de Vargas]. A classificação das indústrias de
base e o elenco de incentivos que a CDI [Conselho de
Desenvolvimento Industrial] havia elaborado no iní-
cio dos anos 50 constituíram material importante
para os trabalhos do BNDE, do CDE [Conselho de
Desenvolvimento Econômico], e dos grupos executi-
vos na definição e implementação das metas" (Draibe,
1985, p. 246).

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Desta forma, podemos constatar que com o governo Vargas
estabeleceram-se os pré-requisitos para constituir definitiva-
mente uma economia industrial plenamente organizada, que
teve seu auge no período 56-60. Serra afirma que esta época
caracterizou-se por uma intensa diferenciação industrial num
espaço de tempo curto e que foi articulada d iretamente pelo
governo, e aponta ainda para os seguintes itens que deram
sustentação ao Plano de Metas:

"a) a instrução 70 e o aumento da carga tributária e


do déficit fiscal , como fontes de financiamento ;
b) a instrução 113 , como expediente para atrair a
curto prazo os investimentos estrangeiros diretos;
c) o crédito oficial subsidiado para estimular a acu-
mulação do setor privado nos setores considera-
dos prioritários;
d) a criação de grupos executivos com represen-
tantes da SUMOC [criada pela instrução 113 de
17/01/55], CACEX [Carteira de Comércio Exterior],
BNDE e dos empresários, para organizar, incenti-
var (por exemplo mediante concessões de terre-
nos industriais, isenções de importação e linhas
especiais de crédito) e acompanhar a implemen-
tação das diferentes metas setoriais" (Serra, 1982,
p. 75).

Neste período é retomada então, a forte idéia da industri-


alização do país, com a participação ativa do Estado neste
processo, planejando e comandando todas as decisões fun-
damentais para efetivar tal tarefa. Por este motivo, os esfor-
ços foram concentrados para atingir concretamente este fim
conforme as recomendações da CEPAL que já haviam sido
amplamente divulgadas , tanto na América Latina e no Brasil,
e eram portanto do conhecimento do grupo que assessorava
o presidente. Tratava-se de uma aceleração das ações que já
estavam em curso, mediante a criação de nova capacidade de
produção tanto nos setores insuficientemente desenvolvidos
como nas áreas ainda inexistentes, e da avaliação destas últi-
mas a partir das experiências varguistas anteriores, a fim de
ser possível a sua expansão. Na verdade tanto os investimen-

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tos feitos na área industrial como na de infra-estrutura res-
peitaram as possibilidades econômicas desenvolvidas no go-
verno anterior. No que se refere a todo este novo trabalho,
Ianni destaca que:

"Essa expansão acelerada da economia brasilei-


ra, em sentido horizontal e vertical, estava relacio-
nada, em boa parte, às condições econômico:finan-
ceiras e político-administrativas que vinham se de-
senvolvendo desde alguns anos antes. A ação dopo-
der público, nas décadas anteriores, teria criado al-
gumas condições ideológicas, políticas e institucionais
para a expansão verificada nos anos 1956-60. E esta
expansão, conforme revelam os dados, foi também
de tipo integrativo, pois que se realizou segundo exi-
gências de complementaridade e interdependência
próprias do sistema econômico existente. Em outras
palavras, não houve somente "substituição de impor-
tações", mas diferenciação interna do sistema eco-
nômico" (lanni, 1991, p. 168).

De acordo com estas apreciações , podemos reconhecer que


nesta época houve de fato uma mudança qualitativa nas rela-
ções entre o Estado e a economia capitalista no Brasil. Com
estas condições, estava se preestabelecendo o futuro da eco-
nomia brasileira. No entanto, a atuação do governo também
constituía parâmetros que determinariam alguns entraves
posteriores a este período, principalmente no que se refere
ao desenvolvimento do país e à política econômica.
Segundo Bielschowsky, é na era Kubitschek que são defi-
nitivamente incorporadas as idéias desenvolvimentistas pois
as elites e o governo tinham ampla consciência das mudan-
ças que haviam ocorrido dentro do país ao longo dos últimos
anos (Bielschowsky, 1996, p. 401).
A fórmula de desenvolvimento de Juscelino era "o nacio-
nalismo desenvolvimentista" um pouco diferente ao de Vargas ,
ou seja, mantinham-se as idéias desenvolvimentistas mas a
partir de outro ponto de vista. Pode-se dizer que era um tipo
de atuação que se aproximava mais de uma economia mista
que a um tipo de trabalho baseado na forte estatização da

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economia, que era o modelo do governo anterior. O Estado
participaria em todo este processo porém se associando com
os investidores nacionais e internacionais .
O que se perseguia era um rápido crescimento, encora-
jando tanto o setor público como o privado, e como não se
procurava um capitalismo independente conforme o de Vargas,
Ianni denomina este período como sendo o de criação do ca-
pitalismo dependente comandado por Juscelino, ou seja, este
governo é definido como o de abertura da economia brasilei-
ra para o exterior, sem restrições (Ianni, 1991, p. 182-183).
A partir do que foi colocado podemos verificar então que
as idéias desenvolvimentistas tiveram seu auge neste período
porque foi feito um esforço concentrado para poder estabele-
cer o desenvolvimento, dentro do país, da indústria de base
que daria curso a esta empreitada. Reforçando esta idéia,
Bielschowsky argumenta que :

"a) O projeto de industrialização planejada tornava-


se plenamente difundido na literatura econômica
brasileira. Mais ainda, pode-se dizer que ganha-
va predomínio sobre o neoliberalismo. Este embo-
ra esboçasse reação, apresentava-se enfraqueci-
do, numa situação defensiva.
b) A reflexão econômica tornava-se essencialmente
subordinada à discussão sobre o problema do de-
senvolvimento econômico do país" (Bielschowsky,
1996, p . 401).

No que diz respeito ao nacionalismo, este permeia o Bra-


sil durante toda a década de 50, mas nestes dois governos ele
foi tratado de formas diversas . Vendo a questão nacionalista
a partir da ótica de Juscelino, podemos observar que o Plano
de Metas foi realizado numa opção política diferente em rela-
ção a de Vargas, pois ao mesmo tempo que se fortalecia o
Estado também se garantia o poder do setor privado, e se ia
além , incentivando a associação do capital privado com o ca-
pital internacional. Aliás, em torno desta questão houve uma
ampla discussão política pois pensava-se que com este tipo
de conduta estava-se conduzindo o país à "desnacionalização",
que em última instância significava reverter todo o processo
em pauta ao longo dos anos 50.

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O intenso programa desenvolvido no Plano de Metas traz
desta forma. como já apresentamos anteriormente, um novo
elemento à questão da industrialização brasileira. Começa a
se pensar mais num capitalismo associado e não-independen-
te, que foi o que se tentou fazer predominar no governo Vargas.
Na verdade, não parecia ser tão importante para Juscelino
como para Vargas a autonomia nacional. o que de fato facili-
tava os financiamentos e os relacionamentos estabelecidos pelo
país com o exterior. Este programa trazia consigo a adoção
explícita de associação e de interdependência internacional,
o que apontava para uma reelaboração da problemática da
dependência estrutural do país, amplamente discutida ao longo
da década. Significava também deixar de lado a idéia de eman-
cipação e autonomia nacional. Deste modo. o assunto do na-
cionalismo estava presente porém de uma maneira diferente,
pois o que se procurava era o desenvolvimento, que ocorres-
se de uma forma que pudesse ser mais viável, equ ilibrando
os fins com os meios requeridos na época, sem criar muitos
atritos que dificultassem este projeto.
Houve portanto uma mudança de relacionamento entre o
Estado e a economia neste período, porque o governo come-
çou a desenvolver uma linha de atuação que fazia com que
crescesse e se expandisse o setor privado, estimulando tam-
bém os incentivos diretos e indiretos por parte do setor pú-
blico. A política econômica em pauta promovia uma alta
internacionalização da economia brasileira e é por este moti-
vo que pode-se afirmar que mais que qualquer outro projeto
o Plano de Metas implicou numa mudança nos papéis exerci-
dos pelo Estado, pois esta atitude do governo faria com que a
sua atuação deixasse de ser em prol da autonomia e indepen-
dência nacional.
Para poder viabilizar a execução deste plano foi ampliada
a participação do sistema executivo no governo porque tinha
que partir dele a sustentação da internacionalização da eco-
nomia brasileira e do setor privado . Sendo assim, o Estado
passava a ser avalista dos novos investimentos deste último .
E mais, o governo é transformado neste período no mais im-
portante articulad or de decisões e realizações que deram ba-
ses de funcionamento para este setor.

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É possível dizer então, que as possibilidades de se levar
adiante a industrialização, que ainda faltava implantar den-
tro do país, encontrava condições favoráveis, principalmente
no que se referia à execução do plano, já que haviam se cria-
do as bases institucionais para respaldar a política econômi-
ca do governo, fato amplamente verificado no governo Vargas,
e ampliado no mandato de Juscelino.
Além disso, foi armada uma estrutura de poder mais in-
formal, paralela ao governo que ligada diretamente à presi-
dência, atuava de uma forma mais rápida e eficiente. Ela era
similar à assessoria de Vargas, que o acompanhava em todas
as suas funções e mantinha no seu poder os aspectos mais
importantes do plano de governo. Segundo Draibe, esta es-
trutura permitiu:

"( ... ) circundar as velhas resistências ideológicas à


criação de uma instância superior de planejamento,
de coordenação do gasto e do investimento público
e, ademais, superar os entraves impostos por segmen-
tos burocráticos tradicionais" (Draibe, 1985, p. 245).

Ainda sobre o mesmo assunto Maranhão defende que:

'l\s instituições que viabilizaram o desenvolvimento


no período levaram necessariamente aofortalecimen-
to do Estado, mas também ao do poder Executivo: é
o exemplo dos "organismos paralelos" de desenvolvi-
mento, ligados diretamente ao poder Executivo, que
permitiam ao presidente da República "passar por
cima" de seus limites constitucionais e adquirir mais
poderes para execução da política econômica e da
"racionalização administrativa"( ... ). Os "organismos
paralelos" mais importantes eram, inicialmente, o
BNDE (criado em 52, como vimos), a CACEX e a
SUMOC (um pouco mais antigas; mas o governo JK
multiplicou-se e deu-lhes maior peso, criando o CPA
(Conselho de Política Aduaneira), a SUDENE (Supe-
rintendência do Desenvolvimento do Nordeste) e mui-
tos grupos de trabalho para agir em questões especí-
ficas, bem como os grupos Executivos" (Maranhão,
1996, p. 265) .

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Concluindo, Juscelino queria articular todas as condições
que tinha a seu dispor para levar adiante o Plano de Metas,
mesmo que isto significasse manter conversações com gru-
pos divergentes e com o capital internacional, fato não verifi-
cado com tanta facilidade no governo Vargas.
Dentro da abordagem Cepalina, esta teria sido uma época
de intensa substituição das importações, o que justificava os
resultados econômicos verificados no período, de uma taxa
anual média de 7.4% no aumento no PIB e de uma expansão
industrial de 10%. Esta alteração nas importações teria se
comportado, então, como um verdadeiro motor que impulsio-
nava o crescimento do país . Sendo assim, chegava-se a um
patamar em que a constituição básica da nova indústria bra-
sileira podia ser considerada como instalada, e tudo isto
guiado pelo planejamento econômico, que tinha efeitos deci-
sivos sobre a economia da época.
O "Plano de Metas" constituía-se, desta forma, na peça-
chave do planejamento do período e sob seu comando eram
efetuados grandes investimentos em todas as áreas de infra-
estrutura, como energia e transportes e na área industrial,
que foram distribuídas em cinco setores prioritários: ener-
gia, transportes, indústrias básicas, alimentação e educação.
Estas cinco metas foram divididas em outras trinta sub-
setoriais, que incluíam um programa de formação técnica e a
construção de Brasília, de caráter adicional em relação a to-
das as outras. De qualquer forma, estes eram os objetivos
que deveriam ser expandidos ou melhorados já que este tra-
balho, em grande medida, havia sido começado no governo
de Vargas , cabendo a Juscelino aprimorar estas áreas ou fa-
zê-las funcionar em toda a sua capacidade para que atendes-
se às necessidades crescentes da industrialização. Vale salien-
tar que os aspectos da implantação de infra-estrutura
serão discutidos em detalhe no capítulo adiante.
Especificamente, no que tange à questão do planejamen-
to, de acordo com o discurso da CEPAL e seus benefícios,
este governo encontrou condições extremamente positivas
devidas ao trabalho que já havia sido realizado por Getúlio
Vargas. Afinal, este discurso já estava totalmente incorpo-
rado à linguagem do governo desta época e às entidades que

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participavam conjuntamente fosse do setor privado como pú-
blico, o que facilitava o tratamento dado a esta área por Jus-
celino. Além disto, havia uma preocupação por parte do go-
verno em esclarecer que este tipo de técnica de programação
era neutra, possível de ser aplicada em qualquer tipo de go-
verno, e que traria benefícios à economia, afastando assim, o
medo que existia de identificar tais medidas com um regime
mais de esquerda. Afirmava-se então que o modelo de plane-
jamento implementado nos regimes socialistas constituía um
tipo das aplicações que poderiam ser feitas com esta técnica,
não havendo nenhuma objeção em realizá-lo em países capi-
talistas e que de fato havia sido utilizada no pós-guerra para
a reconstrução dos países danificados pelo conflito.
Segundo Ianni, dentro de todo este discurso há um reco-
nhecimento formal sobre a influência do pensamento da CEPAL
na elaboração do Plano de Metas e na divulgação das idéias
sobre planejamento dentro do país. Os autores deste plano
admitem a importância da CEPAL na elaboração e na execu-
ção da política econômica da época, principalmente através
do grupo misto CEPAL-BNDE (lanni, 1991, p . 157).
Conforme o mesmo autor, o planejamento encontrava con-
dições favoráveis dentro do Brasil, já que:

"Em primeiro lugar, o poder público no Brasil já


vinha acumulando experiências parciais de política
econômica planejada. Desde a década de trinta o
governo procurava manipular, de modo cada vez mais
sistemático e dinâmico, os instrumentos de política
econômica. Em segundo lugar, desde 1948 a CEPAL
desenvolvia o debate sobre 'desarrollo hacia aden-
tro' [refere-se ao desenvolvimento voltado para aden-
tro das economias periféricas. As aspas foram colo-
cadas pela autora I. substituição de importações, mo-
dernização político-administrativa, programação eco-
nômica (setorial, regional, global) numa linguagem
aceitável por algumas correntes políticas e econômi-
cas dominantes em vários países da América Lati-
na. E em terceiro lugar, o governo dos Estados Uni-
dos, bem como alguns setores empresariais daquele
país, haviam começado aceitar a alternativa do pla-
nejamento governamental em países dependentes ou
coloniais" (idem, p. 158).

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Sendo assim, vemos que o Plano de Metas surgiu da ra-
cionalização da política econômica governamental, devido ao
acúmulo de experiências em torno do debate sobre esta área
realizado por pesquisadores e economistas, e pelo trabalho
desenvolvido pela CEPAL em torno da questão do planeja-
mento econômico. Além disso, houve uma constatação por
parte dos empresários de que a participação do Estado na
economia se tornava uma garantia e não um risco para os
seus investimentos. Isto significava, então, uma "despoliti-
zação" da técnica do planejamento, trabalho realizado por téc-
nicos, economistas do governo e pela própria CEPAL, a fim
de que fosse possível conscientizar tanto a opinião pública
como os investidores e o governo dos EUA, sobre a participa-
ção do Estado nas decisões econômicas capaz de trazer mais
benefícios que prejuízos para o país. Sobretudo, é importan-
te ressaltar que a figura presidencial foi determinante para
atingir estes objetivos canalizando e estimulando as forças
econômicas.

As idéias de Getúlio e Juscelino sobre


desenvolvimento
A ideologia Getulista
O desenvolvimento econômico estava sempre presente no
discurso político do presidente. A grande diferença que havia
entre o primeiro mandato de Getúlio com o último era o seu
desejo pela industrialização eficiente do país, forma de se
buscar a maior autonomia econômica. Tal desenvolvimento
deveria ser tratado como um assunto a ser visto a partir de
um contexto nacionalista, conforme fica exposto nas mensa-
gens ao Congresso Nacional de 51 e 54. Sem dúvida, é inegá-
vel que o presidente definiu e ordenou sua ação segundo um
plano de grande envergadura, que privilegiava a área econô-
mica e social apoiado em um diagnóstico profundo da econo-
mia e da sociedade brasileira. São estas as suas próprias pa-
lavras:

"O Brasil possui hoje uma economia em vias de pro-


piciar à população níveis de consumo equiparáveis

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aos vigentes nos países desenvolvidos. Carece, en-
tretanto, para atingir esse objetivo em tempo útil, de
vencer certas insuficiências, de remover certos obs-
táculos, de transformar-se de modo mais acelerado
e dirigido, através da ação deliberada do Governo,
fundada no assentamento da opinião nacional. A com-
posição deste assentimento em bases democráticas,
é precisamente o problema político de nossos dias e
sua resolução implica o compromisso das forças re-
presentativas do país com os objetivos da superação
do subdesenvolvimento" (Vargas, 1953, p. 11).

Visto de outro ponto de vista, pode-se dizer, no entanto,


que Getúlio destacou-se justamente pela sua visão crítica de
mudar a estrutura existente, produto da observação das ten-
dências mundiais e da análise da situação brasileira da épo-
ca. Embora a industrialização tivesse sido colocada como meta
e processo desde 1930, somente no início dos anos 50 tra-
çou-se, pela primeira vez, de forma abrangente e incisiva, uma
alternativa global de desenvolvimento do capitalismo no Bra-
sil, integrando seus aspectos mais substanciais num grau de
harmonia e compatibilidade, que seriam desenvolvidos ao lon-
go do período e teriam seu auge no governo de Kubitschek.
Sobre a industrialização frente aos acontecimentos mun-
diais, Vargas afirmava ainda que :

"O Brasil encara como um imperativo inadiável o seu


desenvolvimento econômico intensivo, em perfeita
harmonia com os demais países americanos.
Esse desenvolvimento não depende apenas da po-
lítica econômica e financeira interna, que venha a
ser firmada pelo Governo. Os fatos econômicos se si-
tuam numa conjuntura maior do que a nacional. O
sucesso ou insucesso de qualquer política depende,
em primeiro lugar, de sua perfeita inscrição nas ten-
dências e correlações regionais e mundiais, que em
grande parte predeterminam as conseqüências da
ação do Governo" (Vargas, 1951, p. 19) .
Como é possível observar na citação apresentada acima,
o discurso do presidente trazia, constantemente, a questão

46
do desenvolvimento. Na mensagem ao Congresso Nacional,
d e 1951, caracteristicamente programática, Getúlio Vargas
apontava para os vários dilemas da economia brasileira e
anunciava medidas destinadas a resolvê-las, senão encaminhá-
las para uma possível solução. Dentre os problemas que o
governo decidia enfrentar destacavam-se o da energia, basi-
camente, o carvão, o petróleo e a eletricidade, e o reapa-
relhamento do sistema nacional de transportes, com metas
específicas voltadas para o desenvolvimento das ferrovias,
rodovias e portos.
Esta mesma Mensagem delineava, ainda, as bases da in-
dustrialização a partir de uma clara distinção entre os reque-
rimentos de infra-estrutura e os de implantação de indústrias
de base. Apoiando-se em estudos e previsões elaboradas des-
de o Estado Novo, ampliados e refinados por comissões téc-
nicas, foram definidos, entre 1950 e 1954, objetivos ambicio-
sos, que de fato só seriam atingidos na segunda metade da
década de 50.
O presidente pensava que sem a criação de infra-estrutu-
ra não haveria industrialização, assunto este amplamente di-
vulgado pela CEPAL e pela teoria desta, o que justificava o
empenho do governo em sanear os setores antes descritos.
Desta forma, criaram-se novas orientações estatais que aban-
donariam as diretrizes inspiradas pela doutrina liberal ado-
tada no governo Dutra.
Na verdade, o presidente Dutra tinha uma política de de-
senvolvimento que estava direcionada a resolver problemas
no balanço de pagamentos, ou seja, procurava-se soluções de
curto prazo. A partir dos anos 50, este quadro mudou e o
governo começou a executar políticas visando deliberadamente
aprofundar o processo de industrialização, o que levou tanto
à obtenção de uma visão mais aprimorada a longo prazo, como
à execução de tarefas pensando no futuro do país de uma for-
ma global e integrada. O desenvolvimento efetuado não foi
baseado somente nas indústrias de bens de consumo, mas
também numa vasta coleção de indústrias intermediárias e
de bens de capital. No entanto, não nos restam dúvidas de
que a principal mudança da época foi a incorporação do pla-
nejamento econômico nas decisões governamentais.

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Outro aspecto que viabilizou o processo em curso foi a
postura do presidente Vargas que, contrariamente a de Dutra,
era claramente populista. Procurando uma aproximação com
os trabalhadores , em todo momento tentava-se obter uma
sustentação política por parte deles . No seu discurso, Vargas
procurava enfatizar o bem-estar da população, principalmen-
te dos mais pobres, levando-o, muitas vezes, para atingir este
fim , a governar freqüentemente por decreto .
Esta linha ideológica seguida por Getúlio foi muito impor-
tante na época, pois era dos trabalhadores que ele esperava
sustentação para os seus projetos, ou seja, ele sempre bus-
cou nas bases populares o apoio que precisava para levar
adiante as suas reformas. Em grande parte, seu governo des-
tinou-se a desenvolver projetos para que o país pudesse ter
maior autonomia e um crescimento industrial considerável.
Mais do que isso, ele estabeleceu as bases para que, futura-
mente, o país pudesse crescer d e fato senão a curto prazo, ao
menos a longo prazo com políticas mais sustentáveis . Neste
sentido lanni defende que:

"A transição do governo Dutra para o governo Vargas


correspondeu a uma reorientação das relações entre
o Estado e a Economia. Com Vargas, o poder público
passou a desempenhar junções mais ativas e di-
ferentes, no sistema econômico:financeiro do país.
Como mudou parcialmente a composição das forças
políticas no poder, modificou-se também a maneira
pela qual o governo passo u atuar. Essa transição,
entretanto não foi nem repentina nem isenta de am-
bigüidades" (lanni, 1991, p . 119).

Releva-se como algo importante a se salientar, a eXistên-


cia de um importante elemento de ligação entre o liberalismo
do governo Dutra e o surto desenvolvimentista de Vargas. A
ideologia econômica do governo de Getúlio, originada ainda
nos anos 30, nutrira-se, durante o mandato de Dutra, de todo
um processo de crítica à passividade e ao liberalismo desse
governo, processo este que deu continuidade ao amadureci-
mento da ideologia desenvolvimentista. O desenvolvimento
consciente do governo Vargas foi, em certa medida, um resul-

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tado direto das frustrações a que o governo Dutra submeteu
àqueles que defendiam uma política de industrialização para
o país, posto que era evidente que as forças do mercado, por
si só, não poderiam propiciar a substituição de importações
e muito menos a indústria de base no Brasil.
O governo Dutra, na época, foi muito criticado porque não
perseguia grandes projetos. Procurou-se implantar, por exem-
plo, o plano Salte que, concretamente, deu poucos resultados.
Tratava-se de uma proposta que juntava projetos preexistentes,
nada novos para o país. Em termos gerais, os interesses do
governo alimentavam um poderoso ataque liberal à participa-
ção do Estado nos assuntos econômicos e havia um interesse
especial por desmontar a máquina administrativa montada
por Vargas no Estado Novo, representação de poder político.
Em contraste com Dutra, Getúlio assumiu o poder com o fir-
me propósito de efetivar a industrialização brasileira, dentro
da ótica do planejamento econômico e com uma participação
marcante do governo nesta mudança de visão frente ao de-
senvolvimento.
Além dos aspectos políticos e ideológicos, houve ainda dois
fatores determinantes que promoveram a efetivação de um
processo de substituição de importações. O primeiro está re-
lacionado ao fato do volume de composição das importações
passar a representar uma reserva de mercado suficiente para
justificar a implantação de uma série de indústrias substi-
tutivas. O segundo diz respeito ao sistema econômico que já
possuía um grau de diversificação da sua capacidade produ-
tiva capaz de dar uma resposta ao impulso surgido do
estrangulamento externo.
Somavam-se aos fatores antes descritos outras condições
importantes para a estrutura produtiva, a abundante quanti-
dade de mão-de-obra e a política econômica, o que fazia com
que o Brasil tivesse condições relativamente vant~osas, afas-
tando assim qualquer hipótese desfavorável, dentro dessa
abordagem, em relação aos demais países latino-americanos.
Diferentemente do que ocorreu nos demais países da Amé-
rica Latina, no Brasil, ao se constatar o início de uma crise
no setor exportador, o avanço da industrialização, em certa
medida, estava relacionado à economia do café. Na época, o

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processo histórico da formação da economia cafeeira possi-
bilitou a transferência dos ganhos obtidos a partir desta ati-
vidade para o setor industrial.
Já no que se refere especificamente à ideologia desenvol-
vimentista, Sonia Draibe, mostra que a concepção varguista
do desenvolvimento do capitalismo brasileiro pode ser resu-
mida basicamente em cinco eixos principais:

"1 . O ponto prioritário era a industrialização, que de-


veria ser concebida de forma rápida, concentra-
da, a partir de um bloco de inversões públicas e
privadas em infra-estrutura e indústrias de base,
reservando à empresa estatal um papel estraté-
gico e dinâmico.
2. A capitalização da agricultura apoiada na moder-
nização da produção rural via inversões estatais
em melhorias técnicas, mecanização, créditos e fi-
nanciamento às empresas agrícolas, e montagem
de um sistema integrado de armazenamento e
comercialização.
3. Redistribuição de renda e melhoria nas condições
básicas de vida das massas urbanas, privilegian-
do as questões de transporte e alimentação - essa
última no que diz respeito aosjluxos de abasteci-
mento das cidades e ao controle de preços dos
gêneros alimentícios.
4. A organização de umfinanciamento apoiado, de
um lado, na criação de um banco estatal central
e de bancos regionais, e de outro, na ampliação e
racionalização da arrecadação tributária, como
forma de dinamizar e dirigir adequadamente o
fluxo de investimentos públicos e privados.
5. Finalmente, umaforma de articulação da econo-
mia brasileira com o capitalismo internacional,
indicando condições preferenciais para a entrada
de capital externo, nas áreas prioritárias de in-
vestimento, e limites à remessa de lucros" (Draibe,
1985, p. 183).

A partir destes cinco pontos notam-se diversas semelhan-


ças entre o conceito de desenvolvimento idealizado por Getú-

50
lio Vargas e pela CEPAL, em que aparecem vários elementos
importantes para a efetivação do processo em pauta, tais como
investimentos, aspectos agrícolas , distribuição da renda, fi-
nanciamento da industrialização e melhor inserção do país
no mercado internacional. Resumindo, estes aspectos, em
comum, demonstram concretamente que a ideologia varguista
era muito similar à Cepalina, uma vez que esta última discu-
tia amplamente os assuntos apresentados como prioritários
por Getúlio.
Para o presidente, as mudanças que deveriam ocorrer pas-
savam em todo momento pela criação de infra-estrutura e por
uma maior autonomia do país frente ao mercado internacio-
nal, que seria obtida via desenvolvimento econômico interno.
O novo padrão de relacionamento constituído entre o Es-
tado e a economia nessa época, levou, portanto, à mobilização
política das tendências nacionalistas existentes na sociedade
brasileira a fim de abrir novas perspectivas à atuação do po-
der público. Afinal, sem este apoio, estas transformações não
poderiam ser implantadas dentro do país. Por este motivo, o
presidente necessitava fazer menção constante à questão do
nacionalismo, pois seu objetivo era obter força política e apoio
popular.
Em várias ocasiões, o governo procurava reafirmar a ne-
cessidade de reformular as relações externas, econômico-fi-
nanceiras, e emancipar as decisões políticas nestas áreas, in-
troduzindo estes temas nos discursos nacionalistas feitos por
Getúlio. Esse constituiu, portanto, um grande ponto a ser
analisado neste período: a ambigüidade com a qual o governo
teve que trabalhar, assumindo uma postura interna e outra
externa, aceitando ajuda internacional, porém sem compro-
meter a soberania nacional. Tudo isto torna evidente o fato de
que o fundamental para Vargas era o desenvolvimento em con-
junto com o crescimento do país, mesmo que tivesse que efe-
tivar grandes articulações políticas para este fim.
Analisando mais amplamente esta questão, podemos di-
zer ainda que o interesse do presidente centrava-se na con-
cepção das estratégias de inversões estatais em setores táti-
cos do país, uma vez que estas deveriam ser muito bem con-
troladas e analisadas pelo Estado, assim como o seu coman-

51
do. Por outro lado, não se rejeitava o capital estrangeiro, já
que ele era bem aceito nos demais setores industriais. As res-
trições que eram feitas diziam respeito à necessidade de con-
trole por parte do governo no que se refere ao comportamen-
to do capital estrangeiro dentro do país. Em resumo, o que o
presidente nacionalista queria garantir, era a efetivação da
industrialização sem interferências externas .
Ianni diz que a partir de certo momento, o próprio gover-
no, nesta busca de conceitos brasileiros de desenvolvimento,
passou a ver na CEPAL um órgão útil e importante, nesse es-
forço de reelaboração das concepções latino-americanas tra-
dicionais sobre o crescimento e desenvolvimento econômico
(lanni,l991, p. 124). Isto porque os fins que se perseguiam
eram muito parecidos, além de constituírem o discurso pela
reconstrução mundial do pós-guerra, que estava em voga no
Brasil e em toda América Latina. Destaca-se, assim, a impor-
tância que a participação de técnicos treinados pela CEPAL
obteve nas transformações brasileiras e na criação e coman-
do do BNDE, maior agência pública desenvolvimentista do
país. Por outro lado, estes técnicos atuaram também como
instrutores de economistas nacionais, já que na época, se-
gundo Bielschowsky, não havia escolas de pós-graduação em
economia no país, motivo pelo qual foram muito bem-aceitos
devido à carência que havia neste nível de treinamento profis-
sional (Bielschowsky, 1996, p. 7).
É importante ressaltar aqui, que a urgência com que CEPAL
defendia os programas de desenvolvimento, centrando a ar-
gumentação na necessidade de evitar desequilíbrios externos
e de estabelecer um equilíbrio razoável na expansão das vá-
rias atividades básicas, foram bem absorvidos no Brasil, o
que demonstra que o presidente tinha amplo conhecimento
das recomendações da instituição, afinal seu plano de gover-
no e as transformações que desejava efetivar no país, esta-
vam muito próximas das idéias e propostas Cepalinas. Con-
forme Salazar, a CEPAL apontava como benefícios originados
da industrialização:

·~s críticas ao padrão de desenvolvimento 'parajo ra'


faz com que Prebisch proponha a 'i ndustrialização'

52
como núcleo da política de desenvolvimento capaz
de tirar a América Latina da sua condição periféri-
ca. O fenômeno deliberado da industrialização, com
o desenvolvimento conjunto de atividades comple-
mentares - como transportes, comércio e serviços -,
constituía uma política necessária para os países da
periferia afim de absorverem o crescimento demo -
gráfico e aumentar, ao mesmo tempo a produtivida-
de, a renda e os níveis gerais de vida" (Salazar, 1993,
p. 23).

O presidente queria atacar os mesmos problemas de base


apontados pela CEPAL. Portanto, para poder colocar em prá-
tica as idéias de Getúlio, os técnicos do governo tiveram a
preocupação de fazer uma distinção entre o que era de ordem
estrutural e de indústria de base, constituindo-se, então, no
ponto inicial para o desenvolvimento da industrialização, a
partir de 51.
Os problemas principais enfrentados eram os de infra-es-
trutura, energia e transporte, dificuldades estas remanescen-
tes de governos anteriores e que se complicaram devido ao
crescimento industrial e à precária montagem existente na área
de comunicações. A partir do diagnóstico econômico aponta-
do acima, foram definidos os objetivos prioritários para o
governo tentar reverter o quadro descrito. O principal era fa-
zer com que estas metas de infra-estrutura, energia e trans-
porte, passassem a ser as de maior relevância para o desen-
volvimento do país.
Com o objetivo de dar andamento à industrialização, no
mesmo ano foi anunciado o Plano Nacional de Reapa-
relhamento Econômico ou Plano Lafer, o qual estava sob o
comando do então ministro da Fazenda Horácio Lafer. Esta
proposta foi apresentada como um plano qüinqüenal de in-
vestimentos em indústrias de base, transporte, energia, frigo-
ríficos e modernização da agricultura. Para a realização dos
investimentos previstos nesse programa, o Congresso Nacio-
nal autorizou, no ano de 52, a criação de um fundo de
reaparelhamento econômico, a ser administrado pelo BNDE,
cuja origem coincide com o ano da tomada destas medidas
governamentais. Além disso, foram realizadas negociações nos

53
Estados Unidos para assistência técnica e financeira aos pro-
jetos envolvidos pelo programa (lanni, 1991, p. 126). Ressal-
ta-se porém, que estes aspectos específicos da industrializa-
ção são discutidos mais detalhadamente no capítulo III .
De certo modo o Plano Nacional de Reaparelhamento Eco-
nômico, sob o governo de Vargas, correspondeu à oficialização
das sugestões e projetos prioritários elaborados pela Comis-
são Mista Brasil-Estados Unidos. Ao mesmo tempo, signifi-
cou também a conciliação entre a decisão dos governantes de
impulsionar o desenvolvimento econômico brasileiro - dada
a escassez de recursos , de capital e de tecnologia nacionais -
e a nova fase de expansionismo econômico dos Estados Uni-
dos. Com estas medidas, esperava-se atrair a atenção deste
país para o Brasil, já que , na época, ele se encontrava voltado
para outros países, principalmente os europeus.
Vale salientar, ainda, que o ministro Lafer trabalhava muito
próximo do presidente, pois ele era um dos seus técnicos de
confiança. Por este motivo é inegável a importância que a sua
participação obteve no governo. A execução das suas propos-
tas foram de grande valia para resolver problemas que difi-
cultavam a industrialização. Podemos citar, por exemplo, três
itens que estavam dentro do "Plano Lafer" e que ajudaram a
viabilizar o projeto desenvolvimentista de Vargas :
a) Conseguiu que o empresariado, que fazia sólida oposi-
ção ao governo, aceitasse um aumento do imposto de
renda das empresas, e para isto contou com ajuda do
Congresso Nacional.
b) Criou o BNDE, que vinha sendo reclamado desde o Es-
tado Novo. A importância deste Banco era que estava
sendo constituído com autonomia administrativa, o que
facilitava a aplicação de recursos nas áreas que o go-
verno considerava prioritárias.
c) O Banco seria, desta forma, uma importante fonte
captadora de recursos externos, já que possuía a liber-
dade necessária para este fim, sendo que o fundamen-
tal era o apoio aos investimentos públicos de um modo
geral.
Observa-se, portanto, que o aparelho econômico do go-
verno se expandiu consideravelmente. Foram ganhos níveis

54
de orientação maiores e o aparelho social adquiriu consistên-
cia e envergadura. O objetivo era a industrialização e as me-
didas adotadas neste período levaram à constituição de ba-
ses para este projeto. No capítulo Il, é evidenciado, que foi
possível obter importantes avanços na área de infra-estrutu-
ra no período em pauta, transformações capazes de propor-
cionar o suporte necessário para a industrialização.
Em síntese, ao analisarmos o período do segundo gover-
no de Getúlio Vargas constata-se que o Estado teve participa-
ção ativa na formação da estrutura necessária à industriali-
zação e que desenvolveu as bases fundamentais para propi-
ciar o desenvolvimento econômico. Em muitos momentos, o
direcionamento dado ao país estava estritamente relacionado
à proposta da CEPAL, tanto no que se refere à atuação de
técnicos que comungavam com esta teoria, como por seme-
lhanças muito grandes quanto à atuação do governo neste
sentido.

A ideologia de Juscelino
Como apontamos anteriormente, Juscelino chega ao po-
der e promove uma série de mudanças nas relações entre o
Estado e a economia. Estas transformações internas não so-
mente foram econômicas como também ideológicas já que
existem diferenças significativas entre o desenvolvimento ide-
alizado por Vargas e por Juscelino. Enquanto um pensava no
capitalismo independente o outro pensava no capitalismo as-
sociado, mas em termos gerais seus discursos convergiam para
um mesmo objetivo: o desenvolvimento do país como o único
meio de realizar transformações sociais e econômicas .
Neste sentido, a teoria da CEPAL novamente se insere den-
tro do contexto histórico da época já que os fins que se perse-
guiam eram os mesmos. Além disso o discurso desenvol-
vimentista estava novamente em voga como no governo de
Getúlio o que levava Juscelino a captar todos os instrumen-
tos deixados pelo ex-presidente e as bases institucionais
do período anterior, dentro das quais estava o grupo misto
CEPAL-BNDE e a própria teoria da CEPAL como um todo.
Ao assumir o mandato, Juscelino tentou conciliar o velho
com o novo, articulando para isto o relacionamento entre as

55
elites e as massas. Certamente, o que mais diferenciava a po-
lítica deste presidente da de Getúlio era a ênfase concedida
ao capital estrangeiro o que lhe trouxe muitas críticas, princi-
palmente pelas correntes getulistas que tinham outra visão
do papel que deveriam ter os investimentos estrangeiros no
país. Segundo Benevídes o governo JK representou:

"( ... ) ao lado d e uma posição inovadora quanto à in-


dustrialização e ao crescimento econômico - uma
aliança política conservadora, que reunia os interes-
ses da burguesia comercial, da oligarquia rural e da
classe média tradicional, representadas nos partidos
PSD (Partido Social Democrático) e PTB (Partido Tra-
balhista Brasileiro) . Essa composição de forças sig-
nificava o apoio da industrialização modernizadora,
aliada à manutenção da 'paz e tranqüilidade' no cam-
po; a criação de empregos e a mobilização do voto
urbano, e o controle sobre as reivindicações sindicais"
(Benevídes, 1991, p. 12-13 ).

Ideologicamente, Juscelino pensava que a industrializa-


ção era um dever a ser cumprido, uma necessidade, um ca-
minho irreversível, porque dela dependia o mercado nacional
e suas exportações e o crescimento do país . Na verdade, esta
foi a base do seu discurso político, o que de certa forma con-
seguia manter o equilíbrio do país, pois constituía, conforme
Benevídes denominou, uma "obrigação de todo homem pú-
blico", ou seja, a esperança que transmitia era em prol do
futuro da nação.
A citação abaixo apresenta as palavras de Kubitschek so-
bre o que pensava do desenvolvimento brasileiro:

'f\ industrialização é a diretriz correta para o desen-


volvimento econômico de um país de população cres-
cente , com um grande mercado potencial e dotado
de adequados recursos naturais . Além de represen-
tar, em si, um estágio econômico evoluído, ela per-
mite a substituição de importações e a diversifica-
ção dos artigos de exportação. Mais ainda, determi-
na o progresso da agricultura, pe la valorização dos
mercados de alimentos e matérias-primas, pelo estí-

56
mula à introdução de tecnologia agrícola avançada
e pela absorção dos excedentes de mão-de-obra que
seformam nos campos" (Kubitschek, 1955, p. 32, 33).
As avaliações positivas do presidente quanto ao futuro do
país estão contidas nestas palavras:

"Nãofecho os olhos à realidade. Conheço e reconhe-


ço que é um trabalho imenso o que desafia os nossos
administradores e homens públicos. Sei que o paupe-
rismo continua a afligir-nos, a danificar-nos. Sei que
não foram extintas as fontes do sofrimento e da mi-
séria. Mas ao mesmo tempo em que me dou conta
disso, dou-me conta, também de que já não aceita-
mos um destino negativo" (Kubitschek, Discurso de
despedida).
Toda esta idealização econômica e política não teria sido
possível se não existisse dentro do país a infra-estrutura her-
dada dos governos anteriores, principalmente do de Vargas,
que sob forte comando do Estado estabeleceu certos patama-
res dentro da economia que permitiram a Juscelino criar um
plano mais arrojado e ambicioso. Deste modo, a articulação
da entrada da empresa estrangeira no país foi produto de dois
fatores importantes, o primeiro se relacionava às condições
internacionais favoráveis à entrada de capitais pela alta compe-
titividade neste segmento e o segundo a uma dinâmica indus-
trial avançada que já estava em curso dentro do país .
Existia portanto uma ambigüidade no governo Kubitschek,
porque por um lado tentava aproveitar o discurso nacionalis-
ta herdado de Getúlio e por outro pregava um desenvolvimento
diretamente ligado ao capital estrangeiro. Tal procedimento
mostra o perfil político do novo presidente o qual tentava esta-
belecer um outro marco político onde prevaleceriam as mu-
danças estruturais, que era um dos grandes objetivos perse-
guidos pela CEPAL. Dentro desta retórica toda está clara a
idéia da construção do "novo" futuro do país, que era uma
proposta de transformação dentro da estrutura administrati-
va existente. Desta forma, há uma mudança no populismo de
Juscelino, em que é articulada uma união entre as bases po-
líticas partidárias do seu governo: o Partido Social Democrá-

57
tico (PSD) que era o seu e o PTB. Benevídes ao apresentar a
ideologia de Juscelino afirma que:

"Res umindo, o populismo Juscelinista pode ser visto


como um tipo de conciliação, ao mesmo tempo moder-
nizante e conservadora, e como um 'novo' naciona-
lismo voltado para as experiências de um capitalis-
mo periférico e dependente do capital estrangeiro"
(Benevídes, 1991, p. 16).

Dentro do que era visto como a implantação da moder-


nidade estava a criação de um mercado nacional e este deve-
ria ser uma das prioridades da política econômica, nem que
para isto tivesse que se associar a capitais internacionais. O
d iscurso de Juscelino apontava para a idéia de que a indus-
trialização deveria caminhar de mãos dadas com o capitalis-
mo internacional, porque dele poderia se obter o financiamento
para o desenvolvimento deste projeto, além do mais, uma si-
tuação chamava a outra, pois se por um lado se financiava a
industrialização, por outro se dava garantias aos investido-
res de que com estas medidas poderia ser criado um grande
mercado nacional. Este plano arrojado de Kubitschek estava
inserido dentro da proposta da CEPAL que defendia a utiliza-
ção do capital e tecnologia estrangeira para efetivar a indus-
trialização, apesar do problema que surgia dentro do país em
virtude deste tipo de posicionamento que aprovava a partici-
pação do capital in ternacional no Brasil.
Para poder atrair novos investidores o governo fez uso da
instrução 11 3 da SUMOC, criada ainda no governo de Café
Filho. Tratava-se de um incentivo especial para que as em-
presas estrangeiras investissem no país, sem ter a necessida-
de da cobertura cambial. Para isto somente as em presas es-
trangeiras associadas às nacionais poderiam obter estes be-
nefícios, enquanto as empresas nacionais, de forma indepen-
dente, não pod eriam fazer uso deste tipo de regalia. Não po-
demos esquecer que este período é a etapa final da industria-
lização brasileira, em que se constituíram de modo pleno as
forças produtivas, e por este motivo se observa o esforço con-
centr ado do governo em articular a grande empr esa estran-
geira, a privada nacional e a pública.

58
Para Juscelino, o capitalismo dependente ou a associação
entre o governo brasileiro e os capitais internacionais não eram
conceitos separados mas pelo contrário, tratava-se de entida-
des que poderiam conviver em perfeita harmonia, uma situa-
ção possível de ser conjugada sem criar muitos atritos para o
país . Este discurso era totalmente diferente ao de Vargas que
procurava a autonomia nacional em todo momento e não acei-
tava em hipótese alguma se associar com o capital interna-
cional se isto significasse abrir mão da tomada de decisões
internas do país, e ia além, partia para o confronto a fim de
defender seus pontos de vista, em última instância, estas idéias
estavam relacionadas com a esperança de constituir um capi-
talismo nacional independente. Kubitschek tinha um modo
de atuação distinta, sempre tentava conciliar todas as cor-
rentes políticas tanto nacionais como internacionais, porque
para ele, os objetivos a serem cumpridos estavam em primei-
ro lugar, e por isto colocava em segundo plano as questões de
autonomia nacional tão discutidas por Vargas nos seus dis-
cursos.
Draibe resume a atuação de Juscelino nesta área afirmando
que:

"( .. . )a direção econômica sob Kubitschek privilegiou


a entrada maciça do capital estrangeiro nas áreas
novas, sob o envoltório ideológico do desenvolvimen-
tismo, promovendo a profunda internacionalização
da economia, justificada pela necessidade de viabi-
lizar os novos blocos de investimento do setor priva-
do. Sem dúvida como indicamos, foram resguarda-
das áreas e fronteiras de expansão, associadas ou
não ao capital nacional privado" (Draibe, 1985, p. 251).

Esta nova ideologia de desenvolvimento, que não era ab-


solutamente liberal porque aceitava a participação do gover-
no e os benefícios do planejamento econômico, -haja vista a
apreciação da teoria da CEPAL e o aproveitamento do grupo
CEPAL-BNDE, e de todos os recursos fornecidos pelo Estado
- fazia com que o presidente tivesse que se explicar. Os con-
ceitos de desenvolvimento e industrialização não fechavam
muito com o capital internacional ou com o capitalismo asso-

59
ciado que Juscelino pregava, porque este tipo de comporta-
mento governamental era visto mais pela ótica estatizante que
pela liberalização da economia, postura desejada pelos inves-
tidores internacionais e alguns empresários nacionais. Desta
forma, em discurso ao Instituto Superior de Estudos Brasi-
leiros o presidente defendeu suas idéias anunciando:

"( ... )sois nacionalistas porque afirmais ser indispen-


sável mantermos as nossas próprias características
e ao mesmo tempo proclamais a necessidade de re-
cebermos a cooperação, em larga escala, dos conhe-
cimentos e do capital estrangeiro indispensável (... )"
(Kubitschek, 1957b, p. 47-48).

Juscelino tentou realizar um desenvolvimento econômico


que reelaborasse os conceitos de dependência externa, ou seja,
a sua ideologia pregava uma aproximação com o exterior e
uma nova postu ra para atingir suas propostas de desenvolvi-
mento. De fato, tentava-se convencer a opinião pública que
este tipo de comportamento não comprometia a autonomia
nacional e que além disso a industrialização somente seria
possível se esta temática fosse seguida dentro do governo e
das relações internacionais. Resumindo, JK durante todo
o seu governo jogou com a política nacionalista e a interna-
cionalização da economia brasileira, isto é, foram duas for-
ças diferentes que tiveram que ser articuladas ao longo do
mandato.
De acordo com Ianni, este tipo de ação governamental so-
mente foi possível pela conjuntura da época que era diferente
à de Vargas, ou melhor, pelas mudanças sofridas pelo capita-
lismo internacional, as quais encontravam outras resistências à
acumulação de capital necessária à industrialização. Estas
questões se explicam a partir do esgotamento da reconstru-
ção mundial do pós-guerra, ou seja, o conflito já havia ficado
para atrás, as condições do capital internacional eram dife-
rentes àquelas dos anos pós-Conflito, em que havia uma grande
escassez de dinheiro e a prioridade era a reconstrução dos
países dilacerados pela guerra. O mesmo autor explica de uma
forma um pouco mais detalhada, a ideologia desenvolvimen-
tista de Juscelino:

60
"( .. . ) o seu compromisso nacionalista era apenas e
exclusivamente ideológico e tático. Era muito mais
uma concessão às forças políticas com as quais
Kubitschek teve de jogar (PTB, PCB, e PSD), devido
às contingências do processo político. Além do mais,
o nacionalismo dessas forças políticas era principal-
mente ideológico, pois que não correspondia a uma
visão mais clara das possibilidades reais da econo-
mia brasileira. Também para essas forças o nacio-
nalismo era muito mais uma retórica política; não
se fundava numa interpretação objetiva da realida-
de nacional" (lanni, 1991, p . 191).

O sucesso da política de desenvolvimento de Kubitschek


estava portanto diretamente relacionado à estabilidade polí-
tica que conseguiu manter ao longo do seu governo. Possuía
grande capacidade de improvisação, o que gerava confiança
na população e fazia com que as massas acreditassem na de-
mocracia brasileira, e que ela era viável. JK foi um grande
articulador, equilibrando as diferentes correntes de pensamen-
to em prol do seu grande projeto: o "Plano de Metas".
Ao longo do seu governo teve que se preocupar em manter
sob controle as correntes favoráveis a Vargas e as antigetulistas,
que eram dois grupos em constante conflito, mas que ele
mantinha próximo dele porque eram necessários. Por outro
lado, não podemos esquecer a identificação que era feita em
torno do seu governo com as idéias de Getúlio, o que ele não
admitia abertamente, porém, de uma forma subjetiva, aceita-
va pela sua ideologia desenvolvimentista. Daí o grande esfor-
ço que tinha que ser realizado neste sentido para poder man-
ter todos satisfeitos e favoráveis a ele. Skidmore, por exem-
plo, apresenta Kubitschek da seguinte forma "( ... ) era, em
qualquer caso, um mestre na arte de convencer políticos
recalcitrantes por meio de concessões liberais" (Skidmore,
1976, p. 214 ).
O presidente gostava de ser visto como agradável e sim-
pático, e quase sempre prometia apoio. Porém, na realidade,
se escudava atrás da sua equipe para não atender pedidos
que estivessem fora dos seus planos de governo. Existem ar-
quivos na Secretaria da presidência que contêm reclamações

61
de políticos que não tiveram suas solicitações atendidas pe-
los assessores de Kubitschek. O presidente mandava bilhetes
com os pedidos aos seus assessores que eram apresentados
pelos interessados e depois estes mesmos eram esquecidos e
nada era feito em torno do assunto. Este tipo de atuação, que
era basicamente conciliadora, fazia com que os atritos dimi-
nuíssem consideravelmente num primeiro momento, mas
depois criava outros.
Juscelino também realizou um amplo trabalho no sentido
de gerar confiança tanto na esfera política como na popula-
ção. Talvez a grande marca de estabilidade deste governo te-
nha sido a capacidade de administrar e superar as crises que
ocorreram dentro do seu mandato, uma vez que a negociação
consistia no principal recurso do governo para enfrentar as
desavenças existentes. A grande preocupação era transmitir
segurança quanto à estabilidade política do país e o futuro do
Brasil que, segundo o presidente era promissor, ou seja, con-
forme o seu discurso, o país poderia se tornar uma grande
potência e tinha condições para isso. Certamente dentro des-
ta retórica havia um grande interesse por parte dele em ter
apoio para os seus projetos. De acordo com Benevídes, a fi-
gura presidencial tinha um modelo político de desenvolvimento
muito especial, assim como uma brilhante personalidade po-
lítica a qual tinha seu próprio discurso para empolgar a po-
pulação com a tarefa do desenvolvimento do país:
"Temas polêmicos, sem dúvida- tanto o modelo quan-
to a persona - mas que permanecem associados a
idéias-força que povoam, para bem ou para o mal, o
imaginário e o debate político nacional: a crença no
Brasil 'país do futuro', a consolidação da 'identidade
nacional', o desequilíbrio entre 'os dois brasis', a in-
tervenção do Estado e a 'edução da tutela', o papel
dos militares 'salvacionistas' e a conjugação entre
liberdades públicas e desenvolvimento - enfim, as
várias formas de que se reveste a velha questão,
irresolvida, de atraso versus modernização" (Beneví-
des, 1991, p. 9) .
Dentro da opção de transmitir confiança para a popula-
ção, Juscelino se empenhou muito em manter este diálogo

62
com os diferentes grupos sociais e por isso, aproximou-se
inicialmente do empresariado do qual esperava sustentação
ao seu plano e apoio entusiasta às suas idéias.
Os empresários mais influentes se encontravam em São
Paulo, estado onde Juscelino haVia conseguido poucos votos
nas eleições, mas mesmo assim, ele apostava na sustentação
política que poderia obter deste segmento da sociedade. Nes-
te sentido, eram facilitados os empréstimos aos empresários,
era mantida uma política de crédito fácil, e se prometia a pro-
teção contra os produtos estrangeiros e a rápida expansão do
mercado nacional. Certamente haVia alguns grupos empresa-
riais que não estavam contentes com a atuação do presidente
mas esta parte era uma minoria, pois segundo Skidmore es-
tes problemas eram compensados "pela exigência legal de
que as firmas estrangeiras necessitavam de sócios brasilei-
ros" (Skidmore, 1976, p. 209).
Além disso, para a classe empresarial, ter Juscelino no
poder significava manter um capitalismo atraente dentro do
país, diferente dos moldes getulistas, ou seja, a estatização
da economia não seria tão profunda e estaria afastada a idéia
de intervencionismo estatal.
Os trabalhadores foram agradados com constantes aumen-
tos nos salários e se manteve um cauteloso controle sindical.
A classe média era mais resistente ao projeto de Juscelino,
principalmente, por se tratar de um presidente que tinha suas
bases na classe empresarial e não nas massas. De fato este
governante não tentava ser populista como Getúlio ou apelar
para um discurso mais socialista, afinal ele queria agradar
as diferentes camadas sociais e por este motivo não se com-
prometia muito no seu discurso. O que ficava de fato da sua
fala eram os resultados econômicos do seu governo, que eram
traduzidos em empregos e no aumento da demanda por ser-
Viços básicos, e isso era o que concretamente agradava à po-
pulação.
Em termos gerais, estas condições puderam ser levadas
adiante porque todas as classes sociais estavam se benefici-
ando pela expansão obtida através da execução do Plano de
Metas. Estes são inclusive os motivos apontados por lanni

63
para explicar porque Juscelino conseguiu conciliar as dife-
rentes correntes de pensamento nacionalistas com a inter-
nacionalização da economia brasileira.
Dentro do seu projeto desenvolvimentista escolheu cons-
truir a capital do país como símbolo do seu governo. A cons-
trução da nova sede administrativa no interior do país foi a
realização de uma promessa de campanha que já estava, po-
rém, na Constituição desde 1891. Para o presidente, a cons-
trução de Brasília traria progresso porque permitiria a exe-
cução de novas estradas que integrariam o interior do país
com a capital, promovendo o escoamento da produção que
ficaria mais fácil além do ganho obtido por todas as partes
envolvidas neste processo. Não pode-se negar portanto que
este projeto foi de grande relevância para este governo forne-
cendo as bases de sustentação para a sua ideologia.
A construção da nova capital trouxe enormes gastos para
o país, mas Juscelino não se importava com isto. E le fez
frente ao FMI e aos políticos mais conservadores para levar
adiante o seu maior projeto. Como já foi apontado anterior-
mente, JK tinha sustentado toda sua carreira na execução de
obras e por isso não podia deixar Brasília de lado e ceder às
pressões em torno dela. Conforme Maram, "as obras de
Kubitschek eram um prolongamento da sua personalidade
e de suas aspirações. Austeridade econômica, para ele, era
simplesmente impensável" (Maram, 1991, p. 110).
A opção escolhida por Juscelino, de terminar suas inú-
meras obras, fazia com que o endividamento do governo au-
mentasse muito e com elas a inflação e o custo de vida, mas
parecia que ele não se preocupava com isso . Pouco antes de
inaugurar Brasília, o presidente anunciou que iria construir
uma estrada da capital ao Acre, a qual percorreria uma
distância de 3.000 quilômetros e teria que passar pelo meio
da floresta tropical. Foi questionado em torno do assunto,
mas ele respondeu prontamente que pensava seriamente
em levar adiante o seu projeto, e logo se pôs em campanha
para levantar financiamento para a obra, sem se preocu-
par com as críticas e pressões externas em torno dos seus
planos.

64
Resistências ao projeto desenvolvimentista

No governo Vargas
A retomada do poder por parte de Vargas não foi fácil. O
caminho que teve que percorrer foi longo até vencer as elei-
ções de 3 de outubro de 1950, quando obteve 48,7% dos vo-
tos, contra 29,7% por parte de Eduardo Gomes e 21,5% de
Cristiano Machado. Na verdade, sua corrida presidencial co-
meçou em 46, quando pronunciou um longo discurso no Se-
nado. Ao defender o Estado Novo de 1937, procurou justifi-
car o golpe daquela época, alegando que outra opção seria
uma guerra civil iminente. Neste discurso. deixou claro que
havia aprendido com os acontecimentos e que estava prepa-
rado para concorrer, no futuro, ao cargo supremo da Repú-
blica.
É a partir deste momento que Getúlio começa a procurar
alianças que o fizessem retomar o poder. O primeiro e princi-
pal apoio veio do seu partido, PTB. Em seguida o da classe
operária, a quem pedia a filiação a este mesmo partido. Pos-
teriormente, entrou em negociações com Adernar de Barros,
político paulista - que fora eleito governador do Estado de
São Paulo - ajudando-o a aumentar o seu prestígio no inte-
rior do estado através do Partido Social Progressista (PSP).
Uma vez eleito e empossado, Vargas teve papel marcante
tanto na harmonização e orientação geral da política econô-
mica bem como no seu desenvolvimento, imprimindo sentido
claro aos programas a serem realizados. Este modo de atua-
ção tão direta, certamente, confrontou-se com problemas sé-
rios de administração e coordenação, já que era preciso en-
frentar a máquina burocrática e os interesses contrários a
este tipo de postura política. As dificuldades de Getúlio, nes-
ta área, encontravam-se nas articulações que ele devia efe-
tuar. tentando agradar as mais diferentes correntes ideológi-
cas, a fim de obter o apoio necessário para que suas idéias
fossem colocadas em prática.
A respeito deste assunto podemos apontar Carlos Lacerda
como o principal responsável pelos ataques a Getúlio. Ele fun-
dou a Tribuna da Imprensa e, em 29 de Março de 52, em
conjunto com Adauto Lúcio Cardoso, iniciava a Cruzada Bra-

65
sileira Anticomunista com 600.000 membros. Em 9 de Julho
de 1954, instituíram a Aliança Popular Contra o Roubo e o
Golpe. Todos estes grupos eram liderados por Lacerda e Car-
doso, o que mostra a oposição acirrada que fizeram a Getúlio
Vargas.
Quanto à oposição civil, esta era liderada pela UDN e por
alguns partidos políticos minoritários da direita e da centro-
direita, o Partido Republicano (PR), o Partido Liberador (PL)
e o Partido Democrata Cristão (PDC).
Destaca-se neste período o grande poder que tinha a dire-
toria da UDN, a qual controlava quase que totalmente a im-
prensa, através dos jornais O Estado de São Paulo e O Globo
e aqueles reunidos pelos Diários Associados que era consti-
tuído de vários jornais no país, o que fazia com que grande
parte das informações divulgadas estivessem nas mãos deste
grupo e pudessem formar opiniões contrárias às de Getúlio.
Os militares, como foi dito, apoiavam Vargas, mas desde
que ele mantivesse uma imagem de moderação, fato que acon-
teceu até 53, quando nomeou João Goulart para o Ministério
do Trabalho, personagem que não era bem-visto pela cor-
poração.
Os oficiais da direita, a partir de 1952, assumiram a lide-
rança do Círculo Militar. Segundo Skidmore, os principais
oficiais anticomunistas eram o general Cordeiro de Farias,
general Juarez Távora e Brigadeiro Eduardo Gomes, sendo
que este último se identificava com a UDN (Skidmore, 1975,
p. 163-166). Foi neste momento que as coisas começaram a
ficar complicadas para Getúlio e mais ainda depois da nome-
ação de Goulart para a pasta do Trabalho.
Conforme foi apresentado, não se pode esquecer que a
implantação do planejamento econômico dentro do país, de
fato, se constituiu num grande esforço para centralizar os ins-
trumentos de comando e minimizar os conflitos, tanto políti-
cos, como econômicos e técnicos, com a finalidade de permi-
tir uma atuação global e coordenada indispensável nas áreas
estratégicas da política econômica, proporcionando assim, flui-
dez à direção do governo nesta área. Daí as dificuldades que
surgiram ao longo do governo Vargas. Houve fatos concretos
de desavenças, não somente com os opositores políticos do

66
presidente e dos militares, como também com técnicos nacio-
nais e estrangeiros e com os detentores do capital nacional e
internacional.
Vários depoimentos deixam explícitas as tensões entre téc-
nicos do governo e os estrangeiros . Podem ser citados, por
exemplo, os conflitos vividos pela Comissão Mista e pelos as-
sessores do presidente, ou entre técnicos da assessoria da
República e o Ministério da Fazenda, ou ainda entre posicio-
namentos contrários de técnicos do BNDE e a Comissão Mis-
ta. Estas contradições apareciam no próprio executivo, en-
quanto alguns ministros-chave, como o da Fazenda, Horácio
Lafer, e de Relações Exteriores, João Neves aliavam-se a adep-
tos da estreita cooperação com os EUA - do qual buscavam
conseguir apoio financeiro e político para efeitos internos - a
Assessoria Especial da Presidência se ocupava com projetos
específicos de grande porte, de acentuado caráter nacionalis-
ta, como o Plano Nacional de Petróleo e o Plano de E letrifica-
ção. Isto nos mostra a realização de um governo dividido em
duas frentes: uma externa e outra interna, ou seja, o presi-
dente queria que os projetos de segurança nacional estives-
sem com seus assessores diretos e mais próximos e os ou-
tros, que ele julgava menos importantes, poderiam ficar nas
mãos de outros técnicos .
Sem dúvida não se restringiram somente a estes fatos as
dificuldades vividas por este governo. Os maiores impedimen-
tos para a execução do plano de desenvolvimento eram as
grandes resistências políticas referentes a um plano tão avan-
çado de planejamento e industrialização.
Tais resistências podem explicar, por exemplo, a imensa
dificuldade de levar adiante a alternativa de industrialização
por parte de Vargas, uma vez que trazia consigo a necessida-
de de uma alta autonomia do Estado, em condições limitadas
e conflituosas do ponto de vista da articulação de interesses
sociais. Isto porque, naquele momento, a prioridade era o
desenvolvimento industrial e os recursos disponíveis estavam
voltados para esse fim, o que criava um desequilíbrio entre o
que a população precisava e pedia e o que podia ser feito.
A industrialização requereria, por outro lado, uma eleva-
da parceria de investimentos do setor público e privado. Daí

67
a dificuldade de unificar interesses naturalmente conflitantes
além de acordos parciais em torno de assuntos mais específi-
cos , ou seja, eram importantes as questões de cunho social,
mas o que se perseguia, em última instância, era a industria-
lização, mesmo que isso significasse deixar de lado outros
aspectos importantes. Além disso. mesmo sem o entendimento
geral. a industrialização vista a partir da mesma ótica da
CEPAL. traria beneficios em todas as áreas, tanto econômicas
como sociais. Na visão de Getúlio estas mudanças na estru-
tura brasileira trariam os mesmos benefícios propostos pela
CEPAL, isto é, s eria o começo do desenvolvimento do país .
O plano de desenvolvimento deveria portanto passar ne-
cess ariamente por uma transformação na estrutura do Esta-
do. Isto significava criar novos grupos industriais, consti-
tuindo o setor de bens pesados com a minimização da parti-
cipação do capital estrangeiro e sob o comando da empresa
pública. Estas medidas compreendiam, concretamente, um
maior grau de subordinação ao Estado e a elevação da esta-
tização na economia, que trazia como pano de fundo o espíri-
to nacionalista de Getúlio , provocando desconforto ao capital
es trangeiro e às instituições internacionais de financiamento .
O que os detentores do capital financeiro estrangeiro e
nacional, que faziam oposição a Getúlio, não percebiam era
que este novo direcionamento dado à economia nos padrões
da CEPAL. apesar de constituir um componente fortemente
nacionalista, era a única forma de efetivar a industrialização .
O Estado deveria comandar este processo, pois as livres for-
ças do mercado não poderiam realizar toda a infra-estrutura
necessária à industrialização. Segundo Rodríguez. a CEPAL
propunha a industrialização deliberada porque:
"Do ponto de vista da política econômica. a industria-
lização é considerada um meio indispensável para
conseguir um alto ritmo de aumento da renda e da
produtividade, para evitar a deterioração dos termos
de troca e para conservar. deste forma , os frutos do
progresso técnico. No entanto, em função dos desequi-
líbrios já mencionados e do caráter estrutural de suas
causas, postula-se que o processo de industrializa-
ção deve ser conduzido deforma deliberada" (Rodrí-
guez. 1981, p 149).

68
No que se referia ao capital externo, a idéia do presidente
não era vetar a entrada de empresas estrangeiras no país.
Esperava-se, com certeza, limitar sua participação em seto-
res novos e controlar sua entrada, bem como a remessa de
lucros para o exterior. Tudo isto com o intuito de proteger as
empresas nacionais, desde as mais simples até as mais es-
tratégicas. Toda esta movimentação ocorria devido à idéia
nacionalista que sempre guiava o presidente, isto é, o Brasil
deveria ter autonomia frente aos países estrangeiros, tanto
no que aludia aos empréstimos quanto às decisões.
Neste sentido há um exemplo que reflete muito bem este
aspecto do governo Vargas: no final de 1951, o presidente fez
um discurso criticando a forma como eram enviadas as re-
messas de lucro para o exterior por parte de empresas es-
trangeiras sediadas no país, e afirmava que este tipo de
procedimento além de ilegal afetava os interesses nacionais
(Vargas, 1952, p. 68-70). O discurso provocou grande reper-
cussão. Chegou a se pensar que poderia interromper toda a
corrente de capitais estabelecida com o exterior. Por este mo-
tivo, o presidente, em outra mensagem ao Congresso Nacio-
nal, teve que explicar que o governo não tinha intenções de
hostilizar os investimentos estrangeiros, e que não desconhe-
cia as contribuições dadas ao país nas diferentes áreas. Tal
atitude nos mostra as grandes pressões sofridas por Getúlio,
bem como a falta de liberdade de ação .
Este discurso evidencia, ainda, que o presidente tinha um
posicionamento altamente nacionalista, mas por outro lado
não excluía a associação com bancos internacionais, políti-
cos e empresariado conservadores, desde que eles atuassem
dentro das condições colocadas por ele e pela sua assessoria
econômica.
No âmbito interno, os grupos empresariais atuaram em
duas frentes quanto às idéias de Getúlio:
a) Uma foi de grande oposição, principalmente dos seto-
res ligados à área de importações e exportações, por-
que pensavam que a intervenção do Estado era dema-
siada.

69
Este setor se comportava de modo ambíguo. As recla-
mações foram acentuadas, e isto levou, em termos con-
cretos, três ministros da Fazenda à perda de seus car-
gos entre os anos de 53 e 55, por tentar levar adiante
as suas políticas de austeridade, como eram cataloga-
das estas idéias pela oposição.
O ministro Lafer saiu em julho de 53, pouco depois de
sugerir a Vargas um programa antiinflacionário. Logo
depois, Aranha assumiu o cargo com um discurso se-
melhante ao de seu antecessor. Com a morte de Vargas,
Aranha caiu, devido às pressões que vinha sofrendo e
pela sua fidelidade ao falecido presidente. Seguiu a ele
Gudin, que não teve sorte diferente. Ao longo dos me-
ses, as críticas a sua política de estabilização foram se
intensificando, obrigando-o a pedir demissão do cargo
em meio a uma aguda crise.
b) A outra corrente, em termos gerais, tinha uma intensa
demanda no sentido de que se viabilizasse a industria-
lização, pela necessidade existente de reposição de equi-
pamentos no parque produtivo nacional. O que eles
esperavam era que fossem atendidas suas reivindica-
ções que buscavam apressar a política de reaparelha-
mento econômico. Estas idéias eram compatíveis com
as do planejamento de Getúlio nesta área e somavam
forças à intervenção do Estado na economia.
Por outro lado, a Confederação Nacional da Indústria (CNI)
abria espaço, naqueles anos, para o exercício do projeto desen-
volvimentista, através do seu departamento econômico, que
fora criado sob chefia de Rômulo de Almeida, que depois da
ascensão de Getúlio se transferiu para o governo, a fim de
chefiar a assessoria do presidente. No ano de 51 este depar-
tamento passou a editar a revista Estudos Econômicos, cujo
último número seria editado em 54. Segundo Bielschowsky,
um dos números de maior interesse foi o de março de 50, em
que vinha um resumo do "Estudio Económico para América
Latina" relativo a 49, da CEPAL, e o de setembro de 1951,
que reproduzia a versão preliminar do ensaio Problemas teó-
ricos e práticos do subdesenvolvimento, de Raúl Prebisch,
que a instituição publicaria somente no ano seguinte (Biels-
chowsky, 1996, p. 324).

70
Em resumo, todos os aspectos que foram discutidos até
aqui mostram que as idéias da CEPAL foram amplamente
divulgadas no Brasil, tendo apoio de uma parte do empre-
sariado e do governo, nas mãos de um dos principais asses-
sores do presidente - Rômulo de Almeida.
Como vimos ao longo deste capítulo, a ideologia da indus-
trialização alcançou um patamar importante neste período,
porque foi criada consciência a respeito do que significava a
implantação da indústria de base no Brasil. Também houve
adiantamentos no que se referia à resistência ao liberalismo
praticado no governo Dutra, promovendo o planejamento den-
tro do país. E por último, foi criado um clima propício para o
debate político sobre a função pública, o que multiplicou a
participação da discussão sobre as questões econômicas. Deste
modo, podemos concluir que a época era de grandes mudan-
ças e de proj etos significativos, em que estava em jogo a ideo-
logia desenvolvimentista nos moldes da teoria da CEPAL.
Toda esta tomada de consciência teve um pequeno retro-
cesso no governo de Café Filho. Ele tentou estancar os inves-
timentos públicos e criar dificuldades à expansão das empre-
sas estatais. Por outro lado, abriu sem restrições, as portas
ao capital estrangeiro, medida totalmente contrária à política
econômica de Getúlio. Em termos concretos, associou-se à
UDN, com a linha mais comprometida com os Estados Uni-
dos, aos militares e às classes mais ligadas ao sistema inter-
nacional. Seu ministério era defensor de uma política liberal,
ou seja, era a favor da não-intervenção do Estado na econo-
mia.
Café Filho tentou, sem êxito, acabar com todos os vestí-
gios da política econômica de seu antecessor. No entanto, uma
aliança entre parte das correntes nacionalistas e os setores
progressistas impediu que tal ocorresse quando conseguiu
eleger Juscelino Kubitschek à presidência da República em
outubro de 1955.

No governo Kubitschek
O caminho percorrido por Juscelino para chegar à presi-
dência, assim como Getúlio, não foi fácil. Foi preciso haver
uma grande articulação e apoio militar para poder assumir o

71
comando da nação. Além disso, ao longo do seu governo ele
teve que se preocupar com as constantes desavenças entre os
simpatizantes das idéias getulistas e antigetulistas que ele
queria e precisava ter ao seu lado.
Logo após de Juscelino ganhar as eleições, o general Hen-
rique Teixeira Lott realizou um golpe preventivo, para que JK
tomasse posse. É importante destacar que Lott demostrou
ser um grande aliado de Juscelino ao longo de todo o seu
governo, pois com o apoio dele foi possível manter o equilí-
brio dentro do país durante o seu mandato . De acordo com
Maranhão "Lott foi artifice dessa aliança [político-militar],
por isso mesmo se manteve como Ministro da Guerra até o
final do Governo" (Maranhão, 1996, p. 272). Sendo assim,
Kubitschek começou seu governo com estado de sítio e con-
seguiu se manter no poder, após dois governos interinos, até
o final da sua gestão.
O golpe foi necessário porque os seus opositores não que-
riam vê-lo no poder sem ampla maioria na votação de 55 . A
realidade era que na eleição para presidente da República
Juscelino havia sido eleito com 36% dos votos válidos, que
estava longe dos 49% obtidos por Getúlio na votação anterior
e que lhe dava maior representatividade. Por estes motivos,
Kubitschek teve que fazer alianças para poder governar, por-
que sua situação era delicada, e nas circunstâncias políticas
que se encontrava sua posição seria insustentável se não hou-
vesse algum tipo de acordo com os partidos políticos . Mesmo
com esta conjuntura ímpar, tornou-se o segundo presidente
eleito pelo voto direto do Brasil desde 1945.
Toda esta situação fez com que Juscelino passasse por
profundas crises no começo e no fim do seu governo. Foi pre-
ciso então, combinar eficácia no ato de governar e legitimida-
de no respeito às instituições estabelecidas dentro do país o
que não significou a ausência de crise neste período.
O governo em pauta pode ser dividido em dois momen-
tos: o primeiro que vai até meados de 1958 e o segundo que
vai até o final do seu mandato. O primeiro, como já foi apre-
sentado, foi marcado pela intervenção militar e pela forte opo-
sição das diferentes correntes políticas. O segundo período
está mais relacionado à crise econômica que tomou conta do

72
país e da falta de financiamento para continuar a industriali-
zação. Benevídes ao descrever este período afirma que:

"O governo de Juscelino encrava-se, pois, num pe-


ríodo extremamente crítico, entre o suicídio de Vargas
(agosto de 54) e a renúncia de Jânio Quadros. No
entanto essa experiência resultou num governo poli-
ticamente estável, apesar de marcado por crises mi-
litares no começo e nofim do período, como os levan-
tes de Jacareacanga e das Aragarças; pelas crises
provocadas por conflitos entre as três armas milita-
res; por uma intensa atividade sindical e partidária;
pela ascensão dos movimentos camponeses, e pela
crescente intervenção da Igreja na área político-so-
cial, sobretudo no Nordeste" (Benevídes, 1991, p. 10).

O que Kubitschek fez desde o começo do seu mandato foi


apelar para seus opositores para que o apoiassem, ou seja,
ele pensava que poderia haver oposição ao seu governo desde
que esta viesse em termos democráticos. Este discurso não o
liberou, porém, de uma revolta militar que explodiu dois me-
ses após ele tomar posse. Este episódio possibilitou o presi-
dente de dar anistia aos militares, inclusive aos que tinham
tentado o golpe em novembro do ano anterior. Devido a este
acontecimento, Juscelino sofreu muitas críticas, pois era
malvista esta aproximação dele com os militares. De acordo
com Skidmore, "através da sua presidência, Kubitschek cor-
tejou os militares com uma variedade de ardis, - sempre
atento aos seus pedidos de pagamento de aumento e de
modernos equipamentos" (Skidmore, 1976, p. 212).
As dificuldades até agora apresentadas não impediram,
não entanto, que Juscelino governasse, pois embora fossem
de grande importância ele soube contorná-las mantendo-se
no poder. Mesmo com problemas, ele conseguiu levar adiante
seu Plano de Metas e logrou manter adeptos a sua causa que
o apoiaram ao longo do seu governo. Na verdade, a oposição
a ele era mais de cunho político e militar que relacionada ao
capitalismo internacional e aos Estados Unidos, o que fez com
que o financiamento para os seus projetos não se Visse tão
comprometido como no período de Vargas que encontrara
resistências internas e externas para o seu governo. Neste sen-

73
tido vale a pena apontar para o uso do capital internacional
feito por JK de uma forma exaustiva, conforme pregava a
CEPAL, para alcançar a industrialização. Além disso ele se va-
leu de todos os mecanismos disponíveis para levar adiante o
seu planejamento econômico assim como a CEPAL o havia pro-
posto, aspectos estes que serão discutidos no capítulo seguinte.
Uma grande investida de Juscelino para manter-se no po-
der foi em torno da questão anticomunista. Os seguidores do
antigetulismo pensavam que as idéias de Getúlio eram de
cunho socialista e ao identificar Kubitschek com este manda-
tário pensavam que teria a mesma forma de atuar e governar.
Sendo assim, o presidente se preocupou ao longo do seu man-
dato em discursar sobre o assunto e em se posicionar contra
esta ideologia, tudo isto com o intuito de passar confiança
para os seus opositores políticos, militares e investidores na-
cionais e internacionais.
O presidente manteve então, até quando lhe conveio, uma
postura de país associado aos EUA contrariando o posicio-
namento de Getúlio, ou seja, seu nacionalismo era diferente
neste ponto o que agradava várias correntes internas e exter-
nas. Seu discurso de desenvolvimento era mais em torno de
questões do próprio crescimento do país e da implantação da
infra-estrutura necessária para que isto acontecesse. No en-
tanto, sua fala não se remetia à autonomia nacional nem à
superação da dependência externa. Podemos verificar neste
ponto que Juscelino seguia as recomendações da CEPAL no
sentido de lançar mão de todos os recursos disponíveis para
se industrializar e implantar o planejamento econômico den-
tro do país e é o que fez de fato com o Plano de Metas.
Quanto às resistências ao discurso de Juscelino, estas
parecem estar mais relacionadas à associação deste governo
ao capital internacional e aos Estados Unidos . Segundo Ma-
ranhão:
'1<\. ideologia desenvolvimentista e nacionalismo vin-
culado pelo governo Jk tentava ocultar, com relativo
sucesso esse processo de implantação de uma dinâ-
mica monopolista submetida a centros externos, essa
subordinação do capital nacional ao estrangeiro" (Ma-
ranhão, 1996, p. 266).

74
Por outro lado, este discurso se diferenciava do de Getú-
lio por se tratar de uma ótica oposta, pois Juscelino não
tinha problemas em condicionar a associação financeira à
autonomia nacional. Maranhão aponta sobre a ideologia de
Kubitschek que:
"É bem verdade que o próprio chefe de governo pre-
feria (.. . ) a ênfase no discurso sobre "desenvolvimen-
to" do que no 'nacionalismo'; e que, enquanto JK pa-
recia acreditar na relação país desenvolvido/país
subdesenvolvido como uma relação de 'inferiorida-
de' e não na exploração, a vertente nacionalista vei-
culada por alguns setores e agencias governamen-
tais tendia a ver nacionalismo como combate ao ca-
pital estrangeiro" (idem, p. 267) .
A oposição da imprensa também foi importante neste pe-
ríodo, a figura de Carlos Lacerda aparece novamente neste
governo fazendo oposição por meio do jornal A Tribuna da
Imprensa, onde publicava que Juscelino estava de acordo com
os comunistas e que este era um ato de traição para o país. A
reação de Juscelino neste episódio foi de apreender o jornal
já que ele não permitiria que radicais de esquerda ou de di-
reita tirassem o Brasil do caminho por ele traçado. E sabia
que a criação de controvérsias em torno da sua política de-
sarticulava a política do governo e não trazia benefícios para
a sua atuação.
O ministro do Trabalho de Kubitschek era João Goulart,
cargo que havia sido dado a ele por escolha própria, obrigan-
do-o a esforçar-se ao longo de todo o governo para transmitir
confiança quanto à sua atuação dentro deste mandato, a res-
peito do que seria feito e do seu posicionamento anticomunista.
Desta forma, Goulart conseguiu fazer um tipo de atuação den-
tro do governo que não promovesse grandes modificações na
área trabalhista, o que manteve uma certa tranqüilidade den-
tro do poder. Skidmore aponta que Goulart "evitou com
sucesso dar qualquer evidência substancial às constantes
afirmações de que pretendia ser um novo Perón" (Skidmore,
1976, p. 213).
O partido oposicionista, a UDN, também deu muito traba-
lho para Juscelino . O governo era alvo constante de acusa-

75
ções udenistas. Este partido, neste período, tornou-se espe-
cialista em denunciar a administração Kubitschek e na obs-
trução de votação de projetos no Congresso Nacional. O que
incomodava a UDN era a freqüente associação que era feita
entre Juscelino e Getúlio, pois alguns o chamavam de herdei-
ro político do getulismo e de fato, muitas vezes, o nacionalis-
mo de Kubitschek se confundia com o de Vargas, o que fazia
aumentar a desconfiança entre os udenistas e sua posição ao
governo. De qualquer forma este partido representava a mi-
noria dentro dos partidos opositores.
O apoio do presidente estava na coligação que havia feito
entre o PSD-PTB que dava segurança e sustentação ao seu
plano político e também lhe assegurava uma confortável maio-
ria parlamentar. Embora esta coligação algumas vezes votas-
se assuntos polêmicos contra o governante da nação, como
aumentos salariais acima do esperado ou recomendado, Jus-
celino se mantinha protegido dentro de uma situação que o
favorecia porque, inteligentemente, havia feito no começo do
seu governo esta aliança política. Esta manobra política esta-
va fundamentada na idéia de que somente se associando com
um partido forte como o PTB o presidente poderia enfrentar
a oposição e sair vitorioso nesta empreitada. Nas palavras de
Maranhão, esta atitude presidencial se justificava porque:
"( ... ) a força da aliança PSD-PTB no Congresso ga-
rantia a continuidade do mandato político, assegu-
rava a legitimação desse mando no jogo parlamen-
tar, e fornecia munição ideológica para o governo e a
imprensa. Ao mesmo tempo, jazia o Congresso fun-
cionar como canal de circulação de demandas seto-
riais dos grupos sociais de apoio ao governo: os
deputados da aliança dominante tinham tanto pos-
sibilidade dejazer passar projetos de leijavoráveis
a suas bases regionais, quanto de freqüentar ga-
binetes ministeriais para assegurar obras, empregos
e mais votos nas eleições futuras" (Maranhão, 1996,
p. 274).
De qualquer forma, mesmo havendo oposição, Kubitschek
sempre se apresentou como um grande negociador. Onde es-
tivesse, fosse com os empresários, militares ou políticos,

76
conseguia passar a mensagem de que o mais importante era
a industrialização do país, que esta era a razão de ser do seu
mandato, o que o levava a articular as mais diferentes cor-
rentes de pensamento e trazê-las para o seu governo. Muitos
o viam como um idealista que acreditava no futuro do Brasil,
que passava confiança sobre o caminho que o país estava per-
correndo, e talvez viesse daí a grande aceitação que obtinha
das diferentes camadas sociais e políticas.
Desta forma, podemos notar que a grande estabilidade do
governo, apesar de algumas controvérsias, se devia ao desen-
volvimento contínuo e pelo otimismo generalizado que o pre-
sidente conseguia transmitir para todas as camadas da po-
pulação. Outro ponto importante era a manutenção do regi-
me democrático, eleições livres, liberdade de imprensa (den-
tro dos limites colocados por ele), etc. Segundo Benevídes, o
governo Kubitschek se apoiava num tripé que tinha que estar
sempre equilibrado: a política partidária, a política militar e
a política econômica. Havendo uma descompensação em qual-
quer uma destas áreas haveria problemas dentro do governo
(Benevídes, 1979, p. 46).
No âmbito das relações internacionais, seu comportamen-
to, como já explicamos anteriormente, foi de aproximação dos
EUA. De fato, ele sabia que seus projetos dependiam do fi.
nanciamento externo principalmente do país do norte e dos
seus investidores . Sendo assim, fez o possível para apresen-
tar o seu plano de governo para as autoridades norte-ameri-
canas. Seguindo a mesma linha de conduta interna, tentou
empolgar Washington com a idéia de que o Brasil era um país
viável, que podia dar certo, que somente precisava de apoio
para realizar o seu planejamento. Conforme Skidmore, Jus-
celino manteve relações públicas com os Estados Unidos como
nenhum outro governante brasileiro o tinha feito até então.
Todos estes aspectos das relações Brasil-Estados Unidos
merecerão uma análise detalhada no último capítulo deste li-
vro.
No que se refere especificamente a participação do Estado
no processo de industrialização brasileira podemos afirmar
que este teve uma atuação marcante neste período, tanto
na condução das questões econômicas e ideológicas como na

77
criação de órgãos que dessem as condições necessárias ao
desenvolvimento.
No que tange a teoria da CEPAL. começa a ser conhecida
no país nesta época e divulgada no primeiro governo de Vargas,
sendo que quando Juscelino assume o poder as discussões
em torno do desenvolvimento já estavam bastante adianta-
das, principalmente pela repercussão da publicação do
"Estudio Económico" de Raúl Prebisch e da equipe da CEPAL,
a qual chamava a atenção para os problemas latino-ameri-
canos.

78
CAPÍTULO 11
O papel da assistência técnica e
financeira na industrialização do
período 1950-1961

Para efetivar a industrialização, a CEPAL tinha como pro-


posta uma abertura para a assistência técnica e financeira
externa. Desta forma, o corpo técnico nacional poderia ser
treinado e se obteria o necessário financiamento para a in-
dústria de base do país. Este tipo de recomendação era mui-
to importante para os países que estavam se industrializan-
do porque por um lado havia carência de treinamento nos
seus grupos técnicos e por outro, faltava financiamento para
realizar a industrialização . Neste sentido, Rodríguez aponta o
seguinte sobre a teoria da CEPAL:

"O financiamento externo cumpre dois objetivos fun-


damentais: atenuar a escassez de divisas e comple-
mentar o esforço interno de poupança. Considera-se
que ele deve ser transitório, o que reflete o caráter
necessariamente nacional que deve ter o desenvolvi-
mento periférico , por motivos econômicos.( ... ). Final-
mente, a assistência técnica é considerada como um
meio para atenuar as carências de capacitação dos
mais diversos tipos, peculiares da condição periféri-
ca" (Rodríguez, 1981, p. 173-174)

Desde o início dos anos 50, quando o Brasil adotou a es-


tratégia de industrialização para substituição de importações,
em padrões muito similares aos moldes da CEPAL, com o
fim de promover o crescimento econômico e o desenvolvimen-

79
to, os investimentos estrangeiros se voltaram para o setor in-
dustrial. Isto ocorreu a partir de um declínio gradual da par-
ticipação externa em infra-estrutura, já que ficaria a cargo
do governo, como vimos anteriormente, comandar este pro-
cesso.
O grande desafio deste período centrava-se na manuten-
ção do ritmo de crescimento da indústria substitutiva das
importações. Era necessário consolidar o processo iniciado a
partir da década de 30 e avançar nos produtos intermediá-
rios e bens duráveis tais como acessórios, produtos quími-
cos, metalurgia, siderurgia, etc. Precisava-se, para este fim,
de financiamento, parte considerada mais complexa devido
às implicações existentes na associação com qualquer país
financiador, principalmente os Estados Unidos . Isto porque,
o retorno esperado e cobrado não era somente financeiro, mas
também o ideológico. Sobre este aspecto, é importante desta-
car que os governantes aqui analisados tiveram posiciona-
mentos divergentes: enquanto Vargas batia de frente com os
interesses norte-americanos, Kubitschek tinha uma política
de maior aproximação com os mesmos.
A entrada de investimentos no país seria viabilizada por
vários incentivos dados ao capital estrangeiro, uma vez que
uma substituição rápida só seria possível com a contribuição
maciça de fundos e técnicas estrangeiras. No entanto, com a
carência de capitais na época, estes incentivos somente podi-
am ser obtidos em condições vantajosas para os investidores
e foi exatamente isso que aconteceu no Brasil.
A industrialização, conforme foi apresentada, trazia con-
sigo problemas de financiamento, tanto de ordem interna como
externa. No âmbito interno isto implicava num comprometi-
mento maior do estado brasileiro e no externo, condicionava
a autonomia nacional ao financiamento, que requeria um en-
tendimento entre as empresas nacionais e o setor público e
privado estrangeiro, e, além disso, estava sujeito às flutuações
internacionais. Neste aspecto, Vargas lutava para que o país
não tivesse que sofrer este tipo de pressão externa e se tor-
nasse independente, pelo menos, nos assuntos que eram
prioritários, aspectos amplamente discutidos nos discursos
do presidente. Já Kubitschek, lutava por ter uma maior apro-

80
ximação com os EUA, a fim de conseguir um rápido financia-
mento para os seus projetos, não se importando tanto como
Getúlio com questões de autonomia nacional.
Do ponto de vista dos dois governantes, a industrializa-
ção era um caminho irreversível, visto as tendências mundi-
ais da época. O que ocorreu de fato, foi um esgotamento do
modelo que existia até então, ou seja, o primário-exportador,
cuja atividade básica sustentava-se na exportação de produ-
tos primários e na importação de produtos industrializados.
Segundo a CEPAL, era necessário se industrializar para fazer
frente às flutuações externas e obter maior autonomia nacio-
nal via criação de infra-estrutura e mercado interno. Daí a
grand e importância do financiamento externo, porque dele
dependia, em grande medida, o sucesso ou o fracasso das
políticas econômicas que estavam sendo implantadas.

A cooperação financeira como instrumento para


alcançar a industrialização

Getúlio Vargas
Vistas as tendências mundiais do pós-guerra e a escassez
de dinheiro, o governo pensava que o capital necessário à in-
dustrialização deveria ser alcançado de várias formas. Por estes
motivos, os recursos em moeda estrangeira viriam de agên-
cias internacionais e de empréstimos diretos dos governos
estrangeiros, ao passo que os recursos internos seriam
coletados através de um empréstimo compulsório sob a for-
ma de adicional ao imposto de renda, bem como de conces-
sões das companhias de seguro, institutos de previdência, etc.
No que confere ao financiamento externo, é possível afir-
mar que Vargas passou por vários problemas para efetivar
tais empréstimos. A primeira dificuldade surgiu logo depois
da sua posse porque o seu discurso, certamente, não foi de
conciliação. Na mensagem ao Congresso de 51, havia uma
crítica à forma pela qual estavam sendo enviadas as remes-
sas de lucros para o exterior. Este fato provocou um certo
desconforto na política externa brasileira e fez com que o go-
verno tivesse que voltar atrás neste posicionamento. O que

81
houve foi uma reclamação feita por parte dos Estados Uni-
dos, ou mais especificamente, dos diplomatas norte-america-
nos que viram, na argumentação do presidente brasileiro, ata-
cados seus interesses , justamente eles, representantes de um
país aliado do Brasil. É óbvio que para os olhos daqueles di-
plomatas que prestavam ajuda, inclusive financeira ao Bra-
sil, não poderia ser aceita esta postura de Vargas, o que evi-
dencia a dificuldade que teria para sustentá-la. Mas, mesmo
com este tipo de problema, havia um amplo apoio ao presi-
dente.
Apesar das controvérsias criadas em torno do seu discur-
so, a entrada de capital estrangeiro era vista com bons olhos
por Getúlio, desde que "não ferisse interesses políticos fun-
damentais do nosso país" (Vargas, 1951, p. 252). Deste modo,
havia uma grande preferência pelo financiamento externo pú-
blico, que poderia ser concedido por duas instituições: o
Eximbank e o BIRD.
Este tipo de empréstimo era conveniente para o país, pois
abria a possibilidade de uma melhor utilização dos recursos
que eram obtidos , uma vez que havia orientação destas insti-
tuições para que esses financiamentos fossem empregados em
reformas de base. No caso brasileiro, estes auxílios seriam
utilizados, principalmente, em infra-estrutura, pois não se
acreditava no interesse pela aplicação dos mesmos em áreas
prioritárias do país por parte do setor privado.
Conforme discurso realizado por Getúlio em 51, o finan-
ciamento estrangeiro deveria, então, ser visto de duas formas:
por um lado, era preciso aceitar os empréstimos da empresa
estrangeira, e por outro, controlar-se-ia estes recursos ao ten-
tar definir o papel que os mesmos desempenhariam dentro
da economia do país e os limites da intervenção que podiam
efetuar no Brasil. Este foi, portanto, o grande dilema vivido
por Vargas: tentar achar um equilíbrio entre o que ele pensa-
va ser de interesse nacional e as condições para se obter o
financiamento da industrialização, de uma forma que não fe-
risse os interesses nacionais nem os internacionais .
Na mensagem antes mencionada, são estas as considera-
ções feitas pelo presidente ao Congresso Nacional:

82
"Em face da experiência do pós-guerra na finança
mundial, devemos esperar mais cooperação técnica
e financeira de caráter público. Até porque a maior
aplicação de capitais privados pressupõe a existên-
cia de condições que só podem ser criadas mediante
inversões públicas em setores básicos, tais como ener-
gia e transporte" (Vargas, 1951, 252-253).
Em termos de financiamento da industrialização, deve-se
observar que, durante a década de 50, havia estreita correla-
ção entre o nível dos recursos financeiros de origem externa e
o ritmo de crescimento interno, o que nos mostra o porquê
da grande importância dada a estes empréstimos, já que de-
les dependiam os rumos que tomaria o país.
Mesmo existindo uma notória preferência pelo financia-
mento externo público, houve, no entanto, uma significativa
entrada de capitais privados no país. É preciso dizer ainda
que era grande a falta de credibilidade, por parte do presi-
dente, no que se refere ao interesse destes últimos investido-
res em colocar seu dinheiro no Brasil, uma vez que se tratava
de investimentos de longo amadurecimento e rentabilidade
relativamente baixa. Além disso, havia uma intenção explícita
de submeter tais recursos aos interesses nacionais.
Estes condicionantes não nos impede, porém, de afirmar
que o setor privado teve uma importante função no forneci-
mento de recursos externos. Isto significa que as poupanças
não-governamentais desempenharam um papel fundamental
para a implantação efetiva das indústrias. Estes empréstimos
foram aplicados em áreas estratégicas para o processo de cres-
cimento do Brasil, principalmente no setor privado, confor-
me demonstram os dados que podem ser melhor apreciados
na Tabela 1:

TABELA 1
Fontes de Financiamento da Industrialização do Brasil ( 1950-1954)
Origem 1950 1951 1952 1953 1954
Poupança do setor privado* 41 26 28 52 40
Poupança do governo 19 22 16 7 18
Fonte: Baer, 1988, p. 88.
• Interna e externa.

83
De acordo com a tabela pode-se concluir que a participa-
ção do setor privado no período 50-54 foi significativa, já que
se investiu, principalmente, na área industrial, ultrapassan-
do, inclusive, os recursos obtidos pelo governo .
Sonia Draibe afirma que as decisões nacionais em con-
junto com a empresa privada estrangeira e nacional tiveram
certas implicações, que, de alguma forma, afetaram a divisão
das inversões , bem como a articulação das mesmas .
"Pode-se dizer que o projeto de industrialização Var-
guista conferiu à grande empresa estatal um papel
nuclear, nas áreas novas de inversões, responsável
por fortes impactos dinâmicos sobre a empresa pri-
vada nacional. E na impossibilidade de que essa res-
pondesse plenamente aos requisitos da expansão, a
proposta era de que a empresa estatal se associasse
à estrangeira, mas conservando seu poder de deci-
são e comando" (Draibe, 1985, p . 202) .
A importância que o capital privado teve torna-se portan-
to, evidente. Mas o que se verifica é que houve empecilhos
para sua entrada no país, principalmente pelo posicionamento
nacionalista de Vargas, que não era bem-visto pelo capital es-
trangeiro e nacional pelo alto grau de estatização que ele pro-
moveu na economia.
No que se referia ao financiamento externo Vindo de ou-
tras fontes internacionais, o posicionamento do presidente era
outro, caracteristicamente menos hostil. Desta forma, os em-
préstimos vieram por intermédio de agências internacionais
que prestavam ajuda a países que estavam se industrializan-
do e que era a grande tendência do pós-guerra, como j á apon-
tado anteriormente. Eram elas: o Eximbank, o BIRD e tam-
bém a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos. Vale lembrar,
no entanto, que a aplicação destes recursos e o modo como
foi financiada a infra-estrutura da industrialização será ana-
lisada mais detalhadamente ao longo deste capítulo.
Trata-se do período no qual o BIRD tinha uma orientação
rigorosa quanto aos empréstimos , uma vez que estes somen-
te seriam liberados para países que estivessem investindo na
sua industrialização.

84
Neste contexto, o entendimento deste período não ficaria
completo sem que houvesse uma referência ao término da
li Guerra Mundial e a reorganização do mundo após este con-
flito. Nesta época houve um movimento de radicais transfor-
mações abarcando praticamente todas as órbitas da ativida-
de econômica, não apenas a produtiva e tecnológica, mas tam-
bém a comercial, a monetária e a financeira. Desta forma, é
preciso entender melhor o papel que cabia à América Latina:
o de fornecedora de matérias-primas para os países desen-
volvidos.
A ajuda externa, principalmente norte -americana, estava
voltada em grande medida para os países europeus que, ao
se reerguerem, precisavam de grandes capitais para efetuar
esta tarefa. Deste modo, restava aos países latino-america-
nos o papel de espectadores na distribuição mundial de ri-
quezas, uma vez que a falta de financiamento existente den-
tro destas economias atrasadas dificultava o seu processo de
industrialização .
No que se refere especificamente ao Brasil, este somente
começou a receber financiamento no segundo governo Vargas,
através da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos. Conforme
as exigências norte-americanas, o empréstimo só poderia re-
alizar-se após a assinatura de um polêmico acordo militar,
no qual se obteria material bélico dos EUA em troca de mine-
ral estratégico. Este mecanismo, na visão dos nacionalistas
brasileiros, representaria para o país trocar muito por nada
porque o armamento entregue ao Brasil já se encontrava ob-
soleto enquanto que as matérias-primas enviadas eram de
qualidade.
É importante frisar ainda que, já no pós-guerra, os Esta-
dos Unidos eram a maior potência econômica e industrial do
continente, tendo substituído a Inglaterra a partir dos anos
20. Vale ressaltar, porém, que para os EUA atingirem a condi-
ção de potência econômica mundial foi preciso passar por um
longo período de transformações culturais, políticas e econô-
micas. Com a guerra, este papel de potência mundial ficou
ainda mais claro o que permitiu estabelecer uma nova ordem
econômica comandada, então, por este país. Destaca-se des-
te processo a hegemonia do dólar no mundo que acabou por

85
transformar a ideologia dominante, que de inglesa passou a
norte-americana.
Sobre este assunto, Teixeira afirma que a internaciona-
lização das idéias dominantes norte-americanas podem ser
descritas:
"1. pela difusão de seu padrão de produção e consu-
mo, que alimenta e é realimentado pela transna-
cionalização das grandes empresas americanas,
gerando este movimento uma resposta, nos prin-
cipais mercados de capitais, que leva as grandes
empresas em concorrência no mundo inteiro a ado-
tar o modelo americano, a se 'americanizar' em
seus padrões de gestão e organização produtiva.
2. pela constituição de um padrão monetário inter-
nacional baseado no dólar.
3. pela instauração, em cada país, de padrões de fi-
nanciamento que reproduzem o modelo america-
no, em suas características básicas de Jinancei-
rização' (Teixeira, 1993, p. 25-26).

Este novo padrão hegemônico norte-americano, com o tem-


po, passou a se tornar um centro desestabilizador das econo-
mias periféricas. Isto porque, ao começar competir com elas,
não era possível estabelecer uma complementaridade, levan-
do, assim, a uma concorrência desigual, já que os EUA pos-
suíam tecnologia e capital suficientes para lhes dar um poder
de barganha muito maior que o dos países subdesenvolvidos
que não possuíam capital nem tecnologia.
No plano monetário-financeiro, a hegemonia dos EUA afe-
tou as economias internas dos países latino-americanos, uma
vez que a liquidez internacional podia somente repousar na
economia americana, fato que se agravou no período imedia-
to pós-guerra até a segunda metade dos anos 50, caracteri-
zando uma fase denominada de "escassez de dólares".
Todos os aspectos apontados até agora mostram-se como
fundamentais para entender o desenvolvimento da política
externa de Getúlio Vargas que constantemente diferia do seu
discurso nacionalista, afinal, para obter financiamento capaz
de propiciar a industrialização, muitas vezes, significava aceitar
recomendações externas que não eram do seu agrado. Sendo

86
assim, para ter acesso à ajuda norte-americana era preciso
aceitar também sua política externa.
Além dos fatos levantados acima, podemos mencionar tam-
bém outros acontecimentos externos que colaboraram para
agudizar os problemas brasileiros . De acordo com Malan, um
dos agravamentos mais sérios foi o aprofundamento da guer-
ra fria . A partir deste momento, qualquer proposta de cunho
nacionalista ou social era tida como iniciativa de esquerda.
Industrializar o país e procurar maior autonomia nacional não
era visto com bons olhos pela ideologia dominante do dólar.
Desta forma, o que temos é um período de radicalização ideo-
lógica, no qual os países tinham que se posicionar como ali-
nhados ou não-alinhados dos Estados Unidos (Malan et al.,
1977, p. 407) .
Do relacionamento com os EUA, Vargas teve uma preocu-
pação especial em obter uma aproximação com este país para
tornar possível a realização de transações econômicas e fi-
nanceiras. A prioridade era a sustentação dos preços do café,
em troca de maior remessa de areia monazítica, além do apoio
brasileiro às teses políticas e ideológicas norte-americanas
para o hemisfério. Na verdade, tratava-se da obtenção do apoio
por parte do Brasil - maior Estado sul-americano - a fim de
que o país se constituísse num forte aliado e divulgador da
ideologia e da política externa do país do norte.
Neste contexto, houve dois momentos bem diferentes no
período Vargas: o primeiro foi o da posse, em 31 de Janeiro
de 1951, coincidindo com o governo de Truman- presidente
democrata mais solidário com os problemas de caráter finan-
ceiro do terceiro mundo -, quando se registrou uma aproxi-
mação entre os EUA e o Brasil, fato amplamente aprovado
por dois ministros de Vargas, João Neves da Fontoura (Rela-
ções Exteriores) e Horácio Lafer (Fazenda). Desta aproxima-
ção veio um financiamento, via Comissão Mista, que em ter-
mos concretos aj udou na parte técnica e monetária da indus-
trialização.
Neste ponto, Malan chama a atenção para a política exter-
na brasileira do período. Estimulado pelo lançamento do Pro-
grama do Ponto IV de Truman em 1949, o qual se referia à
ajuda norte-americana para propiciar reequipamento e seta-

87
res de infra-estrutura, Vargas vinha reivindicando este direi-
to desde 46 , e mais intensamente a partir de 50, através do
ministro Raul Fernandes. Segundo o mesmo autor, a vitória
de Getúlio nas eleições de 51, contribuíram para acelerar a
decisão dos Estados Unidos para ajudar o Brasil. Pode-se notar
assim, uma mudança na posição oficial desse país, que se
prontificou, com a posse de Vargas, a mandar para o Brasil
tanto auxílio financeiro como técnico, fato que não havia acon-
tecido no governo Dutra (idem, p . 60).
O segundo momento foi marcado pela mudança de gover-
no no país do norte em 53. O governo Eisenhower alterou o
relacionamento até então estabelecido com Vargas e começou
a cortar o financiamento para o Brasil. O que ocorreu de fato,
foi uma mudança total da política externa norte-americana
para América Latina. No que se refere aos acordos entre Bra-
sil e EUA. foi abandonado o Ponto IV da política de Truman,
que dava tratamento preferencial aos países pobres, princi-
pal questão reivindicada por Vargas para obter financiamen-
to para os projetos de desenvolvimento brasileiro.
O presidente do Brasil tentou reverter a situação desfavo-
rável que se apresentava nomeando Osvaldo Aranha como
mediador das relações entre o país e os EUA, na tentativa de
negociar o alinhamento brasileiro nas áreas política e militar
em troca de apoio econômico . Mas não havia interesse por
parte dos norte-americanos, afinal a Guerra da Coréia já es-
tava no fim, e portanto não era tão necessário ter o Brasil
como alinhado . Por algum tempo, ainda houve otimismo quan-
to à possibilidade de uma mudança neste novo posiciona-
mento, mas o que efetivamente aconteceu foi um comunicado
do Banco Mundial de que não haveria mais financiamento para
os projetos da Comissão Mista. Esta decisão teve importan-
tes conseqüências para o Brasil e para o governo Vargas por-
que dificultou ainda mais o projeto desenvolvimentista.
Outro fator de grande relevância neste período conforme
é apontado por Malan, teria sido a forte pressão exercida por
parcela considerável das elites brasileiras, a fim de promover
uma aproximação ainda maior com os Estados Unidos . Nos
anos posteriores a 53, uma vez que a política norte -america-
na se encontrava sob uma nova administração republicana, a

88
relativa perda de credibilidade do Brasil junto às instituições
financeiras internacionais, iria se agravar ainda mais. Isto
porque a mudança da política externa dos EUA era desfavo-
rável ao governo Vargas. Estes problemas dificultaram consi-
deravelmente as questões internas do país que eram enfren-
tadas desde a década de 30 e, em particular, na década de
40 . Tratavam-se, segundo o mesmo autor, de "tensões po-
líticas derivadas das dificuldades de absorver de forma
institucional as demandas sobre os sistemas políticos eco-
nômicos associadas à expansão vertiginosa do número de
assalariados urbanos". O agravamento destes problemas le-
vou, conseqüentemente , à queda de Vargas em 54, à realiza-
ção do governo transitório de Café Filho e, posteriormente,
ao de Kubitschek (ibidem, p. 409).

Juscelino Kubitschek
Diferentemente da era getulista, a época em que ocorreu a
implantação do Plano de Metas, pode ser caracterizada como
um período de expansão do capitalismo monopolista. Não há
dúvida de que a adoção dessa política correspondia a uma
determinação externa que visava o investimento industrial
direto nos países subdesenvolvidos. Esta mudança de para-
digma fez com que a teoria da CEPAL pudesse ser utilizada
de uma forma mais abrangente pela facilidade de obter capi-
tais internacionais.
Não podemos esquecer que nesta época chega ao seu fim
a etapa de reconstrução dos países participantes da li Guerra
Mundial e começa a haver um movimento internacional de
expansão das multinacionais americanas, o que leva à cria-
ção de um novo espaço em torno do capital estrangeiro e ao
fortalecimento dos sistemas comerciais internacionais. Além
disso este era também o momento em que a Guerra da Coréia,
havia chegado ao seu fim, causando, assim, uma conjuntura
pouco propícia para as exportações brasileiras.
Mas por outro lado, este mesmo período caracterizava-se
pela facilidade de obtenção de empréstimos internacionais,
ou seja havia chegado ao fim a etapa de escassez de capitais.
Uma vez encerrada a reconstrução dos países atingidos pela
guerra, a disponibilidade de recursos norte-americanos e eu-

89
ropeus era maior, promovendo assim a procura de novos in-
vestimentos. Isto explica, então, o porquê da entrada de tan-
tas empresas multinacionais nesta época no Brasil, determi-
nando uma vez mais as grandes diferenças que existiram en-
tre o governo Vargas e Kubitschek na aquisição de recursos
para o financiamento da industrialização.
De fato, a entrada no país destas empresas foi importan-
te, proporcionando às áreas em que a participação do capital
estrangeiro era grande uma expansão dos diferentes setores.
Singer faz, no entanto, uma diferenciação entre os investimen-
tos efetuados no Brasil. Teria acontecido nos anos de 33-55 a
implantação das indústrias de caráter monopolista estatal sob
o comando deste capital e logo após, nos anos de 56-67 have-
ria se dado um processo diferente, comandado pelo capital
nacional, como foi explicitado anteriormente (Singer, 1976,
p. 226).
Segundo Tavares, este novo período de industrialização
do país interessa muito às grandes empresas internacionais
devido às condições que estas encontram para sua implanta-
ção. As "barreiras de entrada" mudam completamente, e as
dificuldades existentes para o processo de instalação no país
eram diferentes às do governo Vargas que apresentava sérias
restrições à implantação de capital internacional dentro do
país (Tavares, 1985, p. 113).
Tavares afirma ainda que os investimentos em infra-es-
trutura e na indústria neste período:

"não se parecem em nada com a etapa anterior de


industrialização do pós-guerra. A estas característi-
cas das escalas de produção agregue-se o fato de que
os empresários nacionais careciam de instrumentos
prévios de mobilização e centralização de capital,
necessários a uma concentração de recursos, inter-
no e externos, da magnitude requerida. Por outro lado,
a estrutura técnica e financeira dos novos capitais
era também completamente diferente da anterior, e
não se podia obter a partir da simples expansão e
diversifkação da estrutura produtiva existente. Es-
tes fatos básicos, parecem ser, a meu juízo, a 'razão'
essencial da forte presença do Estado e do caráter

90
dominante do capital estrangeiro neste ciclo longo
da industrialização" (idem).

Juscelino sabia que a continuidade do desenvolvimento


requeria, certamente, a permanência de uma forte parcela de
investimentos, aspecto que era mostrado pela CEPAL no seu
discurso como base da cooperação que deveria haver entre
os países para atingir a industrialização, principalmente en-
tre os países industrializados e nos que estavam em vias de
desenvolvimento. Estes recursos, no caso específico do Bra-
sil, foram obtidos principalmente gerando "déficit" na União,
que era coberto por emissão de moeda. Isto significa que se
gastava mais do que se arrecadava, o que futuramente gera-
ria vários problemas econômicos para o país e para o pró-
prio presidente . Resumidamente, as áreas em que mais se
gastou, foram a da construção de Brasília e de novas estra-
das que integrariam o país.
Esperava-se que os recursos externos viessem para o Brasil
de acordo com incentivos que seriam dados aos investidores
estrangeiros. Por estes motivos, o governo deveria dar melho-
res condições financeiras, sociais e econômicas para que a
livre iniciativa pudesse funcionar de uma forma efetiva den-
tro do Brasil. Em conseqüência, estas medidas atrairiam os
investidores vindos do exterior munidos de capital e tecnologia,
devido às boas condições que encontrariam no Brasil para se
instalar. De acordo com Ianni, os investimentos deveriam ser
alcançados através de medidas que visassem atingir objeti-
vos como o de:

"a) aumentar o influxo de capitais estrangeiros, seja


sob a forma de investimentos diretos, seja por
empréstimos a longo prazo, ou ainda, pelo recur-
so aos créditos comerciais a prazo médio;
b) aumentar o volume da poupança nacional, seja
através do combate à inflação, para incentivar a
poupança voluntária, seja pela imposição de tri-
butos ou o recurso a empréstimos compulsórios;
c) coordenar os investimentos públicos, de modo a
orientá-los para aquelas obras de maior produti-
vidade por unidade de capital aplicado, evitando

91
a sua pulverização e concentração maciçamente
seus recursos existentes na complementação das
obras encetadas [obras começadas];
d) orientar os investimentos privados com o objetivo
de aumentar a sua produtividade, canalizando-
os para os setores de maior importância da eco-
nomia nacional, e desincentivando o investimen-
to suntuário ou improdutivo" (Ianni, 1991, p. 163 ).

Para Juscelino, esta questão da entrada de capitais era


importante porque o programa a ser executado dependia de
investimentos em grande escala e de tecnologia, principalmente
estrangeira. Neste sentido, as recomendações da CEPAL vi-
nham a calhar com os projetos de Kubitschek que fez amplo
uso deste tipo de recursos para implementar o Plano de Me-
tas. Ele precisava se esforçar, como já explicitamos, para que
houvesse um clima de tranqüilidade dentro do país a fim de
que os investidores sentissem confiança no governo brasilei-
ro e nas suas instituições. Estas são as palavras do presiden-
te a este respeito:

'i'\ política de industrialização compreende a criação


e manutenção de um clima geral de estabilidade e
de otimismo, próprio aos investimentos industriais
{ ... ).
Ainda no que toca à política geral, outra medida
a que o governo atribui grande importância refe-
re-se à atração dos empresários estrangeiros que, com
técnicas e o seu capital, poderão prestar valiosa aju-
da na construção do nosso parque industrial. São
condições essenciais de uma política de estímulo ao
capital estrangeiro e a estabilidade política, cam-
bial e monetária" (Kubitschek, l957a, p. 246-24 7).

Com todas estas facilidades que foram dadas ao capital


estrangeiro, tanto em termos da entrada de capital, na re-
messas de lucros, como na sustentação política para estas
iniciativas, verifica-se que concretamente, entre os anos de
56-61, cresceram os investimentos privados norte-america-
nos, alemães, japoneses e de outros países no Brasil, como
de outras fontes internacionais de financiamento, destacan-
do -se os empréstimos do FMI.

92
Contudo, mesmo com as regalias oferecidas ao capital ex-
terno o Brasil teve que apresentar detalhadamente o Plano de
Metas aos diretores do Banco de Exportação e Importação
dos Estados Unidos (Export-Import Bank). Sob a chefia de
Lucas Lopes, segundo ministro da Fazenda de Juscelino que
havia substituído José Maria Alkmim, foram apresentadas as
diretrizes gerais do governo brasileiro no que se referia ao
Plano de Metas e à política econômica. Esta era também uma
estratégia para renegociar compromissos assumidos com este
banco anteriormente a fim de se obter um novo financiamen-
to que ascendia a quantidade de 100 milhões de dólares. O
resultado deste encontro foi benéfico para o Brasil, porque
mostrou aos países que havia um grande potencial no territó-
rio brasileiro, que poderiam investir no país e que a política
que Kubitschek estava desenvolvendo era séria e procurava
de fato dar estabilidade aos investimentos estrangeiros.
Segundo Juscelino, a retomada de interesse de investimen-
tos no Brasil devia-se às condições que o governo brasileiro
estava dando aos investidores estrangeiros. Ele próprio, ao
referir-se sobre o assunto assume que "a verdade é que hoje
se transformou inteiramente o conceito em relação ao Bra-
sil, e o nosso país está ocupando o primeiro lugar como mer-
cado para capitais estrangeiros" (Kubitschek, 1957a, p. 248).
Os recursos necessários à implantação e execução do Pla-
no de Metas somavam Cr$ 236,7 bilhões em moeda nacional
e a U$ 2,3 milhões os investimentos em moeda estrangeira,
que seriam divididos ao longo dos cinco anos de governo. O
capital nacional deveria ser obtido do orçamento público que
seria repartido da seguinte forma: 39,7% da União, 10.4%
dos Estados, 35,4% das empresas privadas e mistas e 14,5%
por entidades públicas. Já os empréstimos em moeda estran-
geira viriam de agências internacionais que seriam adminis-
trados dentro do país pelo BNDE e também proviriam de
empresas estrangeiras que seriam atraídas pelo alto grau de
incentivos dados a elas.
É importante destacar aqui o papel desempenhado pelos
investimentos privados externos , que ao longo de toda a dé-
cada de 50 e começo de 60 tiveram grande influência na for-
mação dos investimentos internos e no financiamento das in-

93
dústrias do país. Conforme a Tabela 2, são estes os valores
apresentados no decorrer deste período:

TABELA 2
Ingresso do Capital Estrangeiro no Brasil ( 1956-1961)
(em U$ milhões)

Ano Capitais Externos


1956 248
1957 356
1958 230
1959 248
1960 176
1961 300
Fonte: Baer, 1988, p. 93.

Estes dados apresentam a evolução que tiveram os inves-


timentos externos privados neste período e mostram o quan-
to a sua entrada no país foi significativa, fazendo-nos pensar
que a política de proteção a estes capitais praticada por Jus-
celino realmente surtiu efeito.
De acordo com Skidmore, o jogo feito pelo Brasil para
obter financiamento para o Plano de Metas era interessante:

"( ... )além do mais o governo Kubitschek poderia con-


tar com fontes de expansão dos fundos públicos no
exterior, tais como o governo dos Estados Unidos e
as agências internacionais de empréstimos. Essas
fontes eram importantes porque ajudavam a manter
o equilíbrio no uso dos fundos externos do Brasil.
Enquanto o Brasil ganhava investimentos privados
externos para o seu setor privado interno, também
obtinha investimentos públicos externos para o seu
setor público interno" (Skidmore, 1976, p. 206-207).

Apesar da relativa facilidade que tinha este governo para


obter financiamento, este se tornou um problema sério a ser
tratado ao longo de todo o período, principalmente porque se
requeria um volume maciço de investimentos para continuar
esta empreitada. O que acontecia era que o governo se negava

94
a abandonar seus ambiciosos projetos resultando em déficit
crônicos e num aumento progressivo da inflação. Estes pro-
blemas levaram à renuncia do ministro da Fazenda José Ma-
ria Alkmim, o qual foi acusado de não obter o necessário
financiamento para a industrialização, de ter aumentado a in-
flação e o déficit público e de não haver conseguido sustentar
um plano de estabilização, que era o que mais exigiam as di-
ferentes correntes políticas e o Fundo Monetário Internacio-
nal (FMI). Aliás, este último colocava esta questão como de
fundamental importância para liberar financiamento para o
Brasil.
Para melhor esclarecimento, a Tabela 3 apresenta as re-
ceitas e as despesas do governo e como estas foram aumen-
tando ao longo de todo o período Kubitschek:

TABELA 3
Receitas e Despesas da União ( 1956- 1961)
(em percentagem do Produto Interno Bruto)

Ano Receitas Despesas


56 8,3 12,2
57 8,1 11,2
58 8,9 11,3
59 8,8 11' 1
60 9 ,2 12,4
61 9,0 12,9
Fonte: Fassy. 1991. p. 141.

Estes dados descrevem o problema crônico enfrentado por


Juscelino no seu governo: o do déficit público, o que lhe valeu
muitas críticas e dificuldades em obter financiamento para
continuar os seus projetos. Por este motivo o presidente foi
obrigado a fazer vários ajustes durante o seu mandato a fim
de contornar esta dificuldade.
Depois da saída de Alkmim, quando assume o novo mi-
nistro da Fazenda Lucas Lopes, é lançado um plano de es-
tabilização para contornar os problemas existentes, já que
qualquer empréstimo na época dependia do FMI, que estava
com uma política externa de primeiro estabilizar os países

95
que precisavam de financiamento para depois empresta-lhes
dinheiro. A opinião do FMI não somente era importante para
o financiamento que eles davam como também para os em-
préstimos de outros bancos, tanto norte-americanos como eu-
ropeus, o que tornava uma pré-condição o parecer deles quanto
ao funcionamento da economia brasileira, para que fossem
liberados os recursos. Daí a importância de agradá-los.
Nos primeiros meses de 59, o problema que já se alastra-
va há algum tempo ficou crítico. O governo brasileiro tentava
atender aos pedidos do FMI, que exigia uma estabilização
monetária dentro do país, haja vista a inflação e o déficit co-
mercial, que segundo eles não podia continuar. Em março
desse mesmo ano, o Brasil é visitado por um grupo de técni-
cos do Fundo que ao analisar a economia brasileira diagnos-
ticaram que:

"1. O serviço da dívida brasileira estava muito eleva-


do. Não adiantaria, pois emprestar mais ao país,
já que a sua dívida só aumentaria;
2. a extensão do crédito do governo brasileiro ao se-
tor privado era excessiva e inflacionária;
3. o sistema cambial encontrava-se sob pressão, de-
vido à grande demanda de divisas. A taxa de câm-
bio era considerada 'irrealista', o sistema cambial
não cumpria umajunção antiinjlacionária e o ba-
lanço de pagamentos encontrava-se em crônico
desequilíbrio" (Leopoldi, 1991, p. 83).

Ao severo diagnóstico do FMI se seguiam outras recomen-


dações para o país e se pedia o adiamento das negociações
entre ambas as partes até outubro de 1959 . Em meio a uma
grande controvérsia interna, devido às pressões das mais di-
ferentes correntes políticas, Kubitschek rompeu com o FMI,
pois não estava conseguindo levar adiante as exigências que
eles faziam e também não tinha condições de esperar pelas
mudanças que a equipe econômica dizia que viriam se aguar-
dasse um pouco mais de tempo para tomar qualquer deci-
são. Desta forma, destituiu a equipe econômica e nomeou um
novo ministro da Fazenda, Sebastião Pais de Almeida, encar-
regado de terminar o mandato junto com Kubitschek.

96
Juscelino não aceitava abandonar suas metas para satis-
fazer os credores externos, porque fazer isso significava dei-
xar inacabados os seus projetos, o que era impensável para
ele . Por estes motivos deixou a solução destes problemas- de
inflação e déficit público - para o seu sucessor. Conforme des -
creve Maram :

"( ... ) o presidente não estava inclinado a seguir os


conselhos de seus assessores econômicos conserva-
dores, nem os do Fundo Monetário Internacional , no
sentido de reduzir gastos. Kubitschek havia construí-
do toda a sua carreira política em cima de seus pro-
gramas de obras. A redução de gastos no início de
1959 significaria provavelmente o fim do seu maior
projeto, o da construção de uma nova capital no in-
terior de Brasil, ao mesmo tempo símbolo de uma
nova e moderna nação e um monumento permanen-
te ao seu criador. As obras de Kubitschek eram um
prolongamento da sua personalidade e de suas as-
pirações. Austeridade econômica, para ele, era sim-
plesmente impensável" (Maram, 1991 , p. 110).

Esta citação reforça o que viemos apresentando até aqui,


que Juscelino foi obrigado a fazer uma escolha entre continuar
gastando para terminar suas obras e com isto romper com o
capital internacional ou se associar com seus credores para
seguir com aspirações de obter financiamento. Certamente, a
escolha que ele fez, de romper com o FMI, não estava de acor-
do com a proposta da CEPAL de procurar a cooperação
financeira internacional e de buscar a aproximação com ou-
tros países.

A cooperação técnica como instrumento para


alcançar a industrialização
Desde o início dos postulados da CEPAL, pensava-se que
para realizar o desenvolvimento era necessário unir a coope-
ração técnica interna com a externa. A partir desta idéia, co-
meça a se desenvolver, então, uma linha de pensamento teóri-

97
co que direcionaria a política de cooperação internacional,
conforme é apresentado por Rodríguez:

"Com relação à assistência técnica, recomenda-se a


colaboração internacional na investigação e inven-
tário dos recursos naturais e na capacitação de pes-
soal. Além disso, dá-se especial importância à ne-
cessidade de uma nova orientação da tecnologia em
países de escasso capital e de uma cooperação inter-
nacional para a investigação cientifica e tecnológica
que sirva de base a essa reorientação" (Rodríguez,
1981, p. 166).

Dentro desta proposta de cooperação técnica, verifi-


cam-se três exemplos concretos da ajuda dada ao Brasil no
período que estava sendo desenvolvida esta pesquisa: a Co-
missão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), o Banco Na-
cional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e a Comissão
Econômica para América Latina (CEPAL). Ressalta-se aqui a
continuidade destes projetos que eram do período do segun-
do governo Vargas no governo Kubitschek, os quais contri-
buíram para a viabilização do Plano de Metas. Contrariamen-
te ao que aconteceu na Argentina com a saída de Perón, no
Brasil, no período que vai entre os anos de 1950-1961, hou-
ve uma continuidade do bloco partidário representado pelo
PSD-PTB no Congresso, e de um projeto de desenvolvimento
baseado na criação de infra-estrutura e na implantação do
planejamento econômico dentro do país, que era o assunto
em voga, atendendo assim as recomendações da CEPAL para
atingir o desenvolvimento econômico nas economias perifé-
ricas .

Comissão Mista Brasil-Estados Unidos


Nesta área de assistência técnica e financeira foi realizado
um esforço muito ambicioso e completo, que constituiu o tra-
balho da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU)
para o desenvolvimento econômico brasileiro. Neste sentido,
podemos verificar que a Comissão teve dois momentos no
decorrer da sua atuação dentro do Brasil: a primeira ao lon-
go do governo Vargas e a segunda no governo Kubitschek.

98
a - O primeiro momento da Comissão data do segundo
governo de Vargas entre os anos de 1951 e 1953. Seu amplo
corpo de assessores, integrado por técnicos brasileiros e nor-
te-americanos, realizou um vasto levantamento da economia
brasileira e formulou uma série de projetos de infra-estrutu-
r a, com seus respectivos programas de execução. Tal comis-
são era exatamente destinada tanto a ajudar o governo no
desenvolvimento de projetos que pudessem ser candidatos aos
financiamentos de Washington, via o Export-Import Bank dos
Estados Unidos , como a desenvolver uma política econômica
para o Brasil. Aliás, a Comissão também elaborou os proje-
tos na área de energia e transporte.
Os financiamentos foram direcionados através da lei do
Programa de Reaparelhamento Econômico e distribuídos atra-
vés do BNDE. Estes dois mecanismos constituíam o suporte
institucional para a estrutura interna de financiamento , tanto
para a aplicação do montante em moeda estrangeira quanto
para o levantamento de recursos para a contrapartida bra-
sileira somando volume total previsto de um bilhão de dóla-
res.
A Comissão Mista conseguiu atuar no Brasil graças às
autoridades brasileiras e norte-americanas que chegaram a
um acordo quanto às fontes de financiamento para os setores
de infra-estrutura nacional. Depois de vários encontros di-
plomáticos, ela resultou de um acordo entre o governo norte-
americano e o brasileiro em 19 de dezembro de 1950. As ati-
vidades foram iniciadas em julho de 195 1.
No que se refere aos trabalhos técnicos, estes foram cons-
tituídos, basicamente, pela elaboração de um diagnóstico da
economia brasileira, o mais abrangente feito até aquela data
principalmente no que diz respeito ao detalhamento de 41
projetos para financiamento.
O programa de dispêndio formulado pela Comissão era
equivalente a U$ 387,3 milhões em moeda estrangeira, além
de Cr$ 14 bilhões a serem aplicados nos projetos, descritos
na tabela 4. Vale notar que apenas dois eram projetos indus-
triais, enfatizando-se os de transportes ferroviários e energia
elétrica. Do montante, dois terços eram projetos que envolvi-
am a primeira área e quase três quartos do valor total dos

99
investimentos eram destinados à segunda. Estes dados po-
dem ser melhor apreciados na Tabela 4:

TABELA 4
Distribuição de Recursos Financeiros da Comissão Mista
Brasil-Estados Unidos

Investimentos Investimentos em Investimentos em


Moeda Estrangeira Moeda Nacional
Ferrovias 38% 55%
Rodovias 2%
Construção de portos 9% 5%
Navegação de cabotagem 7% 3%
Energia elétrica 34% 33%
Diversos 10% 4%
Total 100% 100%

Fonte: Werner Baer. 1988. p. 54.

Como fica exemplificado acima, e conforme Baer explica,


a partir da utilização destes recursos tentar-se-ia realizar pro-
jetos de modernização de diversas vias férreas, portos, nave-
gação de cabotagem e expansão de geração de energia elétri-
ca. Na área "diversos" importar-se-iam equipamentos agríco-
las para construção de silos e implantação e de expansão de
algumas instalações fabris. A Comissão também fez indica-
ções a respeito do ensino técnico, da diversificação das ex-
portações e sugeriu medidas para superar as disparidades
regionais de renda, para poder alcançar a estabilidade mone-
tária (Baer, 1988, p. 54).
Para a realização de tais propostas de investimentos mo-
netários, a Comissão Mista foi constituída por técnicos e fun-
cionários públicos brasileiros, dirigidos por Ary F. Torres e
por subcomissões das quais participavam diretamente os
assessores do presidente. Do lado norte-americano havia, ain-
da, técnicos desse país, dirigidos por Merwin L. Bohan.
Um aspecto interessante é como foram desenvolvidos os
trabalhos no período. Enquanto a Comissão preparava pro-
jetos específicos, como a Usina de Peixoto, no Rio Grande do
Sul, por exemplo, ou uma proposta para a melhoria do porto
de Santos, e outros projetos que seriam candidatos ao finan-

100
ciamento do Eximbank, os assessores do presidente traba-
lhavam nos planos energéticos e em todo o planejamento que
caracterizava o governo Vargas. Isto significa que áreas "es-
tratégicas" para o país ficavam com os técnicos brasileiros e
as outras, de menor importância, com os estrangeiros.
É importante chamar a atenção, no entanto, para esse di-
fícil papel que foi cumprido por Vargas. Ele procurou conci-
liar a ortodoxia com o nacionalismo, a redução da dependên-
cia e o desenvolvimento econômico com o benefício para to-
das as classes sociais . O seu comportamento era necessário
às mudanças que o país requeria. Por um lado ele devia man-
ter tolerância com o capital estrangeiro e por outro não dei-
xar que as decisões fundamentais do país fossem resolvidas
fora dele. Este jogo fica absolutamente claro na Comissão
Mista, quando seus assessores diretos trabalhavam com pro-
jetos de maior envergadura para o país sem o conhecimento
dos técnicos norte-americanos. Este comportamento do pre-
sidente ficou amplamente explicitado no capítulo anterior, onde
são apontadas as suas idéias nacionalistas, que fundamenta-
vam seus discursos políticos.
Segundo Baer, o plano da Comissão Mista nunca chegou a
ser formalmente aprovado mas propiciou uma série de ferra-
mentas que seriam usadas no futuro em prol do desenvolvi-
mento brasileiro, como, por exemplo, o BNDE. A necessida-
de de criação desta instituição financeira ficou explícita quando
a Comissão propôs o Plano de Reaparelhamento do país, para
o qual nenhuma das empresas dispunha de recursos. Esta
foi a grande importância da criação deste banco, a de propi-
ciar a implementação dos projetos da Comissão Mista e dis-
tribuir os recursos disponíveis.
Se bem é certo que, por um lado, vários projetos da Co-
missão nunca foram implantados, por outro, verifica-se que
muito dos estudos elaborados foram, mais tarde, utilizados
para formular projetos financiados pelo BNDE e por institui-
ções financiadoras internacionais (Baer, 1988, p. 54).
O que é importante destacar da Comissão, apesar das crí-
ticas, é a contribuição que teve para o entendimento das difi-
culdades que teria que enfrentar a industrialização. Foram os
técnicos da Comissão que efetuaram o levantamento dos gran-

101
des problemas a serem resolvidos, lembrando que o princi-
pal era o binômio oferta de transporte e energia e a necessi-
dade de aproveitar mais amplamente e de uma forma mais
racional as fontes nacionais de combustíveis.
A CMBEU elaborou 38 projetos de investimentos para es-
tes dois últimos setores, e foi baseado neste esforço conjun-
to, entre a Comissão e o governo, que se pôde dar partida ao
BNDE, instituição que praticamente dirigiu o relatório da
Comissão sobre o projeto desenvolvimentista.
De acordo com Malan, as principais implicações da im-
plantação da Comissão Mista no Brasil podem ser assim re-
sumidas:

"1 . Representou uma mudança da posição norte-ame-


ricana frente aos problemas brasileiros.
2. Apresentou o mais completo diagnóstico contem-
porâneo da economia brasileira em seu conjunto.
3. Da Comissão surgiu a idéia da criação do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico" (Malan
et al. , p. 62).

Foi considerável a importância da Comissão Mista, tanto


no aspecto político, no que se refere às relações internacio-
nais entre o Brasil e os Estados Unidos, como também na
área técnica, pelos projetos que foram desenvolvidos e deram
posteriormente instrumentos para serem aplicados.
Os trabalhos da Comissão foram concluídos em julho de
53 e o relatório final, em inglês, apresentado em dezembro de
53, constituiu o marco de encerramento das suas atividades
no país. A versão em português foi apresentada somente em
novembro de 54 e ficou a cargo do Conselho Técnico de Eco-
nomia e Finanças do Ministério da Fazenda.

b - O segundo momento da Comissão Mista dentro do Bra-


sil foi verificado no período de 56-61. Neste sentido, pode-
mos afirmar que o papel por ela desempenhado foi mais de
suporte do governo no âmbito dos documentos que haviam
ficado, que na execução de pesquisas que avaliassem a eco-
nomia brasileira. Em termos de intercâmbio técnico, as ati-

102
vidades da CMBEU haviam terminado oficialmente dentro do
país, mas Juscelino se utilizou dos levantamentos feitos pela
Comissão e dos proj etos inacabados que ficaram do governo
Vargas e os empregou dentro do seu Plano de Metas.
De fato, JK encontrou agências estruturadas e um corpo
técnico amplamente treinado, afinal. como já discutimos am-
p lamente ao longo deste livro, Getúlio se esforçou para criar
órgãos e mecanismos que ajudassem na tarefa do desenvolvi-
mento do país . Desta forma, a herança deixada por Vargas
para Juscelino era de muita relevância neste campo, já que
lhe dava um gr upo de profissionais que tinham experiência
no acompanhamento e na elaboração de projetos de desen-
volvimento, sendo que alguns deles haviam participado da
Comissão Mista e do BNDE. Leopoldi aponta o seguinte ares-
peito do assunto:

"( .. . ) a Comissão funcionou até 1953, tendo produzi-


do 41 projetos, que envolveram investimentos de 387
milhões de dólares, especialmente nas áreas de trans-
porte e energia elétrica. Cumprindo a junção de
assessoramento técnico, que também lhe cabia, a Co-
missão completou a formação de uma geração de
policy-makers, que participou ativamente das políti-
cas dos anos 50 e 60 (Lucas Lopes, Roberto campos,
Octavio G. Bulhões, San Tiago Dantas, Alexandre
Kajka e Rômulo de Almeida). Da CMBEU um grupo
de técnicos passou ao BNDE e ajudou, sob coordenção
de Lucas Lopes e Roberto Campos, najormação do
Plano de Metas" (Leopoldi, 1991, p . 95) .

A atuação dos técnicos de Juscelino lembrava muito o sis-


tema de operacionalidade desenvolvido pela Comissão Mista
dentro do Brasil. Um caso bastante evidente era o do Conse-
lho do Desenvolvimento que tinha grupos de trabalho forma-
dos por técnicos especializados em vários assuntos. Nos 18
grupos de trabalho formados para o Conselho havia diferen-
tes técnicos que passaram pela Comissão Mista, o que signi-
ficava, evidentemente, uma forma parecida de agir em termos
técnicos já que estes profissionais foram treinados anos an-

103
tes nesta Comissão, o que demostra que o item apontado pela
CEPAL, de pedir ajuda externa para obter treinamento técni-
co dentro dos países que estavam se industrializando, deu
resultado dentro do governo Kubitschek e foi aproveitado.
Além destes fatos não podemos constatar outro tipo de
atuação da CMBEU dentro do país neste período, senão a sua
colaboração relacionada tanto aos levantamentos deixados que
foram aproveitados e na finalização dos projetos inacabados,
como também na utilização dos técnicos que haviam partici-
pado desta Comissão .

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE)


Fundado em junho de 1952, no segundo governo de Vargas,
o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) ti-
nha como objetivo conceder financiamento para o programa
de crescimento e modernização da infra-estrutura do país.
Todavia, entre suas tarefas figuravam também o fomento e
financiamento das indústrias pesadas e de certos setores agrí-
colas .
Pode-se dizer que o banco foi constituído como agência
estatal para a execução dos planos do programa de Reapa-
relhamento Econômico instituído pelo governo, e também
como agente do Tesouro para as operações financeiras, com
o objetivo de oferecer a garantia aos créditos externos. Sendo
assim, a política de investimentos teve grande expansão com
o trabalho da Comissão, graças à criação do banco, que con-
tava com capital norte-americano e brasileiro. Vale ressaltar
também que ele foi, ainda, um fator de inserção do mercado
de capitais no Brasil, face à inexistência de poupanças inter-
nas privadas que pudessem viabilizar investimentos substan-
ciais.
A respeito disto, Skidmore afirma que a criação do banco
tinha como fundamentos:

"criar condições para eliminar obstáculos ao fluxo de


investimentos públicos e particulares, estrangeiros e
nacionais, necessários para promover o desenvolvi-
mento econômico" (Skidmore, 1976, p. 124-125).

104
O BNDE teve portanto uma importância fundamental na
drenagem de poupanças tanto internas como externas para
certas áreas selecionadas para a industrialização. O banco
introduziu características fundamentais na estrutura do
Estado e constituiu a base de um aprofundamento do
intervencionismo estatal na economia, seguindo o padrão
getulista e Cepalino. Isto porque as diretrizes a serem se-
guidas estavam planejadas e obedeciam a estritas recomen-
dações e análises técnicas, ou seja, os recursos eram dire-
cionados para setores específicos que deveriam ser indus-
trializados, seguindo, assim, a proposta de Vargas de coor-
denar as atividades do Estado propiciando, desta forma, a
industrialização, base do discurso da CEPAL para América
Latina.
Feitas estas considerações, é possível afirmar. então, que
o banco se caracterizou por atuar em três frentes:
1. Em primeiro lugar. estabeleceu-se como provedor de
recursos a longo prazo. Este era um ponto importante
para continuar a industrialização, haja vista a dificul-
dade de conseguir empréstimos bancários do setor pri-
vado, devido à limitação destes créditos enquanto re-
cursos disponíveis.
2. Em segundo lugar, foi um órgão que centralizou os re-
cursos públicos. Ajudando a propiciar a industrializa-
ção e dando continuidade ao processo que já havia sido
iniciado.
3 . Em terceiro lugar, encarregou-se da articulação dos fi-
nanciamentos internos com os externos para financiar
a industrialização e dar continuidade às medidas pro-
postas pelo governo para o Brasil. Este último ponto
mostra a importância deste banco no financiamento e
articulação da implantação da indústria de base bra-
sileira.

Vejamos, agora, os dados fornecidos pela Tabela 5, a par-


tir dos quais podem ser apreciados os principais emprésti-
mos do Banco entre os anos 52-62:

105
TABELA 5
Empréstimos do BNDE em Moeda Nacional (1952-1962)
(em termos percentuais)

Por setores de Por setores de


atividade Empréstimo indústria de base Empréstimo

Transporte 15 Siderúrgica 71,0


Energia Elétrica 45 Química 12,4
Indústria de Base 36 Automobilística 5,8
Agricultura 4 Construção Naval 4,6
Celulose 2,6
Material elétrico 1,5
Mecânica 1,2
Material ferroviário 0 ,7
Diversos 0,2
Total 100 Total 100

Fonte: Baer, 1988. p . 94.

Nesta tabela constata-se que os empréstimos feitos pelo


Banco foram de vulto suficiente para que pudessem influen-
ciar os rumos da formação nacional de capital. Na sua pri-
meira década, a maior parte dos recursos do banco foi apli-
cada no financiamento de infra-estrutura. A criação desta ins-
tituição financeira permitiu, portanto, introduzir característi-
cas fundamentais na estrutura do Estado, tornando-se a base
para um aprofundamento do intervencionismo estatal na eco-
nomia, que na época, era a única forma de efetivar a industria-
lização, visto as tendências mundiais e, especificamente, do
Brasil. Afinal, como já fora exemplificado, o país precisava
deste tipo de mudança, devido ao momento histórico em que
se encontrava.
Ao longo da primeira década de funcionamento do banco,
a maior parte dos recursos (70%) foi empregada no financia-
mento da infra-estrutura do Brasil. O BNDE aumentou o pa-
pel da participação do governo na indústria siderúrgica e isto
é especialmente elucidativo. A expansão da capacidade pro-
dutiva daquela indústria foi considerada uma parte integral
do programa de industrialização dos anos 50. Sempre que os
governos estaduais e os recursos privados eram muito limi-
tados o BNDE comprometia-se a colaborar. Em troca dessa

106
injeção de recursos financeiros, o Banco recebeu partici-
pação societária em cada firma e com o correr dos anos tor-
nou-se acionista majoritário. Dessa maneira, o governo con-
verteu-se num importante proprietário de empresas, isto de-
vido à incapacidade da iniciativa privada e dos governos esta-
duais em implantar projetos considerados de alta prioridade
para o programa de industrialização do Brasil, nos quais o
banco tinha que intervir para que eles funcionassem.
No governo de Kubitschek, a participação do BNDE tam-
bém foi de grande importância para o país, no que se refere à
execução e implementação do Plano de Metas. O Banco conti-
nuou direcionando os capitais internos e externos para as
obras que o requeriam e para os investimentos em infra-es-
trutura necessários.
O papel inicial do BNDE no governo de Juscelino foi iden-
tificar setores que devidamente estimulados pudessem apre-
sentar um bom desenvolvimento para atender às necessida-
des de implantação de infra-estrutura básica dentro do país
como dar continuidade aos projetos que estavam em anda-
mento e continuar drenando capitais para serem investidos
dentro do país. As áreas apontadas como de maior necessi-
dade eram a de energia e transportes, que apresentavam mais
pontos de estrangulamento. Por outro lado, o banco iria aju-
dar aos empreendimentos do setor privado contemplados no
Plano de Metas. Baer, ao descrever uma das funções do ban-
co neste período, afirma que:

"( ... ) Por meio desses programas [de incentivos] ad-


ministrados pelo Banco de Desenvolvimento, as in-
dústrias beneficiadas recebiam tratamento especial
durante certo período para importar equipamentos
defabricação, matérias-primas e partes complemen-
tares" (Baer, 1988, p. 58).

O BNDE nesta época participou de forma ativa no gover-


no, porque em conjunto com o Ministério da Fazenda e o Con-
selho do Desenvolvimento, que coordenava o Plano de Metas,
desenvolveu um amplo trabalho na implantação dos proje-
tos do governo Kubitschek. Foi da infra-estrutura que tinha o

107
BNDE e da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos que saiu
este plano e a experiência de quem o formulou, ou seja, as
figuras mais representativas destes órgãos eram Lucas Lopes
e Roberto Campos, que se encarregariam de levar adiante o
Plano de Metas.
Foi Lucas Lopes quem conseguiu os créditos que haviam
sido aprovados durante o governo Vargas referente aos proje-
tos da CMBEU que não foram implementados nessa época
junto ao Eximbank, o que mostra claramente o poder de arti-
culação deste técnico de Juscelino com a continuidade dos
projetos de Getúlio.
Com o decorrer dos acontecimentos do país, devido à im-
portância que banco exercia, surgiram problemas relaciona-
dos à concentração de poder que havia dentro da instituição,
fato que parecia não interessar a Juscelino porque ele gosta-
va de trabalhar com grupos de tr abalho e não concentrar as
decisões nas mãos de poucos. Na secretaria do Conselho de
Desenvolvimento estava Lucas Lopes, que também presidia o
BNDE, o que lhe dava muita autoridade e fazia com que a
implantação e coordenação do Plano de Metas estivesse nas
mãos de uma só pessoa. Quando assumiu o Ministério da
Fazenda deixando o cargo para Roberto Campos, foi perden-
do este poder e começou então a se preocupar com outros
assuntos como o café, negociação da dívida e controle da in-
flação. Com a saída de Lucas Lopes o Conselho teve sua im-
portância diminuída, chegando ao ponto de ser quase absor-
vido pelo BNDE.
Ao que parece, a tarefa mais significativa que o BNDE teve
neste período foi a implantação do Grupo Executivo da In-
dústria Automobilística (Geia). Cabia ao Estado, por inter-
médio BNDE, coordenar os incentivos que seriam dados a
este setor, atrair os investidores estrangeiros e fazer com que
a participação dos empresários locais fosse efetiva na área
de autopeças e que as multinacionais participassem como
montadoras do setor automobilístico . A grande vantagem que
recebiam as empresas ligadas a este setor estava relacionada
à classificação que recebiam de "indústrias básicas", possibi-
litando-lhes assim receber assistência financeira do BNDE,
fato q ue as colocava à frente de outras uma vez comparadas a

108
outros setores que estavam sendo implantados. Na verdade,
o que Juscelino e seus assessores pensavam era que este se-
tor rebocaria toda a economia e tendo sucesso nesta área, as
outras também poderiam obter êxito por se tratar de um pro-
jeto de grande envergadura permeando todos os níveis econô-
micos.
Deste modo, o que podemos concluir sobre a criação do
BNDE é que este foi de grande importância para os rumos
que tomou a industrialização dentro do país. Principalmente,
por seguir um planejamento econômico nos moldes de de-
senvolvimento idealizado por Vargas e Kubitschek e também
por se utilizar, a partir de um certo momento, dos postulados
da CEPAL e dos técnicos treinados pela instituição, conforme
se demonstrará a seguir.

O papel desempenhado pela CEPAL na


cooperação técnica
No que se refere à teoria da CEPAL, o encarregado por
introduzi-la e adaptá-la ao caso brasileiro, de acordo com sua
especificidade, foi o economista Celso Furtado, valendo-se do
seu vasto conhecimento sobre o Brasil para poder aplicar este
pensamento. Este foi o exemplo mais contundente de coope-
ração técnica entre o Brasil e a CEPAL que ocorreu entre 1953
e 1955. Os técnicos do BNDE e da instituição criaram o gru-
po misto CEPAL-BNDE e se empenharam em um esforço con-
junto de planejamento global sistemático.
Formado o grupo misto, este foi chefiado por Celso Furta-
do, elaborador de um estudo de apoio a um programa de de-
senvolvimento, que constituía a primeira aplicação da recém-
criada técnica de programação da CEPAL no Brasil.
Furtado foi convidado para transferir-se para a CEPAL em
1949, onde trabalhou com Prebisch na elaboração das teses
Cepalinas e permaneceu no Chile até 1953, ano em que
retornou ao Brasil. Foi um dos principais autores estrutura-
listas da sua época e seguiu muito de perto as idéias preconi-
zadas por Prebisch, fazendo parte da sua equipe, participan-
do na formulação inicial da teoria Cepalina e realizando di-
versas contribuições ao seu desenvolvimento.

109
Na época da criação deste grupo, havia duas correntes de
pensamento: uma estava ligada a Roberto Campos, que de-
fendia os desenvolvimentistas da Comissão Mista Brasil-Es-
tados Unidos, cujo interesse era a implantação de um plane-
jamento sectorial. A outra era liderada por Celso Furtado, que
pertencia ao grupo dos desenvolvimentistas nacionalistas,
cujos objetivos eram a defesa da proposta Cepalina de plane-
jamento global. Vale lembrar que esta segunda concepção di-
feria da primeira basicamente no que se refere à orientação
dos investimentos que deveriam ser feitos dentro do país e
aplicados a partir da totalidade da estrutura econômica. Esta
última proposta foi apresentada sistematicamente no Brasil,
na 5a Reunião Plenária da CEPAL, realizada em Petrópolis,
em 1953 . Na ocasião, apresentou-se uma versão preliminar
do trabalho de Raúl Prebisch e Jorge Ahumada, sendo este
último o propulsor da idéia Cepalina no Chile e na América
Latina. denominada "Introdução à Programação Econômica",
que estava muito mais próxima do processo em pauta do que
aquele apresentado por Campos.
Furtado elaborou, em conjunto com o grupo misto CEPAL-
BNDE, o trabalho intitulado: "Esboço de um programa de
desenvolvimento para o Brasil". Este grupo de pesquisa foi
de grande importância para o país e para a introdução do
pensamento da CEPAL, tanto pela alta preparação dos técni-
cos integrantes, como também pelo fato da maioria deles,
posteriormente, participarem como membros das Universi-
dades ou do governo. Por estes motivos, podemos pensar que,
a partir deste grupo, houve um efeito multiplicador capaz de
tornar esta teoria definitivamente conhecida (Grupo Misto
CEPAL-BNDE, 1955, p. 6,7).
O trabalho foi guiado, principalmente, para estabelecer
estimativas para um período de sete anos. Estas projeções
seriam fundamentadas em hipóteses alternativas de mudan-
ça em todos os setores da economia. A principal função do
grupo parece ter sido despertar a atenção das autoridades
brasileiras para certas variáveis estratégicas que determi-
navam o ritmo de crescimento do país e que poderia ser in-
fluenciado por diferentes tipos de medidas. Era de importân-
cia primordial atuar conscientemente sobre a taxa de cresci-

110
mento econômico em face dos elevados índices de aumento
demográfico registrado para a década de 50, que, segundo
Baer, foi superior a 3% ao ano (Baer, 1988, p . 55). Sobre os
aspectos do crescimento populacional, estes serão analisa-
dos mais detalhadamente no capítulo IV.
A associação entre o BNDE e a CEPAL não foi por acaso,
afinal o Brasil já estava preparado, na época, ideológica e po-
liticamente para efetivar a industrialização e implantar, den-
tro do país, o planejamento global recomendado pela CEPAL .
Este pensamento foi expresso no relatório do BNDE de 195 7:

"Essa preocupação dos dirigentes do BNDE coincidia


com o propósito da Comissão Econômica para Amé-
rica Latina (CEPAL) de proceder a estudos econômi-
cos dos países latino -americanos visando a aplicar a
técnica de programação do desenvolvimento econô-
mico, que acabava de elaborar. A 5a reunião daque-
la comissão, que teve lugar no Rio de Janeiro, em
abril de 1953, propiciou o contato entre os dirigentes
do Banco e os técnicos repensáveis da CEPAL [no
encontro ]. Surgiu, então, a idéia de colaboração en-
tre as duas entidades para a investigação da natu-
reza do processo de desenvolvimento econômico do
país e a conseqüente elaboração de um programa
de desenvolvimento para a economia brasileira. Foi
assim, formado o Grupo Misto BNDE-CEPAL, cujos
trabalhos se desenvolveram entre 1953 e 1955" ( Gru-
po Misto CEPAL-BNDE, 1957, parte II , p. 1).

Destaca-se a abertura dada pelo governo brasileiro à par-


ticipação deste grupo dentro da política econômica a ser se-
guida, o que nos leva a concluir que estes acontecimentos so-
mente ocorreram porque as propostas da CEPAL estavam
muito próximas às de Getúlio Vargas, possibilitando, assim,
a introdução das suas idéias no Brasil.
Era de conhecimento geral o posicionamento de Vargas
frente à CEPAL , diferentemente ao dos Estados Unidos que
tinham uma atitude negativa em relação a este órgão. Enfren-
tando uma vez mais este país, Getúlio apoia a instituição nos
seguintes termos:

111
"O meu governo considera com especial apreço os es-
forços da Comissão no sentido de formular uma teo-
ria do desenvolvimento econômico que, pelos seus
próprios méritos, seja capaz de impor-se aos gover-
nos latino -americanos, como fundamento racional da
sua política econômica.
O meu governo quer manifestar o seu elevado
apreço por todos os valiosos trabalhos já realizados
e pelas iniciativas em estudos na CEPAL. Desejamos
que este valioso organismo de cooperação interna-
cional continue a trabalhar, tal como foi concebido,
para a realização de seus propósitos, sem que modi-
ficações de sua estrutura e condição orgânica venham
a prejudicar a consecução de seus objetivos" (Vargas,
1952, p. 28).

A constituição deste grupo foi um passo adiante no plane-


jamento econômico brasileiro, porque a Comissão Mista ti-
nha encerrado suas atividades em 1953, por decisão dosEs-
tados Unidos. Era portanto de grande interesse dar continui-
dade à questão do desenvolvimento econômico ou aprofundá-
lo. A finalização das atividades da Comissão Mista foi produ-
to da insatisfação do governo norte-americano e de alguns
empresários desse país frente à orientação política e econô-
mica do governo de Getúlio Vargas.
A importância da contribuição técnica do grupo Misto
CEPAL-BNDE para a industrialização brasileira foi a consoli-
dação da introdução do planejamento integral da CEPAL den-
tro do país e a discussão do mesmo entre os técnicos do go-
verno, o que levou a seu maior conhecimento e uma base mais
sólida para sua aplicação. Isto eqüivale a dizer que houve uma
abertura definitiva para os postulados da instituição.
Como vimos, Celso Furtado foi o principal autor brasilei-
ro a divulgar a teoria da CEPAL e a introduzir a corrente de-
senvolvimentista dentro do país. Com sua obra-prima For-
mação Econômica do Brasil, de 1954, consolidou, com uma
análise histórica, a consciência desenvolvimentista brasi-
leira. Segundo Bielschowsky, o livro de Celso Furtado foi de
grande relevância para os acontecimentos que se deram no
Brasil porque:

112
"Embora não seja seu objetivo teorizar sobre a abor-
dagem estruturalista, a clareza do texto automati-
camente reforça a mensagem teórica que a CEPAL
vinha transmitindo aos economistas latino-ameri-
canos; e porque Furtado fornecia o estudo histórico
decisivo para a legitimação da referida aborda-
gem, pelo menos no que se refere ao caso brasileiro"
(Bielschowsky, 1996, p. 163).

Até hoje, a publicação deste livro exerceu uma influência


sobre os intelectuais brasileiros sem similar na literatura das
ciências sociais no Brasil, o que confirma a importância que
a CEPAL obteve na formação do pensamento do autor, da
massa crítica brasileira e dos seus intelectuais.
Além disso, pode-se apreciar, ao longo deste capítulo, que
o governo brasileiro seguiu de perto a proposta da CEPAL de
obter financiamento externo, assim como cooperação técnica
dentro dos próprios quadros do país. E ainda foi mais longe
quando constituiu um grupo com esta instituição para auxi-
liar a industrialização que estava em andamento.
No que se refere ao surgimento da CEPAL, o Brasil foi o
país que mais forneceu apoio para a sua consolidação, além
do Chile na figura de Jorge Ahumada. Octávio Bulhões, ao
voltar da primeira reunião plenária da entidade, explica que
com o objetivo de tornar mas eficiente a substituição de
importações da América Latina e em especial do Brasil foi
apoiada a proposta do Chile de criar uma Comissão Eco-
nômica para América Latina. É o que aponta Bielschowsky
sobre o assunto:

"É possível que, além do Chile, o país onde mais se


tenha prestigiado o novo organismo tenha sido oBra-
sil. Mesmo Gudin, em pleno 52 - quando a verdadeira
vocação da CEPAL [de promover o desenvolvimento e
a autonomia nacional] se toma conhecida por todos-,
reconhecia méritos na sua existência" (idem, p . 332).

Foi de grande importância o pensamento Cepalino para o


esboço do pensamento desenvolvimentista brasileiro, porque
são evidentes as semelhanças entre o que era pregado por

113
ambos lados, além da sua contundente mensagem que deram
origem às transformações sociais e econômicas na estrutura
periférica latino-americana.
O próprio Prebisch cita a relevância que teve o Brasil para
que este órgão se firmasse dentro da América Latina e a sim-
patia com que o presidente Getúlio Vargas via esta institui-
ção, sendo que, algumas vezes, seu discurso se confundia com
o da própria CEPAL, devido às semelhanças existentes entre
eles.
Conforme Prebisch:

''i\ batalha definitiva [para criar a CEPAL] travou-se


durante o quarto período de sessões, realizado no
México, em meados de 51. Quase se converteu numa
derrota. O Chile, que havia lutado com entusiasmo
pela criação da CEPAL, estava quase isolado. Dois
fatos foram decisivos nessa ocasião: (a) a posição do
Brasil, que, após algumas vacilações iniciais, tomou
vigorosamente a defesa da CEPAL, depois que a de-
legação recebeu um telegrama pessoal do Presiden-
te Vargas; e (b) a atitude resoluta do México. Junto
com o Chile, esses dois países organizaram a resis-
tência, até provocar uma virada completa.
Algumas semanas depois , acompanhado por Cel-
so Furtado, fui saudar no Rio o Presidente Vargas.
Poucas vezes na minha vida tive um diálogo tão pre-
ciso e categórico. Em poucas palavras, o Presidente
me transmitiu a razão da sua atitude: a necessida-
de de um órgão independente nas mãos dos latino-
americanos" (Prebisch, 1963 , p. X-XI) .

Com estas palavras de Raúl Prebisch fica claro o impor-


tante papel que o Brasil assumiu no andamento da criação
daCEPAL.
Na data da posse de Kubitschek a instituição também teve
participação fundamental nos rumos que iria tomar o gover-
no. A colaboração do grupo misto CEPAL-BNDE foi relevante
na origem do Plano de Metas o qual esteve baseado e inspira-
do nas análises do grupo CEPAL-BNDE, formado em 52 por
membros da instituição e do recém-criado banco. O Plano

114
foi apresentado já na campanha eleitoral de Juscelino como
principal trunfo. Consistia num reforço do planejamento es-
tatal, que como já vimos anteriormente, estava contido em 31
metas, distiibuídas em seis grandes: energia, transportes, ali-
mentação, indústria de base, educação, e a "meta síntese": a
construção de Brasília. Todos estes aspectos serão apresen-
tados em detalhe no capítulo seguinte. Para a sua implan-
tação o governo criou os grupos de trabalho e grupos execu-
tivos, bem como procurou especializar o controle das "zo-
e
nas de incerteza" financeiras, internas externas, através
dos "órgãos paralelos" da administração (Maranhão, 1996,
p. 266).
Conforme o que foi discutido nas páginas anteriores, os
autores do Plano de Metas reconheceram explicitamente a in-
fluência da linguagem e da técnica da CEPAL na elaboração e
na execução do referido plano, o que mostra uma vez mais a
importância da instituição na época e que sua teoria foi bem
aproveitada, sendo aplicada no Brasil pelos diferentes técni-
cos do período.
Os dados apresentados até aqui mostram que o período
que vai até 61, apesar de não apresentar mudanças significa-
tivas na acumulação de capital, teve um padrão de crescimento
industrial que estava completamente inserido no padrão de
substituição de importações apresentado pela CEPAL, atin-
gindo seus limites e se esgotando nesta época. Podemos ca-
racterizar então os anos que vão entre 1955-1961 como uma
etapa de intensa substituição das importações nacionais, o
que prova que esta teoria se não foi totalmente aplicada den-
tro do país foi utilizada em grande parte. O crescimento foi
visível, a produção industrial brasileira quase cresceu seis
vezes neste período e teve um aumento maior que o dobro do
resto da economia mundial.
Tendo limitadas as possibilidades de se basear essencial-
mente no setor agrário-exportador, pelas restrições que o
mercado internacional impunha ao crescimento efetivo do valor
das exportações, o capital brasileiro voltou-se cada vez mais
para a diversificação industrial. A industrialização ocorreu
aproveitando-se o mercado interno já existente para produ-

115
tos industriais importados, que eram substituídos por pro-
dutos fabricados no país. Tivemos assim uma drástica redu-
ção do coeficiente de importações, que baixou de 12,6% no
período 50-54, para 8,6% em 55 -61. Os empresários indus-
triais, nessa época, não tinham dificuldades maiores em es-
colher em que setor investir, quais produtos importar. Basta-
va examinar nossa pauta de importações para saber onde in-
vestir (Pereira, 1976, p. 76).
No processo de substituição de importações, se afirmava
claramente a presença crescente do Estado na economia, como
era proposto pela CEPAL, mostrando que era um elemento
necessário ao processo, desde os anos 30. Logo a substitui-
ção das importações aconteceram dentro de todo um contex-
to de planejamento econômico, que não somente procurava
atingir este fim como esperava implantar a indústria de base
no país com sua respectiva infra-estrutura.
De acordo com Fassy, era clara a influência da teoria da
CEPAL no governo brasileiro da época:

'Jortemente influenciado pelas teses da CEPAL, o go-


verno brasileiro começa a se afastar da posição de
aliado especial ("Key -country") que mantinha em re-
lação aos Estados Unidos. É certo que a proposta
desenvolvimentista da CEPAL contrariava os interes-
ses norte-americanos, gerando desconfiança daque-
le país com a Comissão. Neste sentido, o governo bra-
sileiro passa a procurar uma maior aproximação, em
termos políticos, com os países da América Latina
para que os mesmos, em blocos, pudessem denun-
ciar o atraso e a reivindicação de recursos para
um maior processo de industrialização" (Fassy, 1991,
p. 297).

Podemos afirmar, então, que Juscelino concordava com


diversas conclusões feitas pela CEPAL a respeito das econo-
mias latino-americanas e se utilizava delas. Por outro lado,
verifica-se que alguns dos aspectos mais importantes desta
teoria não foram aplicados neste governo, como a distribui-
ção da renda, reforma agrária e reformas institucionais, as-
pectos estes que serão discutidos nos capítulos seguintes .

116
Os motivos para que estas reformas não acontecessem
foram basicamente políticos, porque Kubitschek se preocu-
pou muito ao longo do seu governo em manter estabilidade e
confiança a fim de obter o financiamento da industrialização
que era, em última instância, o que mais o preocupava.
De qualquer forma não se pode negar que vários aspectos
da teoria Cepalina foram aproveitados dentro do país tanto
por Vargas como por Kubitschek, porque a própria industria-
lização estava inserida dentro das propostas da instituição,
ou seja, eram assuntos absolutamente correlatos.

117
CAPÍTULO 111
A importância da infra-estrutura
na industrialização segundo a
CEPAL, Vargas e Kubitschek

A criação de infra-estrutura nas áreas de energia, trans-


portes, comércio e serviços, no governo de Getúlio Vargas,
constituía uma tendência que se verificava não somente no
Brasil como também em outros países. Para Juscelino, esta
era uma área em que os projetos em pauta deveriam ter con-
tinuidade. Esperava-se com isto que dentro das Metas esta-
belecidas os objetivos alcançados fossem incrementados e cria-
dos novos setores que propiciassem o progresso nacional. Do
ponto de vista da CEPAL, esta era uma estratégia que daria
sustentação ao plano de desenvolvimento, já que sem investi-
mentos em infra-estrutura não haveria possibilidade de in-
dustrialização. Logo, considerando a teoria Cepalina:

':A relação que se estabelece entre o centro e a peri-


feria depende, basicamente, das condições estrutu-
rais do país periférico e do seujuncionamento, sen-
do que, este tipo de relação condiciona , em grande
medida, a inserção do país periférico dentro do sis-
tema global, que é o do centro encarregar-se de pro-
duzir transformações nestes países e que são aque-
les ligados à heterogeneidade nos níveis de produti-
vidade e renda, o que provocaria a entrada irregular
do progresso técnico e a especialização produtiva que
deixa uma grande marca na estrutura econômica e
social dos países periféricos" (Haffner, 1996, p. 60).

119
Conforme a realidade brasileira da época, Lessa aponta
que nos anos anteriores à industrialização não-intencional,
nos quais o setor público não estava aparelhado, nem fiscal
nem administrativamente para fazer face às tarefas de
complementação industrial, haviam ocorrido claros pontos
de estrangulamento, principalmente no núcleo energia-trans-
porte. Isto significa dizer que já naquele período acontecera
uma constatação das necessidades imediatas que o país re-
queria para viabilizar a indústria de base. Por este motivo a
pressão pela melhoria destes serviços era grande e as dificul-
dades existentes sustentavam as providências tomadas a fim
de suplantá-las. Destaca-se, no entanto, que num primeiro
momento tais medidas foram apresentadas como prioritárias
no governo Vargas, uma vez que ele tinha absoluta consciên-
cia das carências do país (Lessa, 1981, p. 20 ).
No discurso presidencial na abertura das sessões legis-
lativas do ano 51, Getúlio direcionava os caminhos necessá-
rios à industrialização. Estas medidas foram apresentadas
neste documento - o mais amplo já conhecido no Brasil - em
que se propunha a industrialização integral do país. Este dis-
curso, denominado de "Mensagem Programática", sintetizava
as metas principais que se desejava seguir no governo e que,
concretamente, foram colocadas em prática nos anos seguin-
tes. O documento representou, ainda, um marco histórico no
projeto desenvolvimentista brasileiro porque nele não só se
explicitavam as idéias que guiariam o plano do presiden-
te, mas também informava como as mesmas seriam levadas
adiante. Neste contexto, Getúlio fez uma longa exposição so-
bre a forma de aquisição de capital para propiciar a industria-
lização, bem como sobre a maneira na qual o Estado promo-
veria a acumulação de capital e a implantação da indústria de
base no país. O documento discutia, também, soluções glo-
bais e integradas patrocinadas pelo Estado em todas as
áreas, da mesma forma que fora apresentado pela CEPAL e
nos moldes desta teoria. Nos anos subseqüentes, o presiden-
te enviou mensagens ao Congresso no sentido de continuar
nesta mesma linha de investimentos, o que reforçava a idéia
de um "bloco solidário" de inversões, seguindo sempre a pers-
pectiva nacionalista de pensamento, e também dentro da óti-

120
ca do planejamento econômico, fato caraterístico do seu go-
verno e da teoria da Cepalina.
A respeito destas medidas presidenciais, Bielschowsky e
Draibe afirmam que existiam três argumentos básicos que
direcionavam o pensamento de Vargas:

"1. A idéia de incentivar a produção nacional;


2. O argumento de preparar a economia nacional
para as incertezas da importação de equipamen-
tos e matérias-primas;
3. a conscientização de que a economia brasilei-
ra estava emjranca modificação ou seja, estava
acontecendo uma mudança a nível estrutural"
(Bielschowsky, 1996, p. 339-340; Draibe, 1985,
p. 239).
Neste último item, Bielschowsky chama a atenção para o
discurso de Vargas, afirmando que se não estivesse assinado
pelo presidente, poderia se pensar que fora escrito por Raúl
Prebisch e pela equipe da CEPAL. A terminologia era a mes-
ma e os objetivos também, daí justifica-se parte das grandes
semelhanças apontadas ao longo do livro entre a teoria
Cepalina e o pensamento de Getúlio.
De fato, os estudos sobre as deteriorações do intercâmbio
comercial entre o centro e a periferia, que apontavam as difi-
culdades pelas quais passavam os países não-industrializa-
dos para competir com os industrializados, demoraram um
pouco para circular no Brasil, mas a teoria da CEPAL, em 50,
já havia sido amplamente divulgada, tanto na América Latina
como dentro do país. Getúlio, na sua campanha presidencial,
incorporara ao seu discurso o assunto da industrialização,
mas sem privilegiá-lo demais. Contudo, terminou por tornar
o desenvolvimento industrial como prioridade no seu gover-
no, ao mesmo tempo em que demonstrou, ao longo do seu
mandato, a simpatia que tinha pela instituição Cepalina e pe-
las suas idéias.
Foi delineada, então, uma clara hierarquia de investimen-
tos na área industrial, mas esta somente seria divulgada
em 52, com a criação da Comissão de Desenvolvimento In-
dustrial (CDI). órgão que guiaria as decisões das inversões.

121
As prioridades estariam centralizadas nos setores de ener-
gia, transportes e comunicações, intensificando a corrente de
capitais, a expansão do crédito, o aperfeiçoamento de técni-
cos e treinamento. De acordo com estas necessidades, as ativi-
dades dividiram-se em três grandes grupos: infra-estrutura,
atividades básicas e transformação. Também foram recomen-
dadas outras áreas de interesse, que no caso seriam as de
energia, transporte, prestação de serviços e localização de re-
cursos minerais.
Com estes novos posicionamentos do segundo governo
Vargas, houve grandes divergências quanto ao processo que
estava implantando-se dentro do país. O que ficava evidente,
fora as controvérsias , era que os grupos que se contrapunham
tinham um objetivo comum: o de administrar e planejar a
industrialização brasileira. O compromisso assumido por
Getúlio foi guiado neste sentido, porque ele sabia perfeita-
mente que se estava vivendo um momento político de centra-
lização de recursos administrativos e financeiros que iriam
viabilizar a orientação do desenvolvimento brasileiro. E mais,
devido à situação histórica vivida na época, não havia outra
forma de realizá-lo, era o momento de se industrializar fazen-
do frente aos entraves políticos e econômicos produzidos pela
guerra. Por outro lado, este era o posicionamento que a pró-
pria CEPAL apontava como necessário para a efetivação da
industrialização, ou seja, o Estado deveria comandar em to-
dos os níveis a substituição das importações e a implantação
da indústria de base nas economias periféricas, por onde pas-
sava, forçosamente, a implantação de infra-estrutura dentro
do país.
No que tange às principais conseqüências do interven-
cionismo getulista, as medidas adotadas não estiveram liga-
das só e especificamente à área econômica. Elas foram mais
abrangentes nos anos de 52-53, quando se criaram o Banco
do Nordeste do Brasil (BNB). a Superintendência do Plano de
Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) e, como foi apon-
tado anteriormente, o BNDE, que faria parte do programa de
empreendimentos básicos requeridos pela Nação, assim como
também a realização dos projetos nas áreas agrícola e so-
cial.

122
Com todas estas medidas sendo tomadas, quando Jusce-
lino assume o poder, as preocupações com a criação de infra-
estrutura já eram outras uma vez que as bases principais es-
tavam dadas. Conforme apontamos em capítulos anteriores,
JK encontrou projetos vindos da Comissão Mista Brasil-Es-
tados Unidos e do BNDE que estavam em andamento, como
também os estudos do Grupo Misto CEPAL-BNDE. Desta for-
ma, não podemos esquecer que todas estas ferramentas
fornecidas ao novo presidente proporcionaram uma grande
facilidade em continuar implementando o planejamento den-
tro do país, porque definitivamente havia-se chegado à con-
clusão de que a industrialização somente seria possível por
esta via, conforme era proposto pela CEPAL.
Baseando-se nestas constatações, podemos afirmar que o
Plano de Metas resultou da conjugação de decisões políticas,
diagnósticos e objetivos econômicos que foram sintetizados
para realizar o referido Plano. Para Kubitschek, as bases an-
tes mencionadas eram as necessárias para que a equipe de
trabalho do governo funcionasse, afinal precisava-se de um
grande esforço para colocar em prática o programa em pau-
ta. Tais são as palavras em que Juscelino aponta a importân-
cia de começar a trabalhar prontamente neste projeto:

"No dia seguinte ao da minha posse no governo da


República, às 7 horas da manhã, iniciava a nova ação
administrativa, criando o Conselho Nacional de De-
senvolvimento, exatamente com a missão de estudar
os problemas nacionais e equacioná-los para que
encontrassem solução neste período de cinco anos"
(Kubitschek, l957a, p. 53).

Em grande medida o papel de Kubitschek foi de ampliar a


capacidade da indústria instalada durante o governo Vargas,
além de desenvolver outros setores da produção industrial,
objetivos novos que haviam sido incorporados ao Plano de
Metas e que eram vistos como de grande importância porque
com eles esperava-se obter um parque industrial mais avan-
çado e moderno dentro do país proporcionando assim a ele-
vação da taxa de crescimento.

123
Como já foi dito antes, dentro da proposta do Plano de
Metas estava a idéia de transformar a estrutura econômica
do país pela criação da indústria e pela reformulação das re-
lações com o capital estrangeiro, o que significava uma maior
interdependência entre o capital nacional e o internacional.
Por estes motivos, conforme as palavras de Juscelino, espe-
rava-se realizar 50 anos de trabalho e crescimento em 5, o
que eqüivalia a se obter um grande desenvolvimento dentro
do país em um curto período de tempo.
De acordo com Ianni dentre os objetivos mais gerais do
Plano de Metas destacavam-se os seguintes:
"a) abolir os pontos de estrangulamento da econo-
mia, por meio de investimento infra-estruturais, a
cargo do Estado, pois sem esses investimentos não
se atrairia o setor privado; b) expandir a indústria
de base, como a automobilística, indústria pesada e
de material e létrico pesado, estimulando os investi-
mentos privados nacionais e estrangeiros" (Ianni,
1991, p . 162-163).
O Plano de Metas era portanto um grande projeto nacio-
nal no qual estavam contempladas todas as áreas econômi-
cas do país. Tratava-se também de um esforço concentrado
dentro do planej amento que já havia sido incorporado ao com-
portamento governamental de acordo com o que a CEPAL
apresentava como necessário ao desenvolvimento dos países
latino-americanos. Confo rme foi apontado anteriormente, as
Metas somavam 31 itens e estavam distribuídas em seis gran-
des grupos, que deveriam ser desenvolvidas de acordo com
os diferentes grupos de trabalho estabelecidos para esse fim,
o que reforçava a idéia do planejamento econômico e de con-
trole. De acordo com Benevídes, eram estas as divisões do
Plano:
"• energia (metas de 1 a 5: energia elétrica, nuclear,
carvão, produção de petróleo};
• transportes (reequipamento de estradas dejerro,
construção de estradas de ferro, pavimentação de
estradas de rodagem, construção de estradas de
rodagem, portos e barragens, marinha mercante,
transportes aéreos- metas de 6 a 12);

124
• alimentação (metas de 13 a 18: trigo, armazéns
e silos,jrigoríjicos, matadouros, mecanização da
agricultura, fertilizantes);
• indústria de base (metas de 19 a 29: aço, alumí-
nio, metais não:ferrosos, cimento, álcalis, papel e
celulose, borracha, exportação dejerro, indústria
de veículos motorizados, indústria de construção
naval, maquinaria pesada e equipamento elé-
trico);
• educação (meta 30);
• construção de Brasília, a meta síntese" (Benevídes,
1979, p. 210).

Os maiores recursos seriam alocados nos setores de ener-


gia e transportes o que mostrava a continuidade com relação
aos projetos de Vargas, que havia concentrado os investimen-
tos nestas áreas porque pensava que criando esta infra-es-
trutura se consolidaria o suporte do desenvolvimento . Dar
seguimento a estas medidas significava também tentar or-
ganizar os desequilíbrios entre o parque industrial privado
e o sistema de transporte e energia elétrica que se encon-
trava defasado após a expansão industrial ocorrida, surgin-
do, então, a necessidade de ampliar as inversões nestes se-
tores.
Neste sentido, o Plano de Metas foi muito bem-aceito pe-
los industriais porque eles viam que estes investimentos eram
necessários e que somente o Estado poderia comandar este
processo. As inversões que complementariam as preexistentes
encontravam portanto forte apoio desta classe que se
mostrava consciente desta situação e das vantagens que se
poderia obter, pois expandindo-se este setor se estabele-
ceria uma boa infra-estrutura, beneficiando-se assim as em-
presas complementares às áreas que estavam sendo implan-
tadas.
Um ponto relevante do Plano de Metas relaciona-se ao fato
de que o planejamento do mesmo estabeleceu metas articula-
das entre si, em que o desenvolvimento de um setor propicia-
ria um estímulo sobre os demais. Este caráter mostrou-se de
grande importãncia pois não somente foram beneficiados os
setores contemplados neste Plano como também os comple-

125
mentares, o que de fato trouxe bons resultados para o gover-
no e para todas as áreas econômicas.
O Plano obedecia à coordenação do Conselho de Desen-
volvimento, que ia revendo as Metas na medida que elas eram
alcançadas ou mesmo constatando os desVios do planejamen-
to. Com isto conseguia-se fazer ajustes constantes do que fora
projetado, não deixando assim, que houvessem grandes er-
ros na execução do programa preestabelecido. Deste modo, a
participação dos grupos executivos foi determinante, uma vez
que a superVisão das Metas realizada por eles mantinha o
controle sobre cada setor específico. Dentre eles os que mais
se destacaram foram o Grupo Executivo da Indústria Auto-
mobilística (GElA) e o Grupo Executivo da Indústria da Cons-
trução Naval (GEICON). Neste aspecto do Plano podemos ve-
rificar concretamente a aplicação do planejamento econômi-
co dentro da proposta de desenvolvimento, o que mostra que
a teoria da CEPAL se encontrava incorporada por completo
deVido ao controle que existia sobre as ações econômicas da
época.
Entretanto, o que não podemos deixar de eVidenciar são
os vários pontos de infra-estrutura criados por Getúlio e re-
tomados por Juscelino, mostrando-nos uma vez mais que o
Plano de Metas teria tomado a problemática do desenvolvi-
mento nos mesmos padrões do governo Vargas, momento no
qual o debate político e técnico estava baseado numa única
questão: o desenvolvimento do país. Na opinião de Ianni, se
comparados os discursos de ambos os governantes pode-
riam ser encontrados vários aspectos em comum. Apesar da
diferença de liderança e do contexto político em que Viveram,
eles teriam pensado a industrialização como o único cami-
nho para resolver os problemas sociais brasileiros (Ianni,
1991, p. 187).
Cabe ainda ressaltar que estando as ideologias de Vargas
e Kubitschek muito próximas, principalmente nos aspectos
que se referem à industrialização e aos resultados benéficos
que ela traria para o país, a teoria da CEPAL apresenta-se
portanto totalmente inserida no discurso dos presidentes,
assim como nas conclusões que eles chegaram a respeito do
desenvolvimento econômico brasileiro.

126
Criação de infra-estrutura nas áreas de
energia e minérios
Conforme foi discutido em momento anterior, a criação
de infra-estrutura era de fundamental importância para pos-
sibilitar a realização dos projetos destes governos. Deste modo,
são apresentadas, a partir de então, as iniciativas que foram
tomadas neste sentido.

Petróleo
Uma área que foi tratada como prioritária dentro do go-
verno Vargas foi a do petróleo. As metas estavam fundamen-
talmente relacionadas com as atividades de pesquisa, indus-
trialização e armazenamento dos refinados. Esperava-se, com
isto, a melhoria na produção nacional e a obtenção de uma
autonomia em relação aos mercados externos. O país passa-
ria de importador de refinados a importador de óleo cru, que
seria comprado no mercado internacional e transportado pe-
los próprios navios brasileiros. A duplicação da refinaria de
Mataripe e a intensificação das obras de construção da refi-
naria de Cubatão foram as medidas iniciais adotadas para
levar a cabo a tão necessária e completa substituição da im-
portação de refinados.
O aumento da frota de navios petroleiros foi outra medida
tomada por este governo para diminuir o risco de escassez
dentro do país em situações inesperadas. Pensava-se que ha-
vendo uma frota nacional, o Brasil não teria que se submeter
às flutuações do mercado internacional, que era instável aos
olhos do presidente, constituindo, portanto, uma das suas
grandes preocupações.
Neste âmbito, é importante destacar que a indústria pe-
trolífera brasileira surgiu sob a forma de monopólio estatal,
que na visão dos nacionalistas da época e principalmente na
opinião de Getúlio, era a única forma de se efetuar este proje-
to. A criação da Petrobrás, em 1953, correspondeu a uma
realização fundamental na área das novas condições para o
desenvolvimento econômico que se estavam criando no país,
pois era reconhecido que toda política de emancipação eco-
nômica passava necessariamente pela organização de uma

127
economia energética. Era uma tentativa de resolver ou enca-
minhar a questão do petróleo, produzindo, na medida do pos-
sível, e nacionalizando todo o processo de refino e de trans-
porte do petróleo e derivados. O motivo fundamental deste
acontecimento foi a preocupação do governo em assegurar uma
fonte interna de suprimento, que traria tanto autonomia como
segurança nacional.
À medida que aumentava a pressão no Congresso para a
aprovação da lei de criação da Petrobrás, mais motivações
nacionalistas eram aos poucos sendo introduzidas, principal-
mente, a de não se entregar às companhias estrangeiras a ex-
ploração de recursos não-renováveis do subsolo. O presiden-
te pensava que a questão energética era um ponto de honra
nacional e por este motivo não podia ser entregue às empre-
sas estrangeiras. Vargas acreditava que havia assuntos que
somente competiam ao país e, portanto, deveriam ficar den-
tro dele. Logo, a questão energética era considerada um dos
pontos nevrálgicos deste pensamento.
O desenvolvimento do petróleo nacional era visto como
uma saída para a importação deste combustível, mas não se
resumia apenas nisto, pensava-se que somente a produção
interna compatível com a demanda faria com que a economia
nacional se desenvolvesse naquilo que dependia dos combus-
tíveis líquidos. A idéia de Vargas era ter, desta forma, petró-
leo produzido dentro do Brasil. Esta questão era vista, por-
tanto, de forma mais abrangente: a produção interna, além
de servir para atender à demanda, propiciaria o desenvolvi-
mento em geral e uma maior independência frente aos países
que eram provedores tradicionais do Brasil. Neste sentido,
podemos entender o seguinte pensamento do presidente:

"Na realidade, portanto, o problema não comporta


solução à base exclusiva da importação da matéria-
prima em bruto, para ser refinada no país ( ... ). So-
mente a produção interna, em volumes compatíveis
com o consumo, permitirá assegurar o desenvolvimen-
to da economia nacional naquilo que dependa dos
combustíveis líquidos ( ... ). Cabe acentuar que o pro-
blema nacional do petróleo não se limita ao atendi-
mento da demanda atual ou da prevista até 1955: a

128
produção de petróleo, dentro das possibilidades que
tivermos, está entre aquelas produções básicas que,
voltadas para as necessidades nacionais, marcarão
o compasso do nosso desenvolvimento geral" (Vargas,
1951, p. 75-97).

Em síntese, a criação da Petrobrás exprimiu a convergên-


cia de vários componentes essenciais do sistema político e
econômico brasileiro daquela época: defesa nacional, nacio-
nalismo econômico, emancipação do país, ideologia desenvolvi-
mentista, crescimento da função econômica do Estado, entre
outros. Além destas propostas, a criação da Petrobrás con-
centrou a preocupação dos governantes e de alguns setores
políticos, econômicos e militares nacionalistas do Brasil com
relação ao planejamento, assunto da maior importância para
atingir os objetivos propostos para o período e que acompa-
nhava a tendência mundial e principalmente a teoria da CEPAL,
que apontava para a relevância deste item na industrializa-
ção e soberania nacional.
Concluindo, o assunto do petróleo sempre foi tratado como
uma matéria delicada por parte do governo, pois esta área
reunia vários itens de muita importância para o país, confor-
me foram descritos no parágrafo anterior. Por este motivo, há
certos equívocos que devem ser considerados e resolvidos.
Ao analisar esta problemática, o que deve ficar bem claro é
que tanto os técnicos do governo, como o próprio presidente
não se opunham à entrada do capital estrangeiro, apenas ten-
tavam manter controle desta área. Na verdade, como o mo-
mento era de criação do aparelho estatal para propiciar o pro-
jeto desenvolvimentista, havia mais acertos que descompassos
neste sentido, ou seja, tentava-se respeitar a industrialização
com patrocínio do Estado. Ao elaborar o projeto da Petrobrás ,
Vargas conseguiu abrir o caminho para a entrada do capital
estatal no petróleo, através de uma vigorosa ação que conso-
lidasse a empresa no setor. Porém, os esforços neste sentido
foram contundentes, pela oposição encontrada em relação à
efetivação desta proposta.
No que se refere ao governo de Juscelino, a questão petro-
lífera estava diretamente relacionada com a continuidade dos
projetos estabelecidos pela Petrobrás e a ampliação dos mes-

129
mos, já que a política deste setor havia sido definida com a
criação desta estatal. Ao dar seg1,1imento aos planos desta ins-
tituição, esperava-se obter o início da refinação de petróleo
em grande escala dentro do país, já que as refinarias de Pre-
sidente Bernardes, União e Manguinhos começariam a aumen-
tar a sua produção à medida que os problemas surgidos na
fase experimental de implantação estavam sendo resolvidos.
Definiu-se, portanto, no começo de 56, a necessidade de
estudos que visassem obter maiores recursos para a Petrobrás.
Constituiu-se então um grupo de trabalho no Conselho de De-
senvolvimento que cuidaria deste assunto, o qual proporia as
modificações necessárias a fim de que a legislação sobre com-
bustíveis e lubrificantes pudesse funcionar com o objetivo de
trazer financiamento para o programa do petróleo.
Na época, o grupo de trabalho verificava que os investi-
mentos nesta área eram baixos em comparação aos dos ou-
tros países que tinham conseguido desenvolver a indústria
petrolífera, ou seja, dever-se-ia aumentar os recursos desti-
nados a este setor e fazer frente à perda gradativa do poder
aquisitivo do financiamento que vinha da taxa de imposto único
destinado a esta área e que por ora se via afetado pela infla-
ção. Era importante rever a legislação que atuava sobre este
tributo para que os valores recebidos não chegassem tão de-
fasados quando comparados ao que se precisava.
Desta forma, para modificar esta estrutura, foi pedida a
ajuda do Congresso, que atendeu prontamente e baixou uma
lei (no 2.975 de 27/11/56) introduzindo mudanças na tributa-
ção que serviam a esta área. Sobre este assunto o presidente
defendia que:
"Na falta dessa providência,Jicaria a Petrobrás com
seus recursos sensive lmente limitados, uma vez que
deveria cessar, emjim de 1957, o recolhimento de
25% da arrecadação do imposto único para subscri-
ção do seu capital. A nova lei, além de revitalizar a
arrecadação, restituindo-lhe o poder real de compra,
prorrogou, até 1961, a vigência do dispositivo que
prevê o recolhimento de parte do seu produto à
Petrobrás, para constituição do capital dessa empre-
sa" (Kubitschek, 1957a, p. 168).

130
Embora a taxa de arrecadação tivesse caído para 15%, os
recursos se mantiveram, o que foi suficiente para dar um gran-
de impulso à Petrobrás . A partir de 65 este órgão teve uma
aceleração das suas atividades, situação que estava direta-
mente relacionada ao vulto de recursos financeiros recebidos
para propiciar seu bom funcionamento a longo prazo.

Energia elétrica
Vargas considerava imperativo, dentro do programa de
governo, o desenvolvimento da geração de energia elétrica. O
presidente não concordava com a atitude do capital privado
de não ter interesse em serviços de utilidade pública. Na men-
sagem de 51 ao Congresso, ele afirmava ser: "( ... ) indispen-
sável, por isto, [pela atitude do setor privado] que o Go-
verno assuma uma posição ativa emjace do problema da
criação de novos recursos de energia elétrica" (Vargas, 1951,
p. 220, 222) . A crítica aos empresários era intensa, uma vez
que se constatava uma grande despreocupação deste setor em
relação às obras sociais e uma concentração de esforços na
obtenção do lucro próprio. E era portanto indispensável que
o governo tivesse um posicionamento concreto frente à área
energética, pois o setor privado não tinha condições de arcar
com este empreendimento, tanto em termos ideológicos como
econômicos.
Fazia-se necessária a ampliação e modernização da dis-
tribuição e revisão das tarifas e contratos de concessão pois
havia muitos abusos neste sentido, ou seja, as empresas es-
trangeiras nada investiam dentro do país. Por outro lado, tam-
bém se constatara um elevado consumo de energia de origem
vegetal. Avaliava-se um déficit da ordem de meio milhão de
quilowatts frente às demandas potenciais dos programas de
industrialização, de eletrificação das ferrovias e de reorgani-
zação dos transportes. Estabeleceu-se, então, a meta da ins-
talação de 200 mil quilowatts em todo o país. Sobre este
assunto, Vargas acreditava que:
"Para que a eletricidade seja um elemento de pro-
gresso e permita o desenvolvimento industrial não é
meramente necessário que seja barata, é indispen-

131
sável sobretudo que seja abundante" (Vargas, 1951,
p. 222).

Atendendo à necessidade de criação de infra-estrutura, em


1954, o governo propôs o Plano Nacional de Eletrificação; e
também em mensagem enviada pelo Executivo ao Congresso
Nacional, apontava para a relevância de se formar a empresa
Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás).
A eletricidade era um ponto de extremo cuidado, porque
a maior parte dos serviços desta área, no Brasil, era consti-
tuída de concessões dadas a dois grupos estrangeiros: o da
Light, que era canadense, e o da Bond & Share, americano.
Esses dois vinham obtendo, tradicionalmente, concessões cada
vez maiores no território brasileiro, sem investir capital pró-
prio, a não ser de forma excepcional e não significativa, to-
mando recursos emprestados de fora, o que não trazia bene-
fícios para o país. Esta situação deveria portanto ser muda-
da. Não estava dentro dos moldes de planejamento do gover-
no continuar operando desta forma. Era preciso desenvolver
uma infra-estrutura de acordo com as necessidades do país,
que se mostravam bem diferentes daquelas propostas pelos
investidores estrangeiros.
As companhias estrangeiras, na verdade, queriam que o
governo criasse fundos e financiamentos para financiá-las. No
entanto, de acordo com a política governamental não havia a
intenção de desapropriá-las imediatamente para não imobili-
zar dinheiro inutilmente, buscava-se porém ir adquirindo co-
tas de capital das companhias estrangeiras e, assim, uma vez
que elas não traziam investimentos novos, obter-se-ia a maio-
ria do capital. Este comportamento, seguido até então, não
era visto com bons olhos pelo governo porque não ajudava
em nada o crescimento da área dentro das propostas ideoló-
gicas da época, que visavam trabalhar para conseguir auto-
nomia frente ao capital estrangeiro e desenvolver todos os
setores nacionais, principalmente os que eram considerados
prioritários ou de base.
O governo sabia da importância que tinha a geração da
eletricidade e por isso este setor foi prontamente atendido.
Grande parte do esforço presidencial concentrou-se no pla-
nejamento visando à expansão das instalações de energia. Isto

132
porque ela era considerada pré-requisito na infra-estrutura
da industrialização, afinal não adiantava ter indústrias sem
energia para colocá-las em funcionamento e, além disso, a
população também não poderia comprar novos equipamen-
tos sem poder utilizá-los. Devido a todos estes fatores, gran-
de parte dos recursos do BNDE foi aplicada no aumento da
oferta de eletricidade, questão esta nada fácil de ser discuti-
da, criando-se um certo desconforto na oposição, o que colo-
cava uma vez mais em xeque as idéias estatizantes de Getú-
lio, consideradas exageradas e ao mesmo tempo desnecessá-
rias.
Dentro do planejamento desta área, houve um aspecto tá-
tico assim relatado por Almeida: "se nós fizéssemos um pa-
cote com um conjunto de medidas que compunham o pro-
grama e o submetêssemos em bloco ao Congresso, o pacote
ia ser bloqueado, então resolvemos dividi-lo em quatro pro-
jetos: o da lei do imposto único de eletricidade, o da criação
do Fundo Federal de eletrificação, o Plano Nacional de Ele-
trificação, e o da Eletrobrás com o de concessões de tarifas"
(Almeida, 1986, p. 141). Esta manobra apresentada acima
mostra dois aspectos que já apontamos: por um lado a gran-
de dificuldade que o governo enfrentava para obter aprova-
ção para seus projetos, devido à oposição que o cercava, e
por outro, a capacidade de articulação da assessoria técnica
do presidente, que era da maior competência e de toda sua
confiança. já que, ideologicamente, todos tinham as mesmas
aspirações.
Vale destacar, ainda, que nos primeiros anos da década
de 50, especialmente em 1953, houve carência de energia, a
ponto de afetar o ritmo de crescimento do país. Nesse mo-
mento fica clara, até para os olhos dos mais cépticos, a ne-
cessidade de expansão deste setor, porque sem eletricidade a
indústria não tinha a menor possibilidade de continuar acres-
cer. Os encarregados do planejamento não podiam se esque-
cer de que com a industrialização haveria uma demanda
maior por eletricidade e por infra-estrutura, fato natural de
acontecer, já que este aumento resultava das mudanças que
estavam ocorrendo dentro da economia do país, que não eram
poucas.

133
Sobre este assunto, serão apresentados na Tabela 6, da-
dos que se referem à produção industrial por um lado e por
outro à produção de energia elétrica entre os anos 1950-1954,
que evidenciam a disparidade existente entre os dois setores:

TABELA 6
Índices de Crescimento da Energia Elétrica e da Produção
Industrial ( 1950-1954)

Ano Produção de
Produção Industrial
Energia Elétrica
1950 105,8 112,7
1951 118,5 119,0
1952 105,0 125,4
1953 101,4 137 , 1
1954 114,1 150,0
Fonte: Baer, 1988, p. 165.

A partir da análise dos dados fornecidos acima, verifica-


se um nítido atraso da produção de energia em relação ao
desenvolvimento da indústria, ou seja, a área industrial esta-
va crescendo mais rapidamente que a oferta de energia elétri-
ca. De fato, o oferecimento de eletricidade chegou a diminuir
entre 1951 e 1953, constituindo-se em uma das justificativas
dos grandes programas de investimentos iniciados na década
de 50, que de acordo com a programação do governo pode-
riam dar continuidade à industrialização brasileira.
Para Juscelino, a ampliação da geração de energia seria
um esforço especial dentro do Plano de Metas já que. havia
uma falta de investimentos neste setor que fosse compatível
com o crescimento industrial. A necessidade crescente desta
área estava em torno de 10% ao ano, ou seja, era preciso au-
mentar a produção de energia em relação a este valor para
poder atender a sua demanda. Reconhecia-se que apesar dos
esforços dos governos estaduais estes problemas não esta-
vam sendo resolvidos, e por isso impunha-se a participação
ativa do governo federal no programa desta área. De acordo
com as palavras de Kubitschek:
'L'\ ampliação da capacidade geradora de energia elé-
trica constitui, notoriamente, uma das preocupações

134
mais importantes do Governo. A magnitude do pro-
blema impõe ao Poder Público providências que
visem à melhor utilização imediata dos meios dispo-
níveis nos setores público e privadJ) da economia na-
cional, sem excluir a possibilidade de aplicação de
capitais estrangeiros" (Kubitschek, 1957a, 154).

A partir da constatação dos problemas existentes no setor


da eletricidade, que eram vários, basicamente de financia-
mento e infra-estrutura, o governo estipulou os objetivos ini-
ciais nesta área que estariam fundamentados nestas questões:
"a) .ativar as providências para conclusão das obras
em curso; para esse fim, o Banco Nacional de De-
senvolvimento Econômico concedeufinanciamen-
to no total de cerca de um bilhão de cruzeiros;
b) elaborar projetos de grandes obras, em especial
os que se referem às usinas de Três Marias e
Fumas, à expansão de Paulo Afonso e ao aprovei-
tamento do Vale do Paraíba;
c) rever a legislação vigente, com vistas à obtenção
de recursos para os empreendimentos programa-
dos. Nesse sentido, empenhou-se o Governo pela
prorrogação da lei que instituiu o Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico" (idem, p. 154).

Esperava-se com estas medidas aumentar a capacidade


já existente com a ampliação da usina de Peixoto interligando
São Paulo a Minas Gerais, a duplicação da usina de Piratininga,
a construção da segunda etapa de Cubatão e uma nova ex-
pansão em Paulo Afonso. Também pretendia-se terminar a
primeira etapa do plano de eletrificação de São Paulo e exe-
cutar projetos nos estados de Rio Grande do Sul, Bahia, Rio
de Janeiro, Espírito Santo e outros que seriam análogos aos
já contemplados .
O financiamento destas obras viria tanto do setor público
como do privado. Predominavam porém os recursos vindos
do governo obtidos através do Fundo Nacional de Eletrifica-
ção, taxas estaduais de eletrificação e do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico. O financiamento em moeda es-
trangeira também era esperado. Para tanto se conservaria a
política de manutenção da estabilidade dentro do país a fim

135
de atrair tais recursos, além de se modificar a legislação para
melhor remunerar capitais investidos nas indústrias. Neste
sentido Juscelino afirmava:
''Acredito que a aplicação, em tempo útil, dos princí-
pios consubstanciais em todas essas providências, tra-
rá à indústria da eletricidade o necessário estímulo
e a indispensáveljiscalização, de maneira que para
ela convirjam os recursos capazes de eliminar, tão
cedo quanto possível, um dos mais graves pontos
de estrangulamento da economia nacional" (ibidem,
p. 160).
Todo o esforço deste período se concentrou então na cons-
trução de grandes usinas. E como se tratava de altos inves-
timentos em que o setor privado não teria condições de par-
ticipar em grande escala, o Estado foi obrigado a ter uma
participação ativa e um comprometimento maior devido aos
vultosos recursos exigidos e à demora em obter o retorno dos
investimentos feitos na área.
O que se projetava era a elevação da potência instalada de
3.000.000 de KW para 5.000.000 de KW até 1960 e a implan-
tação de obras que possibilitassem até o ano de 1965 a pro-
dução de 8.000.000 de KW Estes objetivos foram praticamente
atingidos.
Tratando-se ainda de números, a Tabela 7 apresenta o
crescimento da oferta de eletricidade em relação ao aumento
da produção industrial:

TABELA 7
Índices de Crescimento da Energia Elétrica e da Produção
Industrial (1956-1961)

Ano Produção de
Produção Industrial
Energia Elétrica
1956 147,6 176,7
1957 166,9 186,5
1958 185,8 217,7
1959 198,8 245,7
1960 217,1 271,8
1961 237,9 301,9
Fonte: Baer. 1988, p. 165 .

136
Estes dados nos mostram que os dois setores estiveram
próximos no que se refere ao seu crescimento, mas ainda as-
sim houve déficit no fornecimento de energia elétrica, ou seja,
mesmo com os esforços feitos pelo governo não se conseguiu
ultrapassar a defassagem existente neste setor. Para enfren-
tar este problema algumas empresas começaram a utilizar os
seus próprios geradores de energia a fim de se protegerem
dos cortes. Em termos gerais, neste período, os desequilíbrios
existentes nesta área não afetaram a produção industrial con-
forme ocorreu no governo Vargas, afinal as distorções não eram
tão grandes quanto às anteriores, o que fez com que a situa-
ção fosse contornada de uma forma favorável e a partir de 64
as pressões fossem superadas com os fornecimentos vindos
de Furnas e de outras usinas .

Carvão nacional
Com exceção dos setores energéticos trataçlos até aqui,
também se começou a elaborar um projeto para a exploração
do carvão nacional durante o governo Vargas. Dentro desse
plano, priorizava-se o estudo de um programa da então cha-
mada energia florestal. Em razão da baixa qualidade do car-
vão nacional e pela proposta que se fazia cada vez mais ne-
cessária de substituí-lo pelo óleo diesel, o presidente acredi-
tava ser imperativo melhorar a extração, a comercialização e
a proteção deste produto nacional, para que o de origem es-
trangeira não entrasse no Brasil. Na verdade, perseguia-se o
desenvolvimento deste item dentro do país, explorando as ri-
quezas naturais brasileiras, isto é, Getúlio achava que era
desnecessário importar carvão, uma vez que a sua explora-
ção podia ser facilmente realizada dentro do país, de uma
forma mais barata, trazendo benefícios para o solo nacional.
Vargas caracterizava este plano, assim como os outros de
infra-estrutura, como de segurança nacional, já que em perío-
do de escassez o carvão brasileiro poderia abastecer o mer-
cado interno. Desta forma, ele poderia ser utilizado em tem-
pos de emergência, reforçando a idéia de que o setor energético
era muito importante para Getúlio, pois via nele a autonomia
nacional e, principalmente, uma perda gradual da dependên-
cia do país frente aos mercados externos destes produtos.

137
Nesse período criou-se também a Comissão Nacional de
Energia Nuclear. Enviado ao Congresso em agosto de 51 este
projeto na área nuclear previa grandes investimentos para a
mecanização das minas, lavagem e beneficiamento de miné-
rio, aparelhamento de portos e ramais ferroviários, instala-
ção de parques carvoeiros, compra de navios, criação de no•
vas indústrias, incrementos de pesquisa e assistência social.
Com todas estas medidas completava-se o esquema do pro-
grama energético, que era bastante abrangente e estratégico
para o país, conforme todos os motivos expostos até aqui.
No que confere ao mandato de Juscelino Kubitschek, a
questão do carvão foi tratada a partir de um programa que
modificaria o já existente. No entanto, o governo continuaria
empenhado na aplicação das medidas previstas no Plano de
Carvão Nacional aprovado em 11 de junho de 1953.
As mudanças propostas para este setor estavam basea-
das no fato de que havia-se dado muita importância ao diesel
e pouco à área do carvão. Desta forma, começaram a se pro-
duzir usinas termoeléctricas para o desenvolvimento deste
âmbito a fim de que a procura por este produto fosse maior.
Para dar andamento a esta proposta foram encomenda-
dos trabalhos experimentais de técnicos brasileiros e estran-
geiros com o objetivo de se encontrar a melhor forma de con-
duzir esta área, tanto no que se referia ao estado do solo quanto
às condições locais de produção. Desejava-se com isto obter,
um maior conhecimento deste materiai para que sua explora-
ção fosse possível e somente depois destes levantamentos ini-
ciar-se-ia a execução das obras que haviam sido apresenta-
das como relevantes. Sobre esta situação, era esta a opinião
de Juscelino:

"Dos resultados dessas experiências, dependerá a


grau de amplitude que se deve atribuir à mecaniza-
ção da lavra. Fixadas as diretrizes do processo de
mecanização, será possível ampliar o financia-
mento destinado ao seu custeio, bem como evitar,
pelos cuidados especiais na fase de implantação
dos métodos mecanizados, prejuízos irreparáveis"
(Kubitschek, 1957a, p. 161).

138
Com o melhor aproveitamento do carvão esperava-se en-
tão diminuir a importação deste mineral e esta seria a única
maneira de fazer com que o setor crescesse. No entanto o go-
verno mantinha estrito controle sobre esta área e a distribui-
ção e importação deste produto ao longo do país.
O aproveitamento do carvão nacional vinha principalmen-
te do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina onde também
foram desenvolvidas redes ferroviárias e pontes para interli-
gar as diferentes cidades que produziam o produto. Quanto
às estradas de ferro, elas obteriam financiamento do BNDE e
eram vistas como de vital importância porque delas depende-
ria a expansão da indústria carbonífera e o seu reapare-
lhamento.
No âmbito do setor nuclear foi criado o Conselho Nacio"
nal de Energia Nuclear, que estudou a possibilidade de im-
plantar reatores industriais que iriam funcionar como gera-
dores a fim de suplementar o parque energético do país. Es-
tes trabalhos seriam realizados em conjunto com o Conselho
de Pesquisas da Universidade de São Paulo, onde seria
construído um reator tipo piscina para promover pesquisas
nucleares e a produção de radioisótopos, ampliando-se as-
sim a possibilidade de formação técnica nas diversas áreas
que constituíam este setor.

Produção de ferro
No governo de Vargas a produção de ferro foi aumentada
com o objetivo de dar sustentação a toda infra-estrutura que
se estava criando, mais precisamente para atingir de modo
pleno a duplicação da produção da Cia. do Vale do Rio Doce.
A constatação dos técnicos do governo era que devia-se inves-
tir nela, já que nas condições que se encontrava não poderia
atender à demanda crescente. Também foi ampliada a produ-
ção siderúrgica à base de energia elétrica e de coque, que se-
ria desenvolvida em Volta Redonda. Estes dois últimos obje-
tivos continuavam fundamentados na visão nacionalista do
presidente, que esperava aumentar o padrão de vida e de con-
sumo com investimentos nesta área, pois o consumo indivi-
dual de aço (presente em quase todos os produtos) e com-

139
bustíveis, segundo ele, seria o parâmetro para medir o anda-
mento do desenvolvimento do país.
Já no governo de Kubitschek, a questão da produção de
cimento continuava tendo uma conotação de auto-suficiência
nacional, ou seja, esperava-se que pelo menos com o aumen-
to da produção deste bem fosse possível atender à necessida-
de crescente da economia brasileira sem gerar desequilíbrios
internos provenientes das importações deste produto.
Neste sentido, a política mais importante seguida neste
período foi a de manter o aprimoramento da produção na usina
de Volta Redonda, já que no ano de 1955 conseguira-se aten-
der 80% das necessidades internas e o Plano projetava do-
brar a produção para suprir toda demanda nacional até 1960
triplicando este valor em 1965.

Setor químico
Para Vargas o setor industrial químico era uma área nova
a ser explorada e instalada. Várias outras como a do petró-
leo, fertilizantes e química leve somente poderiam se desen-
volver com a geração de outros componentes que eram com-
plementares a sua produção. Passava então por esta decisão
o incentivo à pesquisa tecnológica para a extração destes me-
tais. Com isso instalou-se a fábrica de Cabo Frio da Cia. Na-
cional de Álcalis ao mesmo tempo em que uma comissão de
industriais e técnicos projetavam a indústria de enxofre, apro-
veitando a pirita de Santa Catarina. O que se esperava era
que, com a produção de produtos de itens que eram básicos,
aumentasse a geração de outros e o consumo também, ou seja,
haveria um efeito multiplicador, devido à complementaridade
destes produtos entre si.
Para Kubitschek, terminar as obras da Cia Nacional de
Álcalis representava uma meta importante dentro do setor
químico. Pretendia-se aumentar a produção que em 1955 era
de 35 mil t. paral40 mil (capacidade total de produção da
Cia. ), ou seja, havia uma grande ociosidade no momento da
implantação do Plano de Metas. No entanto, esta Meta não foi
atingida pois os valores da produção aumentaram e no ano
de 1961 produzia-se algo em torno 73 mil t.

140
O principal problema para dar andamento a este setor era
a falta de conhecimento do solo brasileiro. Deste modo, o pri-
meiro passo a ser dado era a identificação de jazidas para
depois iniciar a exploração . Lessa aponta que esta situação
não foi resolvida ao longo do governo de Juscelino, por isso
não foi possível deixar de importar os produtos necessários
para o país e que, no entanto, até o ano de 1961 estas impor-
tações foram diminuindo progressivamente chegando a me-
nos de 15% da oferta interna.
Acrescenta-se ainda que com exceção da Cia de Álcalis,
houve também uma preocupação com a produção de metais
não-ferrosos (chumbo, alumínio e estanho), além da celulo-
se, do papel de imprensa, da borracha e fertilizantes, que com-
pletavam as metas de produção de insumos.

Infra-estrutura na área de transportes


O setor de transporte foi contemplado pela sua grande
importância e pelo que significava para o desenvolvimento
destes governos. Para atender esta área, foi criado um proje-
to global, tanto por Vargas como por Kubitschek, que envol-
via a expansão, integração e consolidação de todas as redes,
melhoramento dos portos e das estradas de rodagem, ferro-
vias eletrificadas, aperfeiçoamento da navegabilidade dos rios
e desenvolVimento de todo o transporte aéreo.
Esta área foi incentivada de forma direta pelo governo,
pois para ele era um dos setores básicos a serem criados.
Conseguindo atingir este item, poderiam ser mantidos o pla-
no de desenvolvimento do país e o grande sistema de trans-
porte brasileiro. Complementavam-se aqui os setores de ro-
doVias, automobilística, equipamento ferroviário, locomotivas,
construção naval, e em menor escala a produção de equipa-
mentos e material para o transporte aéreo.

Rodovias
No governo de Vargas o Fundo RodoViário foi ampliado .
Os recursos obter-se-iam via legislação do imposto único so-

141
bre combustíveis líquidos, que vinha acoplada à da Petrobrás.
Porém, a preocupação prioritária era com o transporte ferro-
viário e marítimo, já que da sua eficiência dependia o encur-
tamento das distâncias dentro do país. Dentre estes dois
meios, o ferroviário foi colocado como de primeiríssima ne-
cessidade porque os custos para sua implantação dentro do
país, em condições satisfatórias, eram menores. Surgiu, en-
tão, a idéia da Rede Ferroviária Federal.
Referente a isto, Getúlio aponta, com muita nitidez, que
era preciso escolher o meio de transporte mais barato e que
custasse menos divisas para o país. Nota-se claramente este
posicionamento no seu discurso:

"É o meu dever advertir que, pelo menos por enquan-


to, o custo do transporte ferroviário é várias vezes
mais leve, em termos de divisas, do que o rodoviário,
porque aqui mesmo poderemosjazer os trilhos e va-
gões e logo estaremos construindo as locomotivas e
porque a estrada de ferro aceita a energia que pode-
mos produzir em quantidade ilimitada ( ... )" (Vargas,
1953, p. 396-397).

É importante destacar que para a efetivação deste setor, a


Comissão Mista teve um papel importante nesta tarefa. Parte
do plano de governo foi desenvolvido por este grupo, a quem
foi dada a responsabilidade de nortear a expansão e o melho-
ramento da rede de transporte do país. No ano de 52, os téc-
nicos desta instituição orientaram o governo a efetuar gran-
des investimentos no setor e supervisionaram todos os em-
preendimentos maiores, o que foi revertido em melhores con-
dições para o transporte brasileiro.
No que diz respeito aos projetos de Juscelino, este pre-
tendia com o seu Plano de Metas intensificar o sistema de
transportes herdado do período anterior. Para tanto previa-
se investimentos concentrados em três áreas correlacionadas
entre si: o sistema ferroviário, a ampliação e pavimentação
de rodovias e a melhoria dos portos e a sua modernização,
como aponta Kubitschek:

142
"Não é descabido insistir em que as conhecidas defi-
ciências nacionais de transportes e comunicações têm
não só constituído um dos fatores do retardamento
da nossa economia, mas também se apresentam
como um dos maiores obstáculos a vencer para pos-
sibilitar o seu desenvolvimento em ritmo adequado.
Nos meios de transporte até hoje postos em opera-
ção, o país tem aplicado, porém, parcela considerá-
vel dos seus recursos e não é justo menosprezar ago-
ra esforço despendido no passado para criá-los, ou
mesmo esvurmar erros acaso cometidos então, de
que resultou a expansão preferencial de alguns seto-
res deles em prejuízo de outros" (Kubitschek, 1957a,
p. 184-185) .

Assim como Getúlio, Juscelino concentrou todos os re-


cursos e esforços na organização do setor ferroviário e na sua
ampliação, pois acreditava-se que do seu bom funcionamen-
to dependia o melhor escoamento da produção agrícola e tam-
bém porque pensava o presidente que "é no nosso setor fer-
roviário que mais se jaz sentir a precariedade dos nossos
transportes" (Idem. p . 190).
Para Ianni as metas do setor ferrovias e rodovias repre-
sentavam também objetivos extras devido ao efeito psicológi-
co que causaram na população das pequenas cidades que fo-
ram contempladas. afinal estas localidades nunca haviam re-
cebido investimentos antes. Além disso, com estas grandes
obras. como a estrada Belém-Brasília, o governo mostrava sua
capacidade de realizar grandes projetos, o que era bem-visto
pela população (Ianni, 1991, p. 165).
Os objetivos imediatos eram de construir 1.624 km de
novas vias. que se interligariam com os antigos sistemas fer-
roviários e serviriam para atender outras áreas agrícolas . A
idéia do presidente centrava-se na intensificação do tráfego
da rede havendo assim uma ocupação territorial e um aumento
da atividade econômica nas regiões pouco desenvolvidas. Uma
meta complementar a esta era a implantação da indústria de
locomotivas no país, visando maior autonomia quanto às com-
pras destes equipamentos no exterior e proporcionando tam-
bém uma redução dos gastos com essas importações. além
do fortalecimento do parque manufatureiro instalado no país.

143
Dentro desta proposta o governo dividiu as tarefas em três
partes: racionalização administrativa, reaparelhamento e no-
vas construções de ferrovias. O financiamento viria inicial-
mente do Export-Import Bank, o qual havia se comprometido
a abrir um crédito de US$ 100 milhões para o Brasil possibi-
litando assim a compra de equipamento ferroviário nos Esta-
dos Unidos que seria destinado ao reaparelhamento das es-
tradas de ferro. Quanto ao financiamento interno, ele viria do
BNDE e da incidência ao imposto único sobre combustíveis
líquidos e gasosos.
Desta forma, esperava-se manter um esforço contínuo a
fim de seguir as linhas mestras da política ferroviária que
haviam sido estabelecidas para todo o mandato, cujo enfoque
estava no reaparelhamento das estradas de ferro, tão neces-
sário à eficiência e ao desenvolvimento econômico do país.
Dentro dos objetivos propostos é possível afirmar que os re-
sultados obtidos foram satisfatórios, chegando-se a aumen-
tar em 21,7% a carga transportada e em 19% o número de
passageiros.
No que tange ao sistema rodoviário, foi criado o Fundo
Rodoviário Nacional do qual se obteve o financiamento ne-
cessário para implementar este setor. Além disso, o Plano
Rodoviário Nacional estabeleceu as diretrizes para a constru-
ção das rodovias que atenderiam as necessidades do país. E
como na época havia técnicos treinados para executar tal ta-
refa, não foi difícil efetuar os projetos do governo.
Sobre o papel que as estradas cumpririam Juscelino acre-
ditava que:

"Construindo-se as rodovias de maior significação


econômica e social, atender-se-á de imediato às exi-
gências do nosso progresso e às imposições de defe-
sa nacional, ao mesmo passo que se lançarão, nos
lineamentos definitivos, as grande vias de ligação e
de penetração que o país reclama" (Kubitschek,
1957a, p. 202).

Neste plano qüinqüenal para rodovias estavam todas as


obras que seriam executadas pelo governo. Ao se comparar
este setor com o anterior, pode-se dizer que os logros foram

144
maiores, pois de fato foram construídas estradas estaduais e
federais. A meta inicial era a construção de 10.000 km de
novas rodovias e a melhoria de 3.800 km já asfaltadas, sen-
do que estes objetivos ampliaram-se ao longo do Plano e
ao final do governo as Metas foram totalmente atingidas ,
chegando-se a construção de 12.169 km de pavimentos e
7.215 km de rodovias federais.

Setor naval e aeroviário


Um plano naval também foi anunciado no governo Vargas .
Este projeto havia sido encomendado pelo governo ao BNDE,
o qual criou uma comissão em conjunto com representantes
da Comissão da Marinha Mercante, do Ministério de Viação e
Obras Públicas e de companhias particulares de navegação a
fim de elaborá-lo. O plano era ambicioso, pois propunha gran-
des mudanças nesta área, com investimentos e uma melhor
administração do que a já existente. Com base nos estudos
propostos, foram elaborados cinco itens:
"1. propostas de reorganização da estrutura adminis-
trativa dos serviços de navegação e cabotagem de
longo curso;
2. programa de reequipamento dajrota mercante;
3. plano de construção naval, no país e no estrangeiro;
4. possibilidade de fretamento dos navios;
5. esquema de financiamento em moeda nacional e
em divisas para a execução dos programas que
sugerisse a comissão" (Draibe, 1985, p. 193).
No que se referia à questão aeroviária, surgiram algumas
propostas mas estas não foram efetivadas . Na verdade, espe-
rava-se poder vir a ter uma indústria aeroviária de base no
Brasil, o que não foi possível realizar, porque requereria al-
tos investimentos e em termos gerais este setor não era
prioritário como o rodoviário, por exemplo.
No governo de Juscelino os projetos com o transporte
marítimo estavam relacionados à ampliação dos equipamen-
tos dos portos e a novos investimentos que buscavam aumentar
a frota existente, promovendo então um melhor aproveitamento
da infra-estrutura disponível.

145
O presidente pensava que a importância dos transportes
marítimos residia na configuração do país, que era cercada
de um extenso mar. Precisava-se então atingir as mais dife-
rentes regiões do Brasil por este meio, que mostrando-se pre-
cário não conseguiria atender às demandas crescentes do país
provocando entraves no desenvolvimento nacional. Tendo em
vista esta situação Juscelino afirmava que:
"Em face dessa perspectiva, o problema dos trans-
portes marítimos figura, com caráter altamente prio-
ritário, entre aqueles que o meu governo está enfren-
tando resolutamente" (Kubitschek, 1957a, p. 204).
As constatações feitas nesta área apontavam para proble-
mas de natureza administrativa, insuficiência de material (em
termos qualitativos e quantitativos) e inexistência de indús-
tria de construção e de grandes reparos navais. A solução
encontrada para resolver as dificuldades do setor era conju-
gar os três pontos citados anteriormente para poder produ-
zir bens dentro do país.
Os resultados foram exitosos, incorporaram-se navios à
frota existente, tanto na navegação de cabotagem, como pe-
trolífera, de longo curso e de navegação fluvial. Também hou-
ve investimentos no reaparelhamento dos serviços portuários,
que era uns dos pontos complicados a serem resolVidos.
O transporte aéreo era visto também como um assunto
importante devido à extensão do país e pela deficiência dos
sistemas marítimos e terrestres. Desta forma, da eficiência
deste setor dependeria a interligação dos pontos mais distan-
tes do país.
Na época, esta era uma área que não apresentava grandes
problemas, tendo acompanhado as necessidades do país. O
próprio discurso de Kubitschek apontava para o bom desem-
penho do setor:
"É hoje plenamente satisfatória a situação do servi-
ço de transporte aéreo do país, cujas empresas já
participam, em escala considerável, do tráfego inter-
nacional que interessa ao Brasil. Essa situação aus-
piciosa deve-se ao apoio decidido que meus ante-
cessores dispensaram a tão importante setor de ati-
vidade" (idem, p. 215).

146
Em resumo, as metas referentes a esta área focalizavam
principalmente a sua modernização criando-se para isso uma
maior infra-estrutura além da construção da indústria aero-
náutica, que não foi efetivada da forma esperada devido ao
alto inves timento que requeria este projeto.

Indústria automobilística
Durante o governo Vargas estava previsto para a indústria
automobilística um grande vulto de investimentos, divididos
entre caminhões pesados e tratores agrícolas . Ao setor priva-
do caberia a produção dos caminhões leves, carros e jipes,
sob estímulo e medidas de apoio do governo .
Era determinação do presidente instalar no país este tipo
de indústria. Vargas propunha que os incentivos viessem do
Estado em forma direta, para acelerar a implantação deste
setor. Esta tarefa firmou-se como uma das prioridades do pla-
no governamental. porque pensava-se que esta área, ao ser
desenvolvida, dinamizaria a economia, pois para produzir
dentro do país deveria se ter outros bens que eram comple-
mentares, como peças e autopeças, entre outros. A geração
destes itens seria feita no Brasil e, portanto, auxiliaria na pro-
dução nacional, o que conseqüentemente traduzir-se-ia em um
aumento de empregos, maiores investimentos e benefícios na
economia brasileira.
Com a definição destes novos parâmetros, começaram a
haver incentivos para a produção de caminhões pesados den-
tro do país. Este objetivo esperava ser atingido com a rea-
tivação da Fábrica Nacional de Motores, que se encontrava
paralisada. Com a intensificação da fabricação dos itens aci-
ma além de tratores e da fabricação de autopeças nacionais
seria dado o impulso inicial do programa de instalação auto-
mobilística nacional.
Nesta área Kubitschek implantou o Grupo Executivo da
Indústria Automobilística (Geia). a qual comandaria toda a
implementação deste setor específico, que ao findar do seu
governo tornou-se a meta de maior destaque. Tal objetivo pre-
cisava dos investimentos do capital privado e por isso cabe-
ria ao Estado coordenar os trabalhos e a implantação desta

147
área. Reuniram-se, então, empresários de montadoras estran-
geiras, industriais de autopeças e técnicos governamentais para
chegar a um acordo sobre o assunto da implementação do
setor dentro do país. Ficou estabelecido que caberia ao gover-
no dar incentivos para atrair o capital estrangeiro, os empre-
sários locais ficariam com a área de fabricação de autopeças
e ao setor multinacional a montagem dos carros, ou seja, co-
locariam as montadoras dentro do Brasil.
O Grupo Executivo elaborou planos para a fabricação de
caminhões, jipes, veículos utilitários e automóveis. Esperava-
se que a produção chegasse a 347 mil veículos em 1960. A
Meta quase foi atingida, pois o total produzido nesse ano foi
de 321 mil itens, valor significativo se for levado em conta os
problemas existentes em torno da nacionalização da produ-
ção dos carros devido aos conflitos entre os setores envolvi-
dos no processo produtivo. As disputas faziam referência à
fabricação dos carros que deveria promover o crescimento
progressivo da produção de autopeças dentro do país, ou seja,
a reivindicação feita dizia respeito à necessidade de se produ-
zir todas as partes do carro no Brasil a fim de diminuir a
quantidade de peças trazidas do exterior.
Foram várias as montadoras que se instalaram no país,
as que atuaram no setor de automóveis e utilitários, como:
Simca, Toyota, FNM (Fábrica Nacional de Motores, empresa
estatal), Vemag (grupo brasileiro) Willys Overland e Volks-
wagen. As empresas que produziam caminhões eram: Gene-
ral Motors, Mercedes Benz, International Harvester, FNM,
Scania-Vabis e Ford. Estas empresas se localizaram princi-
palmente em São Paulo e cidades próximas (ABC paulista), o
que fez com que a mão-de-obra fosse absorvida, ocorrendo
um forte impacto sobre o emprego local. Além disso, houve
um efeito importante no treinamento destes trabalhadores que
foram preparados para trabalhar neste setor.

Setor de comunicações
Segundo Getúlio, o setor de telecomunicações deveria ser
modernizado para que fosse compatível com as necessidades
do desenvolvimento econômico. Os serviços de correios e te-

148
légrafos e telefonia teriam que ser ampliados e cumpririam a
missão de estabelecer uma rede de comunicação nacional efi-
ciente. Este plano era visto como fator de unificação nacio-
nal, porque, de acordo com o presidente os brasileiros mere-
ciam um sistema de comunicação que correspondesse às suas
demandas emergentes, ao mesmo tempo que acreditava ser
fundamental que todo o país estivesse interligado pelo siste-
ma de telecomunicações . Este projeto seria financiado pelo
investimento público, atendendo ao planejamento global do
governo .
O sistema de comunicações era portanto outro dos pon-
tos importantes da política de investimentos em infra-estru-
tura. Pensava-se que o país não poderia vir a crescer se não
acompanhasse as tendências mundiais nesta área. Sem a
modernização necessária. o Brasil continuaria a ser atrasado
e para mudar esta situação previa-se, inclusive, o aumento e
a ampliação da indústria nacional de equipamentos para co-
municações e transmissões. Vale lembrar, que a Comissão
Mista Brasil-Estados Unidos também atuou nesta área, ela-
borando 42 projetos relacionados às telecomunicações e infra-
estrutura.
Com este bloco integrado de investimentos, não somente
se pretendia atender à demanda crescente deste setor, mas
também esperava-se colocar no mercado quantidades maio-
res conforme a demanda exigida pela população. Desta for-
ma, se conferiria um fator extremamente dinâmico à infra-
estrutura que estava se instalando no país, trazendo consigo
um programa vinculado à instalação das indústrias comple-
mentares, o que garantiria a continuidade de execução e ex-
pansão dos projetos propostos. Com estas medidas, espera-
va-se aumentar o consumo e, com isto, os setores comple-
mentares aos das comunicações também seriam rebocados e
dinamizados devido ao caráter imprescindível criado em tor-
no dos seus produtos .
Segundo Juscelino, o setor de serviço postal e telegráfico
também merecia atenção do governo visto que a população se
encontrava descontente em relação ao funcionamento deste
serviço público, que conforme ele não havia acompanhado o
crescimento econõmico, social e político do país. As causas

149
para que isto acontecesse eram várias e a mais importante
estava ligada à falta de financiamento público para esta área
e aos baixos preços praticados pela empresa que se manti-
nham constantes comparados ao aumento de salários e fun-
cionários, fato que teria levado a déficit crescentes neste
setor.
Para resolver estes problemas estava previsto um plano
qüinqüenal para esta área, no qual constariam os seguintes
itens:

"1. reequipamento do Serviço Postal, compreendendo


as vias de transporte, o equipamento ferroviário,
marítimo, fluvial e rodoviário, máquinas, balan-
ças, caixas de correspondência e outros equipa-
mentos menores;
2. reequipamento dos serviços de Telecomunicações,
abrangendo um plano de linhas aéreas e subter-
râneas, equipamento telegráfico, aparelhagem
tele-impressora, suprimento de energia; um pla-
no de rádio (.. . );
3. reequipamento dos serviços comuns aos Corretos
e Telégrafos, incluindo-se neste setor edifícios e
terrenos, equipamentos e instalações, viaturas de
uso de ramos de atividade do departamento, além
de seleção e apeTjeiçoamento de pessoal e de as-
sistência social aos servidores" (Kubitschek, 195 7a,
p. 218).

Com estas medidas se esperava melhorar consideravel-


mente este setor tanto na sua organização e no aparelhamen-
to, como também o quadro de funcionários o que incluía tra-
zer servidores públicos de outras repartições para completar
as necessidades dos Correios e Telégrafos.

Setor agrário
Dentro da teoria da CEPAL também se discutia as ativida-
des primárias de produção e as industriais que deveriam ser
complementares a este setor, pois elas juntas tornar-se-iam
componentes indispensáveis ao desenvolvimento, isto é, a

150
preocupação única não seria somente a área industrial, uma
vez que o setor agrícola deveria ser contemplado da mesma
forma que o anterior. Para a CEPAL não havia uma separação
entre estas duas atividades, pois o funcionamento do sistema
exigia uma harmonia entre as aUvidades produtivas.
Por estes motivos, a CEPAL via a política agrária como
uns dos pontos de sustentação das economias retardatárias,
ou seja, não poderíamos nos esquecer da agricultura, que
deveria andar de mãos dadas com a área industrial, afinal
não haveria crescimento industrial sem o proporcional au-
mento agrícola. Para atingir este objetivo, era necessária uma
política agrária que difundisse o progresso técnico na produ-
ção, quer dizer, seriam incorporadas formas mais modernas
e competitivas de produzir.
Historicamente ficou comprovada a importância do pro-
blema criado pela dependência dos produtos primários quan-
do aconteceu a crise da década de 30, momento em que as
economias dos países industrializados levaram quase dez anos
para voltar aos níveis de 1929. Este fato fez com que o centro
dinâmico da nação, passasse a se voltar para o Brasil, pois
antes desta transformação, a política econômica estava con-
dicionada ao comportamento externo que delimitava seu per-
fil. já que, nesta fase, não havia uma preocupação definida
quanto à industrialização.
Além disso, a falta de capacidade de compra por parte
dos produtos exportados pelo Brasil gerou uma crise de divi-
sas que exigiu o desenvolvimento de novas atividades produ-
tivas para o atendimento de demandas internas. Demandas
estas que, no passado, eram supridas via importações.
A partir do enfrentamento de todas estas dificuldades,
deu-se então início ao processo de substituição de importa-
ções que permitiu ao país uma diversificação industrial e um
crescimento considerado como um dos mais expressivos na
América Latina.
A teoria Cepalina propunha, ainda, que deveria haver in-
centivos às exportações de produtos primários, mas não como
única solução aos problemas . Segundo estes postulados, era
sabido que a demanda externa por produtos primários se
comportava de uma forma amplamente flexível, o que pode-

151
ria provocar desequilíbrios internos. Deste modo, a recomen-
dação era a de ter este problema sempre presente para não
se criar desajustes posteriores.
Outra vantagem explicitada pela CEPAL a respeito da in-
dustrialização nas economias periféricas, que estava direta-
mente relacionada à agricultura, seria, como apresentado
anteriormente, a difusão do progresso técnico na produção
primária, o que propiciaria o aproveitamento da força de tra-
balho excedente. Pensava-se, que a melhoria da produção traria
benefícios para a mão-de-obra e para a economia.
No âmbito da política agrícola, Getúlio também tinha idéias
parecidas com a da CEPAL. Pensava ele que os médios e pe-
quenos empresários rurais poderiam impulsionar a agricul-
tura, bastava dar as condições para este fim. Desta forma,
seria ampliada a produção interna de bens primários e, como
conseqüência, o consumo destes produtos na mesma medi-
da. Este crescimento deveria ser alcançado em conjunto com
o setor industrial porque um puxaria o outro, ou seja, os in-
vestimentos seriam feitos de forma simultânea.
Houve vários esforços para a criação de infra-estrutura,
afinal o presidente sabia da importância que tinha este seg-
mento da economia e o que significava para um país como
o Brasil possuir um setor agrário atrasado, com produção
ineficiente .
As mudanças na área agrícola brasileira deste período
devem ser entendidas, primeiramente, como um processo his-
tórico, efetivado pela própria industrialização, uma vez que,
além de determinar a redistribuição das relações do setor
agropecuário com o resto do mundo, houve uma nova
heterogeneidade dentro das diferentes regiões do país. Isto
significa dizer que, a partir desta mudança de paradigma, a
produção agrícola se voltaria para dentro da economia, dei-
xando em segundo plano as exportações, situação contrária à
época anterior à industrialização, quando a produção era
direcionada ao mercado externo. Este tipo de comportamen-
to aproximava-se muito das recomendações feitas pela CEPAL
e das tendências mundiais da época. A instituição apontava a
todo momento para a necessidade de se criar um mercado

152
interno para o consumo dos produtos produzidos dentro do
próprio país, conforme já registramos:

"O ponto principal do desenvolvimento 'para dentro'


é industrialização da América Latina. Por esta via,
obter-se-ia a transformação das estruturas econômi-
cas que são inerentes ao desenvolvimento econômi-
co. A industrialização seria orientada para o merca-
do interno nacional, começando pelos bens mais sim-
ples e chegando aos mais complexos, que requere-
riam mais capital e tecnologia. Para tanto, seria ne-
cessária a dita substituição das importações de pro-
dutos manufaturados que vinham do exterior para
poder substituir o setor externo como fator dinâmico
predominante das economias periféricas" (Haffner,
1996, p . 76).

Ainda sobre o mesmo assunto Cardoso de Mello explica


que "enquanto as economias periféricas forem exportado-
ras de produtos primários, não terão o comando sobre o seu
próprio crescimento, e este crescimento dependerá, sempre,
do vigor da demanda cêntrica, que nada mais é do que
a etapa denominada de desenvolvimento parafora" (Car-
doso de Mello, 1987, p . 14).
A Comissão Mista Brasil-Estados Unidos realizou um tra-
balho importante na área agrícola nacional, apresentando para
o governo um amplo relatório sobre esta área. Nele se identi-
ficava a necessidade de que houvesse uma resposta deste se-
tor para a intensificação industrial do período. Também indi-
cava uma série de deficiências nos métodos de produção agrí-
cola, que, segundo a instituição, eram "extraordinariamente
primitivos e exaustores do solo" (Comissão Mista Brasil-Es-
tados Unidos, 1954, p. 41 ).
Este documento não era de todo pessimista. Reconhecia-se
que houvera uma melhora na adoção de técnicas agrícolas,
principalmente pela sua mecanização o que teria levado a um
aumento na produção e a uma utilização mais eficiente do
solo, via incorporação de terras mais férteis. Desta forma,
explicava-se o aumento nos preços, que não devia ser atribuí-
do à falta de oferta dos produtos, mas às precárias condições

153
de transportes existentes, de armazenamento e de distribui-
ção dos mesmos, provocando assim grandes desperdícios.
Houve, no entanto, um trabalho bastante importante por
parte do governo para tentar reverter a situação na qual o
setor agrícola se encontrava, mesmo que não se planejassem
metas físicas de produção agrícola, mas um trabalho de cará-
ter institucional. A primeira iniciativa foi a ampliação de uma
legislação muito rudimentar sobre os preços mínimos na agri-
cultura. A segunda foi o aumento e a criação das cédulas
pignoratícias e hipotecárias, instrumentos de crédito rural
mais fácil. Estudou-se também, o seguro agrário. Uma tercei-
ra linha, foi a criação da Carteira de Colonização do Banco
do Brasil, o INIC (Instituto Nacional de Imigração e Coloniza-
ção) e a Comissão Nacional de Política Agrária, que iniciou
suas atividades em j aneiro de 52 e atuou em duas frentes: na
colonização de terras incultas e no estabelecimento de uma
política de reforma agrária .
No que se refere ao estímulo da distribuição da proprie-
dade, houve alguns avanços no período. Foi criada a Comis-
são Nacional de Política Agrária em 1951, que, em termos
concretos, teve a função de fazer estudos do problema.
Em 1952, Vargas aprovou um documento definindo as di-
retrizes para a reforma agrária no Brasil, que havia sido ela-
borado por Thomaz Accioly Borges. Era um texto complexo
que vir ia a provocar grandes discussões e debates. As idéias
sobre esta questão estão bem explicitadas na mensagem de
Getúlio ao Congresso:

"Não tem mats razão de ser a identificação do pro-


blema da colonização com o da imigração, embora
inter-relacionados. A colonização está sobretudo li-
gada ao problema da acessibilidade e do uso da ter-
ra, da valorização do homem rural e do soerguimento
da agricultura nacionaL Nesse sentido, urge uma lei
agrária adaptada às nossas realidades presentes e
que complete as medidas de amparo à agricultura
cogitadas pelo meu governo" (Vargas, 1951, p. 298) .

Como aponta Bielschowsky, os projetos agrícolas tiveram


um acompanhamento especial. Além daqueles anteriormente

154
expostos, foram elaborados outros quatro: o da criação do
Instituto Nacional de Irrigação e Colonização (que foi trans-
formado em lei em janeiro de 1954). o de acesso à exploração
agrícola (que seguia de perto as diretrizes gerais aprovadas
anteriormente por Vargas), o de arrendamento rural e parce-
ria agrícola, e o de criação de um Conselho Brasileiro de Re-
cursos Naturais Renováveis (Bielschowsky, 1996, p. 398).
Outro item que o presidente tramitou no Congresso foi o
Serviço Social Rural, cujo objetivo era fornecer serviços so-
ciais, assistência técnica, meios de aprendizagem e promo-
ção de cooperativas ao homem do campo. Vargas pensava que
estes trabalhadores deveriam ter as mesmas condições da po-
pulação urbana e que não podiam ser esquecidos os seus di-
reitos.
Outra participação concreta de Getúlio, foi o apoio que o
governo deu à realização do Seminário Latino-americano so-
bre o problema da terra, realizado em Campinas em 1953,
sob auspício da Organização de Alimentação e Agricultura
(FAO). O encontro foi importante porque congregou um gran-
de grupo de técnicos da área, que representava 1 7 governos e
nove organizações internacionais. Os temas abordados fica-
ram em torno da questão fundiária, reforma agrária e desen-
volvimento econômico. As conclusões finais foram favoráveis
a uma reforma agrária. Entendeu-se, desta forma, que a sua
efetivação traria benefícios para o país. Nota-se, portanto, que
as conclusões deste seminário vieram para apoiar as idéias
que Vargas tinha em torno desta questão e, ao mesmo tempo,
consolidavam a tese da CEPAL sobre as reformas que deve-
riam ser efetuadas no campo, rumo à melhoria da produção
agrícola e das condições da população, incluindo, homens e
mulheres deste setor.
Outro aspecto importante deste período foi o comporta-
mento da produção agrícola. Pode-se dizer que houve um cres-
cimento ao longo de toda a década de 50, mas em um núme-
ro inferior ao da indústria. Ainda assim, não se encontrava
estagnada e, por este motivo, a produção aumentou mais que
o crescimento da população. No entanto, mesmo levando-se
em consideração esta afirmação, pode-se observar que, no
final da década de 50 e nos primeiros anos do decênio se-

155
guinte, a taxa de crescimento da agricultura era apenas ligei-
ramente superior à taxa de crescimento demográfico, que se
situava ligeiramente acima de 3%. Observa-se também, que
era particularmente baixa a taxa de crescimento da produção
agrícola destinada ao mercado interno. Para melhor esclare-
cermos esta questão, a tabela 8 nos mostrará o comporta-
mento geral da produção agrícola entre os anos 50-55:

TABELA 8
Produção Agrícola ( 1950-1955)

Ano Quantidades
1950 101,5
1951 102,2
1952 1 1 1,5
1953 111 '7
1954 120,5
1955 129,8

Fonte: Baer, 1988, p . 590 .

O que se verifica com estes dados é que o crescimento da


agricultura foi constante mas moderado, sendo que na meta-
de da década este aumento chegou a atingir praticamente 30%
do valor apresentado no ano de 1950.
O crescimento lento da agricultura deveu-se, principalmen-
te, à insuficiência das instalações de infra-estrutura econômi-
ca e social, o que provocou também o aumento nos preços
dos gêneros agrícolas, contrariamente ao que era proposto
pela CEPAL. O que se constata é que fora pequeno o investi-
mento para reverter este quadro e melhorar seu rendimento.
Nas áreas tradicionais, próximas às cidades, a estrutura das
fazendas não foi modificada para se adaptar aos requisitos
da agricultura moderna e houve poucos lugares onde se pôde
aprimorar o uso intensivo da terra baseado na utilização de
novas técnicas, de fertilizantes e máquinas de última gera-
ção. Isto eqüivale a dizer que o discurso do Getúlio, neste
setor, foi pouco aproveitado, principalmente pelas controvér-
sias geradas em torno do assunto e pela oposição feita por
parte dos grandes proprietários rurais .

156
De acordo com os relatórios da Comissão Mista, afirma-
va-se que o desenvolvimento da agricultura nacional tinha
como obstáculos a falta de aplicação de técnicas modernas, e
era o que de fato se verificava. As avaliações dos técnicos
mostravam que a difusão destas técnicas de produção, a me-
canização da agricultura e o conseqüente aumento produtivo
viriam com a criação, no país, da indústria de máquinas e
implementas agrícolas, incluindo a fabricação de tratores,
fertilizantes e fungicidas, que eram as metas do projeto in-
dustrial. Estes aspectos do desenvolvimento eram exatamen-
te os que a CEPAL pregava na sua tese para América Latina,
ou seja, acreditava-se que um setor dinamizaria o outro e es-
pecialmente, no caso da agricultura, não deveria ser esqueci-
do que esta era uma área muito importante, tradicional nas
economias sub desenvolvidas . Por este motivo, a instituição
colocava como um aspecto relevante, o fato da indústria an-
dar de mãos dadas com a agricultura, porque somente assim
poder-se-ia atingir o desenvolvimento de fato. Este pensamento
de Prebisch pode ser resumido da seguinte forma:

"Prebisch, desde seus primeiros trabalhos cepalinos,


insiste em deixar bem claro que existe uma comple-
mentaridade entre as atividades primárias de expor-
tação e as industriais, pois elas juntas são compo-
nentes indispensáveis ao desenvolvimento. É preci-
so impu lsioná-las em conjunto, sem separar uma da
outra, para obter assi m, um crescimento adequado
das duas. A proporção necessária para a industriali-
zação dependeria [então] das atividades exportado-
ras, as quais variariam muito de acordo com as dis-
tintas condições e circunstâncias concretas" (Haffner,
1996, p. 77).

A Comissão Mista também discutia os métodos arcaicos


para a comercialização dos produtos agrícolas, considerados
outro ponto responsável pelo atrasado do desenvolvimento
deste setor. A causa fundamental destes problemas era a de-
ficiência de investimentos em instalações de infra-estrutura,
tais como melhores estradas ligando o campo à cidade e, o
que era ainda pior, a falta de armazenamento para os produ-

157
tos em muitos dos principais centros urbanos. Vale lembrar,
que o governo estava consciente destas deficiências, o que de
fato se verificava no discurso do presidente, como já foi apre-
sentado anteriormente.
A outra razão que a Comissão deu à baixa produtividade
da terra correspondia ao fato de até a década de 50 o empre-
go de fertilizantes e a mecanização estarem pouco desenvolvi-
dos. Quando se começou a utilizar estes produtos químicos,
eles foram empregados principalmente para compensar as
perdas da fertilidade. Em poucos lugares contribuíram efeti-
vamente para aumentar o rendimento agrícola. O que se pre-
cisava era de mudanças mais estruturais, como as que vie-
mos discutindo até aqui.
Quanto ao crédito rural, a idéia de Getúlio era estabelecer
um sistema que atingisse os pequenos e médios agricultores.
Este investimento seria controlado por um banco cooperati-
vo ou por outras instituições de crédito, a fim de canalizar
recursos para os setores ditos prioritários: o da agricultura e
o de alimentos.
Dentro dos projetos de mudanças agrícolas, uma área que
foi tratada com muito cuidado foi o café, pois este era consi-
derado como prioritário devido a sua importância para o país,
já que das suas flutuações dependia, em grande medida, o
equilíbrio da balança de pagamento. Pretendia-se, efetivamen-
te, a retomada do controle dos preços e da regulamentação
do comércio. Houve então um esforço na organização sindi-
cal e patronal deste setor, sendo criada, nessa época, a Con-
federação Nacional da Agricultura.
Em resumo, o que podemos concluir sobre a questão do
atraso agrícola é que este deveu-se à baixa prioridade que lhe
foi dada no período de industrialização do pós-guerra, ape-
sar das intenções terem sido outras. Esta última refletiu-se,
do ponto de vista quantitativo, na reduzida parcela que o Banco
de Desenvolvimento, nos seus primeiros anos de existência
destinou á produção agrícola. De 52 a 62, os empréstimos
em moeda nacional à agricultura somaram somente 4% do
total do financiamento, sendo que essa participação foi de
1, 7% nos empréstimos em moeda estrangeira (Baer, 1988,
p. 139).

158
A prioridade reservada à agricultura foi baiXa também
porque, no período de industrialização, a efetivação dos in-
vestimentos estava em negociações no Congresso, ou seja, não
dependia somente do presidente, mas de um conjunto de
medidas que deveriam ser coordenadas entre si. Outra
constatação foi que o BNDE ocupou grande parte do seu fi-
nanciamento no setor industrial e não no agrícola.
Quanto ao discurso de Vargas para melhorar este setor, é
possível afirmar que, na prática, o enfoque principal era a
industrialização do país, mesmo que se admitisse a impor-
tância da área agrícola.
No que tange à teoria da CEPAL, não foi verificado o efeito
benéfico da industrialização na agricultura neste período como
era proposto pela instituição, isto é, em termos concretos,
não houve uma relação direta entre industrialização-agricul-
tura nos padrões que eram esperados . Fazia-se necessário
portanto investimentos maciços nos dois setores, já que a in-
dústria por si só não era tão dinâmica para impulsionar a
agricultura.
Quando Kubitschek chega ao poder, a agricultura brasi-
leira tinha uma participação em torno de 30% na renda nacio-
nal, ficando em segundo lugar o setor industrial com 21%,
apesar de todos os esforços do governo para dinamizar este
setor e do grande surto industrial apresentado. A constatação
da época apontava para a área agrícola como um importante
gerador de renda dentro do país.
O desenvolvimento deste setor, porém, mesmo com as di-
ficuldades, foi favorável, pois houve um crescimento propor-
cional de 4%, enquanto que a população do país aumentou
em torno de 3%, o que mostra uma considerável vantagem
para a agricultura em relação às outras atividades. Estes re-
sultados positivos originaram-se principalmente do incremento
da produção que foi constante ao longo dos anos 50.
O governo se propunha a melhorar cada vez mais as prá-
ticas de exploração da terra, que requeria uma participação
governamental ativa e ao mesmo tempo constante para que
os resultados fossem sentidos a longo prazo. Concorria com
isso a necessidade de participação do produtor rural para que
este processo pudesse funcionar por completo.

159
Para que os resultados neste setor fossem bons, deu-se iní-
cio a um trabalho de pesquisas agrícolas nas diferentes regtões
do país, a fim de que se obtivesse um melhor conhecimento
do solo. Supunha-se que as análises mais apuradas da
natureza física, química e biológica dos solos agrícolas, po-
deriam estabelecer práticas mais adequadas e maior produ-
tividade.
Outro aspecto relacionado à capacidade de produção que
foi contemplado neste período foi a utilização de adubos. Cons-
tatava-se que a terra era pobre em elementos nutritivos, daí
necessidade de adubação. Os fertilizantes, entretanto, na sua
maioria vinham do exterior e por isso era preciso começar a
produzi-los dentro do país, mesmo que o consumo deles ain-
da fosse baixo. A responsabilidade do governo nesta área foi
de articular as pesquisas pertinentes para a implementação
da utilização correta dos adubos e dos corretivos. Além disso
houve um certo empenho na exploração e na industrialização
dos recursos minerais transformáveis em fertilizantes, na
importação de produtos não-disponíveis no país, na melhoria
da distribuição e comercialização destes produtos.
No que se refere à mecanização da agricultura, o governo
estabeleceu um grupo de trabalho que estaria vinculado ao
Conselho de Desenvolvimento no qual se fariam exames das
condições de utilização de tal recurso na agricultura e a par-
tir de então se estabeleceriam prioridades quanto ao comér-
cio de máquinas e equipamentos, bem como do financiamen-
to das mesmas.
Estas medidas facilitariam aos agricultores a aquisição de
máquinas mas o governo exigia um bom aproveitamento des-
tes equipamentos e somente autorizaria a importação daque-
les itens recomendados pelos grupos de trabalho estabeleci-
dos anteriormente. O preparo técnico também era importan-
te e por isso, esta parte foi assegurada por cursos que foram
oferecidos na área de engenharia rural, mecanização agrícola
e conservação de solo.
Outro setor contemplado foi o de gado bovino, em que se
esperava a sua melhoria vinda do peso médio de corte e de

160
um incremento na produção de leite. Colocou-se então
em prática um sistema nacional de seleção, que facilitou
as importações de certas raças e favoreceu a obtenção de
financiamento para compra e transporte de gado. Também
houve um maior controle no setor sanitário, que se con-
centrou nas vacinas e no controle dos produtos derivados de
gado.
O escoamento da produção agrícola em geral seria benefi-
ciado pelo programa de estradas e ferrovias o que facilitaria
a colocação das mercadorias nas diferentes regiões do país.
Daria-se, no entanto, prioridade a produtos como café, algo-
dão e cacau devido à grande aceitação destes bens no exte-
rior. Além destes outros também seriam contemplados visan-
do superar as dificuldades encontradas para a exportação e
colocação no mercado interno.
As redes nacionais de armazenagem atuariam neste senti-
do ajudando a proteger a produção. Para este fim, foi encar-
regada aos governos estaduais a operação de redes regionais
de armazenamento. Elaboraram-se, ao mesmo tempo, proje-
tos específicos nesta área, prevendo a construção de arma-
zéns e silos de diversos tipos.
Todas estas medidas não seriam implantadas, no entan-
to, sem financiamento. Logo, o governo queria simplificar as
formas de obtenção de crédito rural e a forma de aplicá-lo
racionalmente. Na época, todo o crédito para as áreas rurais
vinha do governo, pois os bancos comerciais raramente em-
prestavam dinheiro para este setor. Houve portanto um gran-
de empenho em fazer que esta situação mudasse, estimulan-
do-se, por exemplo, o setor privado a participar de forma mais
ativa neste tipo de atividade. Para tal, a SUMOC baixou uma
portaria na qual se oferecia a possibilidade de refinanciamento
através do Banco de Brasil e de bancos particulares, com o
objetivo de financiar a lavoura de arroz, feijão, milho, batata
e mandioca. Tais operações vinham ao encontro das ne-
cessidades dos agricultores porque como havia carência des-
tes recursos as negociações geralmente tinham custos ele-
vados.

161
Em resumo, o que se verifica neste governo foi uma gran-
de dinamização na área agrícola, mais que no governo Vargas,
porque foram implement;idos vários setores que antes haviam
apenas começado a funcionar. Podemos notar também uma
certa ligação entre o crescimento industrial e o agríc<;>la, o qual
era responsável por grande parte das exportações do país no
período, o que não contradizia totalmente a teoria da CEPAL
neste sentido.

162
CAPÍTULO IV
Os efeitos do crescimento
industrial segundo a CEPAL e sua
evolução no período 55-61

A questão da renda na época


Dentro da teoria da CEPAL havia um aspecto que era tra-
tado com muita preocupação: a renda. Acreditava-se que de
nada adiantava atingir os outros objetivos propostos sem al-
cançar este último, porque o que permeava toda a teoria
Cepalina era a busca do bem-estar da população. Para a ins-
tituição, a industrialização propiciaria um aumento geral da
renda, que, em última instância, seria o bem maior a ser al-
cançado pelo povo, isto é, de todos os benefícios apresenta-
dos até aqui como provenientes do crescimento industrial, se
somariam os resultados positivos geradores de uma distri-
buição da renda mais eficaz.
Outro item que resultaria do crescimento industrial e que
segundo a CEPAL estaria intimamente inter-relacionado com
todos os anteriormente expostos seria o aumento da deman-
da. Este último seria originado a partir da melhoria da
tecnologia na produção, o que ao acarretar uma diminuição
nos preços, garantiria conseqüentemente um maior poder de
consumo da população. Além disso, este aumento na deman-
da proporcionaria ocupação da mão-de-obra e elevação dos
salários devido a uma melhor absorção do contingente de tra-
balho, já que as indústrias precisariam aumentar a produção
a fim de atender às novas necessidades de consumo. E mais,

163
de acordo com o que foi exposto até aqui, através da indus-
trialização a deterioração dos salários seria reduzida devido,
principalmente, ao aproveitamento da mão-de-obra existente
no mercado, a qual estando empregada poderia consumir e
propiciar um efeito dinâmico à economia do país como um
todo. Para Rodríguez, estas questões aqui apresentadas po-
dem ser assim explicadas:

':A industrialização [na teoria da CEPAL] é conside-


rada a base fundamental da política de desenvolvi-
mento das economias periféricas. Esse objetivo pri-
mordial encontra uma ampla justificação nas teo-
rias da industrialização e da deterioração dos ter-
mos de troca, de acordo com as quais a expansão
manujatureira é o meio indispensável para aumen-
tar persistentemente a produtividade do trabalho e
a renda por habitante, assim como reter [nos países
subdesenvolvidos] os frutos do progresso técnico" (Ro-
dríguez, 1981, p. 172).

A CEPAL apontava, ainda, que com o aumento da produ-


tividade industrial e da renda haveria, possivelmente, um cres-
cimento na acumulação de capital, ou seja, tanto os empresá-
rios como os trabalhadores poderiam poupar, fato este que
só ocorreria a partir um aumento geral na renda. Esta ques-
tão era fundamental para a explicação do subdesenvolvimen-
to nos países latino-americanos, já que pensava-se que devi-
do à falta de acumulação de capital os países de economia
retardatária não haviam sido capazes de se desenvolver den-
tro do padrão daqueles que conseguiram reservas suficientes
para financiar a industrialização.
Já que· o problema das economias retardatárias centrava-
se na impossibilidade de acumulação de capital decorrente
da falta de poupança interna, que por sua vez era produto da
baixa renda destas populações, a teoria Cepalina colocava que
para que houvesse um aumento desta poupança e um conse-
qüente crescimento do acúmulo de capital, os recursos pro-
dutivos deveriam ser alocados de modo mais eficiente, per-
mitindo-se também a sua utilização de maneira mais adequa-

164
da, conforme as necessidades do desenvolvimento. Buscava-
se com isso a obtenção do máximo da renda real. ou seja. a
compra de bens e serviços requeridos pela população seria
facilitada uma vez que haveria uma melhor distribuição da
renda e um aumento na oferta de empregos nos diferentes
setores econômicos do país. Podemos entender esta situação
da seguinte forma:

"O maior nível de produtividade e renda tornaria pos-


sível que houvesse um aumento na acumulação de
capital, que era uma das peças-chave do desenvolvi-
mento e do qual a América Latina não dispunha. Fi-
nalmente. permitiria à periferia superar a condição
subordinada e vulnerável que ocupava no sistema
global como produtora e exportadora de produtos
primários" (Haffner. 1996, p. 77).

No que se refere à questão do crescimento industrial bra-


sileiro, verifica-se que, historicamente. este o movimento sur-
giu em decorrência de todos os fatos discutidos ao longo des-
te livro. Retomando o assunto, podemos dizer, sinteticamen-
te. que a mudança de prioridade quanto ao mercado interno,
fez com que a expansão nacional passasse a se mover em res-
posta ao mercado que estava nascendo dentro do Brasil, o
que propiciou o direcionamento deliberado da implantação
da indústria de base no país levando à obtenção de uma série
de efeitos benéficos para a nação e que em última instância
seriam traduzidos na industrialização.
Este processo de transformação pode ser confirmado nos
anos da II Guerra Mundial. em que se deu continuidade a
uma progressiva expansão industrial. mesmo com as dificul-
dades de suprimentos de matérias-primas e equipamentos
produzidos pelo conflito bélico. Para Tavares, durante o perío-
do do pós-crise mundial até o fim da segunda guerra. o Bra-
sil praticamente fez toda a substituição possível de bens de
consumo não-duráveis a partir de alguns esforços estratégicos
na substituição de matérias-primas e, sobretudo, dos mate-
riais de construção. Podemos notar que neste período houve
um aumento de demanda de bens de consumo não-duráveis

165
em decorrência da demanda contida no período da guerra,
criando-se assim um mercado interno que antes não existia,
além da euforia cambial do pós-guerra, que preparou uma
nova faixa de substituição das importações para os anos se-
guintes, direcionando a indústria brasileira durante pouco
mais de uma década (Tavares, 1983, p. 80).
No segundo governo de Vargas, deu-se início, portanto, à
redução das importações, e à abertura para a produção nacio-
nal de itens que antes vinham do exterior, fato este que im-
pulsionou a economia como um todo e promoveu a consoli-
dação do processo de industrialização neste período. Além
disso, Bielschowsky, caracteriza esta época como um salto
qualitativo na história da formação industrial do país. Segun-
do o autor:

"a solução estrutural para a crise do modelo primá-


rio-exportador estava, portanto, em pleno curso, in-
dependentemente da consciência que dela tinham
elites políticas, técnicas e empresariais do país, mas
alimentando essa consciência" (Bielschowsky, 1996,
p. 253).

Por estes motivos, o crescimento industrial se comportou


de uma forma constante nesta época, assim como a transfor-
mação da economia como um todo. É claro que foi o setor
industrial o que mais se destacou. A participação da indús-
tria subiu continuamente, ultrapassando a agricultura no fim
dos anos 50, principalmente pela importância que foi dada a
esta área. Ao se converter em uma fonte dinamizadora da eco-
nomia, a sua participação no produto nacional bruto foi bas-
tante significativa ao longo do período, o que não significa
que estas mudanças necessariamente tenham permeado a
renda nos parâmetros que eram esperados por Vargas e pela
teoria da CEPAL.
As transformações verificadas na economia brasileira, após
a II Guerra Mundial, foram possíveis devido a uma mudança
na mentalidade do governo e à introdução do planejamento
econômico no que se refere à infra-estrutura, aspectos estes
que já foram apontados e que mostraram a importância que

166
teve a participação do Estado neste período. No segundo go-
verno de Getúlio Vargas este fato fica mais evidente pela im-
portância que foi dada a este tipo de técnica de programação
econômica. Com esta transfiguração da estrutura de poder
econômico, criaram-se os alicerces para que estas mudanças
tivessem continuidade no governo de Juscelino, que encon-
trou a infra-estrutura necessária para realizar a tarefa e man-
ter o processo de industrialização do país.
Ainda sobre estas questões, para melhor esclarecimentos,
a Tabela 9 mostra o crescimento e as modificações estrutu-
rais no Brasil após 1945:

TABELA 9
Crescimento e Modificações Estruturais no Brasil
após a II Guerra Mundial
(crescimento da produção por setores)

Setor 1947 1953 1958


Agricultura 89,5 111,7 141,3
Indústria 81,5 135,1 213,2
Outros setores 89,1 130,3 183,1

Fonte: Baer, 1988, p. 301.

Os dados apresentados anteriormente mostram claramente


o aumento da produção interna, apontando assim para a im-
portância da industrialização realizada na época, setor que
mais cresceu e se destacou entre os anos de 1947-1958.
O processo de substituição das importações, iniciado pelo
país, teve seu maior impacto na metade da década de 50, con-
forme fica explícito na Tabela 9, momento em que ocorreram
as maiores quedas nos coeficientes de importações, pois já
nessa época começavam a se sentir os efeitos da industriali-
zação. Foi, enfim, neste período que começaram a ser perce-
bidos os efeitos desta restruturação dentro do país.
Ainda dentro desta análise pode-se dizer que estas trans-
formações iniciaram-se no final da década de 40 e se intensi-
ficaram na década de 50. A Tabela 10 apresenta estes dados:

167
TABELA 10
Importações em Percentagem da Oferta Total

Setor 1949 1955


Bens de Capital 59,0 43,2
Bens Intermediários 25,9 17,9
Bens de Consumo 10,0 12,2
Fonte: Baer, 1988, p . 302.

Os valores acima mostram a queda nas importações dos


bens de capital e bens intermediários, sendo que os bens de
consumo não acompanharam este movimento; pelo contrá-
rio, aumentaram. Conforme as expectativas do governo, os
dados apresentados apontam, ainda, para as modificações na
estrutura das importações que acorriam dentro do país na
década de 50.
Como é sabido, Vargas teve um plano ambicioso de inver-
sões no setor de bens de produção, condição necessária, se-
gundo ele e a CEPAL, para o crescimento contínuo do país e a
diminuição da dependência externa quanto às importações .
Desta forma, ampliar-se-ia a produção e o consumo dentro
do país, ou seja, as indústrias e a demanda pelos produtos
por elas produzidos. Com um comportamento eficiente quan-
to à produção, o setor industrial poderia trazer melhorias para
a população quanto ao consumo e à renda, já que seria res-
ponsável pelo aumento na oferta de empregos. Além disso,
reduzir-se-ia o grau de importações dos produtos externos,
dando maior ênfase à produção e aos produtos nacionais.
Esta forma de Vargas de tratar a industrialização aproxi-
mava-se muito da proposta da CEPAL, que chamava atenção
para os mesmos pontos citados pelo presidente em seus dis-
cursos e em seu comportamento governamental.
Para Vargas era importante que o país conseguisse produ-
zir todo tipo de bens, isto porque, de acordo com as bases
nacionalistas, pretendia-se diminuir a dependência externa e
aumentar a autonomia interna. Procurava-se fazer com que
os produtos fossem, portanto, complementares para garantir
que os suprimentos fossem regulares, em todos aqueles seta-

168
res em que tais empreendimentos se apresentavam como opor-
tunos.
A idéia geral do presidente era implantar a indústria de
base no país para que houvesse um desenvolvimento sem de-
pendência de produtos nem de matérias-primas importadas,
que era uns dos aspectos apontados exaustivamente pela
CEPAL. Desta forma, a autonomia nacional viria em conjunto
com as mudanças que aconteceriam nesta área. Além da infra-
estrutura de base, o setor das indústrias deveria ser tratado
como um todo, com uma ampla e efetiva política voltada para
a área, a fim de poder criar condições institucionais e finan-
ceiras para o desenvolvimento do setor privado, já instalado,
e do setor público que estava começando a crescer. Sonia
Draibe exemplifica assim os problemas enfrentados por Vargas
para concretizar a industrialização:

"( ... ) ao indicar as dificuldadesjreqüentes de aquisi-


ção de matérias-primas e maquinaria estrangeira
como um dos mais sérios entraves ao desenvolvimento
industrial, preconizava que, a par da instalação no
país, das indústrias de base, se requeria uma 'sadia'
política de 'comércio exterior', com a finalidade de
estabelecer níveis necessários e condizentes de pro-
teção aduaneira e cambial" (Draibe, 1985, p. 194).

O que fica claro desta época é que o Plano Geral de Indus-


trialização apresentado por Vargas e sua equipe econômica e
desenvolvido pela Comissão de Desenvolvimento Industrial,
criou as ferramentas necessárias para se levar adiante a in-
dustrialização de base do país. O citado plano propunha as
condições iniciais para a expansão e maior produtividade na
área energética, na área de transporte e comunicação, melho-
ramento dos créditos, aperfeiçoamento técnico e dos méto-
dos de trabalho. Além disso, para uma melhor execução ele
foi distribuído como já é sabido, em três áreas: indústrias de
infra-estrutura, indústrias de base e indústrias de transfor-
mação, constando nesta última os bens de produção (pesa-
dos) e bens de consumo (leves). Havia também critérios para
priorizar a contribuição do governo para cada setor. Seria aten-

169
dido, primeiramente, a área que ajudasse a integração e equi-
líbrio da estrutura econômica do país.
O que podemos notar é que toda a infra-estrutura monta-
da para propiciar a industrialização no governo Vargas estava
de acordo com o planejamento econômico global, que além
de projetar as áreas prioritárias a serem contempladas, entre
elas a da renda, mostrava-se dentro dos padrões da CEPAL.
O governo também observou, da mesma forma que a institui-
ção, que se deveria começar pelos assuntos de base para che-
gar aos maiores e mais complexos depois. Neste caso, seria
necessário criar melhores condições de vida à população via
melhoramento na renda recebida pelo trabalho mais eficiente
e pelas condições que seriam dadas com a qualificação dos
trabalhadores. Em síntese, esperava-se sanear os problemas
sociais com a implantação da indústria de base, o que na prá-
tica não ocorreu, já que a industrialização não era a viga mes-
tra da solução dos problemas pelos quais o país enfrentava,
mesmo que se acreditasse firmemente nisso.
Neste sentido, quando Juscelino assumiu o poder, a cer-
teza da necessidade de impulsionar o crescimento econômico
do país estava ainda mais clara que no governo anterior, quan-
do iniciara-se a mudança de mentalidade no que se referia ao
assunto do desenvolvimento. De fato, constituir a indústria
nacional era uma necessidade interna, criada primeiramente
pelo mercado externo e depois pelo que se conseguira estabe-
lecer dentro do país, ou seja pela demanda emergente inter-
na, que havia se estabelecido ao longo dos anos de governo
de Vargas .
Como já vimos, Kubitschek baseou toda sua política eco-
nômica no "Plano de Metas", onde deu ênfase a área indus-
trial. Esperava ele um rápido crescimento do país dando maior
prioridade aos setores industriais, e foi de fato o que aconte-
ceu, pois no período de 56-61 o PIB nacional cresceu 7,9% ao
ano, o que foi muito superior ao governo anterior que havia
chegado a 5, 2% ao ano. Estes resultados eram o reflexo da
política econômica adotada pelo presidente e pela sua equi-
pe, os quais deram prioridade às inversões num sistema in-
dustrial integrado, onde deveria ter participação ativa a pro-

170
dução de bens pesados e de matérias-primas. Segundo Jus-
celino a industrialização deveria ser vista da seguinte forma:

"O Brasiljá alcançou, há bastante tempo, um está-


gio de desenvolvimento econômico em que não é mais
possível depender da exportação de produtos primá-
rios e da importação de manufaturas. Já não cabe a
indagação sobre se devemos ser um país agrícola,
exportador de matérias-primas e importar de manu-
faturas ou se, ao contrário, nos devemos industriali-
zar, pois, dada aquela circunstância, a industriali-
zação constitui imperativo para que o país possa con-
tinuar a progredir num ritmo satisfatório. Compre-
endendo este jato, todo o meu programa de desen-
volvimento econômico se orienta no sentido de criar
as condições necessárias à rápida expansão do nos-
so parque industrial" (Kubitschek, 1956, p. 245-246).

Com esta condução deliberada do processo econômico o


que se conseguiu de fato foi uma substituição de bens dentro
do Brasil, isto é, trocaram-se os produtos que eram importa-
dos pelos que eram produzidos dentro do país, tudo isto nos
moldes das propostas da CEPAL. Foi a partir deste tipo de
atuação que se chegou a efetivar a industrialização baseada
na substituição das importações. Analisando-se concretamen-
te, houve uma drástica redução deste índice de 12,6% no pe-
ríodo 50-54 para 8,6% nos anos de 55-61. Este modelo eco-
nômico se esgotou neste período. mas representou uma força
dinâmica capaz de elevar os índices de crescimento no país.
O que é importante colocar aqui é que o sucesso atingido
pela área industrial desta época, deveu-se principalmente ao
planejamento previsto no "Plano de Metas" que deu uma ên-
fase especial à indústria de base, tornando o setor automo-
bilístico, o naval, e os de mecânica pesada e equipamentos
elétricos símbolo da nova indústria brasileira. Além disso, a
entrada de equipamentos foi amplamente beneficiada pela
instrução no 118 da Superintendência da Moeda e Crédito
(SUMOC), que permitiu que fossem compradas maquinarias
sem cobertura cambial (aspectos estes que serão apresenta-
dos em detalhe no capítulo seguinte).

171
Sobre o crescimento industrial, Maranhão postula:

"Desde as décadas anteriores, o crescimento dentro


desse processo é bastante visível: de 1940-1961 a
produção industrial brasileira quase sextuplicou, e
teve um ritmo de crescimento maior do que o dobro
do ritmo de crescimento global da economia" (Ma-
ranhão, 1988, p . 47).

Se por um lado o crescimento do setor industrial era be-


néfico para o país por outro, era seguido de grandes dese-
quilíbrios regionais , pois apenas algumas regiões foram mais
favorecidas com este programa, ficando as demais à mercê
da quase total estagnação . Houve também fortes pressões in-
flacionárias, resultando basicamente do endividamento do
setor público - que teve um crescimento vertiginoso na época
- com credores estrangeiros. Tudo isto sem o conseqüente
aumento das receitas fiscais, fazendo com que a renda ficas-
se bastante prejudicada.
Ao findar o governo de Kubitschek, fica evidente que a es-
trutura industrial do país se encontrava diversificada e que
esta mostrou-se mais integrada. Estava claro que o modelo
primário-exportador se esgotara e por este motivo houve um
certo direcionamento do que deveria ser produzido dentro do
país. Reduziu-se a quantidade de produtos que anteriormen-
te eram importados, isto é, as importações começaram a ser
feitas de acordo com as necessidades do mercado e finalmen-
te, os produtos trazidos para o país foram diversificados,
conforme com as novas necessidades impostas pelo merca-
do.
A mudança na estrutura de importações não levou entre-
tanto a um maior grau de independência econômica como
preconizava Getúlio; pelo contrário, as inter-relações econô-
micas tornaram-se mais estreitas e em alguns casos aumen-
tou o grau de comprometimento do país com alguns itens que
eram importados. Esta situação foi gerada pela diversifica-
ção e expansão da demanda interna.
Este tipo de comportamento da industrialização no míni-
mo era contraditório porque por um lado se fazia a substitui-

172
ção das importações e por outro se requeria cada vez mais
novos equipamentos, máquinas, acessórios e matérias-primas
para dar continuidade ao que já estava em andamento ou para
colocar em funcionamento novos projetos. Neste período, não
somente aumentou a participação do setor privado na econo-
mia via estímulos do setor público como também houve uma
profunda internacionalização da economia brasileira, surgin-
do daí a associação e a interdependência com o capital inter-
nacional. Esta mudança de paradigma em relação ao governo
Vargas fez com que as relações criadas entre o Estado e a
economia no período mudassem o enfoque da "criação da
autonomia nacional via industrialização", que era a visão de
Getúlio, para o "o capitalismo associado" de Juscelino que
pregava o desenvolvimento industrial conduzido pelas possi-
bilidades de empréstimos de capitais tanto nacionais como
internacionais, excluindo, portanto, a idéia de autonomia. Tal
atitude governamental acabou por determinar uma maior de-
pendência do capital e da tecnologia utilizada, neste período,
pela industrialização nacional.
De qualquer forma, o esforço de substituição de importa-
ções realizado nas indústrias de transformação resultou em
mudanças acentuadas na estrutura produtiva e na estrutura
de importações. Neste sentido deve-se destacar a queda apre-
ciável da importância relativa dos produtos alimentares e têxtis
tanto na produção como na importação dos mesmos. A par-
tir de 58 houve, portanto, um amplo amadurecimento do pro-
cesso substitutivo das indústrias tradicionais de uma forma
global, demostrando assim o êxito do governo nesta tarefa.
Dentro destas condições estabelecia-se cada vez mais no
Brasil uma forma de produção capitalista, guiada pelas for-
ças do mercado com o forte incentivo do governo para que
pudessem ser feitos os investimentos que interessavam aos
investidores nacionais e internacionais. Isto levou a uma di-
ferenciação social interna da sociedade brasileira, ou seja,
começaram a se acentuar as desigualdades, os desequilíbrios
econômicos provenientes de um capitalismo mais acentuado
e da pouca intervenção direta do governo na área social. Na
verdade, para Juscelino o crescimento industrial do país tra-

173
ria o desenvolvimento econômico-social da nação e por isso
não havia uma política clara neste sentido, ou seja, supunha-
se que a industrialização sanaria todos os demais problemas.
No seu livro A Marcha do Amanhecer Kubitschek, afirma
que os sacrifícios pelo qual passou a população brasileira fo-
ram poucos se comparados com os dos outros países que
viram o seu contingente humano convertido em máquinas sem
direito a opinar a respeito das mudanças que estavam acon-
tecendo na sua nação. A partir deste ponto de vista, tão espe-
cífico, ele explica que na época não poderiam haver mudan-
ças sem sacrifícios e que as dificuldades vividas foram irrisó-
rias quando comparadas com os benefícios obtidos via in-
dustrialização. No rol de problemas a serem enfrentados pelo
povo estava a questão da renda e da distribuição da mesma,
no entanto, o caminho a ser seguido era o da industrializa-
ção mesmo que ela trouxesse grandes diferenças sociais e re-
gionais , ou seja, o chamado custo social do progresso
(Kubitschek, 1962, p. 52) .
Alguns autores como Lessa defendem que Juscelino não
tinha uma preocupação clara com a parte social tal como Ge-
túlio que, indiferentemente de seu sucessor, deu grande im-
portância a este setor. Lessa fala ainda da perda nos salários
neste período por conta da inflação que atacou o país em
contraposição aos ganhos sociais que foram alcançados no
governo anterior (Lessa, 1981, p. 27-28) .
Mesmo que o problema da renda não fosse a preocupação
principal do presidente e que ele não se utilizasse desta base
política para ter maior apoio popular como foi o caso de Ge-
túlio, de alguma forma este fator estava inserido dentro de
todo o contexto que envolvia a industrialização, assim como
apontava a teoria da CEPAL, ainda que não pontuasse esta
questão como sendo uma preocupação especifica mas global
no interior do contexto que ela se encontrava.

Efeitos do crescimento industrial na renda


No que tange ao aspecto social, Vargas, ao voltar ao poder,
defrontava-se com um país muito diferente daquele que havia

174
governado entre 37 e 45. Nos anos 50, a sociedade brasileira
já estava mudada. Possuía uma estrl.ltura de classes bem de-
finida e nitidamente diversa daquela verificada no Estado Novo.
Em grande medida, isto ocorreu devido ao crescimento do
setor industrial, à expansão do setor terciário e ao rápido cres-
cimento dos centros urbanos dominantes, tais como o Rio de
Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte, Sal-
vador e alguns outros. Por este motivo, era viável introduzir o
planejamento econômico no país, de acordo com os ideais do
presidente e da CEPAL, já que existiam condições concretas
de se entender os problemas em pauta, ou seja, havia uma
certa estrutura que sustentava a problemática da industriali-
zação.
O planejamento, como vimos anteriormente, começava a
ser um conceito compatível com o de economia capitalista
constituído pelas eUtes brasileiras, que permaneciam bastante
atentas ao que acontecia nos centros desenvolvidos. À medi-
da que progredia a divisão social do trabalho e a diferencia-
ção social interna da sociedade brasileira, os grupos sociais
tornavam-se mais configurados e representativos. Nessa épo-
ca, o grupo industrial e o proletariado, por exemplo, já eram
uma realidade política e cultural, ao lado da classe média,
bastante ampliada, e dos setores agrário, comercial e finan-
ceiro. Estes três grupos constituíam classes sociais com grande
interesse e sensibilidade para o debate sobre o desenvolvi-
mento econômico, industrialização, nacionalismo, emancipa-
ção econômica e alguns temas correlatos. Considere-se ainda
que, no período em questão, a burguesia industrial passava a
se diferenciar internamente.
lanni afirma que, já nessa época, pode-se falar em três
grupos econômicos e politicamente diferentes, ainda que não
necessariamente divergentes: a pequena classe industrial,
caracterizada pelo seu vínculo com a produção de bens de
consumo tradicionais, e a grande classe industrial, também
ligada à produção de bens de consumo, mas com base em
empresas de grande vulto, para a economia brasileira de en-
tão. Esta última classe costumava manter relações com o se-
tor agropecuário, o grande comércio de importações e expor-

175
tações e o capital financeiro ou já começava a vincular-se ao
setor de geração de bens de produção. Além destes dois gru-
pos citados acima, havia um terceiro que correspondia à gran-
de classe industrial internacional, cuja origem estava rela-
cionada aos investimentos de capital estrangeiro e às pri-
meiras associações de capitais dentro do país (Ianni, 1991,
p. 120).
Ianni aponta ainda que:

"Esses três grupos industriais adotavam posições dis-


tintas, quando se tratava da atuação do poder públi-
co na economia. Pode-se dizer, também, que cada
um estava interessado num padrão particular de re-
lacionamento do Estado com as atividades econômi-
cas" (idem, p. 120).

Deste modo, a luta travada por Getúlio foi para realizar o


desenvolvimento e para obter mudanças dentro das estrutu-
ras existentes no Brasil. A questão da renda e da sua modi-
ficação para favorecer as classes menos avantajadas fazia parte
do programa governamental. Desta forma, parece lógico afir-
mar que uma das maiores realizações do governo Vargas foi a
abertura do país para o planejamento global conforme pro-
posto pela CEPAL, propiciando assim um crescimento indus-
trial com todos os benefícios que ele traria para o país. De
qualquer maneira, esta tarefa não foi fácil e houve muitas crí-
ticas tanto ao planejamento do presidente como do Cepalino.
Isto ajudou, de algum modo, para que não fosse aplicado in-
tegralmente. Mas não há dúvida de que muito contribuiu para
o prestígio que o planejamento econômico alcançou no Brasil
naquele período.
Os resultados deste processo foram traduzidos em uma
situação totalmente distinta da época da sua deposição em
relação ao momento da posse do seu mandato. O que se pre-
tendia era ampliar o espaço conquistado a partir do ano 51,
esforço este que lhe deu a capacidade de influenciar as deci-
sões fundamentais do país, através dos principais órgãos da-
quele período, como a Comissão Mista e o BNDE, que era
dirigido pelos assessores mais próximos de Vargas, além do
Banco do Brasil e do grupo misto CEPAL-BNDE. Tentava-se

176
fazer valer, então, o que se pensava ser mais primordial para
o referido período. Isto significa que o planejamento econô-
mico deveria ser guiado pelo conhecimento técnico da equipe
de Vargas, que esperava com esta técnica atingir a industria-
lização do país, fato amplamente demonstrado nos relatórios
do Banco do Brasil e do BNDE.
O progresso brasileiro foi portanto se concretizando de
acordo com vários fatores que levaram ao desenvolvimento
industrial. A política econômica em curso somada à proble-
mática da economia tiveram como resultado respostas cons-
cientes à evolução histórica do país, ou seja, tanto os políti-
cos como a população entendiam que o Brasil precisava pas-
sar por mudanças estruturais para poder crescer de acordo
com as necessidades da época, e dentre estas modificações
estava a questão do aumento da renda o que traria benefícios
não somente para a população como também para o setor
comercial e para o governo em geral. Entenda-se com isto o
começo de uma consciência que surge juntamente com a evo-
lução estrutural dos problemas, culminando num crescente
conhecimento das dificuldades nacionais . Sobre este fato,
Lessa aponta que nesta época:
"incorporam-se ao vocabulário mínimo das popula-
ções urbanas expressões tais como: desenvolvimen-
to e subdesenvolvimento econômico, reforma agrá-
ria, combate ao analfabetismo, dinamização da re-
gião nordeste( ... ). Taisjenômenos, hoje integrantes
da vida brasileira, são muito recentes e praticamente
desconhecidos antes dos anos 50" (Lessa, 1981, p. 11).

Segundo Bielschowsky, esta tomada de consciência foi se


aprofundando cada vez mais, tornando-se nítida, penetrando
nas análises e dominando os debates à medida que evoluiu o
segundo governo de Getúlio Vargas, conforme a proposta do
próprio presidente. Desta forma, foi possível atingir com o
projeto desenvolvimentista as diferentes camadas do poder.
Observa-se no período que as principais diretrizes para levar
a cabo a industrialização já estavam dadas, afinal. havia sido
criada uma conscientização do significado do processo que
estava acontecendo dentro do país.

177
A questão da renda era um assunto que preocupava mui-
to ao presidente, fazendo-o assim se expressar na mensagem
ao Congresso de 5 1 :

'11 elevação dos níveis de vida, num país como o Bra-


sil, depende, assim, muito menos dajusta distribui-
ção da riqueza e do produto nacional, do que do de-
senvolvimento econômico. A grande verdade é que
temos pouco que dividir, o que preconizo é uma polí-
tica ampla de bem-estar, apoiada no desenvolvimento
orgânico dos alicerces da economia do país" (Vargas,
1951, p. 73 e 299) .

Uma coordenada importante deste período, foi portanto a


política social, isto é, a melhoria do salário enquanto se ex-
pandia o sistema produtivo e a acumulação capitalista. Como
é sabido, a classe operária começara a aparecer como uma
base de apoio para a política de Vargas desde os anos 30.
Sendo assim, conforme Weffort: "Vargas teve no Brasil a pos-
sibilidade de manter, por um longo período, relações difusas
e massivas com a classe operária por intermédio principal-
mente das leis sociais e dos decretos sobre salário mínimo"
(Weffort, 1978, p . 67). Mesmo que o assunto salarial e da dis-
tribuição da renda não fosse tratado como prioritário nos
projetos, na prática o presidente fazia o possível para aumen-
tar suas conquistas nesta área, porque deste ponto dependia
o apoio popular ao seu governo e era o que lhe dava sustenta-
ção política.
A preocupação de Vargas era que o salário mínimo avan-
çasse, já que se mostrava impossível o avanço rápido nas rei-
vindicações de trabalhadores como um todo. Neste sentido, a
vinculação paternalista do presidente com a massa operária
foi um elemento constitutivo do regime populista no Brasil
desde suas origens. Numa época em que o coeficiente de ope-
rários qualificados era baixo (pouco mais de 20% na indús-
tria de São Paulo) e o mercado de trabalho era afetado pela
massa de desempregados não-qualificados, teve-se que optar
então por programas indiretos, surgindo daí a Comissão Na-
cional do Bem-Estar Social.

178
O governo pensava que a pobreza dos quadros técnicos e
científicos limitaria a expansão econômica através da indus-
trialização e da modernização da agricultura, porque sempre-
paro a população não conseguiria desempenhar bem em seus
empregos, levando-a ter dificuldades para obter sua própria
renda. Deste fato, surgiu a necessidade de qualificar a popu-
lação para fazer frente às novas técnicas de produção e para
enfrentar, de uma forma mais eficiente, as exigências do mer-
cado de trabalho.
Chegou-se portanto à conclusão de que a melhoria da qua-
lidade e o desenvolvimento do sistema escolar dependeria das
matrizes universitárias , originando-se de tal constatação a
criação da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-
soal de Nível Superior -, destinada a suprir as necessidades
crescentes do país nesta área. Este órgão foi criado como um
programa preparatório de um futuro projeto educacional em
grande escala. Com este novo planejamento na área da edu-
cação, seria minimizada a falta de mão-de-obra especializa-
da formando-se, então, pessoas mais capacitadas para de-
sempenhar novas funções na indústria e na economia como
um todo.
Com exceção das tentativas de se melhorar a qualificação
dos trabalhadores, objetivo este que não seria obtido imedia-
tamente, o presidente decidiu fazer uma intervenção direta
na questão da renda. Autorizou então um aumento no salário
mínimo em 100%, caracterizando a atitude populista mais
expressiva dos anos 50, pois visava resolver um problema
imediato da população, elevando, assim, sua popularidade nas
camadas sociais mais baixas.
Os resultados desta medida não se fizeram esperar. Os
conservadores, como era previsível, começaram a fazer opo-
sição acirrada ao governo, uma vez que constataram a inten-
ção de Vargas em manter a base governamental ligada à clas-
se operária, a qual lhe daria autonomia no poder. Afinal era o
primeiro aumento no salário mínimo depois de oito anos - o
último havia sido concedido ainda por Vargas em 1943. Além
disso, os vencimentos dos servidores federais, que não eram
reajustados desde 48, elevaram-se em 52.

179
A concessão desse reajuste provocou, sem dúvida algu-
ma, forte resistências nos setores conservadores, inclusive do
empresariado. Isto foi motivo, também, de exploração polí-
tica por parte da UDN e da imprensa oposicionista, que se
apoiavam em qualquer situação polêmica para atacar Vargas.
O que os oponentes do presidente, na sua maioria da UDN,
pediam era que, em primeiro lugar, se efetuasse uma mudan-
ça política econômica e por outro lado fossem modificadas as
diretrizes trabalhistas que eram comandadas, na época, por
João Goulart. Também pediam eles a extinção do BNDE. Es-
tas críticas transbordaram para a área militar, que já não via
Goulart com bons olhos, e que culminaram na divulgação do
documento "Manifesto dos Coronéis", tendo como resultado
o afastamento do mesmo do Ministério do Trabalho.
Este posicionamento do governo firmava as críticas que
lhe eram feitas a respeito das tendências socialistas. A crise
ia se instaurando pouco a pouco, principalmente pelo alto grau
de intervenção do Estado na economia, o que também não
era bem-visto pelos oposicionistas de Vargas. Os conservado-
res achavam que um excesso de controle por parte do gover-
no na economia prejudicaria a política monetária e cambial,
em que era necessário uma autonomia por parte do mercado
para se regular. A liberação representaria, conforme este tipo
de visão, o alcance do equilíbrio, isto é, a oposição acabara
por se mostrar mais liberal que conservadora, bem diferente
da ideologia de Vargas e da CEPAL, que apontava a necessi-
dade da intervenção do Estado na economia a fim de que ela
funcionasse em condições melhores e mais eficientes, pelo
menos no período do pós-guerra e da industrialização inten-
siva dos países em desenvolvimento.
Outro tópico importante sobre a renda discutido na épo-
ca foi o dos desequilíbrios regionais. Sobre este item discu-
tia-se o atraso do Nordeste com relação ao resto do Brasil,
principalmente a região Sul. Segundo o relatório da Comis-
são Mista Brasil-Estados Unidos, os Estados mais desenvol-
vidos (Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Dis-
trito Federal e Espírito Santo) haviam tido um crescimento
de 50% na renda em contrapartida dos outros Estados que
tinham cifras bem inferiores.

180
Para resolver os problemas da região Nordeste, a asses-
soria de Vargas criou a Comissão Nacional de Planejamento
do Nordeste e, posteriormente, o Banco do Nordeste. Sugeri-
ram-se algumas mudanças para que pudesse haver um de-
senvolvimento nesta região parecido aos Estados do Centro e
do Sul do país. Em primeiro lugar, deveriam ser dados incen-
tivos aos produtos do Nordeste. Em segundo, assinalava-se
que deveria ser criada uma forma de manter a mão-de-obra
especializada para que esta não migrasse para os grandes
centros em detrimento da suas próprias origens. E por últi-
mo, esperava-se que fossem implantadas medidas para me-
lhorar o transporte, energia e matérias-primas. Ou seja, es-
perava-se que fossem feitas uma série de inversões, para que
a região Nordeste tornasse mais interessante a fixação, a atra-
ção d e capitais e a retenção da mão-de-obra regional. No en-
tanto , estes argumentos, em conjunto, justificavam os pro-
blemas da renda mas não davam soluções concretas a esta
questão que era complexa, pois envolvia todos os setores e
um comportamento satisfatório da economia do norte do país,
que, pelo nível de atraso em que se encontrava, dificilmente
funcionaria, conforme o esperado.
No que se refere especificamente à questão distributiva,
pode-se dizer que houve um lento crescimento do debate ini-
ciado em meados de 40. O que preocupava a oposição do go-
verno Vargas era a viabilidade da instalação da industrializa-
ção frente à conquista de benefícios sociais, ou seja, pensava-
se que os dois processos eram dissociados e que um não de-
veria propiciar necessariamente o outro. Na verdade, Via-se o
fator industrialização como prioritário, sem haver no entanto
uma grande preocupação com as questões sociais. Estas idéias
diferiam da teoria da CEPAL que defendia a industrialização
aliada a um desenvolvimento geral do país, o que levaria a
uma melhoria nas condições de vida da população e, certa-
mente, na renda. Cardoso de Mello fala, por exemplo, dos
problemas decorrentes da falta de demanda interna que por
sua vez era produto da escassez de renda:

"Outra conseqüência importante da disparidade en-


tre os graus de evolução da renda e da técnica pro-

181
dutiva consiste na escassa intensidade da deman-
da, que, em termos gerais, caracteriza grande parte
da população latino-americana, apesar de sua mag-
nitude numérica. Não somente afalta de capital ou
destreza para manejá-lo se opõe ao emprego da téc-
nica avançada, senão que a debilidade da demanda
impede também a obtenção das vantagens de pro-
dução em larga escala. A demanda aqui é débil, por-
que a produtividade é pequena, porque a exígua de-
manda se opõe, junto a outros fatores, ao emprego
de elementos da mais avançada técnica" (Cardoso
de Mello, 1987, p. 18 e 19).

De acordo com a citação acima, conclui-se que a renda


não poderia progredir se a demanda continuasse pequena,
pois isto faria com que a produção também fosse reduzida
assim como a utilização da mão-de-obra, fechando-se assim
um ciclo de desencontros que definitivamente não benefi-
ciaria a economia. O não-funcionamento harmônico dos dife-
rentes setores só traria prejuízos demostrando assim o
quanto a Visão de alguns políticos era limitada uma vez que
não eram capazes de ver o problema da renda a partir desta
ótica.
A CEPAL, no entanto, dava soluções claras para estes pro-
blemas, que não eram somente brasileiros mas caracteristi-
camente latino-americanos. Sobre este assunto, Gurrieri apre-
senta a situação da seguinte forma:

"Para poder superar estas limitações [da renda e da


demanda], a política de desenvolvimento concebida
por Prebisch define que o desenvolvimento seria o
conjunto de ações que deveriam ser adotadas para
sair da condição periférica e colocar-se no mesmo
nível dos centros quanto ao papel desempenhado
dentro do sistema global, levando em conta as ca-
racterísticas estruturais econômicas e sociais [de cada
país). As ações a serem desenvolvidas implicariam
tomar as medidas necessárias para elevar a produ-
tividade do trabalho e reter a renda que dele é gera-
da" (Gurrieri, 1982, p . 27).

182
Para o presidente, estas últimas recomendações faziam
sentido. Pensava ele que estas diretrizes deveriam ser segui-
das pela política econômica, compondo assim, o discurso que
divulgava, como o de 1951, já referido anteriormente.
Em resumo, a questão da renda era portanto um tema
polêmico que envolvia mudanças nas estruturas do país, tan-
to industriais como sociais. E além disso, levava a oposição a
pensar que este era um assunto que somente promovia o pre-
sidente. Por estes motivos, instalou-se um descontentamento
por parte dos opositores, que discordavam tanto das idéias
políticas como econômicas de Vargas, o que, em última ins-
tância, levaria aos acontecimentos de 54. A análise que aqui
pode ser feita reside no papel desempenhado pela política
econômica do presidente que de certa forma representou um
golpe contra os conservadores, contra o poder estabelecido
dentro do país e, no âmbito externo, contra a política em pau-
ta, como foi explicitado em momentos anteriores.
No que tange ao crescimento industrial do país, contra-
riamente ao que se pensava e esperava, é possível afirmar que
ele contribuiu para um aumento substancial na concentração
de renda neste período. Uma das razões para essa tendência
era a natureza de uso intensivo de capital deste setor, utili-
zando-se de mais equipamentos e de menos mão-de-obra.
Estes resultados frustravam a teoria da CEPAL, que confor-
me já apontado, chamava a atenção para os benefícios que
viriam em decorrência da industrialização. Vale dizer, que se
esperava que com esta mudança nas estruturas produtivas
pudesse se obter melhores condições econômicas tanto para
a população de menor renda como para todo o país.
Do ponto de vista de Juscelino o desenvolvimento, como
já foi apresentado, deveria vir com uma parcela de sacrifício
por parte da população, e procurava sempre deixar bem cla-
ro este posicionamento nos seus discursos. Segundo ele, to-
dos seriam beneficiados com o desenvolvimento, daí a neces-
sidade de todas as camadas sociais se comprometerem com
esta tarefa já que a industrialização aproveitaria por comple-
to os setores envolvidos no processo e não parcialmente. De
acordo com Cardoso de Mello, este pensamento de Juscelino
poderia ser assim apresentado:

183
"Certos de que ele [o desenvolvimento] suscitará uma
vida melhor, maisfecunda e mais rica em estímulos,
o trabalhador rural, o operário das fábricas, o arte-
são, o profissional liberal, o homem de empresa, o
servidor público, todos enfim, contribuirão com novo
alento para esta obra nacional de tamanha amplitu-
de e complexidade" (Cardoso de Mello,1977, p . 253).

Este discurso de Kubitschek difere do apresentado por


Getúlio ao longo de todo o seu governo, que era mais
paternalista em relação às necessidades sociais da popula-
ção. Juscelino, ao contrário, convoca a todas as camadas so-
ciais a participar neste processo e cobrava delas um compro-
metimento consciente com a questão em pauta. O presidente
fazia uso da política para inserir a população nesta discus-
são, dizendo que este projeto não seria viável se todos não
estivessem d ispostos a participar, conclamando então pela
união nacional para a montagem ideológica do desenvolvimento
(Kubitschek, 1960, p. 128). JK fazia nestas palavras menção
_ _ _ ao_p.reço_do_progresso.:;_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __

':4. meu ver, um quadro sucinto de realizações é mui-


to menos importante que a criação do espírito do De-
senvolv imento , da mentalidade de grande país, de
que está hoje possuído o povo brasileiro. Sei que a
soma de empreendimentos que meu governo levou a
cabo ou deixou em plena marcha exigiu sacrifícios.
Mas também não sei de nação alguma, no mundo,
que tivesse conquistado mercado econômico, que ti-
vesse chegado a um alto estágio de desenvolvimen-
to, sem sacrifícios, sem pagar o preço do progresso"
(Kubitschek, 1962, p. 154).

Ainda no seu discurso ideológico apontava que a indus-


trialização eliminaria a pobreza, no que coincidia com a ava-
liação da CEPAL e mostrava a influência desta nos projetos e
idéias apresentados pelos seus assessores, que assim como a
instituição pensavam que o objetivo do plano de governo de-
via ser o de aumentar o padrão de vida do povo. Esperava-se
que futuramente houvesse uma igualdade social, no momen-

184
to em que se atingisse o desenvolvimento e que o proveito
fosse de todos após alcançar este estágio (Kubitschek, 1956,
p. 157).
É importante apontar uma vez mais para a ambigüidade
da política praticada por Juscelino, que por um lado, mos-
trava-se como o sucessor natural de Getúlio do qual aprovei-
tava o discurso nacionalista e por outro, queria um desenvol-
vimento aliado ao capital estrangeiro. Para Kubitschek, com
este tipo de política econômica estaria-se construindo o futu-
ro da nação, ou seja. a preocupação não estava no presente
mas no que estaria por vir, na construção do novo . Daí a im-
portância que ele dava ao comprometimento da população
neste processo, porque o preço deste bem-estar seria pago
pela população nos sacrifícios que deveriam passar somente
naquele momento e não depois.
Com exceção do que fora prometido e do discurso em tor-
no dos benefícios do desenvolvimento, em termos concretos,
a questão da renda foi tratada de uma forma complexa já que
a inflação complicou muito a situação do governo na época,
devido à forte pressão que exerceu sobre os salários. As rei-
vindicações feitas pelos operários a fim de repor as perdas
ocorridas pela inflação crescente do país, foram atendidas
apenas para uma pequena parcela de trabalhadores que con-
seguiu, no período, aumentos que compensassem satisfato-
riamente os acréscimos nos custos de vida. Era esta uma classe
de operários treinados que estavam empregados nas indús-
trias mais modernas, o que não era comum no país, onde a
grande maioria da massa empregada era desqualificada.
Segundo Maranhão, setores da classe média, inseridos no
processo de modernização e diversificação econômica, mes-
mo quando assalariados (técnicos, gerentes, etc.) tiveram gan-
hos reais nas suas rendas . Mas o conjunto dos assalariados
começou a sofrer perdas reais entre os anos de 1959-1961 e,
apenas nesse último ano, obteve um certo ganho devido ao
brusco aumento do salário mínimo, necessário para fortale -
cer o governo perante a população num momento de crise.
Logo depois, a inflação, acabou novamente com os reajustes
o que provocou novos movimentos reivindicatórios . Com isto

185
houve um descontentamento por parte das massas já que não
somente não estavam obtendo os ganhos esperados como
também estavam perdendo a participação na renda nacional
que haviam alcançado nos anos anteriores (Maranhão, 1996,
p. 293).
De acordo com a CEPAL, o problema da perda salarial
surgiu porque esta foi uma época de grande acumulação ca-
pitalista, em que a força de trabalho tinha uma contribuição
decisiva:

".Depois de uma melhora real dos salários, havida


em 1954, a renda dos salários deixou de crescer na
mesma escala que os preços. Em verdade, ficou
aquém dos aumentos havidos na renda per capita.
Obviamente, a evolução seguida pelos salários, com-
binada com o aumento da produtividade e a eleva-
ção descontrolada dos preços da maioria dos bens,
criou condições altamente vantajosas para o setor
empresarial, o qual se beneficiou muito mais do que
faziam su or os receios mani estas a ro ósito do
cursofuturo da inflação" (CEPAL, 1966, p. 303).

Para melhor apreciação do comportamento do salário mí-


nimo nos anos que estão sendo discutidos, apresentamos a
Tabela 11 onde poderemos verificar as flutuações de tal índi-
ce entre os anos de 52-61:

TABELA 11
Salário Mínimo Real ( 1952-1961)
(Base 1952)

Salário Mínimo Nominal Sl!.lário Mínimo Real


Mês/Ano
em Cr$ em Cr$
Janeiro 1952 100 100
Janeiro 1954 200 137
Agosto 1956 316 142
Janeiro 1959 500 136
Novembro 1960 800 121
Outubro 1961 1.220 129

Fonte: Lessa, 1981, p. 94.

186
Os dados apontados acima comprovam o que viemos de-
monstrando até aqui. ou seja, que houve uma perda salarial
no período, inclusive uma queda do mesmo e que todos os
setores se viram prejudicados por conta desta situação, já
que os salários se encontravam atrelados ao mínimo e se este
último não aumentava ou não tinha um ganho real. todas as
áreas perdiam com isso. O que o governo procurou na época
foi manter os salários constantes, sem conceder reajustes, e
o sucesso obtido deveu-se principalmente à grande oferta de
mão-de-obra existente e à flexibilidade que ela representava
para manejar as remunerações.
Quanto aos desequilíbrios regionais da renda e da distri-
buição da mesma, foi criada a Superintendência do Desen-
volvimento do Nordeste (SUDENE) para fazer frente aos pro-
blemas desta região. A criação deste órgão em conjunto com
Brasília, o Plano de Metas e a Operação Pau-Americana (OPA),
são apontados por lanni como as maiores realizações deste
governo, mesmo quando os resultados eram desproporcio-
~~~----U.,ais (Ianni, 1991, p 159) O que acontecera nesta época era
que os recursos haviam sido dados principalmente para a
região Centro-Sul do país onde se concentrava a industriali-
zação. A região Nordeste ficara, relegada a um segundo pla-
no, recebendo mais ajuda para fins de emergência, o que não
contribuía em nada para a ampliação da base produtiva des-
ta região. Para Juscelino, a SUDENE representava o seguinte:

"Somente a industrialização poderia livrar-nos des-


sa subordinação nefasta [da dependência externa].
Daí a preocupação do meu governo em consolidar a
força industrial do Brasil. Estabelecido um núcleo de
resistência na região Centro-Sul, tornou-se possível
programar a redução dos desequilíbrios regionais. De
fato, com a SUDENE, as estradas de integração na-
cional e a construção de Brasília, fixaram-se as ba-
ses que permitirão iniciar a ocupação dos estados do
Oeste e da Amazônia, bem como recuperar a econo-
mia nordestina, transformando o país numa perfeita
unidade socioeconômica, mediante a expansão con-
cêntrica" (Kubitschek, 1962, p. 219) .

187
Para mudar este quadro a SUDENE elaborou um plano
qüinqüenal que visava transferir recursos das regiões mais
adiantadas para as mais atrasadas, como também recursos
provenientes dos Estados Unidos. Os objetivos básicos deste
órgão eram:

"A) Intensificação dos investimentos industriais com


vistas a criar núcleos de emprego nas áreas urba-
nas.
B) Modificação da estrutura agrária dafaixa úmida
costeira. objetivando a utilização mais intensiva
da terra, de modo a elevar a produtividade da eco-
nomia açucareira e permitir o estabelecimento de
unidades familiares dedicadas à produção de ali-
mentos, em parte importados do sul do país.
C) Transformação progressiva da economia da zona
semi-árida, elevando sua produtividade e ade-
quando-a melhor às condições ecológicas.
D) Deslocamento da fronteira agrícola, de modo a
integrar as terras úmidas do sul da Bahia e do
Maranhão na economia regional e implantar, atra-
vés desse último estado, uma rodovia de acesso à
Amazônia" (Baer, 1988, p. 163).

Esperava-se com estas medidas tornar o Nordeste uma


região menos dependente dos estados do Sul e que tivesse
melhor resistência às forças naturais. No que se referia à área
industrial, pretendia-se obter um maior número de empre-
gos e na parte agrícola procurava-se se dar autonomia a esta
região do país, a fim de que não fosse necessário trazer tan-
tos produtos da região Centro-Sul, ao mesmo tempo que se
propiciaria o deslocamento de agricultores que moravam em
locais afetados pela seca para lugares onde houvesse melho-
res condições de cultivo da terra.
A SUDENE também se propôs a treinar um bom corpo
técnico a fim de que este ficasse na região, fornecendo-lhe
melhores oportunidades . O que se esperava era que este tipo
de medida fosse estendida para outros setores para que não
houvesse uma fuga maciça de mão-de-obra para o Centro-
Sul.

188
No que tange a outros aspectos sociais desenvolvidos ao
longo deste governo, podemos afirmar que são escassos os
dados para caracterizar estas questões com precisão. No se-
tor de educação, o Plano de Metas previa um investimento de
3,4% do total dos investimentos nesta área, o que ao longo do
período foi revertido para a "formação de pessoal técnico" e
orientação do campo educacional para o desenvolvimento, o
que significava que a mão-de-obra devia estar melhor prepa-
rada para enfrentar esta nova situação do país. O governo
aumentou também as verbas para o MEC e deixou subsídios
para o Grupo Executivo do Ensino e Aperfeiçoamento Técni-
co (ENATEC).
Estavam previstas ainda mudanças na área trabalhista no
que se refere ao trabalho de menores. Da mesma forma, o
salário mínimo era contemplado, pois pretendia-se dar um
aumento para acompanhar a inflação, fato que foi verificado,
inicialmente, em 56 e nos dois últimos anos de mandato. Por
último a Previdência Social deveria ser reformada para con-
solidar as Leis do Trabalho que entraram em vigor em 1943.
No entanto esta última proposta não foi verificada em termos
da bibliografia consultada.

Crescimento demográfico
Nesta época, o crescimento demográfico mostrava-se como
um problema sério a ser sanado nas economias periféricas.
Na teoria da CEPAL, o desenvolvimento era tratado de forma
que a mão-de-obra deveria ser utilizada em prol desta tarefa,
porque no ponto de vista da instituição este contingente po-
deria auxiliar na produção, ou seja, havendo um grande nú-
mero de trabalhadores a produção poderia ser aumentada e
se obteriam os benefícios apontados anteriormente. No en-
tanto, este excesso populacional deveria ser controlado a fim
de que não surgissem dificuldades, principalmente sociais.
Haffner coloca este problema de seguinte forma:

"Outro elemento que tem muita importância nesta


análise é o aumento da mão-de-obra na região. O

189
aumento vegetativo da população e os deslocamen-
tos produzidos pela introdução de técnicas novas nos
setores atrasados seriam as causas do aumento da
força de trabalho na periferia, criando um excedente
de mão-de-obra que exerce uma pressão constante
sobre os salários pagos na produção primária de ex-
portação e, através dos salários, sobre os preços desta
produção, que, em última análise são repassados, nos
custos das matérias-primas e dos preços" (Haffner,
1996, p. 65).

No Brasil, esta questão não foi muito abordada no perío-


do, apesar do surgimento de alguns contratempos em relação
ao governo. Em termos estatísticos, verificou-se uma taxa de
crescimento demográfico pouco superior a 3% entre 1950-
1960. A população rural crescia apenas 1,6% ao ano, enquanto
que a urbana expandia-se a uma taxa anual de 5,4%.
Para melhor compreensão das afirmações realizadas aci-
ma, a Tabela 12 mostra o comportamento do crescimento
demográfico no Brasil entre os anos 50-54, confirmando as-
sim a elevação da população dentro do país:

TABELA 12
Crescimento Demográfico ( 1950-1954)
(em milhares)

Ano População Estimada em 1 o de Julho


1950 51.976
195 1 53.496
1952 55.095
1953 56.741
1954 58.437
1955 60.183

Fonte: Baer, 1988, p . 576.

A queda da mortalidade no período deveu-se à implanta-


ção de técnicas de saúde mais modernas dentro do país, ou
seja, houve uma melhoria neste setor. O efeito econômico deste
crescimento populacional foi importante, porque se por um

190
lado trazia problemas sociais, por outro, a grande quantida-
de de mão-de-obra excedente, que na época, ajudou a concre-
tizar a elevação da taxa de crescimento industrial, acarreta-
da também pelo investimento. A utilização da nova tecnologia
era caracterizada pelo emprego da grande quantidade de
mão-de-obra, o que em termos concretos beneficiou a indús-
tria nacional. Este assunto é melhor colocado por Patarra na
seguinte citação:

"De qualquer modo, embora admitindo-se um rela-


tivo distanciamento entre as condições de mortali-
dade e as condições econômicas, verifica-se que o
maior avanço no declínio da mortalidade deu-se na
década dos 50, justamente no período de maior pro-
pulsão do esforço desenvolvimentista e de expansão
do processo de industrialização; já na década seguin-
te, o combate à mortalidade encontra sérias barrei-
ras na condição de vida das camadas mais pobres
da população( ... )" (Patarra, 1995, p. 257).

O elevado ritmo de crescimento das cidades provocou dois


tipos de problemas de estrangulamento. O primeiro resulta-
va dos problemas ligados ao abastecimento das áreas urba-
nas, ou seja, a dificuldade de transportar os alimentos para
os locais onde se encontravam os consumidores. O segundo
decorria das diferenças existentes entre a cidade e o campo.
Do ponto de vista da demanda dos alimentos, é sabido que
os padrões de gastos de consumo da população urbana e ru-
ral é muito diferente. Além disso, apareciam outras dificulda-
des como moradia e emprego para toda a população.
O crescimento populacional do Brasil foi acompanhado
por migrações internas, que durante décadas forneceu mão-
de-obra para áreas prioritárias de concentração do desenvol-
vimento, o que foi possível somente pelo aumento vegetativo
da população. Esse crescimento demográfico deveu-se às di-
ferenças entre as taxas de natalidade e mortalidade. Esta úl-
tima caiu consideravelmente, apresentando queda cada vez
mais acentuada a partir de 20 e com um declínio maior na
década de 50. Como era previsto, o aumento da população

191
trouxe problemas estruturais para as cidades, além disso co-
meçou a existir uma aglomeração em torno dos centros urba-
nos por causa dos empregos oferecidos na indústria.
Com o êxodo rural e com a incapacidade de assimilação
da totalidade de mão-de-obra proveniente do campo, este pro-
blema foi se agravando à medida que avançava a industriali-
zação, o que levou a um desequilíbrio crônico no mercado de
trabalho. Esta situação era revertida em baixos salários, mas
por outro lado, em uma alta produtividade industrial, que
conseguiu manter uma elevada produção no setor manufa-
tureiro.
Para resolver o problema da baixa renda, o que a CEPAL
propunha era o aumento da produtividade industrial, que se-
ria feito mediante medidas que elevassem a produção de acor-
do com o melhor aproveitamento da mão-de-obra. Isto faria
com que a renda gerada fosse retida dentro do país e aprovei-
tada pela população empregada. Haffner aponta neste senti-
do que:

'i\ industrialização propiciaria a elevação geral da


renda porque haveria um aumento da demanda que
seria produzido pela melhoria da tecnolog ia da pro-
dução. Este aquecimento da demanda traria a ele-
vação dos salários e da ocupação da mão-de-obra.
Em, termos gerais, toda a economia seria beneficia-
da, como acontecia nos grandes centros industr iais"
(Haffner, 1996, p. 76).

Como estes benefícios espalhariam-se por toda a econo-


mia, esperava-se uma diminuição de envio do excedente de
capital para o estrangeiro, porque este permaneceria dentro
do país, sendo reaplicado nele. Desta forma, o intercâmbio
desigual entre o centro e a periferia iria diminuindo progres-
sivamente. No entanto estes postulados não foram verifica-
dos no país no período, já que na verdade, houve uma queda
nos salários e não um aumento como promulgava a CEPAL.
Podemos concluir que esta etapa do governo Vargas foi de
um alto índice de crescimento populacional, que em termos
gerais ajudou o país no setor industrial, e isto foi possível

192
devido a intensos fluxos migratórios, rurais-urbanos e rurais-
rurais , com uma concentração urbana significativa. Como
aponta Patarra, as migrações internas estiveram ligadas prin-
cipalmente ao desenvolvimento urbano-industrial. O declínio
da mortalidade acompanhou uma tendência latino-america-
na e a natalidade manteve-se num patamar alto, diferenciado
de região para região dentro do país (Patarra, 1995, p. 268).
Avaliando a questão da renda sob o governo Vargas, po-
de-se dizer que a evolução que ela teve não foi a esperada,
mesmo que seja impossível negar o efeito que teve o aumento
de 100% do salário mínimo. Mas, como foi indicado anterior-
mente, este efeito na renda foi produto de uma intervenção
direta do governo, ela não veio em conjunto com a implanta-
ção da indústria dentro do país, como foi preconizado pela
CEPAL e como o presidente esperava que acontecesse.
Ao analisar o problema do crescimento populacional em
contraposição ao da renda, podemos notar que os efeitos desta
problemática foram sentidos no Brasil como fora apontado
pela teoria da CEPAL, ou seja, houve dois aspectos verifica-
dos: o primeiro estaria de acordo com os efeitos maléficos
advindos do aumento populacional em termos sociais e o se-
gundo estaria a favor deste crescimento, pois ajudou a pro-
dutividade industrial, ou seja, a possibilidade de utilização
do grande contingente de desempregados, caracterizando ,
assim, o acerto desta teoria no contexto brasileiro da época.
No qüinqüênio 56-61 esperava-se que o crescimento popu-
lacional seguisse a mesma taxa geométrica apresentada nos
censos de 40 e 50, e por este motivo a população em 57 era
estimada em 60.820 habitantes. A mortalidade e a natalida-
de também deveriam seguir as tendências anteriores pela
melhoria nos serviços públicos e médicos. Os estados com
maior densidade populacional eram São Paulo com 17,6%,
Minas Gerais com 13, 9%, Bahia com 9, 1 %, Rio Grande do
Sul com 7,9% e Pernambuco com 6,5% .
As migrações internas continuaram a ser uma tendência
nos anos posteriores a 55 , em que a população nordestina
saía a procura de emprego na região Centro-Sul e Sul, o que
fazia com que a mão-de-obra mais talentosa e qualificada fosse

193
perdida, deixando o nordeste com carência de pessoal, prin-
cipalmente na administração pública.
O problema da disparidade da renda e do emprego no
nordeste era explicado geralmente pelos fenômenos naturais,
mas o que essas populações alegavam era qqe a industriali-
zação havia ocorrido de uma forma que aumentaram as dife-
renças entre as diversas regiões do país. A SUDENE, como
explicamos no item anterior, tinha portanto o objetivo de su-
prir esta deficiência criada pelo tipo de desenvolvimento que
foi conduziu o país. O que se esperava, na verdade, era que
houvesse um melhor aproveitamento da mão-de-obra dispo-
nível na região e uma diminuição das diferenças regionais.
O crescimento populacional e a conseqüente queda na
mortalidade criou neste período um efeito similar ao ocorri-
do no governo Vargas, em que houve um excedente de mão-
de-obra transferida do campo para a cidade. Com o aumento
da força de trabalho no campo, todo este contingente não con-
seguia ser absorvido por este setor, fazendo com que os tra-
balhadores saíssem de onde se encontravam para procurar
trabalho em outras atividades . Desta forma, foi atendida a
necessidade de mão-de-obra urbana, mas na medida que avan-
çava o processo de industrialização começava a se observar a
incapacidade desta, estrutura em absorver a totalidade deste
contingente.
A população urbana crescia em uma proporção maior que
a do campo, sendo que a soma destes valores provocavam
um desequilíbrio crônico no mercado de trabalho. Esta
desarmonização traduziu-se em baixos salários e alta produ-
tividade industrial. No entanto, o esquema de produção esta-
va baseado nos grandes investimentos em equipamentos in-
dustriais que poupavam mão-de-obra, o que agravava ainda
mais estes problemas. Os ganhos provenientes deste tipo de
produção industrial foi revertida em ganhos de capital para
os empresários e não para os trabalhadores como era espe-
rado tanto pela CEPAL com pelo governo.
Com estes dados podemos verificar que a política indus-
trial do Plano de Metas, não deu muita importância à questão
da distribuição da renda e à utilização de mão-de-obra da

194
época . Segundo Lessa, este s etor foi tratado da seguinte for-
ma no governo de Juscelino:

"Tampouco preocupava-se com o problema da má dis-


tribuição da renda. Ocupavam posição de reduzido
destaque as inversões e gastos sociais . E apenas em
1959 ganha conteúdo o propósito de dinamização das
antigas regiões primário-exportadoras, deixadas à
margem pela industrialização concentrada na região
Centro-sul, com a constit uição da SUDENE- Supe-
rintendência de Desenvolvimento do Nordeste - enti-
dade federal de planejamento regional da principal
área problema" (Lessa, 1981, p . 27-28) .

O Plano também não dava muita atenção às transforma-


ções do setor agropecuário, apesar deste, segundo as avalia-
ções dos técnicos do governo, não se constituir como um en-
trave à industrialização. Conforme à assessoria técnica, a oferta
de alimentos havia aumentado mais que o crescimento demo-
gráfico. Por estes motivos , o programa governamental se refe-
ria a este setor de uma forma muito sucinta, colocando a área
agropecuária como meta simbólica no conjunto de objetivos
do Plano de Metas como um todo.
Resumindo, podemos verificar ao longo deste capítulo, que
os efeitos do crescimento industrial não foram os esperados
no que se refere ao aumento da renda, os ganhos reais neste
sentido foram verificados quando houve uma intervenção dire-
ta do governo nesta área. Quanto à absorção da mão-de-obra,
esta se viu beneficiada por um lado mas prejudicado por ou-
tro, pela constante queda nos salários em função da abun-
dante oferta deste contingente.

195
CAPÍTULO v
A visão da CEPAL, Vargas e
Kubitschek sobre a integração
latino-americana

A visão da CEPAL sobre a integração


A integração regional em conjunto com a proteção do mer-
cado interno era outra proposta da CEPAL para atingir o de-
senvolvimento. A importância deste aspecto da teoria era que
se pensava que a integração progressiva dos países da Améri-
ca Latina levaria a uma expansão dos espaços comerciais den-
tro do continente, porque ao se complementarem as econo-
mias desses países fariam emergir novos produtores e con-
sumidores que iriam surgindo de acordo com as necessida-
des do mercado. Desta forma, seria possível obter economias
de escala, pois com o aumento da produção haveria uma di-
minuição dos custos devido à grande quantidade de merca-
dorias que poderiam ser produzidas .
Outro benefício proveniente da prática de integração seria
a possibilidade de coordenar as políticas nacionais de acordo
com o grau de industrialização de cada país, fazendo com que
os mais evoluídos ajudassem os que se encontravam em mai-
or atraso. Com esta complementaridade, seriam obtidas tam-
bém, melhorias na eficiência da produção industrial e no ba-
lanço de pagamentos que se beneficiaria com o aumento das
transações com o exterior e com a produção mais eficiente
direcionada às reais necessidades do mercado interno e ex-
terno. Neste sentido, Raúl Prebisch defendia que não era ne-

197
cessário que todos os países produzissem os mesmos produ-
tos. Cada um deveria se especializar em um tipo ou em al-
guns, pois assim todos os produtores em conjunto consegui-
riam ter mais ganhos , já que a produção seria mais eficiente
e especializada, capaz de competir em melhores condições
com o mercado externo dos países de economia retardatária
(Prebisch, 1959, p. 479) . Por meio do texto que segue, corro-
boramos o que já foi dito:

'f\ integração nasce assim, como uma necessidade


associada à substituição de importações. Ta l estra-
tégia propunha que esta seria uma fase na qual se
expandiria o espaço econômico e onde poderiam ser
obtidas economias de escala, coordenando as polí-
ticas nacionais de industrialização" (Haffner, 1996,
p. 79 ).

Com a melhoria nos diferentes setores, expandir-se-ia o


emprego e conseqüentemente a renda de todas as áreas eco-
nômicas, promovendo assim um aumento no poder de com-
pra da população, que seria gerado pela diminuição dos cus-
tos unitários de produção, provenientes da economia alcançada
através da produção em grande escala. Desta forma, os paí-
ses entrariam no caminho do crescimento a longo prazo e se
atingiria o principal objetivo que se perseguia com a industria-
lização: a melhoria nas condições de vida da p opulação
como um todo, ou seja, haveria uma melhor distrib uição da
renda e dos resultados advindos da implantação da indústria
de base.
Para que todos estes fatores positivos pudessem ser sen-
tidos de uma forma contundente dentro dos países latino-
americanos, Salazar explica que:

"para que houvesse uma mudança no modelo econô-


mico existente seria necessário o rompimento da es-
trutura centro-periferia, e modificar o tipo de especia-
lização da periferia para um tipo de desenvolvimen-
to que tivesse exportações manufaturadas competi-
tivas como as dos centros industrializados" (Salazar,
1993, p. 23).

198
A partir desta afirmação, podemos verificar que a preocu-
pação não estava somente direcionada para a integração, mas
também para o rompimento das estruturas produtivas pre-
dominantes na época que deixaram as economias retardatá-
rias em desvantagem, fazendo com que estas fossem menos
competitivas que aquelas que haviam se desenvolvido num
estágio anterior. A integração somente teria sentido se inserida
na grande problemática da industrialização como uma forma
de superar os problemas havidos até então.

A questão da integração nos governos de


Vargas e Kubitschek
Desde os tempos de Bolívar, a integração latino-america-
na era um assunto amplamente discutido, em que se consta-
tam várias tentativas para a realização deste projeto. A CEPAL,
no entanto, foi a instituição que apontou, de uma forma deta-
lhada e abrangente, para os benefícios que poderiam ser obti-
dos se fosse implantada esta modalidade econômica nos paí-
ses em desenvolvimento. Ela chamava a atenção não somente
para os benefícios econômicos deste tipo de proposta, como
também a apresentava como uma saída para os mercados la-
tino-americanos quando encerrasse o processo de substitui-
ção de importações. Afinal, terminada esta etapa, conforme a
teoria Cepalina, estaria criado um mercado interno nacional
e o seu conseqüente número de consumidores que movimen-
tariam todo o setor econômico.
No Brasil, no período do segundo governo de Getúlio
Vargas, a questão da integração foi tratada mais como um
assunto político que econômico, porque integrar-se com paí-
ses latinos significava fazer frente à política externa norte-
americana e propiciar uma maior autonomia nacional. Na ver-
dade, tratava-se da luta pela conquista de um tratamento di-
ferenciado por parte dos EUA, cujo enfrentamento se dava
entre o Brasil e a Argentina, os dois maiores países do cone
sul. Como vimos anteriormente, Vargas teve que passar por
diferentes problemas no que se refere à política externa por-
que os oposicionistas do governo esperavam uma maior apro-

199
ximação de Getúlio com os Estados Unidos objetivando um
capitalismo mais associado em face à hegemonia deste últi-
mo país.
Pelos motivos ideológicos que já discutimos amplamente,
podemos deduzir que Vargas tinha interesse em se aproxi-
mar dos países vizinhos e principalmente, associar-se à Ar-
gentina, a fim de obter vantagens para o Brasil. Tal estratégia
se devia, em primeiro lugar, pelo poderio continental que re-
presentava tal união; um pacto com o segundo maior país da
América do Sul lhe daria autoridade frente aos Estados Uni-
dos para colocar-se como o Estado que lideraria esta parte
do hemisfério. Em segundo lugar, avaliavam-se os benefícios
que viriam da integração e os resultados econômicos que po-
deriam ser obtidos com ela. Enfim, o que se esperava com
um acordo como este, era pleitear a liderança brasileira no
hemisfério, isto porque o tamanho do país era muito supe-
rior em relação aos demais países latino-americanos e apre-
sentava melhores condições econômicas.
É importante mencionar que não faltavam condições ca-
pazes de propiciar acordos neste período, afinal, esta era uma
tendência verificada internacionalmente, pois com a restrutu-
ração mundial do pós-guerra tantos os países desenvolvidos
como em desenvolvimento procuravam melhorar a fluidez do
comércio exterior, demasiadamente prejudicado pelo conflito
mundial. Por estes motivos, foram realizadas, na época, vá-
rias conferências para organizar e legislar tal atividade, cujo
ponto de maior importância foi a adesão de 23 países em tor-
no de uma convenção internacional de comércio. Todos os
itens que se referiam ao assunto foram reunidos num único
Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), que foi assinado
em outubro de 194 7, mas que teve revisões nos anos subse-
qüentes.
No que se referia à Argentina, pensar na realização de acor-
dos comerciais parecia ainda mais evidente, uma vez que se
tratava de um país vizinho do Brasil, com o qual se obtivera
uma aproximação diplomática, apesar das constantes dificul-
dades encontradas no relacionamento entre ambas nações.
Do ponto de vista estratégico, seguir uma política externa como

200
esta, traria, logicamente, resultados econômicos e o presidente
não desconhecia isto, mas no fundo, o que estava por trás era
a pugna pela autonomia nacional a qual Getúlio fez menção
ao longo de todo seu governo, conforme mostram os seus dis-
cursos.
Como as idéias de integração eram vistas com simpatia
por Getúlio, os partidários da UDN começaram a levantar
suspeitas a respeito das reais intenções de Vargas neste sen-
tido. O ex-ministro do Exterior, João Neves da Fontoura, fez
uma denúncia na qual acusava o presidente de estar nego-
ciando uma aliança entre Argentina, Brasil e Chile, o denomi-
nado pacto ABC, com a intenção de formar um bloco no he-
misfério em oposição aos Estados Unidos .
A questão central residia no fato de alguns oposicionistas
acreditarem que o Brasil estaria promovendo uma aproxima-
ção com a Argentina, país com o qual se mantinham conflitos
de longa data. Deste modo , opositores ferrenhos tentavam por
todos os meios evitar que esta aliança pudesse se concretizar.
As correntes contrárias à de Vargas alegavam que o pacto ABC
oferecia risco ao país, pois temiam a adesão por parte do Brasil
à política peronista com a criação de blocos independentes.
Caracterizava-se tal posicionamento como um grande perigo,
afinal, pressionar os Estados Unidos, levando o Brasil assu-
mir uma posição preferencial de liderança no cone sul, pode-
ria gerar um confronto com o país do norte. Além disso, apon-
tavam-se as perdas comerciais que poderiam ocorrer por in-
termédio deste acordo.
Esta controvérsia criada em torno da aproximação comer-
cial entre o Brasil e a Argentina, não somente teve repercus-
são interna como também externa, afetando as relações do
Brasil com os EUA, que aliás já se encontravam desgastadas
pela mudança de governo deste último . De acordo com a polí-
tica externa dos Estados Unidos para América Latina, era evi-
dente que não se admitiria a hipótese de uma união regional,
principalmente, entre Brasil e a Argentina, os dois maiores
países da América do Sul.
Internamente, especulava-se que a raiz deste suposto pac-
to estivesse fundamentada no fato de Vargas querer benefi-

201
ciar o governo Argentino, porque este último não estaria res-
peitando os acordos comercias assinados com o Brasil, com-
prometendo profundamente a venda dos produtos brasilei-
ros naquele país. As mercadorias mais prejudicadas eram
basicamente o trigo e o café, e alguns setores oposicionistas
já haviam demonstrado resistência à efetivação de acordos
comerciais nesse sentido, pois acreditavam estar negociando
em desvantagem. Acusavam, inclusive, o presidente de "trai-
ção", porque para os olhos da oposição Getúlio estava atuan-
do em favor da Argentina e não do Brasil.
De acordo com esta versão, a tentativa de integração, via
acordos comerciais, foi malsucedida, pois criou desconfiança
e muitos atritos internos e externos , principalmente porque
os presidentes que comandavam ambos os países eram figu-
ras polêmicas em termos políticos. Na verdade, as negocia-
ções que deveriam aproximar as duas nações resultaram em
grandes controvérsias entre os mesmos, conforme aponta Setti:
"Se a integração econômicajoi duramente combati-
da pela imprensa, dominada pela oposição, e até
mesmo por parte de setores governamentais, a pers-
pectiva de uma conexão política entre Vargas e Perón
levou ao extremo a mobilização das forças oposicio-
nistas. O suposto envolvimento de Getúlio no projeto
ABC acabou constituindo-se na pedra de toque da
oposição" (Setti, 1991, p. 124).
Todos os aspectos, apresentados até agora, sobre o hipo-
tético pacto ABC, nos levam a crer que o fato mais marcante
da política externa do segundo governo de Vargas foi a tenta-
tiva de se concretizar tais acordos com a Argentina e, por con-
seguinte, a proposta de aproximação regional de Getúlio em
54, teria criado um grande foco de discussão contra esta ad-
ministração . Neste contexto, instaurou-se, dentro do país, uma
sistemática campanha para desestabilizar o governo, incenti-
vada pela oposição e apoiada pela imprensa. Reclamava-se
por um alinhamento do Brasil com os Estados Unidos e não
com a Argentina, ou seja, a expectativa era voltar a um pa-
drão de comportamento governamental mais liberal e asso-
ciado aos E. U.A., como o praticado no governo de Dutra.

202
Todos estes fatos expostos até aqui contribuíram para que
se tornasse insustentável a per manência de Getúlio no poder.
A campanha oposicionista crescia a cada dia, tendo os milita-
res e a UDN como principais articuladores, que caracteriza-
vam a política externa de Vargas como dúbia, pois não acre-
ditavam nas afirmações do presidente e dos seus assessores
quanto às reais intenções do Brasil em relação à Argentina.
Portanto, com este comportamento e com as controvérsias
criadas, os oposicionistas não só inviabilizaram os acordos
comerciais como também impediram a menor cogitação da
idéia de integração .
Resumindo, o pacto ABC era visto como algo que não aju-
daria em nada ao país e foi utilizado, principalmente, para
desestabilizar o governo e para dificultar qualquer possibili-
dade de reeleição do presidente. Isto mostra claramente o quão
era difícil colocar em prática um projeto desta envergadura,
porque era necessário articular correntes políticas importan-
tes e trabalhar assuntos como a soberania nacional, hegemonia
continental e problemas históricos de longa data. É interes-
sante observar, ainda, que a CEPAL também não contemplou
este tipo de análise em suas propostas, apesar de apontar
para a necessidade de serem respeitadas as especificidades
de cada país. No fundo, o que prevalecia eram as avaliações
econômicas, por serem aspectos mais fáceis de ser mensu-
rados comparados aos outros , que eram mais subjetivos.
No que se refere às relações internacionais do governo de
Kubitschek, instituiu-se uma atitude um pouco difer ente à de
Vargas, devido, principalmente, a sua postura, buscando criar
interdependência com o capital estrangeiro para financiar a
industrialização, que exigia um bom relacionamento com o
exterior, promovendo assim uma aproximação não somente
com os países latino-americanos como também com os Esta-
dos Unidos. Neste sentido, a proposta mais marcante deste
governo quanto à cooperação com outros países foi a Opera-
ção Pan-Americana (OPA) que foi lançada em maio de 58,
visando reformular seu relacionamento com todos os países
americanos, em especial com os Estados Unidos . Mas a s i-
tuação não era tão simples assim. Havia toda uma complexi-
dade que será discutida a seguir.

203
Inicialmente, é preciso recuperar o contexto histórico do
período, já que as condições externas eram outras quando
comparadas à data da posse de Vargas. A segunda guerra ter-
minara há alguns anos e a reorganização mundial já estava
feita. Por outro lado, continuava existindo uma grande dispu-
ta em termos da hegemonia mundial. Era a época em que os
Estados Unidos e a União Soviética viviam o auge da "guerra
fria", dividindo o mundo em dois blocos e obrigando os paí-
ses a optarem por um ou outro lado deste conflito. Além dis-
so era o momento de uma rígida imposição da segurança
hemisférica no continente.
Neste sentido, esperava-se que a política externa de
Kubitschek fosse exclusivamente alinhada com os Estados
Unidos, principalmente devido à associação histórica do Bra-
sil a esse país, mas na verdade a situação não parece ter sido
tão clara assim. Como vimos anteriormente, Kubitschek che-
gou a romper com o FMI por não aceitar as imposições feitas
em termos da política econômica a serem seguidas dentro do
Brasil. Porém, por outro lado, no episódio em que se dá iní-
cio a OPA, é o próprio presidente que manda uma carta ao
primeiro mandatário norte-americano Eisenhower a fim de
promover uma aproximação entre ambos os países. Desta for-
ma, a política externa nacional deste período pode ser carac-
terizada como um pouco confusa, conforme a exposição de
Moura:

"Pode-se, no entanto, acompanhar a gestação de for-


mulações e posições de independência em meio à
afirmação de alinhamento. O 'novo' e o 'velho' na po-
lítica exterior de JK aparecem não apenas em linhas
paralelas, mas também em linhas cruzadas, justa-
postas e até misturadas, o que torna difícil uma ca-
racterização unívoca do período. Daí a permanente
impressão de avanços e recuos na política exterior
de JK" (Moura, 1991, p. 24).

O mesmo autor afirma que este comportamento de Jus-


celino era produto de uma necessidade de alterações nas es-
truturas existentes a partir de 45, que haviam sido propostas

204
pelos Estados Unidos, tornando-se vigentes no mundo face à
hegemonia daquele país após a segunda guerra e da adoção
do dólar como a moeda mundial. Este movimento de mudan-
ça ocorria porque as nações pobres estavam tomando as suas
próprias iniciativas para a realização de algumas modifica-
ções, dentre elas o nacionalismo emergente da época e as rei-
vindicações pelas aspirações econômicas latino-americanas,
nas quais figuravam:

"preços mais altos e estáveis para as matérias-pri-


mas, crédito para a industrialização, criação de um
banco interamericano para o desenvolvimento eco-
nômico e estabelecimento de um mercado integrado
latino-americano" (idem, p. 29).

No que confere à questão da integração, os Estados Uni-


dos condenaram a idéia porque estava intimamente ligada à
CEPAL, que era um órgão malvisto por esse país, tanto no
nível de governo como dos investidores privados . Isto porque
não se confiava nas propostas da instituição, muitas vezes
caracterizada como de linha socialista devido a seu discurso
em torno das reformas que deveriam ser efetivadas dentro da
América Latina. Por outro lado, o controle sobre esta institui-
ção, que pertencia à ONU, fugia a OEA e portanto aos EUA,
que liderava este órgão . Todos estes motivos contribuíram para
acentuar, na segunda metade da década de 50, as diferenças
entre a América Latina e o país do norte porque os interesses
existentes eram muito divergentes, ou seja, não havia uma
unanimidade quanto o que deveria ser feito no continente no
que se referia ao desenvolvimento.
A OPA aparece portanto como uma alternativa para a polí-
tica externa norte -americana, mas ao mesmo tempo tinha
outros objetivos: inicialmente mostrava-se como uma tentati-
va de unificação dos pensamentos predominantes quanto à
conduta a ser seguida no que se refere ao desenvolvimento,
algo bastante difícil para a época, pois havia muitas diferen-
ças entre as proposições do país do norte e as reivindicações
da América Latina. Também se esperava atingir com a OPA a
liderança brasileira em relação aos demais países latino-ame-

205
ricanos, como também fortificar os vínculos entre o Brasil e
os Estados Unidos, do qual se esperava obter financiamento
para continuar a industrialização já iniciada, como apoio po-
lítico para a Operação Pan-americana.
O surgimento da OPA ocorre no momento em que Kubits-
chek envia uma carta ao presidente Eisenhower fazendo uma
avaliação da desastrosa visita de Nixon à América Latina. Neste
documento, o primeiro mandatário brasileiro afirmava que
os protestos ocorridos se deviam à insatisfação generalizada
que havia naquela época em relação à política externa norte-
americana, fazendo com que o subdesenvolvimento conti-
nuasse existindo no continente, conforme esclarecem as
palavras de Juscelino:

"Eu concordava que aquelas manifestações de desa-


grado partiram, em cada país, de grupos treinados
em aprofundar ressentimentos, contando com o cal-
do de cultura que é a miséria de milhões de seres
humanos -fermento para a germinação de semen-
tes subversivas. Deixava claro, no entanto, bastante
claro, nas entrelinhas, que estes fatos traduziam, ao
mesmo tempo, um estado de espírito que poderia
generalizar-se por toda a América latina" (Kubitschek,
1962, p. 169).

É neste momento que o Brasil apela para o pan-ame-


ricanismo na esperança de ver os problemas, pelos quais o
continente atravessava já há algum tempo, sanados. Na ver-
dade, era notório que o subdesenvolvimento permanecia e não
havia expectativas de poder reverter esta situação . Havia tam-
bém, dentro desta dinâmica mundial, uma grande necessida-
de de estabelecimento de novas funções para os países lati-
no-americanos no espaço econômico internacional e princi-
palmente no interamericano. A respeito disto, Juscelino afir-
ma que:

'i'\ Operação Pan-americanafoi um grito contra a de-


sigualdade de condições econômicas neste hemisfé-
rio, um brado público e alto diante dos perigos laten-
tes no atual estado de subdesenvolvimento da Amé-

206
rica Latina. Desjraldamos o apelo à consciência da
América, em vozjranca e leal. Ejizemo-lo com ore-
alismo de quem conhece claramente os obstáculos
imensos a superar, os pontos antagônicos a conci-
liar, as incompreensões a vencer" (idem, p. 174).

Para melhor esclarecer as intenções da OPA, o embaixa-


dor brasileiro em Washington, Ernani de Amaral Peixoto, apre-
sentou detalhadamente um diagnóstico sobre o subdesenvol-
vimento da América Latina, no qual constava que a falta de
investimentos e poupança eram os motivos principais deste
problema. Sendo assim, propunha-se uma ação em conjunto
baseada em levantamentos dos principais empecilhos do de-
senvolvimento da região com o objetivo de desenvolver um
plano capaz de reverter esta situação, item este que constava
na teoria da CEPAL, conforme estudos realizados ao longo da
década de 50.
Enviadas as avaliações para a necessária apreciação, os
E. U.A se mantiveram relutantes em relação à idéia de estabe-
lecer a OPA, mas ao mesmo tempo sustentaram uma política
de negociação, visto que havia grande interesse por parte dos
países latino-americanos na realização de acordos e isso sig-
nificava, de alguma forma, pressionar os Estados Unidos.
Diante deste contexto, o país do norte optou em dar o poder
de decisão à OEA, alegando não querer tomar só para si a
responsabilidade de resolução de tal assunto, ficando, por-
tanto, a cargo deste órgão o comando de tal processo . Nestas
circunstâncias, a CEPAL ficou fora das decisões que seriam
tomadas, uma vez que a instituição não pertencia à Organiza-
ção de Estados Americanos, restringindo-se, assim, o seu cam-
po de ação, não se apresentando como uma ameaça às idéias
americanas.
Moura esclarece que depois de todas as discussões que
surgiram em torno da OPA, a proposta foi se diluindo e per-
dendo força ao longo de 1959, principalmente pela falta de
uma definição clara da política externa brasileira:

"Não tendo formulado com clareza uma diretriz com-


patível com os novos tempos e as novas forças no sis-

207
tema internacional e na sociedade brasileira , o go -
verno JK apresentou uma política exterior de avan-
ços e recuos, meias-medidas e descompassos entre o
discurso e a ação - enfim, contradições geradas pela
própria ideologia do desenvolvimento, que pretendia
superar o laissez:f'aire absoluto preconizado por Wa-
shington e ao mesmo tempo enquadrar-se nas no-
ções da "civilização ocidental". Entretanto, ao vincu-
lar algumas das teses do nacionalismo, o desenvol-
vimentismo se chocaria inevitavelmente com o ame-
ricanismo e o europeísmo da diplomacia tradicional,
como notaram à época alguns observadores argutos"
(Moura, 1991 , p. 40).

Mesmo observando as resistências a este movimento, nota-


se que o ponto principal, que era o desenvolvimento dos paí-
ses latino-americanos, foi colocado em destaque na época,
conseguindo-se, assim, chamar a atenção dos principais
chefes de Estado do continente para tal situação. Fora isto,
criou-se um precedente para poder discutir os assuntos com
Washington a fim de exigtr melhores condições econômicas
para os países em desenvolvimento, apontando desta forma
para os ganhos desta proposta, embora os resultados não
estivessem à altura esperada.
A OPA somente começou a retomar impulso depois da re-
volução cubana de 59. Porém, colocava-se por trás desta mu-
dança o medo dos Estados Unidos de que os países latino-
americanos seguissem o mesmo rumo de Cuba e começas-
sem a ter uma visão cada vez mais socialista dos problemas
do continente. Depois dos acontecimentos deste país centro-
americano, o discurso de Eisenhower, que no ano de 1960 já
estava no final do seu mandato, mudou e começou a ver com
melhores olhos a integração latino-americana, apoiando a cria-
ção de um Banco Interamericano de Desenvolvimento, uma
das reivindicações da OPA.
No entanto, com a mudança de governo norte-americano,
a situação volta a se alterar. Após assumir o poder, o presi-
dente Kennedy lança em 1961 a "Aliança para o Progresso"
nas bases da Operação Pan-americana, ou seja, grande parte

208
do que havia se projetado na OPA foi aproveitado nesta nova
proposta de política externa para o continente. Neste aspecto
há controvérsias a respeito do que realmente teria sido este
novo projeto norte -americano. Alguns autores defendem ,
inclusive , que os Estados Unidos teriam se aproveitado das
idéias do Brasil e promulgado uma proposta autônoma. Jus-
celino, pelo contrário, afirma:

"Se a OPAfoi um convite à ação, necessário e positi-


vo, a Aliança para o Progresso foi resposta, pelo me-
nos a um dos aspectos objetivados no movimento pro-
posto pelo Brasil. Só um intuito tenho ao dar todo
destaque a esse ponto: é o de desfazer a impressão
injusta, e que a tantos pareceu antipática, de que a
Aliança para o Progresso tivesse sido concebida para
sobrepor-se e substituir, afastar e extinguir o espírito
e a valia dos entendimentos e providências realiza-
dos na Operação Pan-Americana" (Kubitschek, 1962,
p . 172).

Neste sentido, parece-nos que Juscelino tenta defender o


posicionamento norte-americano ao encaminhar suas propos-
tas por vias próprias. No entanto, no que tange à integração,
faz algumas ressalvas, pois acreditava na realização de since-
ros esforços para efetivar a união econômica latino-america-
na e criar um mercado regional nos moldes do Mercado Co-
mum Europeu, o mais breve possível (idem, p. 182). Esta idéia
de Kubitschek aproxima-se novamente da teoria da CEPAL,
quando apontava de uma forma exaustiva, os benefícios
que poderiam ser obtidos com este tipo de cooperação regio-
nal.
Para concluir sobre o assunto, podemos dizer que a OPA
de Juscelino Kubitschek não teve os resultados esperados
porque não houve uma articulação séria com os países vizi-
nhos do Brasil quanto a esta proposta, deixando o país isola-
do frente aos EUA. Além disso, os recursos requeridos eram
vultosos o que dificultava mais ainda a situação. Por outro
lado, a política externa brasileira deste período deu um gran-
de salto, porque buscou uma nova forma de atuação.

209
A proteção do mercado interno
Para a CEPAL era importante que em conjunto com a
integração progressiva houvesse uma proteção do mercado
nacional a fim de preservar a indústria já instalada. Este ob-
jetivo poderia ser alcançado mediante as taxas aduaneiras que
auxiliariam o mercado interno e por intermédio de subsídios
aos produtos nacionais. Este tipo de procedimento era visto
pela instituição como muito importante para o país que esta-
va se industrializando, porque da sua adoção dependia a não-
destruição das indústrias que haviam conseguido se consti-
tuir na região. Resumindo:

"( ... ) Prebisch coloca como fator preponderante criar


mecanismos que protejam as atividades industriais
frente às importações de modo a compensar as dife-
renças na produtividade. Sugere, assim, o mecanis-
mo de proteção, o qual seria realizado mediante ta-
xas aduaneiras e subsídios" (Haffner, 1996, p. 78).

É relevante destacar aqui, que na década de 50 a substi-


tuição dos produtos manufaturados estava totalmente em
curso e era necessária para que se pudesse deslocar o setor
externo como fator dinâmico predominante das economias
periféricas , ou seja, os produtos importados tinham o objeti-
vo de suprir uma necessidade interna crescente através da
compra de equipamentos e maquinarias. Desta forma, as im-
portações eram aceitas, porque partiam de uma demanda in-
terna imprescindível à industrialização. A preocupação em
nível teórico da CEPAL, voltava-se para as importações que
não deviam afetar o mercado nacional já instalado. Por este
motivo, pedia-se cautela no momento de importar produtos e
efetivar a substituição das importações com produtos estran-
geiros, mas por outro lado, Prebisch pensava que:

"( ... )a proteção industrial poderia ter sentido enquan-


to a mão-de-obra na periferia fosse superior à dos
centros , enquanto houvesse uma necessidade de
absorvê-la e enquanto os salários não fossem equili-
brados com os dos centros industriais" (Prebisch,
1951a, p. 32).

210
Em outras palavras, este tipo de comportamento deveria
ser limitado às necessidades mais essenciais de cada país para
não cometer erros. A teoria também chamava a atenção para
que houvessem políticas de incentivos adequadas, pois os
produtos nacionais deveriam ser capazes de competir em con-
dições de maior igualdade com os estrangeiros. Contudo,
Prebisch também acredita que:

"a proteção deveria ter limites, já que ela não de-


veria servir "para amparar a ineficiência" e muito
menos para "debilitar o incentivo a produzir". Ela
deveria ser modificada de acordo com as estritas ne-
cessidades da eficiência" (idem, p . 32).

Avaliando este aspecto da proposta da CEPAL, tornam-se


inviáveis as acusações feitas a Vargas pela oposição, que bus-
cava difundir na opinião pública a crença de que o presidente
não estaria respeitando princípios protecionistas na tentativa
de implantar o pacto ABC. Concluindo, toda esta questão gi-
rou em torno de um suposto privilegio dado conforme inte-
resses externos, deixando os do Brasil de lado, contrapondo-
se, assim, ao discurso de Vargas, político nacionalista. defen-
sor desta postura ao longo de todo o seu mandato como já
demonstramos inúmeras vezes.
Com exceção deste incidente do pacto ABC e suas contro-
vérsias, fica constatado que o Brasil realizou sua industriali-
zação baseada num crescimento industrial razoavelmente bem
equilibrado. Isto deveu-se, principalmente, às conseqüências
advindas das medidas protecionistas que encorajaram a
integração das indústrias como um todo. A implantação da
indústria de base dentro do país foi beneficiada com este com-
portamento governamental, mas não podemos nos esquecer
que por trás de tudo isto esteve o apoio ideológico e prático
de Vargas, que muito contrariamente às acusações recebidas,
privilegiou a indústria nacional e o seu desenvolvimento. Isto
explica a rápida difusão tecnológica feita na indústria em um
curto período, levando este setor a se comportar dinamica-
mente, encorajando a economia como um todo, especificamen-
te no que tange ao seu crescimento e na formação do produto
interno bruto da época.

211
Juscelino neste sentido, se mostrava mais liberal. Ao lon-
go do seu governo tentou atuar de uma forma não tão prote-
cionista como a de Vargas. No "Plano de Metas" era permitida
a ajuda externa tanto no nível financeiro como no técnico, já
que dela dependia a continuidade da industrialização, ou seja,
não se via como um grande empecilho recorrer às importa-
ções para obter os equipamentos necessários para o segui-
mento deste processo. Afinal, a compra de equipamentos e
matérias-primas viriam sanear os pontos de estrangulamen-
to existentes em alguns setores industriais como o mecânico
cuja permanente modernização era imprescindível. Ressal-
ta-se, portanto, que este tipo de atuação governamental era
aceito, pois visava ampliar o parque industrial já instalado,
conforme aponta Ianni:

"Esses eram os motivos porque Juscelino Kubitschek


de Oliveira pode conciliar as duas entidades antagô-
nicas do seu governo: a ideologia nacionalista e a
política econômica destinada a acelerar o desenvol-
vimento, com a internacionalização dos novos seto-
res econômicos" (Ianni, 1991, p. 192).

Cabia ao governo dirigir as principais ações econômicas e


fazer com que o setor privado atuasse livre até o ponto que se
fizesse necessária uma intervenção governamental. Sendo as-
sim, tentar-se-ia manter um clima propício para a obtenção
de financiamentos externos e somente se interviria quando
fosse absolutamente forçoso, a fim de proteger a indústria
nacional. Isto seria feito mediante tarifas aduaneiras ou cam-
biais, a fim de não prejudicar os setores já instalados no país
com capital brasileiro, mas ao mesmo tempo esperava-se
manter um bom relacionamento com os investidores estran-
geiros.

Reformas cambiais
Quanto à questão da proteção do mercado interno, houve
no período de 1950-1961 um aspecto importante a ser trata-
do: as sucessivas reformas no sistema de câmbio nacional,
que visavam melhorar as condições das exportações brasilei-

212
ras e inseri-las de uma forma mais competitiva no mercado
internacional. Foram realizadas diferentes tentativas para con-
seguir manter o mercado interno compatível com a industria-
lização realizada, fazendo desta área uma das mais comple-
xas a serem tratadas, pois foi também a que sofreu maior
número de modificações com o objetivo de acertar os rumos
do país . A partir de 53, esta política de ação começou a pro-
mover a formação de um complexo industrial consistente, pois
os instrumentos utilizados estavam todos direcionados para
esse fim.
No governo de Vargas , esta proposta foi efetivada num
momento de crise interna, em que era necessário tomar algu-
ma atitude em relação aos produtos nacionais a fim de im-
pulsioná-los no exterior, pois os seus preços se encontravam
em um patamar muito superior aos praticados internacional-
mente . Isto porque algumas mercadorias haviam sido extre-
mamente prejudicadas pela antiga sistemática cambial prati-
cada no governo Dutra, que adotara uma postura liberal refe-
rente às importações e à remessa de divisas para fora do país.
A defasagem provocada por esta política teria conduzido a
uma diminuição da capacidade competitiva dos produtos de
exportação brasileiros, impossibilitando sua venda nos mer-
cados externos, com exceção do café.
Deste modo, estas medidas foram adotadas com o objeti-
vo de manter os produtos brasileiros em franca competição
com os estrangeiros, para garantir a prioridade de bens es-
senciais e auxiliar as condições dadas à substituição das im-
portações, uma vez que a sustentação da dinâmica estabelecida
no período dependia da manutenção do processo já iniciado.
Os motivos para que a instabilidade cambial fosse instau-
rada dentro do país foram vários, mas um dos principais co-
meçou a ser sentido a partir de 53. Este estava relacionado
com a avaliação errônea de que a Guerra da Coréia, deflagrada
em 50, iria durar mais tempo do que efetivamente aconteceu.
Certamente, a crença de que o conflito teria dimensões maio-
res das que teve. foi produto do medo da segunda guerra e
das suas conseqüências, ainda muito presentes. A esta con-
juntura veio se somar os problemas internos já existentes,

213
fazendo com que os produtos brasileiros encontrassem mais
obstáculos para serem colocados no exterior, repercutindo
negativamente no país.
A problemática internacional do período gerou aumentos
nos preços das matérias-primas e de artigos de consumo, in-
clusive o café, baseados na hipótese de que haveria redução
de suprimentos, levando a um rápido crescimento do consu-
mo destes produtos. Mesmo não se concretizando a suposi-
ção referente à duração do conflito da Coréia, o governo man-
teve as facilidades dadas até então para as compras no exte-
rior, ou seja, continuou a propiciar a entrada de produtos es-
trangeiros. Além disso, o Cruzeiro era mantido em valores
irreais, incompatíveis com a inflação ascendente da época, o
que desencorajava as exportações e privilegiava as importa-
ções, produzindo em última análise um desequilíbrio no ba-
lanço de pagamentos. Baer aponta neste sentido, que as im-
portações que se situavam em torno dos US$ 900 a 950 mi-
lhões, elevaram-se para US$ 1.703 e 1.702 milhões em 51 e
52, respectivamente (Baer, 1988, p. 44).
Como mostram estes dados, esta política cambial fez com
que o setor comercial brasileiro fosse afetado profundamente
e se visse em desvantagem em relação aos produtos importa-
dos pela disparidade existente entre eles, porque mesmo que
esta modalidade fosse aceita para a implementação da indús-
tria nacional, trazia problemas para um s istema nacional atra-
sado e carente de novas tecnologias, que não podia competir
com produtos mais baratos e modernos vindos do exterior.
A primeira medida tomada para alterar este quadro, de
uma série que viriam, foi a Lei no 1.802, de 7 de janeiro de
1953, conhecida também como Lei do Livre Comércio de Câm-
bio. A idéia era que esta nova modalidade viesse facilitar as
práticas já existentes e atuasse em conjunto com as taxas ofi-
ciais do governo. Pensava-se em dar maior liberdade ao câm-
bio, mas ao mesmo tempo seria limitada a entrada e saída de
lucros do país, como também as transações com moeda es-
trangeira para turismo. Na verdade, existiriam a partir de
então, duas formas de realizar importações: uma seria aque-
la que teria faixas fixadas pelo governo, na qual entrariam os

214
produtos catalogados como prioritários e estariam dentro do
mercado oficial. A outra, que atuaria sob forma de mercado
livre, relacionada à compra de produtos cuja entrada no país
o governo buscava incentivar.
Embora esta fosse uma forma maiS livre de realizar tran-
sações, o governo mantinha um rigoroso controle sobre a sa-
ída de lucros e juros do Brasil. Posteriormente, os produtos
foram classificados em categorias, o que continuaria a ser feito
ao longo do governo Vargas. Estas medidas eram bastante
polêmicas e por este motivo rendeu, uma vez mais, várias crí-
ticas ao governo de Vargas.
Conforme viemos discutindo, todas estas resoluções fo-
ram adotadas pensando na melhoria da situação existente e
em tornar os produtos brasileiros mais competitivos interna-
cionalmente. Mas isto não foi suficiente, pois mesmo com as
mudanças efetuadas, a época foi repleta de incertezas, diver-
gências e polêmicas. Certamente, este tipo de comportamen-
to governamental criava muitas dúvidas, pois a política exter-
na não parecia clara, e tratava-se também de um sistema de
atuação complexo que poucos entendiam. Para os investido-
res estrangeiros, esta sistemática gerava ambigüidade devido
às constantes mudanças que visavam proteger o mercado bra-
sileiro e limitar o externo, ao mesmo tempo que não apresen-
tava tanta clareza.
O discurso de um mercado com taxas livres criava con-
trovérsias porque a oposição pensava que este era um paliati-
vo. Na verdade, o controle ficava nas mãos da Carteira de
Exportação e Importação (CEXIM) do Banco do Brasil, inti-
mamente ligado ao governo. Este órgão foi alvo de intensa
campanha oposicionista, acusado de corrupção e morosida-
de, além de lhe incutir um falso papel: o de servir ao governo
e não à população devido aos favorecimentos que não eram
esclarecidos, permitindo caracterizar a sua atuação como
não-transparente.
Após este período conturbado, entrou em vigor a Instru-
ção no 70 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc),
em 9 de outubro de 1953, medida que visava controlar o sis-
tema cambial e instituía uma profunda reforma no sistema

215
vigente até então no país. Este sistema estabelecia priorida-
des para as importações, começando pelas mais fundamen-
tais e chegando as de menor importância. Todos estes itens
foram classificados em cinco categorias dependendo da sua
indispensabilidade, correspondendo a cada um uma taxa de
câmbio específica. Teoricamente se podia importar qualquer
mercadoria, mas na prática isto era muito complicado, pois
havia grandes filas de espera organizadas por grupos. A im-
portância desta medida firmava-se na extinção do regime de
controle quantitativo das importações, criando-se, assim, um
sistema que selecionava o grau de essencialidade das merca-
dorias vindas do exterior.
Ianni indica que em 53, a Carteira de Comércio Exterior
(CACEX) que substituiu o CEXIM, criou algumas facilidades
para a importação de máquinas, ferramentas e equipamen-
tos necessários aos novos investimentos e à complementação
de investimentos preexistentes, nacionais e estrangeiros. Esta
medida veio a se somar à anterior e tinha como objetivo evi-
tar a diminuição do ritmo de industrialização, devido à crise
de divisas. Mas também pode-se dizer que esta resolução des-
tinava-se a facilitar a importação de tecnologia avançada, sem
que fosse ameaçada a continuidade da industrialização (Ianni,
1991, p 129). Esta nova mudança nas taxas cambiais trouxe,
uma vez mais, muitos problemas de implementação, assim
como o sistema anterior, e após pouco tempo de utilização
surgiram dificuldades.
Embora não se encontrem na bibliografia disponível, da-
dos concretos capazes de provar que os controles cambiais
sobre as importações não tivessem sido manipulados visan-
do diretamente ao desenvolvimento industrial, seus resulta-
dos mais imediatos indicavam que, de fato, eles significaram
uma substancial proteção àquela atividade, funcionando como
mecanismo de promoção da substituição de importações, ou
seja, se por um lado trouxe o desequilíbrio no balanço de pa-
gamentos, por outro, houve o acréscimo das importações,
beneficiando o setor industrial. Segundo Baer, este sistema
possibilitou o desenvolvimento, dentro do país, de produtos
catalogados pelo governo como não-essenciais, fazendo sur-

216
gir indústrias em regiões menos importantes, canalizando in-
vestimentos para elas (Baer, 1988, p. 46).
Na verdade, esta situação das taxas cambiais e das im-
portações era um tanto complexa, afinal, delas dependia a
implantação de alguns setores, e além disso, os bens de con-
sumo provinham, na sua maioria, deste tipo de transações .
No entanto, as importações em demasia traziam problemas
no balanço de pagamentos e afetavam a demanda dos produ-
tos nacionais. Esperava-se, portanto. o bom senso por parte
dos agentes comprometidos nesta situação. Neste sentido a
CEPAL era bem clara nos seus postulados, alertando quanto
aos cuidados a serem tomados para que não houvessem
distorções pelo abuso de proteção ou pela falta dela.
As grandes discussões formuladas em torno destas duas
medidas econômicas criaram um forte conflito entre as cor-
rentes governistas da época: a linha desenvolvimentista e a
oposicionista neoliberal. Acreditava-se que taxas livres pode-
riam prejudicar os produtos nacionais, principalmente o café,
produto de maior capitalização de divisas da época. Ou seja,
na ótica da oposição, estas medidas não correspondiam aos
interesses do país, porque inevitavelmente pensava-se a cur-
to prazo. A longo prazo, estas medidas poderiam ser desas-
trosas, o que, em verdade, não deixava de ser um contra-sen-
so pois as mesmas pessoas que reclamavam destas leis go-
vernamentais, pediam menos controle do governo sobre as
atividades econômicas. Em termos concretos, as desconfian-
ças sobre a política cambial eram infundadas, afinal, o gover-
no estava mantendo o controle sobre as transformações ocor-
ridas. Em resumo, tentava-se reverter a situação de déficit na
qual o país se encontrava.
Conforme o relatório de 1954 da Comissão Mista Brasil-
Estados Unidos, o Brasil era um país em franca transforma-
ção desde a década de 30. Este processo havia sido possível
somente pela queda da lucratividade do café, obrigando as-
sim os produtores a tomar outros rumos. Esta situação, alia-
da à desvalorização cambial e aos controles diretos do co-
mércio exterior, simultâneos à inflação e à valorização da
moeda interna, teria garantido estas mudanças dentro do siste-

217
ma produtivo nacional; mostrando que o rumo tomado pelo
governo não estava totalmente equivocado.
De acordo com Lessa, as principais implicações destas
reformas cambiais no processo de industrialização resu-
mem-se em:

"a) consolidação da reserva de mercado para as pro-


duções substitutivas mediante encarecimento re-
lativo das importações incluídas nas categorias
com taxas de câmbio mais elevadas
b) concessão de subsídios (implícitos nas categorias
com tipo de câmbio mais baixo) para internação
de bens de capital e insumos requeridos pelo de-
senvolvimento industrial
c) possibilidade de que o Estado, através das opera-
ções de compra e venda de divisas voltasse a par-
ticipar financeiramente das rendas de intercâm-
bio" (Lessa, 1981, p. 22).

Dos ajustes feitos em torno das questões cambiais deste


período, destacam-se positivamente os instrumentos para
restabelecer o equilíbrio com as transações externas, trans-
formando o sistema cambial de instrumento de equilíbrio da
balança de pagamentos em uma ferramenta útil que dire-
cionaria a industrialização . Já no ano de 53, houve superávit
na balança comercial e além disso, desde a implantação do
novo sistema, o governo passou a dispor de substancial fonte
de recursos, utilizados amplamente para financiar o progra-
ma de metas do presidente Kubitschek, conforme os dados
que são apresentados a seguir:

TABELA 13
Balanço de Pagamentos ( 1948-55)
(US$ Milhões)

Ano 1948/50 1951/52 1953 1954 1955


Balança Comercial 282 -109 424 148 320
Fonte: Leopoldi, 1991, p. 79.

218
Logo depois da deposição de Vargas, no governo de Café
Filho, foi instaurada a instrução no 113 da SUMOC, em janei-
rode 1955, que veio a flexibilizar a questão das importações
beneficiando muito o governo de JK. Esta reforma fez com
que não fosse necessária a cobertura cambial para efetivar as
compras de mercadorias no exterior, atraindo os investido-
res estrangeiros para o país, porque significava um incentivo
cambial para essas empresas se instalarem dentro do Brasil,
realizando assim o objetivo de internacionalizar a economia
brasileira. Este sistema foi amplamente utilizado por Jusce-
lino para implantar os grandes complexos industriais que o
país precisava.
A instrução 113 estabelecia quatro tipo de categorias para
as importações, tornando o sistema mais enxuto e rápido,
mas assim como as outras tentativas cambiais trouxe confli-
tos para o governo, principalmente com os empresários na-
cionais, como aponta Faro:

·~instrução 113 da SUMOC ( .. . )permitiu o ingresso


de equipamentos estrangeiros no país sem dispên-
dio de divisas. Muitos empresários brasileiros senti-
ram-se discriminados com a medida. Enquanto em-
presas genuinamente nacionais precisavamfreqüen-
tar os leilões de câmbio para conseguir importar, ou-
tras, associadas a capitais estrangeiros, o jaziam
diretamente pela 113. Como o setor automobilístico,
por exemplo" (Faro, 1991, p. 46).

Os industriais de São Paulo, através de FIESP, se manifes-


taram contra estas medidas, mas Kubitschek com sua capa-
cidade natural de negociação conseguiu articular o seu dis-
curso internacionalizante com as reivindicações nacionalis-
tas deste setor. Juscelino se defendia das críticas dizendo que
se por um lado alguns setores perdiam com as importações,
por outro, todos ganhavam com a industrialização e com a
ampliação do mercado interno.
Este sistema se manteve até a aprovação da lei no 3.244
de agosto de 57, vindo, uma vez mais, reformular a sistemáti-
ca vigente. O objetivo principal desta nova lei era proteger as

219
indústrias nacionais, em pleno desenvolvimento dentro do
país. As diretrizes gerais desta proposta foram elaboradas em
conjunto com indústrias e as medidas adotadas tiveram uma
boa aceitação desta ala, dando a estas medidas a conotação
de serem mais unânimes que as anteriores, suplantando a
idéia de que o setor cambial somente competia ao governo e
aos seus técnicos.
Segundo Baer. esta medida veio para complementar a ins-
trução 113 da SUMOC pois:

"( ... )as categorias de importaçõesjicaram reduzidas


a duas: uma categoria geral, incluindo as importa-
ções de matérias-primas. bens de capital e alguns
bens essenciais de consumo, e uma categoria espe-
cial, abrangendo todos os bens não-essenciais. Con-
servou-se uma taxa de câmbio especialmente baixa
para as importações de trigo, petróleo e derivados.
papel de imprensa. fertilizantes, equipamentos de
elevada prioridade, bem como juros e amortizações
dos empréstimos considerados essenciais ao desen-
volvimento do país. ( .. ) As normas anteriores conti-
nuavam a viger para as exportações e as transferên-
cias financeiras" (Baer, 1988, p.47-48).

Ao que tudo indica, estas medidas tiveram um efeito posi-


tivo na economia brasileira da época, pois as indústrias nacio-
nais foram beneficiadas com a proteção do parque industrial
já instalado. Os itens produzidos dentro do país somente po-
diam ser importados sob taxas de câmbio muito elevadas.
duas ou três vezes superiores às praticadas normalmente. Por
outro lado, as indústrias que precisavam de equipamentos
vindos do exterior tinham vantagens extras para importá-los
e, em alguns casos, eram até subsidiados pelo governo.
Posteriormente foram tomadas outras medidas para ir afi-
nando as anteriores. Vieram as instruções 167, 181 e 192 da
SUMOC, todas as quais tratavam das importações e exporta-
ções do país e da melhor forma de conduzir este processo.
Até os últimos anos de vigência destas medidas, o governo
atuou de forma a manter as taxas diferenciadas, fazendo com
que alguns setores como o de turismo se beneficiasse com

220
isto, assim como as empresas que mandavam remessas de
lucros para o exterior. A inflação crescente da época dificul-
tou bastante a continuidade destas medidas, pois as contas
do governo permaneciam desequilibradas.
Finalmente, podemos concluir que a proposta de integração
da CEPAL era bastante ampla e ambiciosa. No entanto, os
resultados esperados a partir da adoção desta modalidade
pareciam um pouco ilusórios , pois a realização deste projeto
dependia de muita boa vontade dos governos, tanto no âmbi-
to nacional como internacional, e a isto deveria se somar uma
política internacional que visse com simpatia estas idéias,
principalmente por parte dos Estados Unidos. Desta forma,
constata-se no governo de Vargas uma forte preocupação de
cunho político para tratar esta questão, tendo como conse-
qüências a proteção interna do mercado e também o início
das reformas cambiais necessárias ao país . J uscelino, por
outro lado, tratou o assunto de uma forma mais ambígüa,
mas conseguiu, concretamente, encaminhar as idéias da OPA
via "Aliança para o Progresso". Contrariamente à ideologia
varguista, Kubitschek era assumidamente menos intervencio-
nista que Getúlio e esse foi seu comportamento em relação à
indústria nacional beneficiando-se, porém, das medidas já
existentes para tirar partido do que mais ajudaria ao seu go-
verno . Tudo isto na ótica da proteção dos produtos nacionais
e das taxas cambiais .

221
Conclusão

O objetivo principal deste livro foi verificar a aplicação da


teoria da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe
(CEPAL) no Brasil no período 1950-1961. Os dados aqui apre-
sentados nos revelaram elementos consistentes capazes de
sustentar a idéia de que senão na sua totalidade, ao menos
parcialmente houve uma implementação da proposta Cepalina
no país . Tal afirmação baseia-se fundamental m ente na cons-
tatação da adoção de um p lanej amento econômico dentro do
Brasil, principal elemento norteador de toda a tese da insti-
tuição.
Esta nova modalidade econômica, introduzida efetivamente
por Vargas e seus assessores, forneceu as bases institucionais
necessárias para a realização deste projeto. A partir do Esta-
do Novo, criaram-se vários órgãos que viriam a dar sustenta-
ção às propostas getulistas como o Conselho de Desenvolvi-
mento Industrial (CDI) e o Conselho Nacional de Política In-
dustrial e Comercial, agências que ajudariam no planejamen-
to global e setorial do governo e posteriormente dariam su-
porte a Kubitschek em seu "Plano de Metas", uma vez que
haviam se tornado importantes centros de reflexão sobre a
questão do desenvolvimento brasileiro, despertando assim
para o debate sobre o planejamento econômico. Na verdade,
o que estes governantes fizeram foi assumir a programação
econômica como um caminho certo para atingir o desenvolvi-
mento, adotando-a durante os seus mandatos.
A análise deste período nos mostra um caráter cada vez
mais político da intervenção do Estado, seja na função de
planejador, como de proprietário de meios de produção. Nes-
te sentido, podemos afirmar que ao procurar, desde o final

223
dos anos 30, garantir as condições para o processo indus-
trial, o Estado não se afirma apenas como elemento funda-
mental para a realização do plano econômico, mas torna-se
também o centro político decisivo para o qual se dirigem as
demandas dos setores produtivos.
Estes aspectos ficam bastante claros ao longo de todos os
capítulos do livro, porém especificamente no I e no III, quan-
do discutimos o papel desempenhado pelo Estado no perío-
do , tanto em termos ideológicos, como na instalação necessá-
ria de infra-estrutura dentro do país nas diferentes áreas que
requeriam estes investimentos, destacamos também uma mu-
dança efetiva da mentalidade dos governantes brasileiros
da forma de conduzir a industrialização tão necessária na
época.
São portanto estes dados que nos permitem constatar, ain-
da, um verdadeiro interesse por parte de Getúlio Vargas na
efetivação da industrialização, fazendo desta meta um fim
social norteador da sua política econômica. O estímulo gover-
namental direto e indireto sobre o crescimento industrial, que
se manifestou fortemente desde a li Guerra Mundial, perma-
nece, apresentando-se, porém com maior intensidade duran-
te o mandato de Kubitschek, governante que dará continuida-
de à industrialização deliberada.
Quando porém nos propusemos, a partir deste livro, rea-
lizar uma avaliação da história econômica brasileira do pe-
ríodo 1950-1961, levando em consideração os aspectos eco-
nômicos , sociais e políticos e priorizando o conjunto dos da-
dos, não prevíamos alguns entraves, tais como a dificuldade
de se encontrar bibliografia disponível que servisse de con-
traponto para análise realizada dos aspectos sociais que de-
rivaram do planejamento implantado no país, bem como os
seus efeitos. Isto porque os estudos existentes nesta área ge-
ralmente enfatizam mais as questões econômicas ou políti-
cas, em detrimento das sociais. Por outro lado, este fato não
somente confere a este livro um certo caráter inovador, como
destaca a importante contribuição de um trabalho cuja análi-
se abrange todos os aspectos que permearam a política eco-
nômica do período, além da agrupação feita em torno dos
dados sociais, políticos e econômicos.

224
Sendo assim, dentro desta perspectiva de estudo, as hi-
póteses levantadas estavam relacionadas primeiramente à
estreita ligação entre a Teoria do desenvolvimento da CEPAL
e a política brasileira da época, já que ambas esperavam atin-
gir praticamente os mesmos objetivos. Apontava-se ainda para
as grandes semelhanças existentes entre o discurso da insti-
tuição e o brasileiro; além da influência das idéias Cepalinas
no Brasil, no que se refere aos seus pensadores e aos órgãos
implantados no país.
Analisar tais hipóteses exigiu-nos, no entanto, a separa-
ção da teoria da CEPAL em cinco grandes capítulos, nos quais
discutimos: o papel do Estado na industrialização; a impor-
tância da assistência técnica e financeira para se industriali-
zar; a necessária criação de infra-estrutura para o desenvol-
vimento das indústrias; os efeitos do crescimento industrial
e a integração da região, além da proteção do mercado.
A discussão destes itens levaram-nos primeiramente a
constatar que a proposta da instituição quanto à participa-
ção ativa do Estado no processo de industrialização foi am-
plamente utilizada no contexto brasileiro. A partir do gover-
no Vargas, ela se torna decisiva, já que o momento histórico,
tanto mundial como nacional exigia esta maneira articulada
e consciente de se trabalhar, buscando como resultado o
desenvolvimento econômico do país. Quando Kubitschek as-
sume o poder, o objetivo é dar continuidade a este processo,
aprofundando-o com base na estratégia de desenvolvimento
criada através do "Plano de Metas".
Quanto à assistência financeira externa, verificamos que
o governo facilitou o financiamento e empréstimos oficiais no
exterior, amplamente utilizados para que se atingisse os ob-
jetivos propostos. Portanto, apesar das enormes dificuldades
na obtenção de recursos em divisas, a política governamental
teve uma participação ativa para efetivar a industrialização,
orientação esta que muito se aproximava às recomendaçôes
que a CEPAL dava, na época, para América Latina. Esta par-
ticipação do capital externo foi fundamental para constituir a
indústria de base, peça-chave para levar o desenvolvimento
adiante.

225
No que se refere à assistência técnica externa, destaca-
mos a participação de técnicos estrangeiros, tanto na Comis-
são Mista Brasil-Estados Unidos como na criação do BNDE
com a finalidade de auxiliar a implantação do planejamento
dentro do país. Quanto ao papel da CEPAL é preciso apontar
para a importante atuação que ela teve no grupo misto CEPAL-
BNDE, no qual este último órgão, em conjunto com os técni-
cos brasileiros, elaborou um trabalho de planejamento eco-
nômico para os sete anos seguintes, assim como participou
ativamente na formulação do "Plano de Metas". Para melhor
esclarecer, no capítulo li estes aspectos foram amplamente
abordados tornando clara a reconhecida importância da par-
ticipação deste órgão para o país e para o contexto latino-
americano.
A criação de infra-estrutura nas áreas de energia e mine-
ração, transporte, indústria automobilística, comunicações e
agricultura, foi outro aspecto enfatizado e amplamente discu-
tido. O país passou por profundas transformações fazendo
com que se obtivesse efetivamente a infra-estrutura necessá-
ria para se ievar adiante a industrialização. Conforme reve-
lam os discursos dos presidentes, assim como as obras que
deixaram, tanto Getúlio como Juscelino sabiam que era fun-
damental desenvolver alguns setores da economia para imple-
menta r as propostas em pauta.
No que tange ao crescimento industrial e seus benefícios
na renda e na distribuição da mesma, bem como o aumento
da produtividade industrial e o crescimento demográfico da
época, podemos reconhecer que da forma como foi processa-
da a industrialização, não foram preenchidas as expectativas
das propostas idealizadas pela CEPAL. Tratando-se especifi-
camente da distribuição da renda, esta não foi tão abrangente
como prometia a teoria, embora na era Vargas, este aspecto
tenha sido bem conduzido porque favoreceu o salário míni-
mo da população, caracterizando um governo um pouco mais
voltado às questões sociais. Já Kubitschek, trabalhou de uma
forma na qual ficava claro que este assunto não era prioritário
e que todos os cidadãos brasileiros deveriam colocar sua quota
de sacrifício para ser possível a realização da industrializa-

226
ção, que era o objetivo fundamental do período. Conforme
pode-se verificar, todos estes aspectos foram analisados exaus-
tivamente no capítulo IV
Sobre o aumento da produtividade industrial, o que se
constata é que este foi atingido por dois motivos: o primeiro
estava relacionado à entrada de equipamentos no país e o
outro, com a grande mão-de-obra disponível na época, o que
fez com que pudesse se produzir mais e em melhores condi-
ções que no período anterior. No entanto, este fato não levou
a um aumento substancial da renda como preconizava a
CEPAL, havendo, porém, uma absorção do contingente hu-
mano excedente .
A integração regional, proteção do mercado interno e os
ajustes fiscais que foram efetivados e a política externa da
época tiveram duas vertentes: uma foi a de Vargas e a outra
de Kubitschek. Neste sentido, verificamos que tanto Getúlio
como Juscelino tentaram propor alternativas para realizar a
integração, pois ambos sabiam dos benefícios desta modali-
dade econômica, além dos favores políticos que envolviam esta
situação. Afinal, obter-se-ia amplos benefícios internacionais
se o Brasil conseguisse se posicionar como país dominante
na América do Sul. Sendo assim, Vargas atuou de uma forma
mais restrita com o "Pacto A,B,C", ao contrário de Kubitschek
que lidou mais amplamente com a "Operação Pan-america-
na". Dentre estas questões, destacamos o papel dos Estados
Unidos que foi o país que mais se opôs a estas propostas. Em
primeiro lugar, por uma questão de hegemonia continental e
em segundo, por não simpatizar com as idéias da CEPAL.
Apesar das dificuldades, a política internacional foi um
assunto que nunca foi deixado de lado, sendo tratado com
muito cuidado pois das boas relações internacionais, princi-
palmente com os EUA, dependia o financiamento que o país
poderia obter para prosseguir os objetivos almejados em tor-
no da industrialização.
Finalmente, podemos concluir que o conjunto de todas as
situações examinadas ao longo dos cinco capítulos deste li-
vro efetivamente nos permite afirmar que a teoria da CEPAL,
nos seus principais aspectos, foi amplamente utilizada nos
governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.

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