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Capítulo 4 - A REALIZAÇÃO DO PROJETO

A realização de qualquer projeto de fundações (assim como de qualquer projeto de


engenharia) envolve uma série de etapas, peculiares a cada tipo de empreendimento.

No que se segue, serão descritas as etapas correspondentes ao projeto de fundações em


sapatas, que representam o caso mais comum de fundações superficiais.

Etapa 1 - Estabelecimento da profundidade de assentamento

Geralmente, em um projeto de fundações em sapatas é adotada uma mesma


profundidade de assentamento para todas as sapatas da obra. A escolha de tal
profundidade depende de uma série de fatores:

i) Existência de subsolo

No caso de existência de subsolo, a profundidade de assentamento fica já condicionada


à cota do piso (laje) do subsolo. A partir daí é que se tem a escolha da profundidade.
Esse condicionante depende, portanto, do projeto de arquitetura.

Eventualmente, as fundações dos pilares do poço dos elevadores, por necessidade da


instalação dos elevadores, são implantadas em uma cota abaixo das fundações dos
demais pilares.

Nos casos em que o nível do terreno é inclinado (obras em encosta), é comum manter-se
a mesma profundidade de assentamento, no caso das camadas de solo terem uma
disposição de tendência paralela ao nível do terreno, o que ocorre com alguma
freqüência. Isto corresponde a cotas de assentamento diferentes1. A figura 4.1 abaixo
ilustra o comentário mencionado, onde Df representa a profundidade de assentamento.

Figura 4.1 – Ilustração de sapatas assentes em obra em encosta, com a mesma


profundidade de assentamento e cotas de assentamento distintas.

1
Lembrar que cota se refere a uma mesma referência de nível, enquanto profundidade é considerada em
relação ao nível do terreno naquela vertical.
ii) Presença do nível d’água

Sempre que possível, deve-se procurar implantar as fundações acima do nível d’água.
Isso decorre não em função da impossibilidade de o nível d’água ser considerado nos
requisitos de projeto (como visto nos capítulos 2 e 3), mas de aspectos relativos à
execução. A presença do nível d’água demanda a necessidade de rebaixamento do
lençol freático (caso de materiais granulares) ou esgotamento da água que chega à
escavação (caso de materiais argilosos). Os sistemas de rebaixamento são geralmente
alugados de empresas especializadas.

Às vezes é possível a implantação de todas as fundações acima do nível d’água exceto


as do poço dos elevadores. Neste caso, o rebaixamento do lençol freático fica restrito
àquela região.

Etapa 2 - Adoção de uma pressão admissível inicial (pressão básica)

Uma vez estabelecida a profundidade de assentamento, o passo seguinte é a adoção de


uma pressão básica (pressão admissível inicial), que é a pressão para pré-
dimensionamento das fundações superficiais de uma determinada obra.

Existem diferentes maneiras de se obter esta pressão. A primeira – e recomendada –


consiste em se utilizar a tabela de pressões básicas da norma brasileira (tabela 4.1). Ou
seja, deve-se procurar na tabela o tipo de solo que corresponde à região abrangida
(grosseiramente) pelo bulbo de tensões das fundações e verificar a pressão básica
recomendada pela tabela. Para classificação do solo, deve ser empregada a tabela 4.2.
Não se conhecem, a princípio, as dimensões em planta das sapatas, e uma primeira
estimativa de largura deve ser feita. Tal estimativa não precisa ser acurada, uma vez que
serve apenas para pré-dimensionamento, e as verificações posteriores é que são
fundamentais.

Não se deve esquecer que, caso haja alguma camada de menor resistência e maior
compressibilidade abaixo da região abrangida pelos bulbos de tensões das sapatas
consideradas isoladamente, deve-se considerar a interação entre as sapatas sobre aquela
camada.

Cumpre salientar que nas antigas edições da norma brasileira a tabela 4.1 era referida
como tabela de pressões admissíveis. Nas últimas edições, entretanto, passou-se a
denominá-la como de pressões básicas, o que segue a tendência da norma de, cada vez
mais, deixar ao engenheiro projetista ou ao consultor a responsabilidade de fixar a
tensão admissível, com base em estudos mais aprofundados.
Tabela 4.1 – Pressões básicas, NBR 6122/1996.

Tabela 4.2 - Compacidade e consistência de solos em função de NSPT, NBR 6484/2001.


Solo NSPT Designação
≤4 Fofa (o)
5–8 Pouco compacta (o)
Areias e siltes arenosos
9 – 18 Medianamente compacta
(classificação quanto à
(o)
compacidade)
19 - 40 Compacta (o)
> 40 Muito compacta (o)
≤2 Muito mole
Argilas e siltes argilosos 3–5 Mole
(classificam-se quanto à 6 – 10 Média (o)
consistência) 11 – 19 Rija (o)
> 19 Dura (o)
Outra maneira de se fixar a tensão de pré-dimensionamento é através do número de
golpes do SPT, NSPT. Quem primeiro propôs algo a respeito foram Terzaghi e Peck
(1948) em forma de gráfico, apresentado abaixo. Para uso do gráfico, deve-se conhecer
grosseiramente a largura das maiores sapatas, e se tomar uma média de NSPT na região
entre a profundidade de assentamento da fundação e B abaixo daquela profundidade. O
gráfico é válido para areias e NA abaixo daquela profundidade. Segundo Terzaghi e
Peck (1948), o uso do gráfico conduz a recalques menores que 2,5 cm.

Cabe salientar que a classificação quanto à compacidade indicada na figura 4.2 é a de


Terzaghi e Peck (1967), não correspondendo à classificação da norma brasileira. Quanto
aos valores de N da figura, correspondem a uma energia de um SPT realizado nos EUA
na ocasião de elaboração da proposta, e que se acredita hoje ser da ordem de 60 % da
energia teórica de queda livre. Isso implica que, para seu uso no Brasil, pode-se
multiplicar o valor do NSPT (realizado no Brasil) por um valor na faixa de 1,2 a 1,4 (ver
Danziger et al., 2008).

Figura 4.2 – Gráfico para estimativa da tensão admissível inicial de sapatas em areias
com base no NSPT (adaptado de Terzaghi e Peck, 1948, 1967).

Uma proposta mais recente é devida a Teixeira (1998), em que a tensão de pré-
dimensionamento p é obtida como
p = 0,02 N (MPa)

em que N é a média de NSPT entre a profundidade de assentamento da fundação e 1,5 B


abaixo. A expressão deve ser usada para NSPT compreendido entre 5 e 20.

Etapa 3 - Cálculo das áreas das sapatas

Esta etapa deve ser feita simplesmente dividindo-se a carga de cada pilar pela tensão
admissível inicial.

Etapa 4 - Cálculo da largura e comprimento de cada sapata

Existem vários critérios para o cálculo da largura e do comprimento da sapata. O mais


comum é o emprego do critério dos balanços iguais, onde as distâncias entre as faces
dos pilares e das sapatas são as mesmas nas duas direções. Ao se fazer esse
procedimento, uma vez que as sapatas são dimensionadas estruturalmente a partir das
tensões atuantes na base e como se fossem estruturas em balanço, o que resulta é a
mesma armação nas duas direções. Ou seja, pode-se dizer que este é um critério
relacionado a facilidades construtivas, nada tendo a ver com a questão geotécnica. Sob
um aspecto geotécnico, a sapata poderia ter qualquer relação entre largura e
comprimento, bem como qualquer forma, desde que naturalmente suas dimensões
fossem levadas em conta nas verificações correspondentes.

Dessa forma, ter-se-ia (ver figura 4.3)

B = b + 2x
L= l + 2x

Conhecendo-se a área, e considerando-se que b e l, respectivamente largura e


comprimento do pilar, são dados (incluídos na planta de locação e carga dos pilares),
pode-se calcular x e, conseqüentemente, B e L. Recai-se numa equação do segundo
grau. Uma vez obtidos B e L, é usual arredondarem-se tais dimensões para múltiplos de
5 cm, de modo a facilitar a construção.
Figura 4.3 – Ilustração do critério dos balanços iguais.

A exceção fica por conta dos casos das sapatas de divisas, em que não é possível
garantir-se uma carga (proveniente do pilar) centrada na sapata. Nesse caso, lança-se
mão do artifício estrutural denominado viga de equilíbrio (ou viga alavanca), cuja
finalidade é eliminar aquela excentricidade. A seguir estão apresentados o esquema e a
análise de uma viga de equilíbrio.

Viga de equilíbrio ou viga alavanca

Recurso estrutural cuja finalidade é eliminar a excentricidade das cargas em pilares de


divisas de prédios (ou outras construções). É uma viga que liga o pilar com carga
excêntrica, na divisa, a um pilar no interior da construção. O esquema de uma viga de
equilíbrio está representado na figura 4.4.

Para a determinação das reações levando em conta as cargas dos pilares e a


excentricidade, admite-se que os apoios da viga estão localizados no centro de cada
sapata. Naturalmente, em função do esquema estrutural, a carga na sapata da divisa
sofrerá um acréscimo em relação à carga do pilar. Por outro lado, a sapata
correspondente ao outro pilar (central) terá uma carga menor que a carga proveniente do
seu pilar, em função do alívio provocado pela viga de equilíbrio. Entretanto, a
consideração desse alívio no projeto (no pilar central) é limitada a 50% do valor
calculado.

Do esquema da figura 4.4 tem-se, fazendo-se o somatório de momentos em relação ao


centro da sapata do pilar central, que

P1 l = R1 ( l − e)

logo
l
R1 = P1
l−e
Assim, para o cálculo de R1 há necessidade da excentricidade e. Esta, por sua vez,
depende da largura da sapata, que é desconhecida. O problema é resolvido por
tentativas. Uma primeira tentativa pode ser feita considerando-se que R’1 = 1,2 P1. Com
base nessa tentativa, é possível obter-se a área da sapata dividindo-se R’1 pela tensão
admissível adotada para o projeto, padm.

A escolha das dimensões da sapata nesse caso não é feita com base no critério dos
balanços iguais, mas adotando-se uma relação entre comprimento L e largura B da
sapata da ordem de 2,5 a 3,0. Assim, de posse de tais valores, pode-se obter a
excentricidade através da expressão
B bo
e= −
2 2
Sendo bo a largura do pilar de P1 (ver figura 4.4).

Com a excentricidade calculada, pode-se obter o valor correto de R1, através da


expressão correspondente acima. Uma vez obtido este valor, faz-se uma comparação
entre R1 e R’1. Caso sejam aproximadamente os mesmos, mantêm-se as dimensões da
sapata e o problema está resolvido. Caso contrário, altera-se o comprimento da sapata
(mantendo-se a largura, para não mudar a excentricidade) de forma a se manter na
sapata a pressão admissível adotada. Logo,

R1
L=
p adm B

A viga de equilíbrio, em função dos esforços atuantes, pode ter uma redução de seção
na direção do pilar central não apenas em planta como também em altura (ver figura
4.4). Entretanto, a redução na altura dificulta a execução, pela necessidade de se
executar uma forma no fundo da viga. Assim, muitas vezes a altura da viga é mantida
constante, e a concretagem se faz sem forma no fundo da viga, com o lançamento de
concreto magro, da mesma forma que nas sapatas.

Também por questões construtivas, é recomendável que a redução da largura se inicie a


partir do final da sapata do pilar da divisa.
l
P1 P2

R1 = P1 + ∆P R2 = P2 - ∆P

bo
P2

P1

e viga alavanca
R1
σ σ R2

viga alavanca P2
bo

P1
L
ao x

B
b

divisa

Figura 4.4 – Esquema de viga de equilíbrio.


Etapa 5 - Estimativa dos recalques e comparação com recalques admissíveis

Este assunto foi referido anteriormente, e uma previsão de recalques das sapatas da
estrutura deve ser efetuada. Embora a norma brasileira especifique apenas “recalques
compatíveis com a estrutura”, sugere-se que o recalque absoluto deva ser limitado a um
máximo de 3 cm. Embora possam ser efetuados projetos com recalques previstos
maiores que 3 cm, nestes casos o projeto estrutural deve levar em conta a presença de
tais recalques. No caso da hipótese de limitação dos recalques a 3 cm, a experiência do
autor diz que o projeto estrutural pode ser feito da maneira convencional, ou seja, sem a
consideração de recalques. Cabe ressaltar que este comentário é válido para obras
convencionais. Obras com características especias deve-se verificar se mesmo recalques
limitados a 3 cm podem ser capazes de gerar danos de quaisquer origens.

Quanto aos recalques distorcionais – aqueles associados aos danos estruturais, conforme
visto anteriormente –, devem ser limitados em projeto a 1/500.

A questão dos recalques distorcionais admissíveis é complexa, e a discussão abaixo, de


Bjerrum (1963), figura 4.5, é muito interessante.

Etapa 6 - Verificação do fator de segurança em relação à ruptura.

Tal como visto anteriormente, deve ser calculado o fator de segurança e verificado se é
maior ou igual a 3.
Figura 4.5 – Discussão apresentada por Bjerrum (1963) associada a recalques
distorcionais admissíveis.

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