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1. Burocracia e dominação.

O presente texto busca discorrer sobre o tema: Burocracia e dominação e a crítica presente
no livro “O Processo” de Franz Kafka.
Pra dar início à temática, é necessário, primeiramente definir os termos em em
destaque.
Na busca de definir o termo burocracia, com base nos textos estudados na presente
disciplina, e nas discussões em sala de aula, é possível afirmar que esta nasceu das
múltiplas relações de produção, e de tal forma se consolidou no Estado como um meio de
organizar e controlar a sociedade na qual estamos inseridos.
Assim, a sociedade moderna tornou-se uma "sociedade de organizações burocráticas
submetidas a uma grande organização burocrática que é o Estado" (MOTTA, 1981, p. 8).
Seguindo a proposta de Prestes Motta, em sua obra “O que é democracia” a
burocracia apresenta alguns aspectos próprios que a caracterizam, como por exemplo o
processo de burocratização, que no contexto do sistema de produção capitalista se tornou
um fenômeno universal, ou seja, a burocracia é um instrumento da classe dominante, que
usa para se impor às demais classes inferiorizadas. Essa dominação, com o apoio do
Estado, promove o estabelecimento de um padrão que é imposto e legitimado a ser
seguido, e que varia conforme os interesses do capital e de quem o detém.

“A reprodução de uma formação social capitalista e burocrática implica


na reprodução do sistema de classes sociais que o caracteriza através da
promoção da acumulação, do capital, da reprodução da força de trabalho, da
reprodução das relações de poder e submissão e das ideias que os homens têm
das relações sociais em geral.” ( PRESTES MOTTA 1981, p.33)

Sendo assim claramente podemos identificar que a unidade de poder da burocracia


é a organização, e assim, a organização burocrática prevê o Estado burocrático como o
responsável por manter a ordem e o controle da sociedade.
A estrutura burocrática tende a concentrar os meios materiais da administração
nas sob o controle dos detentores do capital, mediante o desenvolvimento de seus grandes
geradores de capital. Quando a burocracia se estabelece por completo, ela se situa entre
as estruturas sociais mais difíceis de serem destruídas, configurando então um meio de
transformar a ação comum em ação societária, racionalmente ordenada.
Dessa forma, compõe um instrumento de poder, de dominação, já que nenhum
cidadão pode se colocar superior à estrutura burocrática de uma sociedade.
Assim, o Conjunto dessa organização estatal burocrática utiliza-se do seu poder e
de políticas para promover o consenso social dentro das determinações impostas pela
burocracia.
Outra característica da burocracia dada por Prestes Motta em sua obra é, assim
sendo, ela mesma é o controle, pois afirma que
"as organizações burocráticas estão veiculadas à estrutura social. Elas
reproduzem uma estrutura social característica de uma formação social. Essa
reprodução significa uma recriação ampliada das condições de produção em uma
dada sociedade, em um dado sistema econômico". (PRESTES MOTTA,
1981,p.33)
Ou seja, as classes sociais se reproduzem da mesma forma que as condições de
produção, e assim o poder e o produto final permanecem sob a guarda de quem o detém
o capital.
Até mesmo a hierarquia e a divisão de trabalho dentro de uma indústria, por
exemplo, no ato de fracionar o trabalho, são reflexos da sociedade e vice-versa.
Motta (1981) conclui que até mesmo as escolas, que não deixam de também ser
organizações, começam desde cedo a preparar indivíduos para determinados papéis no
sistema produtivo, transmitindo modelos sociais já existentes, e legitimando
determinadas condutas e condenando outras.
As organizações burocráticas são as ferramentas que possibilitam a dominação e
o controle social, através destas relações de poder estabelecidas pela sociedade capitalista,
são elas que garantem, além do controle social, também as padronizações de
comportamento, o consenso e o conformismo.
Ainda segundo Motta, este apresenta também o conceito da burocracia como
alienação.
Afirma que
“ a burocracia implica que os indivíduos não se possam inserir na sociedade de
acordo com suas necessidades e bem-estar pessoal. Daí a relação decisiva entre burocracia
e alienação. Nessa ordem de ideias, a alienação é tão necessária quanto o for a burocracia,
e não são poucos aqueles que nos afirmam que esta última é um aspecto imutável da
tecnologia industrial”
(PRESTES MOTTA, 1981, p. 73).
Ver o fenómeno burocrático como causa de uma alienação propositalmente
causada, desvela o objetivo da organização burocrática, ou seja, a dominação, já que está
almeja o poder.
Para Weber (1974), o cumprimento dos objetivos efetiva-se por tarefas definidas,
que devem ser calculadas e precisam ser realizadas independentemente das características
das pessoas, ou seja, o cumprimento das mesmas deve se revestir de impessoalidade.
A manifestação de qualquer tipo de dominação se dá sob forma de governo, cujos
afazeres, impõem certo treinamento e experiência, resultando então em uma dominação
mediante a organização.
“Na dominação, que é um tipo de autoridade estabelecida,
existem sempre princípios ou crenças que tornam legítimo aos olhos do
governante e dos governados o exercício do poder. Esses princípios e
crenças são muito importantes para a dominação, porque lhe conferem
estabilidade.”(PRESTES MOTTA, 1981 p.27).
Ainda dentro deste raciocínio, é possível afirmar que há três formas de dominação,
que variam dependentemente da forma com que esta é imposta e legitimada, podendo
então ser: de forma tradicional, de forma carismática e de forma dominação racional-
legal.
Segundo Motta, (1981) na dominação tradicional, a legitimação vem da crença na
justiça e na qualidade da maneira pela qual no passado nossos antepassados resolveram
seus problemas, o senhor é o líder tradicional que, por ser herdeiro de outro senhor, tem
o direito de comandar.
Na carismática, a legitimidade vem do carisma, isto é, da crença em qualidades
excepcionais de alguém para dirigir um grupo social.
Já na dominação racional-legal,
(...)tem como ideia base que “qualquer direito pode ser criado e modificado
mediante um estatuto sancionado corretamente quanto à forma.”
(WEBER, 2003, p. 128).
Ou seja a mais provável na dominação efetivada através da burocracia, a
legitimidade provém da crença na justiça e na lei, o governante é considerado superior
porque atingiu tal posição através de nomeações consideradas legais, ele então exerce o
poder, dentro dos limites fixados por um sistema de regras que têm força de lei.
A burocracia, entanto, "tem um caráter 'racional': regras, meios, fins e objetivos dominam
sua posição" (WEBER, 1982, p. 282).

2. A obra “O Processo”

O livro “O Processo (1925), que foi publicado postumamente, O Processo, é uma


obra de Franz Kafka, e narra a história de Josef K., um bancário que é processado sem se
quer saber a acusação pela qual é processado.
O livro se inicia com a frase “Alguém certamente havia caluniado Josef K., pois
uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum.” (KAFKA, 2004, p.4)
Ele era um trabalhador esforçado e exemplar, e devido a sua dedicação, possuía um cargo
de peso em um banco bem sucedido.
No dia de seu trigésimo aniversário, pela manhã, Josef K. é detido por dois
policiais em sua própria residência, estes que o informam sobre o processo, e não lhe dão
mais nenhuma informação. A dupla ainda, se apossam do café da manhã preparado para
Josef K., e com isso ainda mencionam a possibilidade de estarem sendo subornados.
Á primeira impressão, Josef imaginou que tudo poderia uma brincadeira
organizada por seus amigos, e posteriormente acreditou que poderia se tratar algum
engano que logo se esclareceria.
Pois não foi o que aconteceu e o rumo do processo começou a se tornar cada vez mais
turvo e confuso.
Ao ser convocado para o primeiro interrogatório, o qual tem informações confusas
sobre hora e local, K. é tratado com agressividade e aspereza.
E novamente a razão pelo qual sofre o processo, permanece desconhecida, assim como
também é desconhecida a identidade do acusador.
O que começa a ficar claro com o passar do livro é que todos os envolvidos, tal
como Josef K., também desconhecem a acusação que o levou a ser detido.
Assim sendo, K. tenta continuidade sua vida e profissão normalmente, enquanto
responde ao processo, comparecendo sempre aos tribunais quando necessário .
Em determinado momento do livro, em uma de suas idas ao tribunal, Josef K.
passa pela seguinte situação:
“O senhor juiz de instrução! Acaba de fazer a algum dentre
vocês um sinal secreto. Quer dizer entao ̃ que entre vocês existem
pessoas que ele dirige. Naõ sei se o sinal em questão significa que vocês
têm de realizar manifestações de aprovação ou desaprovação.
Com plena consciência renuncio de antemaõ a conhecer o significado
desse sinal. É -me perfeitamente indiferente, de modo que permito ao senhor juiz
de instrução que em público, em vez de fazê-lo com sinais secretos, dê suas
ordens em voz alta a seus empregados assalariados e que diga com toda a clareza:
Agora assobiem; agora aplaudam.” (KAFKA, 2004,p.26)

Porém mesmo passando diversas vezes por obstáculos e injustiças, inicialmente o


protagonista não se sente obstinado a desistir, e questiona a todo momento, qual é a
acusação e quem a fizera.
K. é aconselhado por um tio a contratar um advogado para o auxiliar no processo,
porém logo o dispensa pois este não se mostrava empenhado a solucionar o caso de Josef.
Certa ocasião, um de seus clientes, ciente de que o bancário respondia a um
processo, e disposto a ajudar, indica a K. que procure por um pintor que possuía contatos
dentro do tribunal, e que poderia lhe ajudar.
Josef vai ao encontro de Titorelli, o pintor, e este lhe dá informações sobre como
funcionam os os processos e seus respectivos tribunais.
“Disse-me que trabalhava para a justiça. "Para que
justiça?", perguntei, e entaõ começou a contar-me coisas da justiça.
Você mesmo pode entender melhor do que eu até que ponto me
surpreenderam as coisas que me contava.” (KAFKA, 2004, p.76)
Tal parte da obra, se torna um dos pontos chave para o entendimento da crítica a
burocracia presente no texto.
O pintor explica a K. que devido a sua proximidade com a cúpula judiciária e suas
experiências anteriores seu processo poderia tomar três rumos distintos.
Titorelli conta a Josef que
“Existem três possibilidades: a absolviçaõ real, a absolvição
aparente e a dilação indefinida. Certamente que a absolvição real é a
melhor, apenas que não posso exercer a menor influência para
conseguir uma solução desse tipo. A meu critério, não existe ninguém,
mas absolutamente ninguém, que possa conseguir com sua influência
coisa semelhante.”(KAFKA, 2004, p.85)
Assim dando as três opções de “escapar” do processo, sendo elas : ter o processo
arrastado, ou seja, ir postergando o processo, frequentando tribunais sempre que
solicitado, envolvendo propinas, e acompanhando sempre o processo; a absolvição
aparente, que consistia na elaboração de um documento que o pintor Titorelli levaria a
um juiz que o assinaria e daria andamento no tribunal, porém esta absolvição aparente
seria temporário, pois caso o processo fosse revisto ele poderia voltaria a tona, tornando
necessário que se fizesse este procedimento repetidas vezes, e contudo, com a absolvição
temporária todo o procedimento novamente, além disso a absolvição real se tornaria
inalcançável.
E por fim a possibilidade da absolvição real, que seria o total livramento do
processo, porém o pintor alertou Josef K.
“Ainda criança, eu ouvia falar o meu pai a respeito deste
assunto (...) apenas se me apresentou a oportunidade de me introduzir
eu mesmo nas questões da justiça, o fiz logo e desde esse tempo
aproveito sempre essa situação para seguir inúmeros processos em
todas as suas fases, ao menos naquelas que me eram acessíveis e (é
preciso que o confesse) nunca tive notícias de um só caso de absolviçao
̃
real.”(KAFKA, 2004,p.86)
Ou seja, dentre as opções que pintor apresentara a Josef K., Titorelli nunca havia presenciado
uma situaçãoem que fosse consumada a absolvição real.
A atmosfera da angústia vivida por K. toma conta da leitura da obra, pois este se
vê cada vez mais perdido no labirinto ocasionado pela burocracia vivida na história. Josef
K. se da conta de que seu processo é apenas mais um perante ao judiciário, e se encontra
cada vez mais desmotivado e atormentado pela situação.
No capítulo final tenista seguinte passagem:

“(…) as mãos de um dos senhores seguraram a garganta de K.


enquanto o outro lhe enterrava profundamente no coração a
faca e depois a revolvia ali duas vezes.” (KAFKA, 2004, p.
254).
E exatamente um ano após o início do processo, Josef é levado por dois guardas
para um local afastado, e é assassinado, sem jamais se quer saber o motivo pelo qual era
acusado.
A obra se trata claramente a uma crítica ao sistema judiciário e penal, porém
diversas possibilidades e pontos de vista podem ser analisados durante a leitura da obra,
porém esta é a que, sem sombra de dúvidas, se destaca.
E assim como a obra estudada, sistemas falhos e inoperantes não são apenas temas
abordados em obras reflexivas, mas também um tema atual, (e infelizmente) vivido em
nossa realidade.
As últimas frases do livro, são também as últimas palavras do personagem Josef
K. “ — Como um cachorro! — era como se a vergonha fosse sobrevivê-lo.”
(KAFKA,2004 p. 128), e mostra que, apesar ter esperanças no início do processo, este se
viu tão perdido e desacreditado durante o percurso pelo qual se dirigiu o processo, que
para ele, vergonha seria permanecer vivendo de tal forma, refém de uma burocracia, de
uma justiça ineficiente e de uma sociedade condenada.

Referencias:
KAFKA, Franz. (1920). O processo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
PRESTES MOTTA, F. C. O que é burocracia. São Paulo: Brasiliense, 1981.
WEBER, M. Ensaios de sociologia. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1982.
WEBER, M. Grandes cientistas sociais (Org. Grabriel Cohn) S.P.: Ed. Ática.

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