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Ecologizar o desenvolvimento sustentável

Maurício Andrés Ribeiro


1. Introdução
O termo Desenvolvimento Sustentável surgiu pela primeira vez em 1987, com o relatório
Brundtland, "Nosso Futuro Comum", e foi amplamente adotado no contexto da Eco-92. A idéia
de sustentabilidade apresentou, inicialmente, um cunho notadamente econômico, a ponto de
alguns pensarem ser possível prescindir dos fundamentos da ecologia nas práticas sustentáveis. A
exclusão de grupos sociais dos benefícios do crescimento econômico levou a realçar a dimensão
social do conceito. A preocupação com os efeitos de médio e longo prazos da exploração da
natureza conduziu à introdução da dimensão temporal, da durabilidade da dinâmica do
desenvolvimento e dos direitos das futuras gerações. Sustentabilidade supõe a habilidade para
perdurar no tempo, evitando o colapso das civilizações, sociedades, economias e organizações
que não foram capazes de sustentar-se.
O setor empresarial foi um dos atores que mais avançou no campo do Desenvolvimento
Sustentável no período pós-92. Criou fóruns que enfatizam a ecoeficiência, as tecnologias limpas,
o produzir mais com menor desperdício de energia e de recursos naturais. Entretanto, essas
iniciativas tratam predominantemente apenas do aspecto da produção sustentável. Há todo um
vasto campo relacionado com os padrões de consumo insustentáveis, que pressionam a
capacidade de suporte dos ecossistemas naturais . Aqui, as contribuições da Sociologia e da
Filosofia da cultura, da Psicologia, das Ciências da aprendizagem, dos processos cognitivos e
emocionais, do inconsciente e do subliminar na subjetividade humana, são fundamentais para se
compreender os processos de atuação sobre a consciência e a percepção, os comportamentos,
hábitos e atitudes que provocam impactos ambientais. Tais ângulos da questão ecológica não
podem ser excluídos por aqueles que se dediquem a fundo às questões do desenvolvimento
humano sustentável.
Gradativamente, a noção de sustentabilidade tem sido ampliada para abranger as
dimensões ecológica e ambiental, demográfica, cultural, social, política e institucional. A
sustentabilidade ambiental está, cada vez mais, "relacionada à capacidade de suporte dos
ecossistemas associados de absorver ou se recuperar das agressões derivadas da ação humana,
implicando um equilíbrio entre as taxas de emissão e/ou produção de resíduos e as taxas de
absorção e/ou regeneração da base natural de recursos"

2. As ciências ecológicas
"No confuso debate suscitado pela evolução dessas idéias nas últimas décadas, o termo
Desenvolvimento Sustentável, consagrado por ocasião da Rio-92, contribuiu para eclipsar uma
parte substancial da reflexão sobre meio ambiente e desenvolvimento, deflagrada pelas reuniões
preparatórias à Conferência de Estocolmo".
O conceito de ecodesenvolvimento surgiu durante os debates prévios à realização da
Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, em 1972. Ignacy Sachs definiu-o
como "um instrumento heurístico que permite aos planejadores e aos decisores políticos
abordarem a problemática do desenvolvimento de uma perspectiva mais ampla, compatibilizando
uma dupla abertura à Ecologia Natural e à Ecologia Cultural. Neste sentido, o agente de
ecodesenvolvimento permanece sensível à diversidade de situações em jogo e, mais que isto, ao
espectro das várias soluções possíveis".
Enquanto a noção de Desenvolvimento Sustentável deslocava a componente ecológica do
ecodesenvolvimento para segundo plano, a Ecologia, em evolução, diversificava-se, integrando
disciplinas como a Geografia, a Biologia e a Sociologia, ressaltando a importância das dimensões
humana, sócio-política e cultural. Diferenciava-se, assim, em vários e novos campos de atividade,
como a agroecologia e a ecologia industrial, entre outras. Neste texto, estamos propondo que um
conceito contemporâneo de Desenvolvimento Sustentável deve ampliar-se, para valorizar um
novo campo, o das ciências ecológicas, que opera transversalmente aos campos de reflexão das
ciências exatas, naturais, sociais e humanas, permeando-os com uma nova perspectiva e ângulo
de visão. Noutras palavras, a sustentabilidade ecológica não pode e nem deve mais ser concebida
como resumindo-se tão somente à base física do processo de crescimento e ter como objetivo
apenas conservar o estoque de recursos naturais incorporados às atividades produtivas. Não pode
também ser reduzida à concepção biológica da Ecologia e precisa abrir-se às suas múltiplas
facetas, da cósmica à energética, da cultural à psicológica.
A defesa da sustentabilidade não pode mais limitar-se a surfar nas ondas de um
ambientalismo superficial, ainda que esse seja um passo e uma etapa, para muitos, necessária,
antes de aventurarem-se em mergulhos mais profundos no conhecimento e na experiência das
várias ecologias. É preciso penetrar nos domínios da ecologia profunda, da ecologia do ser - do
corpo, da mente, das emoções, integrando ao campo da sustentabilidade a Psicologia e outras
Ciências Humanas, assim como os processos cognitivos e emocionais. Ecologizar o
Desenvolvimento Sustentável implicará, nessa perspectiva, conhecer os vários campos do
conhecimento nos quais se ramificou a Ecologia clássica, a partir de sua origem na Biologia,
estendendo-se a uma multiplicidade de âmbitos de pensamento e ação. E um ponto de partida
para uma ação integradora e eficaz, é conhecer as várias ecologias, bem como as formas de
harmonizar seus conceitos com as práticas do Desenvolvimento Sustentável.

2.1. Ecologia natural


O termo Ecologia foi cunhado pelo biólogo alemão Ernst Haeckel na segunda metade do
século XIX, para designar uma nova área de conhecimento voltado à compreensão "do conjunto
das relações mantidas pelos organismos com o mundo exterior ambiente, com as condições
orgânicas e inorgânicas da existência; o que denominamos a economia da natureza, as relações
mútuas de todos os organismos vivendo num mesmo local, sua adaptação ao meio que os
circunda, sua transformação através da luta pela vida".
A etimologia do termo (do grego oikos = casa e logos = estudo) sugere o estudo do "lugar
onde se vive", pensado em diversas escalas - da casa onde moramos à ecosfera - este "lar" que
compartilhamos com bilhões de outros seres vivos - e levando-se em conta toda a diversidade de
aspectos materiais, biológicos, humanos e sociais. Refere-se, ainda, ao ambiente natural e baseia-
se no conceito de ecossistema, definido por Pierre Dansereau como "um meio, mais ou menos
fechado, onde os recursos do local são transformados por uma biomassa de populações de plantas
e animais, associadas em processos mutuamente compatíveis".
Na escala do planeta Terra, a Ecologia estuda a interação entre milhões de espécies de
animais e de plantas na biosfera (com a sua biodiversidade e que ocupa uma fina camada na
superfície do planeta), e sua inserção dentro do ambiente constituído pela atmosfera (ar, gases e
oxigênio produzido pelos vegetais), a hidrosfera (água doce, água salgada, vapor d'água, água de
superfície ou subterrânea) e a litosfera (solos que se decompõem, recursos minerais). Tudo isso é
referenciado a um contexto cósmico - a cosmosfera, o sistema solar, o sol e sua energia, a
galáxia, o universo - e a um contexto em que também a pirosfera - (o interior quente da Terra e
sua energia) influi sobre o ambiente e a vida.
As relações de uma espécie com as demais podem ser cooperativas ou competitivas. A
tendência a supervalorizar a competição é questionada por autores como Fritjof Capra: "Quanto
mais estudamos o mundo vivo, mais nos apercebemos de que a tendência para a associação, para
o estabelecimento de vínculos, para viver uns dentro de outros e cooperar é uma característica
essencial dos organismos vivos. O estudo detalhado dos ecossistemas nestas últimas décadas
mostrou com muita clareza que a maioria das relações entre organismos vivos é essencialmente
cooperativa, e elas são caracterizadas pela coexistência e a interdependência, e simbióticas em
vários graus. Embora haja competição, esta ocorre usualmente num contexto mais amplo de
cooperação, de modo que o sistema maior é mantido em equilíbrio. Até mesmo as relações
predador-presa, destrutivas para a presa imediata, são geralmente benéficas para ambas as
espécies. Esse insight está em profundo contraste com os pontos de vista dos darwinistas sociais,
que viam a vida exclusivamente em termos de competição, luta e destruição. A concepção que
eles tinham da natureza ajudou a criar uma filosofia que legitima a exploração e o impacto
desastroso de nossa tecnologia sobre o meio ambiente natural". Capra nota, ainda, que "Darwin
propôs uma teoria da evolução em que a unidade de sobrevivência era a espécie, a subespécie ou
algum outro componente básico da estrutura do mundo biológico. Mas, um século mais tarde,
ficou bem claro que a unidade de sobrevivência não é qualquer uma dessas unidades. O que
sobrevive é o organismo-em-seu-meio-ambiente".
O pensamento sobre a Ecologia e a evolução foi recentemente enriquecido com a teoria
Gaia , que considera a própria Terra como um ser vivo, no qual a vida se auto-regula e protege o
planeta. A biosfera regula a composição química do ar, a temperatura da superfície da Terra e o
meio ambiente planetário. Nessa hipótese, a espécie humana constitui a massa cinzenta do
cérebro de Gaia. José Lutzemberger reflete sobre o tema: "Acaso seria possível um planeta cheio
de vida, como o nosso, mas no qual a vida estivesse constituída apenas por animais, sem que
existissem plantas? - É claro que não. Por quê?.
Poderíamos imaginar um planeta com vida, mas sem animais, só com plantas? Não seria
este um planeta bem mais harmônico, sem sofrimento? As plantas poderiam desenvolver-se
livremente, sem serem pastadas, pisoteadas, consumidas, queimadas. Impossível.
São os animais que não permitem que as plantas morram de fome. Os animais dominam
outra técnica muito parecida à fotossíntese, quase igual, porém invertida - a respiração. Enquanto
as plantas, armazenando energia, sintetizam substâncias orgânicas, liberando oxigênio, os
animais, com oxigênio, queimam estas substâncias e usam a energia liberada no processo. Eles
devolvem ao ambiente exatamente aquilo que a planta retirou."
O desenvolvimento, para ser sustentável, precisa apoiar-se na base física dos recursos e
processos naturais da evolução e da biosfera.
2.2. Ecologia cósmica
Desde a antigüidade, as civilizações e culturas humanas, tanto quanto as várias tradições
espirituais interessaram-se pela evolução e produziram teorias para explicar a criação do universo
e o surgimento da vida. As concepções científicas sobre a origem do universo têm evoluído
aceleradamente desde que Galileu mostrou, com a ajuda de sua luneta, uma nova cosmovisão. Os
recentes avanços da astrofísica e a melhor compreensão do universo, com a ajuda de instrumentos
e tecnologias como os radiotelescópios, permitem entender as influências da cosmosfera sobre a
vida no planeta Terra. Assim, o fim dos dinossauros, durante o período jurássico, pode ter sido
causado pelo choque de um corpo celeste, que provocou alterações climáticas e ambientais e
inviabilizou a alimentação e o habitat para aqueles grandes animais.
Assim como essas influências, outras ainda são produzidas pela cosmosfera, sobre a
biosfera do planeta, lembrando-nos que fazemos parte de um sistema solar, de uma galáxia, de
um universo mais amplo. Na escala cósmica, o local que habitamos é o planeta e o lema Pensar
global, agir localmente, adotado pelo movimento ambientalista na década de setenta, precisa ser
atualizado para a necessidade de se pensar cosmicamente e agir local e globalmente.
Para ser sustentável, o desenvolvimento precisa considerar as influências da cosmosfera
sobre o planeta Terra e desenvolver a ciência e a tecnologia para proteger a vida contra riscos e
ameaças com origem no cosmos.

2.3. Ecologia energética


Cadeias alimentares são as transferências de energia alimentar desde os produtores
básicos - as plantas -, para os animais herbívoros - consumidores primários -, até chegar aos
animais carnívoros, que, por sua vez, se alimentam dos herbívoros.
A maior parte dos animais consome vários alimentos e as cadeias alimentares se
sobrepõem com diversas outras, como parte do ciclo da vida na Terra. Quando morre um ser
vivo, as bactérias o decompõem em substâncias orgânicas e inorgânicas, usadas pelos vegetais
para alimentar-se. O homem está entre as espécies que absorvem energia de vários desses elos da
cadeia alimentar. Como a cada transferência de um nível para outro, grande parte da energia é
degradada, quanto maior a cadeia alimentar, menor será a energia disponível.
A demanda por alimentos que se encontram no alto da cadeia alimentar - constituídos
pelos produtos de origem animal - consome grande quantidade de recursos naturais e pesticidas,
motiva os fazendeiros a expandir as áreas destinadas a pastagens, provoca a destruição de
florestas e perdas de solo fértil. Assim, o consumo de carne e de produtos animais, que se
encontram no topo da cadeia alimentar, provoca grande pressão sobre os recursos naturais.
É realidade, conhecida, há milênios, por povos que adotaram o vegetarianismo como
hábito alimentar, que as dietas vegetarianas são poupadoras de espaço, dos recursos naturais e do
meio ambiente, conseguindo, com baixo uso de recursos naturais, um alto rendimento energético
alimentar dessas populações.
De outra parte, a civilização do combustível fóssil, iniciada no século XIX, teve seu
apogeu no ano 2000 e tende a declinar em poucas décadas, exigindo que as sociedades alterem
sua matriz energética, em direção a energias renováveis e com baixo impacto ambiental.
Para ser sustentável e garantir o alimento necessário à população humana, o
desenvolvimento precisa basear-se em padrões de consumo alimentar e energético que não
esgotem as fontes de sustento humano.
Noutras palavras, o Desenvolvimento Sustentável precisa basear-se numa matriz
energética durável, apoiando-se sobre uma base de recursos naturais renováveis.

2.4. Ecologia humana


Em sua evolução material, cultural e espiritual, a espécie humana desenvolveu
necessidades e demandas diversificadas. Para satisfazê-las, transforma a natureza e usa os
recursos naturais como matéria prima para a produção econômica de bens e serviços. Nesse
processo, provoca impactos ambientais, desequilibra ecossistemas, cria paisagens, modifica o uso
e ocupação do território, provoca a extinção de espécies vivas e inventa outras por meio das
biotecnologias.
Com isso, a evolução passa a ser conscientemente manipulada pela espécie humana. O
atendimento a necessidades - individuais, da sociedade ou da espécie -, utilizando os recursos da
natureza e transformando-os por meio da ciência e da tecnologia, é um processo econômico, de
sobrevivência e de administração da "casa", seja ela entendida na escala individual ou na escala
global. A qualidade de vida e a qualidade ambiental dependem da forma como se realiza essa
transformação, dos tipos de necessidades que se pretende satisfazer, dos processos de produção e
de consumo.
No atual estágio de desenvolvimento e evolução da humanidade, a escolha e decisão
sobre os padrões sustentáveis de produção e de consumo podem significar a diferença entre o
desastre ecológico e a sobrevivência das novas gerações de seres humanos dentro da
biodiversidade. A ação humana prudente e responsável, baseada em conhecimento e sabedoria,
pode reduzir os riscos de impactos que venham a prejudicar a própria espécie.
"A humanidade deve agora se reencontrar. A necessidade urgente do homem é de tornar-
se ativamente consciente do fato de que transcendeu sua hereditariedade, tomou conta de seu
próprio destino e não pode mais colocar a culpa de seus defeitos na biologia. A evolução
biológica virtualmente terminou com a emergência do homem. Sua própria evolução continuada
não é genética, mas vai ao longo de linhas culturais, tecnológicas e sociais, e sua velocidade é
tornada possível pelas habilidades mentais humanas e o uso da linguagem".
Sri Aurobindo, pensador indiano que se debruçou sobre o tema da evolução, postulava
que a crise que vivemos hoje não é simplesmente uma crise econômica, política, cultural ou
civilizatória, mas é uma crise da evolução. É a espécie humana saindo de seu casulo e
transformando-se numa nova espécie, que poderá ter um futuro brilhante ou estar destinada à
autodestruição.
Para ser sustentável, o desenvolvimento precisa compreender as possibilidades e os
limites do espaço e do papel da espécie humana nos processos evolutivos, sob pena de levá-la à
autodestruição.
2.5. Ecologia cultural
Embora recente na evolução biológica, a espécie humana multiplicou e potencializou sua
capacidade de produzir impactos sobre o tempo da evolução, por meio da cultura, da ciência, da
consciência. As civilizações mais antigas datam de cerca de 10.000 anos, correspondentes ao
atual período interglacial da história da Terra.
Nesse caminho, o ser humano passou por diversas etapas na sua relação com o ambiente,
desde a coleta, a caça e pesca, o pastoreio, a revolução agrícola, a revolução industrial, a
urbanização, evoluindo nesta etapa atual para o controle climático e a fuga exobiológica, ou a
transmigração, já prenunciada pelas viagens espaciais.
O meio ambiente influencia e modifica as pessoas que nele habitam. Estas, por sua vez,
nele intervêm, construindo, projetando, transformando. A Ecologia cultural estuda a influência
recíproca entre o ser humano e seu meio, considerando o ambiente como um produto cultural,
que reflete as percepções, valores, atitudes e comportamentos dos indivíduos e grupos.
A cultura evolui por meio da aprendizagem, propaga mudanças e altera rápida e
profundamente os ambientes naturais, com a ajuda do conhecimento científico e tecnológico, que,
nas últimas décadas, expande-se geometricamente e com velocidade crescente.
Darcy Ribeiro, com propriedade, afirmava que "Enquanto a natureza, evoluindo por
mutação genética, não pode voltar atrás e é regida por um ritmo lento de transformações, a
cultura, evoluindo por adições de corpos de significado e de normas de ação, e difundindo-se pela
aprendizagem, pode experimentar mudanças rápidas, propagá-las sem grandes limitações
espaciais ou temporais, e redefinir-se permanentemente, compondo configurações cada vez mais
inclusivas e uniformes".
Muitas civilizações e sociedades que existiram durante a história foram incapazes de
relacionar-se, de modo duradouro, com a base física na qual viviam, vindo a enfraquecer-se e a
extinguir-se. A falta de capacidade de sustentar-se no ambiente gera o empobrecimento da base
de riqueza natural - com a erosão, a desertificação e outros processos degradadores do ambiente,
resultando em empobrecimento econômico e acirramento de conflitos sociais. Esses processos
desagregadores levam a instabilidades políticas e conflitos que provocam a decadência e o
enfraquecimento daquela comunidade.
O desenvolvimento tecnológico e das comunicações alcançado pela humanidade fazem
irromper o grande desafio que viveremos no século XXI: o encontro compulsório - cooperativo
ou antagônico - entre diversas matrizes de civilizações. Se, no passado, estas puderam vivenciar
lentamente seus processos de diferenciação e evolução, hoje, a civilização ocidental industrial ,
hegemônica e dominante, espalha rapidamente sua influência por todo o planeta, com efeitos
degradadores que podem levar a um colapso, inclusive cultural, caso não exista a autoreflexão e a
inflexão desse curso da história.
O cientista político Samuel Huntington adverte: "O futuro será moldado em grande
medida pelas interações entre sete ou oito civilizações principais: ocidental, confuciana, japonesa,
islâmica, hindu, eslava ortodoxa, latino-americana e possivelmente a africana. Os conflitos mais
significativos e sangrentos ocorrerão ao longo das fronteiras que separam essas culturas".
Dizendo de outra forma, a moderna civilização ocidental industrial desenvolveu
instrumentos poderosos para interferir sobre o curso da evolução biológica e cultural no planeta,
que poderão, num cenário pessimista, levar ao auto-extermínio ou ao suicídio da espécie; num
cenário mediano, a uma degradação crescente; num cenário otimista, pode levar à reversão e ao
aprimoramento do próprio processo evolutivo. Fritjof Capra afirma que chegamos a um ponto de
mutação, no qual os paradigmas dominantes precisam ser transformados, para que a evolução
possa prosseguir, sob o risco da espécie humana provocar sua autodestruição. Ele acredita que "a
visão de mundo sugerida pela física moderna seja incompatível com a nossa sociedade atual, a
qual não reflete o harmonioso estado de inter-relacionamento que observamos na natureza. Para
se alcançar tal estado de equilíbrio dinâmico, será necessária uma estrutura social e econômica
radicalmente diferente: uma revolução cultural na verdadeira acepção da palavra. A
sobrevivência de toda a nossa civilização pode depender de sermos ou não capazes de realizar tal
mudança".
O avanço tecnológico coloca questões éticas, especialmente no campo da biotecnologia e
na construção de novas espécies animais ou vegetais, a partir da engenharia genética. O limite
entre a natureza e a cultura se torna mais difuso. Uma cultura de paz com a natureza implica
também desenvolver um tipo de relação menos utilitarista da espécie humana e que se
ressacralize a natureza, reintegrando os indivíduos como parte da biodiversidade. Supõe
estabelecer uma relação que evite considerar a terra apenas como fonte de recursos naturais a ser
explorada e exaurida, ou como um grande depósito de resíduos no qual se descartam as sobras e o
lixo, subprodutos do consumo material imediatista e exagerado.
Para ser sustentável, o desenvolvimento precisa fazer uso crescente do conhecimento
humano, temperado por valores como a prudência ecológica e a precaução, avaliando os impactos
das ações nos domínios da produção e no consumo.

2.6.Ecologia política
A ecologia política estuda as relações de poder entre os diversos atores sociais e como
essas relações determinam as escolhas, as prioridades e as tomadas de decisão. Desenvolve
métodos preventivos ou corretivos de lidar com os conflitos de interesses, em torno da
apropriação dos recursos naturais pelos diversos grupos sociais. Esse campo da ecologia tem
importância crucial, já que, à medida que os recursos naturais se esgotam ou tornam-se mais
disputados - o uso múltiplo da água é um exemplo -, os conflitos de interesses tendem a crescer e
a se acirrar. Caso não sejam administrados proativamente ou preventivamente, tais conflitos
podem levar à eclosão da violência ou agravar injustiças sociais.
Considerando-se a história passada, pode-se imaginar que a humanidade não chegou
ainda ao último estágio da sua evolução política, com as democracias e os estados-nação. A
globalização econômica e a integração global pelas comunicações sugerem que as relações
políticas ainda tem uma longa evolução pela frente, até que a espécie humana consiga encontrar o
seu caminho e superar as crises e impasses que a sua ação provoca. A Ecologia política pode ser
vista como um componente cada vez mais estratégico nessa evolução política da humanidade.
Cada ator social e institucional, na arena do meio ambiente, tem papéis, atribuições,
competências e responsabilidades; tem interesses convergentes com outras pessoas, em certas
circunstâncias, e que se opõem e conflitam, em outros momentos. Cada um mantém com os
demais, relações qualitativamente diversas: do apoio e aliança mútuos até o confronto e a
oposição velada ou explícita. Podem compartilhar informações, estabelecer cooperação ou
deflagrar denúncias e cobranças, quando discordam dos comportamentos dos demais atores.
Dentre os atores politicamente relevantes, nesse cenário ambiental, destacam-se o Legislativo, o
Executivo, o Judiciário, o órgão ambiental, as comunidades afetadas, os empreendedores ou
proponentes de novas atividades, os empregados e trabalhadores nessas empresas, as empresas de
consultoria ambiental, as organizações não-governamentais (Ongs) e movimentos ambientalistas
da sociedade civil, a imprensa, a mídia, o Ministério Público, por meio de promotores de justiça e
que defendem interesses difusos.
Para ser sustentável, o desenvolvimento precisa dispor e se valer de mecanismos e
instâncias de mediação e resolução de conflitos políticos envolvidos na apropriação e uso dos
recursos naturais em escala local, regional e global. Precisa resolver conflitos sociais e políticos
de forma não violenta e harmonizar os diferentes valores e interesses. Precisa desenvolver os
recursos humanos e conservar os recursos naturais, proporcionar o desenvolvimento do uso do
tempo disponível e as necessidades de ocupá-lo com atividades criativas e que desenvolvam o ser
humano, ao mesmo tempo em que lhe dão o sustento físico. O Desenvolvimento Sustentável
precisa aprimorar a base legal e institucional, com organizações públicas e privadas flexíveis e
adaptativas.

2.7. A ecologia social


A dimensão social da ecologia - a chamada agenda vermelha das questões sócio-
ambientais - também se reveste de grande importância, porque os custos econômicos e impactos
prejudiciais de ações humanas tendem a recair, com maior peso, sobre os segmentos sociais com
menor poder político, menor carga de informações ou menor capacidade social de defender e
garantir seus interesses. Assim, a prática da Ecologia social pode ajudar a reduzir as injustiças
sociais devidas à alocação desigual de recursos e à apropriação desigual do patrimônio natural e
cultural.
A sustentabilidade social e a equidade são componentes centrais do Desenvolvimento
Sustentável. São exemplos de práticas sustentáveis a redução do consumo supérfluo e a
promoção de padrões sustentáveis de produção e de consumo; a prevenção da poluição e da
degradação ambiental, ou o seu controle corretivo, com recuperação e restauração; a
implementação de políticas ambientais locais sustentáveis e o desenvolvimento de alternativas
tecnológicas e tecnologias limpas em vários campos.
A segurança ecológica constitui, por outro lado, tema emergente e importante. No mundo
atual, há um número crescente de "refugiados ambientais", isto é, de indivíduos e grupos que se
viram obrigados a abandonar seus locais de origem e a migrarem, devido a catástrofes e
fenômenos tais como secas, enchentes, furacões, terremotos e à perda de capacidade econômica
de sustentação em seus locais de origem. As migrações rurais-urbanas continuam a ocorrer com
intensidade. As barreiras à livre circulação e ao deslocamento de pessoas entre países constituem
também uma agressão ao direito de ir e vir e de mover-se, para buscar melhores oportunidades e
condições de vida, direito do qual as demais espécies de animais desfrutam, em suas migrações.
Para ser sustentável, o desenvolvimento precisa enfrentar o desafio de eliminar a pobreza
e reduzir desigualdades e injustiças socioeconômicas. Precisa reconhecer os crescentes riscos e
ameaças à segurança individual e social representados pelos desequilíbrios ambientais.
2.8. Ecologia urbana e industrial
A espécie humana constrói abrigos individuais ou coletivos. As cidades e redes de cidades
constituem ecossistemas construídos, que se diferenciam internamente em função de fatores
econômicos, sociais, culturais e também naturais.
A Ecologia urbana estuda os impactos que a urbanização causa no ambiente e as relações
culturais, biológicas e econômicas dos seres humanos com o ambiente urbano. Ocupa-se das
relações do ser humano com o ambiente construído nas cidades, que constituem o habitat de
parcela crescente da humanidade, já que a partir da industrialização, no século XVIII e, mais
ainda, na segunda metade do século XX, o mundo experimenta processo de intensa urbanização.
As cidades se relacionam com o ambiente ao seu redor, de onde extraem materiais,
energia, alimentos, água, ar, para seu uso e consumo, provocando impactos ambientais. Precisam
alimentar-se de fluxos de energia provenientes de várias fontes para sustentar-se. Podem tornar-se
sustentáveis ou ecocidas (ecologicamente suicidas) , destruindo as fontes de seu próprio
abastecimento.
A Ecologia industrial constitui uma ramificação da Ecologia, que busca prevenir a
poluição, promover a reciclagem e a reutilização de resíduos, o uso eficiente dos recursos e
insumos para a produção, bem como estender a vida dos produtos industriais. Também busca
configurar parques eco-industriais integrados, nos quais os resíduos ou efluentes de uma indústria
sirvam como insumos e matérias primas para a produção, num empreendimento vizinho. A
promoção da ecoeficiência, a adoção de tecnologias limpas e de processos de produção e de
gestão com qualidade, segurança e consideração com a saúde dos trabalhadores e dos
consumidores, são parte do desafio da ecologia industrial.
Para ser sustentável, o desenvolvimento precisa garantir a sustentabilidade energética dos
sistemas urbanos e industriais, bem como a adoção de matrizes energéticas eficientes, que gerem
menores custos à qualidade ambiental.

2.9. Ecologia agrária ou agroecologia


Ocupa-se dos processos de produção agrícola e baseia-se em princípios agro-ecológicos,
tais como o da diversidade (de espécies, rotação, intercultivo, culturas complementares), a
adaptabilidade, a reciclagem dos nutrientes e da matéria orgânica, a conservação e regeneração
natural dos recursos. A agricultura sustentável considera também os aspectos econômicos
(segurança alimentar, viabilidade econômica e correção técnica) e sociais (fortalecimento dos
pobres rurais, equidade social, segurança para o consumidor).
A Ecologia de paisagens lida, de forma integrada, com as paisagens naturais e aquelas
produzidas pela ação humana. Assim, trabalha articuladamente com a ecologia urbana, industrial
e rural, bem como com as demais relações que se rebatem no território e no uso e ocupação do
solo, levando em conta as relações físicas, químicas e biológicas dos elementos da natureza.
A espécie humana tem demonstrado crescente capacidade de influir nas condições
climáticas e ambientais, produzindo fenômenos como o efeito estufa ou o buraco na camada de
ozônio, com efeitos e repercussões sobre a paisagem e sobre a sua própria saúde e qualidade de
vida.
O Desenvolvimento Sustentável precisa basear-se em princípios agro-ecológicos ,
considerando os ciclos biológicos, geológicos, físicos e químicos dos elementos naturais.

2.10. Ecologia pessoal ou do ser


A ecologia pessoal ou do ser desdobra-se em aspectos mentais e corporais, psíquicos,
emocionais e espirituais. O corpo humano integra-se ao ambiente, no momento em que respira o
ar e ingere água e alimentos, metabolizando-os por meio de processos bioquímicos. Quando
morre, dissolve-se no ambiente.
O ambiente interno do corpo humano relaciona-se com o ambiente externo: há quem veja
analogias entre o sistema circulatório sangüíneo e o sistema hidrográfico, ambos podendo ser
poluídos seja pelo colesterol, seja pelo lixo, seja pelos esgotos e detritos industriais. A flora
intestinal corresponderia à vegetação externa; o efeito estufa e o aquecimento climático, devido à
queima de combustíveis fósseis, corresponderia ao processo digestivo, no qual o estômago se
parece a uma fornalha, processando a energia para abastecer o corpo, por meio da alimentação.
Compreendida em sua totalidade, a mente, individual ou coletiva, inclui as esferas
conscientes e inconscientes. A Psicologia ocidental do século XIX fundou-se em raízes gregas,
que, por sua vez, se alimentaram na Índia . "Para cada conceito psicológico em inglês há 4 em
grego e 40 em sânscrito". No século XX, a pesquisa da consciência, da Psicologia transpessoal e
do superconsciente abrem novos campos no estudo da subjetividade. A Ecologia interior, da
mente e do ser, a transformação da consciência e os caminhos de libertação presentes em
tradições espirituais, que geraram hábitos de vida sustentáveis, a influência da Vedanta, da yoga,
do budismo e do taoísmo, enriquecem a percepção e a pesquisa nesse campo. Sri Aurobindo
observa também que o desenvolvimento das emoções é condição primordial para uma evolução
humana consciente.
Por outro lado, a percepção ambiental e sobre as paisagens é afetada pela formação, pelos
valores, conhecimentos e interesses do observador, que destaca os elementos que mais lhe
interessam e filtra o que é percebido, realçando certos aspectos e omitindo outros. A percepção
sensorial por meio dos sentidos - visão, audição, olfato, tato, paladar - é limitada e seus limites
podem ser estendidos pelos instrumentos científicos e tecnológicos. Assim, em função de sua
formação profissional e história de vida, cada indivíduo tende a valorizar determinados aspectos
da paisagem e do ambiente em que vive ou trabalha.
Cada tradição filosófica, espiritual ou religiosa dispõe de suas explicações para a vida, a
evolução e o sentido da existência humana, valorizando atitudes e comportamentos, hábitos
alimentares, sacralização de espécies animais ou vegetais, crenças e tradições que modulam o
relacionamento daqueles que as professam, com a natureza e o ambiente. A consciência cósmica
das tradições espirituais expande a abrangência da ética ecológica. Presente em várias tradições
espirituais e na astrofísica avançada, ela focaliza o Universo, extrapola a visão geocêntrica da
ecologia superficial e fortalece a percepção cosmocêntrica.
O ambiente sofre os efeitos do comportamento e das atitudes, dos estilos de vida
individuais e sociais. Os padrões de consumo de alimentos, de materiais de construção, de
vestuário, de objetos que dependem de recursos naturais para sua produção, produzem impactos e
pressões sobre a natureza. Cada indivíduo, país ou sociedade, ao adotar seu estilo de vida, é
responsável pelos impactos que produz sobre o ambiente.
Os movimentos ecológicos, pela "austeridade feliz", pela simplicidade voluntária e pelo
conforto essencial, defendem a autolimitação do consumo de bens materiais, eliminando o
supérfluo. Sugerem que as necessidades básicas devem ser distinguidas das demandas induzidas
de fora, pelos meios de comunicação e pela propaganda, que estimulam desejos artificiais e
inesgotáveis.
A ética ecológica oferece visão alternativa sobre a cultura, a ciência, a tecnologia e a
natureza, e valores que podem redirecionar atitudes e comportamentos destrutivos,
transformando-os em ações amigáveis em relação à vida e à natureza.
O consumismo e o belicismo estão na raiz da pressão sobre os recursos naturais,
transformados pela sociedade industrial em bens materiais de consumo.
Para José Lutzemberger "Sobram biólogos, mas torna-se cada vez mais difícil encontrar
naturalistas. [...] A diferença está na veneração. Para o naturalista, a Natureza não é simples
objeto de estudo e manipulação, é muito mais; ela é algo divino - não temos medo desta palavra -,
é sagrada e nós humanos somos apenas parte dela. Daí a atitude do naturalista não poder jamais
ser atitude de agressão, dominação, espoliação. O naturalista procura a integração, a harmonia, a
preservação, o esmero, a contemplação estética. Ele está no mesmo nível do artista, do
compositor, maestro, escultor, pintor, escritor, mas ele trabalha dentro da disciplina científica, em
diálogo limpo com a Natureza. Só uma visão sistêmica, unitária, sinfônica, poderá nos aproximar
de uma compreensão do que é nosso maravilhoso planeta vivo".
O pós-materialismo, na teoria e na prática cotidianas, constitui caminho eticamente
responsável. São valores responsáveis: o respeito à diversidade biológica e cultural, a
solidariedade, a fraternidade, a prudência.
A Ecologia profunda é um movimento cultural, filosófico e do pensamento ecológico que
chama a atenção para o encadeamento de efeitos ambientais associados ao estilo de vida, ao
padrão de consumo e a cada atividade humana individual ou coletiva. Adota freqüentemente a
visão biocêntrica, na qual a espécie humana é considerada como mais uma entre milhões de
outras que povoam o planeta. Contrapõe-se ao ambientalismo superficial, pelo qual se pensa e
age diante das questões ambientais sem considerar a profundidade e a complexidade dos efeitos e
impactos das ações humanas e tenta recuperar a consciência de constituir-se num ser com uma
consciência cósmica.
Para ser sustentável, o desenvolvimento depende da ação humana prudente e responsável,
baseada em conhecimento e sabedoria que reduzam os riscos de provocar impactos que
prejudiquem a si própria. Precisa inserir o ser humano na ecodiversidade, proteger a
sociodiversidade e valorizar a diversidade cultural. No contexto da civilização sustentável, será
fundamental a redescoberta dos valores éticos, tais como cooperação, respeito, amor, felicidade,
responsabilidade, paz, liberdade, honestidade, tolerância, humildade, simplicidade, verdade, não-
violência, que constituem os princípios que podem iluminar a ação correta.
Ecologia Industrial:um Pouco de História
Eli Santos Araujo, Vanderlei Hidalga, Biagio F. Gianneti e Cecilia M. V. B. Almeida
Universidade Paulista LaFTA – Laboratório de Físico-Química Teórica e Aplicada
R. Dr. Bacelar, 1212, CEP 04026-002, São Paulo, Brasil
Introdução
A Ecologia Industrial, uma nova abordagem da relação entre a indústria e o meio ambiente, vem
sendo desenvolvida nos países industrializados, especialmente, nos Estados Unidos, na
Comunidade Européia e no Japão. A Ecologia Industrial tem sido tema de vários livros [1-3] e
vários periódicos tem surgido nos últimos vinte anos: como por exemplo, Journal of Industrial
Ecology, dedicado exclusivamente à Ecologia Industrial, e o Journal of Cleaner Production,
inicialmente direcionado a promover a Produção Mais Limpa que tem publicado grande número
de artigos sobre Ecologia Industrial.
No Brasil a Ecologia Industrial é ainda um tema relativamente desconhecido no meio acadêmico
e, principalmente, no meio empresarial. Por este motivo, este artigo apresenta um histórico da
Ecologia Industrial por meio de uma ampla revisão da literatura sobre o tema, com a finalidade
de divulgar esta nova forma de tratar a relação entre a produção e o meio ambiente.

Conceitos
Até meados dos anos 1950, concebia-se o sistema produtivo separado do meio ambiente,
portanto, os problemas ambientais situavam-se fora das fronteiras do sistema industrial. Sob esse
ponto de vista, os estudos se focalizavam na conseqüências da poluição na natureza e não nas
causas. Atualmente esta forma de encarar o problema é chamada de “tratamento de final de tubo”
(em inglês, end-of-pipe). A Ecologia Industrial adota uma outra abordagem mais real, insere os
sistemas industriais na biosfera: “o sistema industrial como um todo, depende dos recursos e
serviços provenientes da biosfera, dos quais não pode estar dissociado” [4].
Não há um consenso quanto a definição da Ecologia Industrial, porém há vários pontos
em comum entre as diversas definições encontradas na literatura:
A Ecologia Industrial é sistêmica, abrangente, possui uma visão integrada de todos os
componentes do sistema industrial e seus relacionamentos com a biosfera.
Enfatiza o substrato biofísico das atividades humanas, i.é, os complexos padrões do fluxo
de material dentro e fora do sistema industrial, em contraste com a abordagem atual que
considera a economia em termos de unidades monetárias abstratas.
Considera a formação de parques industrias (eco-redes) como um aspecto chave para
viabilizar o ecossistema industrial (Fig. 1).
Leva em conta os limites da capacidade de carga do planeta e da região.
Induz o projeto e a operação, a modelar-se como as atividades dos sistemas biológicos
(mimetismo), otimizando ciclo de materiais de forma a aproximar-se de um ciclo fechado,
utilizando fontes de energia renováveis e conservando materiais não renováveis.
Na Conferência das Nações Unidas ocorrida em 1992 na cidade do Rio de Janeiro (ECO
92), foi colocada a necessidade de se obter respostas práticas para o conceito de
Desenvolvimento Sustentável. A Ecologia Industrial pode ser uma ferramenta apropriada para
dar estas respostas. As propostas tradicionais quase sempre ressaltam a prevenção e redução de
resíduos em contraste com a Ecologia Industrial, onde pode até ser aceitável e benéfico o
aumento da produção de um tipo particular de resíduo, desde que este resíduo possa ser utilizado
como matéria prima em outro processo industrial (Fig. 1).

Figura 1. Representação de uma Eco-rede, mostrando a otimização dos fluxos de


materiais/energia devida à formação da rede. Os fluxos de produto não estão representados na
figura, mas somente aqueles que caracterizam uma eco-rede.

Quando e onde começou a se falar em Ecologia Industrial?


A Ecologia Industrial está baseada no estudo de sistemas e na termodinâmica. As
metodologias para o estudo de sistemas foram estudadas por Jay Forrester nos anos 60 e 70 [5,6].
Donella e Dennis Meadows [7] utilizaram a análise de sistemas para simular a degradação
ambiental do planeta e enfatizaram o caminho insustentável do sistema industrial vigente.
Desde então, a associação indústria-ecologia tem se manifestado de forma dispersa ao
longo das últimas três décadas. O conceito de Ecologia Industrial, embora não explicitamente, é
encontrado na literatura desde os anos setenta. Alguns ecologistas há tempo tinham a percepção
do sistema industrial como um sub-sistema da biosfera que, demandando recursos e serviços da
mesma, teriam que ser analisados conjuntamente. Uma das primeiras ocorrências do termo
“ecossistema industrial” pode ser encontrada em um artigo de 1977 do geoquímico americano
Preston Cloud [8], apresentado no Encontro Anual da Associação Geológica Alemã. O artigo foi
dedicado a Nicholas Georgescu-Roegen, um defensor do estudo da economia com base na
termodinâmica e o pioneiro da bio-economia [9-11]. Diversos artigos tratando do que foi
chamado “tecnologia e produção sem resíduos” foram, também apresentados no seminário
promovido pela Comissão Econômica para a Europa, da ONU, em 1976. Até este momento, as
tentativas para discutir o novo conceito, tiveram repercussão limitada. Porém, no Japão, a idéia
de considerar a atividade econômica num contexto ecológico foi desenvolvida em parceria pelo
Estado e a indústria privada a partir do final da década de 60, o que fez do país pioneiro nesta
área [4]. Várias ações foram tomadas visando levar o Japão a se tornar competitivo, explorando
as possibilidades de orientar o desenvolvimento da economia japonesa em atividades que
deveriam ser menos dependentes do consumo de materiais e baseadas em informação e
conhecimento. A seguir fazemos uma cronologia das ações japonesas:
Em 1970 no Conselho de estrutura industrial surgiu a idéia de considerar a atividade
econômica num contexto ecológico.
Em maio 1971 foi publicado o relatório final do conselho de estrutura industrial chamado
“Uma visão para os anos 1970”.
Cumprindo determinações do relatório o Ministério do Comércio e Indústria Internacional
(MITI), formou cerca de quinze grupos de trabalhos dos quais deve ser destacado o “Grupo de
trabalho Indústria Ecologia” que tinha por finalidade promover e desenvolver uma
reinterpretação do sistema industrial nos termos de ecologia científica. Este grupo era
coordenado por Chihiro Watanabe.
Em maio de 1972, após um ano de trabalho o grupo de Chihiro Watanabe apresenta seu
primeiro relatório que foi amplamente distribuído no MITI e em organizações industriais.
Em março/abril de 1973 Chihiro Watanabe encontra-se com Eugene Odum um dos papas
da Ecologia Industrial.
Na primavera de 1973 o grupo de Chihiro Watanabe apresenta um segundo relatório, com
propostas mais concretas que as apresentadas no relatório anterior.
Os trabalhos do grupo de Chihiro Watanabe serviram de base para a criação de novas
políticas.
Em abril de 1973 o MITI, recomenda o desenvolvimento de uma nova política com base
nos princípios da ecologia, dando ênfase aos aspectos da energia.
Em agosto de 1973 o MITI faz a primeira requisição de orçamento para o projeto “Luz do
Sol”. O objetivo principal do projeto era tratar das fontes de energia (energia renovável).
Em julho de 1974 começa efetivamente o projeto “Luz do Sol”
Em 1978 o MITI lança o projeto “Luz da Lua”, cujo objetivo era o aumento na eficiência
do uso de energia.
Em 1980 o MITI funda a organização de desenvolvimento da nova energia (NEDO).
Em 1988 lança o programa global de tecnologia ambiental.
Em 1993 é lançado o novo programa “Lua do Sol”. Sendo este programa uma parte de
um projeto mais amplo, o projeto “Nova Terra 21”
O princípio básico da estratégia japonesa é “trocar recursos materiais com tecnologia”
[4]. Poderíamos resumir o tratamento japonês sobre ecologia industrial da seguinte forma: O
Japão pôs em prática o que no Ocidente ainda é principalmente teoria.
No Ocidente, diversos trabalhos surgiram na década de 80 em diferentes países, dentre
estes se pode citar o trabalho coletivo chamado “Ecossistema Belga” desenvolvido por biólogos,
químicos e economistas e que trata de idéias hoje defendidas pela Ecologia Industrial como
considerar resíduos como matéria prima para outros processos, enfatizar a importância da
circulação de materiais no sistema e acompanhar os fluxos de energia do sistema [12].
O grupo utilizou dados estatísticos da produção industrial para obter uma visão geral da
economia do país, com a utilização de fluxos de energia e material em vez do uso de unidades
monetárias usadas pela economia tradicional. Para isto, foram selecionados seis fluxos de
material: ferro, vidro, plástico, chumbo, madeira/papel e produtos alimentícios. Entre os
principais resultados os pesquisadores identificaram a desconexão entre dois estágios de um
fluxo. O fluxo do aço estava voltado principalmente à exportação, sem qualquer relação com o
setor de metais para construção. Como resultado da falta de interação entre o setor do aço e o
setor de construção-metais, a indústria de aço belga tornou-se muito dependente da exportação e,
consequentemente, tornou-se vulnerável à competição do mercado mundial e não atendia às
necessidades do mercado doméstico.
Uma das idéias mais interessantes desenvolvidas pelo grupo belga foi a de estabelecer a
relação entre o fluxo de matéria prima e a quantidade de resíduos gerado. Ao contrário do
normalmente é considerado, que a produção de resíduo é atribuída ao aumento de produção e
consumo, o grupo chegou à seguinte conclusão: “nosso consumo de matérias primas e a nossa
produção de resíduos é uma conseqüência da estrutura de circulação de matérias primas em nosso
sistema industrial. Para reciclar resíduos, devemos perceber que as principais dificuldades não
estão relacionadas à coleta, ou mesmo ao estágio de separação, mas antes da coleta, isto é, na
possibilidade de dispor dos resíduos na estrutura de nosso sistema de produção” [12]. Apesar de
sua importância o trabalho do grupo belga foi esquecido em pouco tempo.
A idéia de descrever os fluxos de material e energia, inerentes aos processos industriais,
como um sistema metabólico, foi introduzida por Robert U. Ayres, com o termo “Metabolismo
Industrial” [13]. O conceito se fundamenta, basicamente, na aplicação balanços de massa à
circulação de materiais e balanços de energia ao longo dos processos produtivos.
Apesar de todas as tentativas anteriores, o conceito de Ecologia Industrial tornou-se
mundialmente conhecido a partir da publicação do artigo de Robert Frosch e Nicholas
Gallopoulos, na conceituada revista Scientific American. O título proposto pelos autores foi
“Manufatura – A Visão do Ecossistema Industrial”, mas o artigo foi publicado com o título
“Estratégias de Manufatura” [14]. Nele, os autores argumentam ser possível desenvolver
métodos de produção menos danosos ao meio ambiente, substituindo-se os processos isolados
por sistemas integrados que chamaram de ecossistemas industriais. Esses modificariam, tanto
quanto possível, a lógica de produção isolada, baseada apenas na utilização de matérias primas
resultando em produtos e resíduos, substituindo-a por sistemas que possibilitassem o
aproveitamento interno de resíduos e sub-produtos, reduzindo as entradas e saídas externas.
Apesar das idéias apresentadas por Frosh e Gallopoulos não serem totalmente originais,
este artigo é considerado o primeiro passo no desenvolvimento da Ecologia Industrial. E, partir
dos anos 90, o conceito de Ecologia Industrial passou a receber considerável atenção tanto do
setor acadêmico quanto do econômico e social.
Em 1991, a National Academy of Science considerou o desenvolvimento da Ecologia
Industrial como um novo campo de estudo. Em 1994, foi publicado o primeiro livro sobre o tema
The Greening of Industrial Ecosystems [15], que identifica as ferramentas da Ecologia Industrial,
como o Projeto para o Ambiente, a Avaliação de Ciclo de Vida e a contabilidade ambiental.
A tabela 1 mostra as principais contribuições para a Ecologia Industrial nos últimos 25
anos.

Comentários
A história do desenvolvimento da Ecologia Industrial contou com a participação de um
grande número de pensadores, alguns originários do meio acadêmico e outros da indústria. Este
artigo, não contempla todos os eventos e personagens envolvidos na evolução deste novo
conceito. Entretanto, a descrição de algumas das principais contribuições realizada neste artigo
oferece um quadro geral do desenvolvimento do conceito e um guia introdutório para um estudo
mais aprofundado da Ecologia Industrial.
A ecologia Industrial se encontra, hoje, em uma etapa de construção, mas já se percebe
seu grande potencial em face aos problemas ambientais. Engenheiros e administradores podem
encontrar neste conceito um vasto campo para ação e para estudo em uma área em que novas
solução são necessárias, se não, obrigatórias.
A Ecologia Industrial oferece um caminho para as empresas para a exploração de seus
recursos (incluindo seus resíduos) de uma forma que resgata a interdependência do homem e da
biosfera.
“O objetivo da Ecologia Industrial é formar uma rede de processos industriais mais
elegante e com menos desperdício” [16]. Uma sociedade industrial mais elegante, uma economia
mais inteligente é uma mudança que engenheiros deverão se engajar em conjunto com os
políticos, economistas e cidadãos.

Ano Publicações

Eugene P. 1971 Fundamentals of Ecology: uma das referências básicas


Odum da ecologia.
“Os sistemas humanos inseridos no meio ambiente”

Howard T. 1971 Environment Power and Society: integração de


Odum sistemas a partir de fluxos de energia, a interação entre
sistemas industriais e ecológicos

Nicholas 1971 The Entropy Law and the Economic Process: processos
Georgescu- econômicos descritos pelo uso de energia e o II
Roegen Princípio da Termodinâmica

Charles Hall 1980 Divulgação do conceito de ecossistemas industriais.

Jacques 1980 Um dos primeiros a lançar o conceito de ecologia


Vigneron industrial

Robert Frosch 1989 Escrevem o artigo “Estratégias da Manufatura”, na


Nicolas revista Scientific American.
Gallopoulos Lançam a idéia de desenvolver métodos de produção
industrial que terá menos impacto sobre o ambiente
O ecosistema industrial é análogo aos ecossistemas
biológicos.

Braden 1992 É o autor da primeira tese de doutorado que contém


Allenby muitas das idéias envolvidas no desenvolvimento da
1994
ecologia industrial
The Greening of Industrial Ecosystems: o primeiro
livro sobre Ecologia Industrial

Hardin Tibbs 1991 “Industrial Ecology. Environmental Agenda for


Industry”: uma brochura que reproduz as idéias de
Frosch e Gallopoulos, com a linguagem e retórica do
mundo dos negócios.

Don Huisingh 1997 Journal of Cleaner Production: publica um número


(Ed.) especial dedicado à Ecologia Industrial

Reid Lifset 1997 Início da publicação do Journal of Industrial Ecology


(Ed.)

Referências
[1] T. E. Graedel e B. R. Allenby, “Industrial Ecology”, Prentice Hall, New Jersey, 1995
[2] B. R. Allenby, “Industrial Ecology: Policy Framework and Implementation”, Prentice Hall,
New Jersey, 1999
[3] S. E. Manahan, Industrial Ecology: Environmental Chemistry and Hazardous Waste”, Lewis
Publishers, Nova York, 1999.
[4] S. Erkman, J. Cleaner Production, 5 (1-2) (1997) 1.
[5] J. Forrester, “Principles of Systems”, 1968, Cambridge, Wright-Allen Press
[6] J. Forrester, “World Dynamics”, 1971; Cambridge, Wright-Allen Press
[7] D. Meadows e D. Meadows , “Limits to Growth”, New York: Signet, 1972.
[8] P. Cloud, Geologische Rundschau, ,66 (1977) 678.
[9] N. Georgescu-Roegen, a. Growth and Change, 10 (1979) 16.
[10] N. Georgescu-Roegen, Eastern Economic Journal, XII (1986) 3.
[11] N. Georgescu-Roegen, Materials and Society, 7 (1983) 425.
[12] G. Billen, F. Toussaint, P. Peeters, M. Sapir, A. Steenhout e J. P. Vanderborght.
“L’Ecosisteme Belgique, Essay d’Ecologie Industrielle”, Centre de Recherche et d’Information
Sócio-Politique – CRISP, Bruxelas, 1983.
[13] R. U. Ayres,
[14] R. Frosch e N. Gallopoulos, Scientific American 261 (1989) 144.
[15] B. Allenby e D. Richards, eds, “The Greening of Industrial Ecosystems”, The National
Academy of Engineering pub, 1994.
[16] J. H. Ausubel, “Directions for Environmental Technologies,” The Rockefeller University,
New York, Draft, 11 pages July 1993.

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