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por
ANNELISE PAZ E SILVA
EDYLENE DANIEL SEVERIANO
PABLO BAPTISTA RODRIGUES
THAIS LIMA DE OLIVEIRA SANTOS
(Alunos do curso de Português-Literatura)
Resumo: Neste artigo, buscaremos analisar a relação d’Os lusíadas, de Luís de Camões,
com a expansão marítima portuguesa. Nossas observações se deterão nos três primeiros
cantos dessa obra, levando em consideração como ocorre a representação dos povos que
tiveram contato com os lusitanos, no projeto das Grandes Navegações. As interpretações
aqui passam pelos conceitos elaborados pelo filósofo mexicano Leopoldo Zea (2005). E
também do medievalista americano Patrick J. Geary (2005). Pretendemos então, enxergar
o “estrangeiro camoniano” sobre uma perspectiva contemporânea.
O verso retirado do Canto de número VII d’Os lusíadas pode ser tomado como
síntese da ambição portuguesa na conquista do mundo do século XV, pois se outros
mundos existissem, acreditamos que lá também teria uma bandeira portuguesa. Da
América à Ásia, da Europa à África, o povo português se fez presente. O pequeno estreito
de terra localizado na Península Ibérica obedece a sua própria geografia, de estar de frente
para o mar, lançando-se às águas do Oceano Atlântico.
Mais do que a pura coincidência geográfica, pode-se levantar inúmeras causas que
determinaram a expansão marítima portuguesa no século XV. Não se relaciona a esse fato
histórico apenas um único motivo, mas um série de sucessivos momentos da História
ocorridos na Península e no mundo europeu medieval, como um todo. O historiador
português José Hermano Saraiva aponta em seu livro, História Concisa de Portugal, as
possíveis causas que influenciaram a nação portuguesa para se lançar ao mar. Cito
Saraiva:
Diferentes respostas têm sido dadas a essa pergunta: situação geográfica do território,
desproporção entre a evolução demográfica e os recursos internos, experiência navegadora das
populações do litoral, existência de ciência náutica adiantada, desenvolvimento da burguesia e
crescente necessidade de ouro, ideologia de classe (espírito mercantil do burguês, espírito de
cavalaria do nobre, espírito de aventura do povo, espírito de cruzada dos clérigos e dos reis), acções
pessoais, especialmente a do infante D. Henriques, etc.” (SARAIVA, 1978, p. 129-130)
Retomar a história das Grandes Navegações vai de encontro com o proposto por
Camões n’Os lusíadas. A grande obra camoniana, buscando cantar o feito do povo
lusitano, entrará em forte diálogo com a história desse povo. As motivações apresentadas
por Saraiva serão o resultado da conquista de todo o mundo conhecido do século XV: a
conquista de Ceuta, cidade islâmica no norte da África, em 1415; a descoberta das Ilhas
do Atlântico, em 1418-1483; Bartolomeu Dias e a chegada ao extremo sul do continente
Africano, o Cabo da Boa Esperança, 1487-1488; a chegada às Índias por Vasco da Gama,
1498, alvo da epopeia camoniana; e a expedição de 1500 com o descobrimento do Brasil
por Pedro Álvares Cabral.
3. Camões e o estrangeiro
Tida como uma das últimas peças de William Shakespeare, A tempestade, foi
escrita entre os anos 1611-12, sendo bem próxima da produção d’Os lusíadas, de Luis de
Camões. A peça se passa em uma Ilha, cenário principal para o desenrolar da trama.
Sentimentos como a inveja, amor e lealdade, e sobretudo o poder, são características dos
personagens shakespearianos, entre eles, Próspero, o despojado Duque de Milão, sua filha
Miranda e seu invejo irmão Antônio. O rei de Nápoles, Alonso. Calibã nativo da Ilha e
filho da bruxa dominada pela magia de Prospero. E Ariel espirito controlado, também,
pelo Duque de Milão.
Herótodo nos descreve de, forma verossímil e fabulosa, o contato de seu mundo
grego, e sua relação “com o mundo além da Hélade”. Ao qualificativo ‘bárbaro’, balbus
do latim, temos o indivíduo que balbucia, gagueja, repete as palavras e silabas, e de forma
mais complexa passa a ser todo homem que não compartilha perfeitamente da língua
grega. (ZEA, 2005, p. 57) O bárbaro, nessa noção, de forma bem simplificada, é aquele
que não fala bem o grego. Percebe-se que a representação de Shakespeare está mais
próxima dessa definição, mas não podemos deixar de observar que há uma evolução desse
logos. Calibã domina a linguagem, tanto que a utiliza para amaldiçoar, não havendo
portanto, choques sonoros. Mas a questão ainda é puramente linguística, pois é por meio
da fala que temos a delimitação do “evoluído” e do “não-evoluído”.
Constantino, para salvar o Império, para dar unidade nova a um Império dividido entre Ocidente
e Oriente, tem de fazer dessa doutrina um instrumento. Cristianizando o Império, cria um logos
novo que possa manter a ordem do logos como lei e direito já não pode manter. Dentro do logos
novo, ou verbo cristão, podem ter morada os homens de todas as raças e culturas. […] Mas fora
desta ordem estarão, uma vez mais, os pagãos, os não-cristãos, os bárbaros novos: forma nova de
marginalização e de barbárie.” (ZEA, 2005, p. 75)
(Canto I, 45)
Temos aqui um trecho do primeiro Canto, onde a frota lusitana está a navegar no
Índico e detém-se na ilha de Moçambique, sendo recebida pelo Mouros. Repare que a
inquietação dos tripulantes é justamente pela diferença religiosa, marcada pelo vocábulo
“Lei” em primeiro plano. Temo um única voz aqui, a pluralidade é marcada por “em si
deziam”. Foi um perturbação coletiva dos lusitanos frente aos moçambicanos, “Que gente
será essa esta? Que costume, que Lei, que Rei teriam?” Em outro trecho temos:
Termino meu trabalho citando o medievalista Patrick J. Geary, em que diz sobre
o atual cenário da Europa:
No topo, grandes corporações multinacionais e instituições cientificas quase sempre (ou sempre)
fazem uso do inglês, deixando de lado as tradições linguísticas locais. Já na base da pirâmide, há
um aumento considerável do número de pessoas de origens árabe, turca, norte-africana, indiana e
de outras partes da Ásia. Esses imigrantes continuam falando árabe, turco e outras línguas muito
diferentes das faladas pela classe média europeia. Essa mudança, recebida com hostilidade e medo,
e vista como uma novidade, é na verdade um retorno a um modelo muito mais antigo de
diversidade étnica. De fato, a Europa está começando a se parece com seu passado.” (GEARY,
2005, p. 55)
GEARY, P. J. O mito das nações. Tradução de Fábio Pinto. São Paulo: Conrad Editora
do Brasil, 2005.