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Moreira (1990) Brasilianistas, Historiografia e Centros de Documentação
Moreira (1990) Brasilianistas, Historiografia e Centros de Documentação
HISTORIOGRAFIA E
CENTROS DE -
DOCUMENTA AO
•
início da década de 1970 vê surgir desses centros, que, sem sombra de dúvida,
no Brasil os primeiros centro de cumpriram importante papel na mudança
documentação voltados para a pes do enfoque dado pelo governo à questão da
quisa histórica: o Centro de Documentação proteção do patrimônio documental do
do Instituto d e Filosofia e Ciências país, e cujo marco pode ser considerado o
Humanas da Universidade de Campinas-, projeto de modernização técnico-ins
Unicamp (1971); o Centro de Memória Ser titucional do Arquivo Nacional (1979-80).
cial Brasileira, do Conjunto Universitário
Cândido Mendes (1972), e o Centro de
Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil - Cpdoc, da 1. Os braslllanlstas e a
Fundação Getúlio Vargas (I973). AI�m historiografia
disso, a Fundação Casa de Rui Barbosa
sofre uma revitalização nesse período. A década de 1960, no que diz respeito à
Mas do que isso, observa-se o próprio pesquisa histórica, foi marcada pelo fenô
despertar da consciência nacional - ainda meno do brasilianismo, quando o interesse
que em ritmo lento, quase imperceptível dos norte-americanos se traduziu e m
para a importância da preservação de docu numerosos financiamentos para a reali
mentos, públicos e privados, como parte zação d e pesquisas s o b r e O Brasil.
que silo do patrimônio documental da na Motivadas inicialmente pela surpresa da
ç ã o : u m a v e r d a d e i r a "d e s a r t e r i o s revolução cubana (1959)- que desperta as
c1erização" da memória, etapa fundamental agências de financiamento e as univer
de um processo maior, que é o de sua pró sidades norte-americanas para a neces
pria vivificaçao. sidade de conhecer a América Latina e,
Este artígo tem por objetivo analisar as assim, melhor avaliar a política externa dos
condições que propiciaram o surgimento EUA - grandes levas de s ociólogos,
que o havia entrevistado, tudo ficava nacional durante muito tempo ficou restrita
mais fácil. Com o general Golbery do aos monumentos da nação. Somente em
Couto e Silva estive seis vezes'(...). No 1946, com a aprovação da nova Consti
entanto, talvez mais preciosas que as tuição, foi introduzida a proteção ao patri
quantrocentas páginas sobre o compor mônio documental. Esta preocupação, con
tamento político dos militares (...) sejam tudo, não chegou a traduzir-se, em termos
as três caixas de papelão onde guarda os práticos, em medidas que capacitassem o
manuscritos das entrevistas que fez ... Arquivo Nacional com os recursos fman
Num dos lados de cada caixa eSlão, em ceiros e técnicos - como uma lei geral de
letra miúda, nomes que no Brasil são arquivos, que até hoje não foi aprovada -
permanentemente envolvidos pelo necessários para garantir não apenas a pre
rótulo 'ele não fala'. servação e conservação dos documentos
sob sua guarda, mas também o próprio re
Esta dificuldade de acesso imposta ao c o l h i m e n t o a o s seus depósitos d a
pesquisador brasileiro foi reforçada por documentação produzida pela adminis
Edgard Carone em depoimento sobre a tração pública federal.
BRASD.lAN1�AS. HlSTORIOGRAAA E CENTROS DE JXX:A
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AIé O final da década de 1950 e início da Iidade dificultou e por vezes impediu o
de 1960, a preocupação com a memória tratamento e acesso a um volume consi
documental biasileira ficava restrita a al derável de documentos, sobretudo os de
gumas poucas vozes, como José Honório períodos mais recentes" (Costa et alü,
Rodrigues, em especial no que diz respeito 1986).
aos períodos mais recentes de nossa
história De resto, as atenções voltavam-se O fato é que, seja pela característica
quase que exclusivamente para a docu específica dos acervos, seja pelas dificul
mentaÇao pública relativa à Colônia e ao dades vivenciadas pelas instituições
Império, sob a guarda não apenas do Ar arquivísiticas, as novas tendências da
quivo Nacional, mas também de insti pesquisa histórica brasileira ressentiam-se
tuições como o Instituto Histórico e Geo da inexistência de uma política efetiva de
gráfico Brasileiro (IHGB) e o Museu proteção ao patrimônio documental da na
Imperial de Petrópolis (Rio de Janeiro), ção, incluindo-se a preservação dos ar
além dos arquivos públicos e institutos es quivos privados. Neste sentido, os centros
taduais. de documentação que surgem ao longo dos
A partir do final da década de 1960, anos 70 têm por objetivo principal a preser
acentuou-se o descompasso entre os novos vação dos documentos contemporâneos,
interesses da pesquisa histórica brasileira, especialmente os privados.
cada vez mais direcionada para os docu De um modo ou de outro, é inegável a
mentos do período republicano, e as importância dos trabalhos desenvolvidos
condiçOes oferecidas pelas principais ins pelos brasilianistas - quanto mais não'seja
tituições arquivísticas. E aí, não apenas a pela divulgação de novos arquivos, ou de
própria car.ic terística dos acervos - em acessos até então vedados aos pesqui
sua quase totalidade, como já afirmamos, sadores brasileiros - neste processo de
correspondia ao Brasil Colônia e Império "vivificação" da memória Tal importância
- mas as próprias dificuldades enfrentadas se toma mais nítida quando se fala de ar
por aquelas instituiçOes transformaram-se quivos privados de políticos. Pouco consul
em obstáculos ao desenvolvimento dos tados pelos pesquisadores brasileiros - a
trabalhos: grande exceção foi Hélio Silva, com o seu
Ciclo IÚ Vargas -, esses arquivos tiveram
"O Arquivo Nacional, criado em 1838, sua existência ratificada pelos brasilianis
e os arquivos públicos estaduais e tas, que também alertaram o meio acadê
municipais, organizados somente mico e a sociedade como um todo � a
após o advento da República, apresen importância desse tipo de fonte na constru
tavam problemas de natureza diversa, çao da história do Brasil recente, facilitan
que dificultavam o desenvolvimento de do, de ceno modo, a criação dos primeiros
suas atribuiçOes de recolher, preservar centros de documentaçao voltados paia a
e dar acesso aos documentos oriundos pesquisa histórica, como o Centro da Me
dos órgãos da administrllÇao pública A mória Social Brasileira (CMSB), dp
inexistência de um modelo sistêmico de Conjunto Universitário Cândido Mendes
arquivos, bem como a carência de (em 1972) e o próprio Centro de Pesquisa e
recursos humanos e materiais contri Documentação de História Contemporânea
buiu, entre outros fatores, para que os do Brasil (Cpdoc), da Fundação Getúlio
documentos gerados pelo poder público Vargas (em 1973).
fossem descartados de forma arbiuária e Na realidade, a produção brasilianista,
recolhidos assistematicamente. Tal rea- antecipando-se aos pesquisadores bra-
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'sileiros, acabou por reorientar a histo de Melo Franco, Virgfiio de Melo Franco,
riografia nacional, de um lado relativizando Olávio Mangabeira e Valentim Bouças,
a importância do período colonial e, de entre outros. Na época, sua contratação foi
outro, valorizando o período contem justificada pelo diretor da instituição, Or.
porâneo, até então praticamente ausente do Raul Lima, como único recurso para farer
universo da pesquisa acadêmica. frente à falta de verbas, bem como para
O primeiro sinal deste despertar da despenar no estudante brasileiro o interesse
sociedade para a necessidade de preservar pelo estudo da história recente do país. No
a memória recente do povo brasileiro se fez total, seriam cerca de 210 baús contendo
notar em 1971, quando membros da documentos administrativos do poder exe
Comissllo Histórica das Forças Terrestres cutivo, referentes ao período de 1922 a
Nacionais determinaram as primeiras 1959, além de alguns arquivos privados
providências para uma grande operação de pessoais já doados ao órgão, como os de
levantamento de documentos dispersos João Neves da Fontoura, Joaquim Pedro
pelas várias regiOes do país. Para o desen Salgado Filho e Benoldo Klinger.
volvimento dessa tarefa, a comissllo contou A reação da comunidade acadêmica já
com o auxflio se fez sentir em outubro de 1972, quando
que participam do Projeto Rondon. da realização do I Congresso Brasileiro de
Já em setembro do ano seguinte, era Arquivologia. Nes<l! ocasião, a polêmica
anunciada a contratação, pela Coor ficou polarizada entre Stanley Hilton e
denadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal Hélio Silva. Para o pesquisador none
de Nevei Superior (Capes), de Stanley Hil americano, "os historiadores brasileiros
ton (professor no Departamento de História abandonaram a pesquisa da história
do Williams College, de Massachussetts, contemporânea porque temem reaçllo
EUA), para implantar e dirigir o Centro de desfavorável ante a revelação de fatos que
Estudos de História Contemporânea do se preferia manter em segredo", o que era
Brasil, ligado ao Arquivo Nacional. Ao veementemente contestado pelo biasileiro:
professor none-americano caberia, ainda, o "( ... ) a observação nllo tem procedência e a
curso de teoria e prática da pesquisa prova é que os pesquisadores norte
histórica, do program a de pós-graduaçllO da americanos, quando chegam ao Brasil,
Universidade Federal Fluminense, ficando procuram imediatamente o s autores
seus alunos responsáveis pela pesquisa e brasileiros de História Contemporânea do
catalogação dos documentos relativos ao Brasil" ? Rebateu ainda a afumação de Hil
período governamental de Getúlio Vargas, ton, segundo a qual "os textos de história
já recolhidos ao Arquivo Nacional. contemporânea do Brasil terminam com o
. Sua escolha muito provavelmente se deu advento da República, e quando retratam o
não apenas por sua especialização em século XX, o fazem muito sumariam ente",
história contemporânea do Brasil- objeto o que demonstraria o desinteresse dos his
de pesquisa em suas teses de mestrado e toriadores brasileiros pelo período con
doutorado -, mas pelo próprio conhe temporâneo. No entender de Hélio Silva,
cimento que possuía sobre as fontes nllo só esse interesse existia, como en
primárias contemporâneas brasileiras: contrava receptividade por parte das
entre 1966 e 1972, realizou cinco viagens famílias detentoras de arquivos de per
de estudo ao Brasil, ocasião em que sonalidades imponanteS, que até facili
pesquisou nos arquivos privados de Getúlio tavam a consulta li seus documentos.
Vargas, Oswaldo Aranha, Afrânio de Melo O que se verificou ocasillo foi
Franco, HildebrandoAcioli, Afonso Ari.nos principalmente uma rcaçlo à decisão de
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tação que surgem na década de 1970 tamento de acervos arquivisticos com valor
voltados basicamente para a pesquisa histórico, estimulou, por seu lado, o sur
histórica serão de natureza diversa daqueles gimento de centros de documentaçlio
implantados nas demais áreas científicas e vinculados aos estabelecimentos federais
tecnológica: em que pese a aparente iden de ensino.
tidade de objetivos - a recuperação da
informação -, se diferenciam em relação
ao tipo dos documentos que constiwem 3. Conclusllo
seus acervos. Assim, enquanto os centros
de documentação já tradicionais se encar O trabalho desenvolvido pelos brasilia
regam do processamenlO técnico de infor nistas rep nesenta, sem sombra de dúvidas, .
maçOes awalizadas - onde a tônica é a importante contribuição não apenas no
rapidez não só de sua recuperação, mas crescimento das ciências sociais e em sua
talT\bém, e principalmente, do seu "enve institucionalização como ciência, mas tam
lhecimento -, resultante de trabalhos de bém no próprio início do processo de "de
pesqúisas, os novos centros se dediCam � sarteriosclerização" da memória nacional.
organização, preservação e divulgação de Para alguns, sua impor1ância está no
acervos históricos. nível de informação quantitativa intro
Por outro lado, esses novos centros de d u z i d a , p r i n c i p a l m e n t e p o r terem
documentação podem ser caracterizados desenvolvido pesquisas em um período
em dois grandes grupos, em função do tipo pouco explorado. Outros ressaltam ainda o
de acervo constiwído. O primeiro deles é fato de terem sido responsáveis pela
integrado por centros usualmente vin introdução de novas questOes, ou mesmo
culados às universidades, cujo acervo é pela recolocação de questOes antigas, o que
formado a partir do desenvolvimento das atuou favoralmente na ampliação dos
diversas linhas de pesquisa, caracterizan debates, em espa.ial no campo da história
do-se, portanto, como um conjunto não política e econômica
orglinico de documentos: trata-se, em geral, Com relação ao surgimento dos centros
de cópias (reprográficas e micrográficas) de documentação voltados para a pesquisa
de documenlOs de arquivos, bibliotecas e histórica, podemos afirmar que o conjunto
museus, cuja acumulação não obedece a da produçãO brasilianista chama a atenção
uma linha de acervo pré-estabelecida, mas .da comunidade acadêmica e, em seguida,
sim aos interesses de pesquisa. O outro
-
da sociedade em geral para algumas
grupo é formado por aqueles centros que questões. A primeiIa delas diz respeito à
•
definiram previamente sua linha de acervo existência de fontes documentais até então
•
em função seja de um período histórico, pouco ou nada explo radas, como os ar-
seja das características do(s) produtor(es) quivos privados pessoais, de interesse para
de documentos (pessoa ou instituição). a história republicana e de utilizaçllo
Nestes casos, a formação do acervo é vol precária, por ainda se encontrarem sob a
tada para atender às necessidades de uma guarda das famOias. Outra questão
comunidade mais ampla de usuários. tada pela produção brasilianista é a
Ainda a panir de 1975, esse movimento relacionada com o acesso aos documentos,
de apoio às ciências sociais foi reforçado uma vez que é apontada a facilidade com
com a nova política nacional de culwrli que os arquivos slIo abenos à consulta dos
definida pelo Ministério da Educação e none-americanos. Na realidade, a restrição
Culltura, que, ao estabelecer a participação ao pesquisador brasileiro se dá menos nos
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