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ÉMILE DURKHEIM

Durkheim procura compreender a maneira pela qual, nós, os humanos, reunimos “As palavras
e as Coisas”. Assim, ele articula a teoria do conhecimento da realidade social, situando-a no
campo simbólico, no espaço das representações sobre o dizer e o fazer social, apreendido pelo
tipo de relação que mantemos para com o totem e o tabu. Além disso, em sua teoria do
conhecimento, o autor estabelece a hipótese sociológica de que as categorias da sensibilidade
e do entendimento, ao contrário da afirmação de Kant, não são inatas, e sim, construídas
socialmente.

Desse modo, a Escola Sociológica Francesa lega a antropologia uma ferramenta de trabalho
importante para o acesso às “representações sociais”, ao imaginário, que são os pressupostos
teóricos e metodológicos para a análise das categorias do entendimento ou representações
sociais. Ou seja, as categorias sintéticas, não enquanto a priori, mas, enquanto historicidades,
permanências e metamorfoses.

Ao discutir as “categorias do entendimento”, nas “Formas Elementares da Vida Religiosa: o


sistema totêmico na Austrália”, livro no qual Durkheim funda a sociologia do conhecimento, o
autor discorda do pressuposto de Kant quanto ao fato de tais categorias serem inatas, e quanto
ao aspecto de que o tempo e o espaço sejam apenas “formas de sensibilidade” e não
categorias do entendimento, consideradas igualmente inatas na filosofia kantiana. Assim, em
um mesmo movimento, Durkheim fundamenta essas categorias na hipótese sociológica e
alarga a noção de “categorias do entendimento” de modo a designar as “formas da
sensibilidade” como categoria do entendimento e, portanto, “representação social” porque
construída socialmente. Assim, o autor lança, desde então, um percurso metodológico que,
partindo de uma “etnosemântica” (as categorias) chega a uma “etnocognição” (o
entendimento), como diríamos hoje.

A análise das “categorias do entendimento”, enquanto categorias verbais permitem a


compreensão do modo pelo qual o grupo em questão compreende, e, conseqüentemente,
representa o mundo, às maneiras de pensar que estão associadas às práticas sociais. Entre os
fenômenos que nos permitem acessar as “representações sociais” das diferentes sociedades,
Durkheim destaca os ritos e os símbolos. Em sua análise as condutas sociais não se dirigem
para as coisas em si mesmas, mas para seus símbolos. Quanto aos ritos, ele os classifica em
três tipos:

1. Os negativos (tabus) – dizem respeito às interdições, ao distanciamento;

2. Os positivos (totem) – são atos de comunhão (de proximidade e identificação com o


totem) – tais como, as refeições rituais.
3. A terceira categoria de rito, os ritos de imitação são ritos miméticos ou representativos,
que tendem a imitar a coisa que deseja provocar.

Os ritos teriam por função proporcionar coesão social, suscitar, manter, e renovar o sentimento
de participação no grupo, uma vez que a sociedade só é possível através dos ritos e dos
símbolos. Dentre as “categorias do entendimento”, Durkheim analisa as de gênero e de
causalidade defendendo a tese segundo a qual classificamos os seres do universo em grupos,
chamados gêneros, porque temos o exemplo das sociedades humanas. Estas são tipos de
agrupamentos lógicos percebidos imediatamente pelos indivíduos. Desse modo, ampliaríamos
às coisas da natureza a prática do agrupamento humano, tendo como referência à maneira
pela qual concebemos o mundo social. Assim, de acordo com o autor, é a sociedade humana
que fornece o modelo para a apreensão do mundo natural.

As classificações - argumenta Durkheim - são sistemas de noções hierarquizadas e só podem


ter origem na sociedade. Assim, é porque os homens estão repartidos que eles repartem o
mundo. Sendo a hierarquia um fenômeno social, sua origem não poderia advir da observação
da natureza ou do mecanismo das associações mentais. Do mesmo modo, nos diz o autor, a
noção de igualdade não pode advir da natureza.

Quanto à noção de causalidade, ela também provém da vida coletiva a partir da idéia de força.
É a imagem e a experiência social da coletividade de homens que produz a noção de “força”
superior à força dos indivíduos considerados isoladamente. A origem da noção de causalidade
é a força coletiva criada pela comunhão dos homens entre si, em situação de trabalho ou de
festa. As situações de trabalho ou de festa são particularmente importantes como geradoras da
“efervescência social”: troca intensa que se estabelece entre os homens reunidos em torno de
idéias e crenças em comum.

São as representações coletivas, o imaginário social, que pode permitir ao homem elevar-se
acima de si mesmo, ou seja, para além de sua condição de isolamento, possibilitando-o
apreender a “totalidade” construída e representada por seu grupo, sua sociedade. Ao
apresentar a hipótese sociológica, Durkheim pretende superar o empirismo que entende que
os conceitos resultam diretamente da experiência sensível; e, o apriorismo de Kant, segundo
o qual os conceitos ou categorias são dados inatos do espírito humano. Para o autor, a origem
dessas categorias é a vida coletiva. As categorias são representações impessoais porque são
coletivas, se impõem porque são coletivas. Elas exprimem a maneira pela qual as sociedades
se representam às coisas que lhes dizem respeito e que, portanto, são valorizadas, protegidas,
reproduzidas, sacralizadas ou racionalizadas.

A ciência, por exemplo, diz ele, tem autoridade sobre nós porque a sociedade assim o quer. Se
hoje basta mencioná-la para obtermos crédito, é porque temos fé na ciência. Quanto à
verdade, ela é construída socialmente, como todo e qualquer valor. Desse modo, não basta
que algo seja verdadeiro para ser aceito como tal, é preciso, nos diz Durkheim, que se
harmonize com o conjunto das representações coletivas vigentes, as arraigadas ou as que
estão em ascensão, caso contrário, é como se não existisse. Tudo na vida social repousa sobre
a “opinião”, diz ele, assim, para que haja conformidade de condutas é necessário haver
“conformismo lógico”: uma certa homogeneidade de entendimento, daí o importante trabalho
das “categorias do entendimento” na vida social.

Durkheim não opõe, em sua análise, as crenças e a lógica, como era próprio aos intelectuais
desde o Iluminismo. Com isso, ele permitiu que se percebesse a lógica própria a cada crença
em particular, além de localizar a crença como base das categorias do entendimento de
diferentes grupos sociais, independente das suas características tecnológicas. Ao fazer isto,
Durkheim rompe com a perspectiva evolucionista e, ao mesmo tempo, coloca os fundamentos
do social e do humano como sendo de natureza essencialmente simbólica, e o simbólico como
tendo origem social, portanto, cultural e histórica.

A antropologia, herdeira das hipóteses teóricas apresentadas nas “Formas Elementares de


Vida Religiosa”, pôde, desde então, dedicar-se a estudar a lógica das crenças, uma vez que
Durkheim evidenciou que o conhecimento é construído em função de “razões” sociais. A Escola
Sociológica Francesa é racionalista com Durkheim. Mas, o que é a razão para este autor? Para
ele a razão é o conjunto das categorias fundamentais de uma determinada sociedade. A
categoria de razão estaria incluída no conjunto citado, sendo, ela própria, uma construção
coletiva.

Durkheim é racionalista ainda, porque, contra o empirismo, ele acredita que o mundo tem um
aspecto lógico, que se expressa pelo poder do intelecto de ir além da experiência imediata.
Acredita que os conhecimentos racionais, lógicos, não se reduzem aos dados empíricos,
aqueles que a ação direta dos objetos suscita em nossos espíritos. A sensação empírica é um
estado individual explicável pelo psiquismo do indivíduo, diz respeito às representações
individuais, ou seja, à construção pessoal que o indivíduo elaborou a partir de seu meio social.
A ele interessa, particularmente, as representações coletivas: aquelas aceitas, preservadas e
reproduzidas pelos grupos que, através delas, se expressam.

Para Durkheim o homem é duplo: individual e coletivo. Apesar de duplo, Durkheim não postula
pela oposição entre indivíduo e sociedade. Compreende que sendo as subjetividades
construídas socialmente, é o próprio indivíduo que passa a identificar-se e a desejar o que a
sociedade valoriza. Os conhecimentos racionais, lógicos, e as manifestações afetivas são
gerais porque são coletivos (p. 45). Por isso, a razão - que não pode ser considerada universal
ou abstrata, porque é sempre relativa aos grupos - ultrapassa o alcance dos conhecimentos
empíricos e se impõe definindo e orientando representações e guiando as condutas, sendo,
portanto, motivadora de ações.

Esse racionalismo durkheimiano será prolongado em Lévi-Strauss, que “herda” essa


fundamentação filosófica e essa temática que será desenvolvida por ele, particularmente nas
seguintes obras: “O Totemismo Hoje”, “O Pensamento Selvagem” e a “Eficácia Simbólica”.

Antes, porém, de abordarmos as reflexões de Lévi-Strauss, é importante nos determos ainda


um instante na primeira geração da Escola Sociológica Francesa, examinando a contribuição
de Marcel Mauss, sobrinho e colaborador de Durkheim, para a discussão dos fundamentos
simbólicos das sociedades.

MARCEL MAUSS

Dando continuidade ao programa da escola, Mauss escreve dois artigos importantes


intitulados: “A noção de pessoa, a noção de eu” e “Técnicas corporais” fazendo, segundo ele, a
“história social” dessas noções, evidenciando o longo processo pelo qual ela foi sendo
construída coletivamente. Evidencia que a pessoa é fato moral e que todo fato moral é fato de
educação, portanto, a própria noção de moral, bem como, as suas diferentes manifestações
são adquiridas por aprendizagens. O autor prossegue afirmando que todo ato educativo é
técnica corporal, e que as técnicas corporais são “sistemas de montagens simbólicas”.

Conclui indicando que a noção de pessoa, sendo construída socialmente através de toda uma
pedagogia técnica e simbólica que institui o sentido do corpo e de sua individualidade para o
sujeito, é uma das formas fundamentais do pensamento e da ação dos indivíduos, sendo,
portanto, uma representação coletiva, uma categoria do entendimento; e, como toda categoria
do entendimento, ela não é inata.

O axioma sociológico elaborado pela escola francesa apóia-se em dois postulados inter-
relacionados: o primeiro, afirma que a origem e o caráter do pensamento é coletivo, porque o
homem pensa interativamente com os outros homens de sua sociedade. Essa interação pode
ser da ordem da homogeneidade (participação) ou da ordem da heterogeneidade (exclusão,
demarcação de diferenças, oposições). O segundo postulado, indica que a pesquisa
sociológica deve localizar a parte do social na construção do pensamento, porque essa
participação não é evidente por si mesma, uma vez que os processos de “naturalização” do
social obscurecem a origem coletiva dos mesmos, criando o efeito de tornar natural, sempre
posto e imutável, aquilo que é social e, portanto, histórico.

Do mesmo modo que o falante de uma língua materna não se dá conta que a sua linguagem é
fruto de seu grupo social, tendendo a considerá-la “natural”, o participante de uma cultura não
vê o modo pelo qual a sociedade configura o seu pensamento e sua conduta. Cabe ao
sociólogo buscar os significados profundos, inconscientes da cultura. (A Escola Francesa
não distingue a Sociologia da Antropologia)

O programa específico da escola, portanto, era demonstrar o caráter social do pensamento


através da análise das “categorias do entendimento”, e, evidenciar a dimensão “ideal”,
simbólica, imaginária, dos “fatos sociais”. A simetria entre o concreto e o simbólico é a tese
básica da escola que afirma: todo fato de consciência, todo pensamento é fato social, logo,
todo fato social por mais objetificado, concretizado, instituído que seja, é fato de consciência, é
consciência objetificada, sendo, portanto, da ordem do pensamento. O modo de pensar cria,
transforma e destrói e, sendo sociais, as categorias são históricas: surgem, transformam-se e
desaparecem.

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