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PAIDEIA: TÓPICOS DE FILOSOFIA

E EDUCAÇÃO
CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD
Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação – Prof. Ms. Artieres Estevão Romeiro, Prof. Ms.
Edson Renato Nardi, Prof. Ms. Marcos José Alves Lisboa e Prof. Ms. Ricardo Bazilio Dalla
Vecchia

Meu nome é Marcos José Alves Lisboa, nasci em Tietê, interior de São Paulo,
cidade que deixei para cursar filosofia (Graduação e Pós-graduação) na PUC-
Campinas. Em Campinas, fui professor de Filosofia na rede particular de ensino.
No ensino superior, lecionei na Universidade Metodista de São Paulo (São
Bernardo do Campo) para as disciplinas Filosofia e Ética e Cidadania para os
cursos de Graduação. No Centro Universitário Claretiano, atuei como docente
de filosofia para os cursos de licenciatura em Filosofia, Pedagogia e Matemática
e coordenador do curso de Licenciatura em Filosofia – EaD; além de participar
como pesquisador do CNPq (área de estudo: Ética Fenomenológica e Hermenêutica) e autor de
materiais didáticos para cursos EaD (Lógica I, Filosofia, História da Ciência e do Conhecimento,
Didática de Filosofia e Introdução à Filosofia).

Meu nome é Artieres Estevão Romeiro. Sou graduado em Filosofia, especialista


em Metodologia do Ensino Superior, especialista em Gestão e Liderança
Universitária, mestrando em Filosofia da Educação pela Unicamp e membro do
grupo de pesquisa Paideia. Atualmente, sou Coordenador Geral de EaD do
Centro Universitário Claretiano. Tenho experiência na área de Filosofia e
Educação, com ênfase em Avaliação de EaD, Fundamentos da Educação, Ética,
Estética e Filosofia Alemã (Adorno e Schopenhauer).
E-mail: ead@claretiano.edu.br

Olá, amigos! Meu nome é Ricardo Bazilio Dalla Vecchia. Possuo Graduação em
Filosofia e em Letras, especialização em Educação e Letras e Mestrado em
Filosofia. Atualmente, desenvolvo minha pesquisa de doutorado em Filosofia no
IFCH-Unicamp, e sou membro do Grupo de Pesquisa CriM, do CNPq. Possuo
experiência em Ensino e Gestão de cursos de Graduação e Pós-graduação em
Filosofia, assim como em Educação a Distância.
E-mail: ricfilosofo@hotmail.com

Saudações aos navegantes! Meu nome é Edson Renato Nardi sou Filósofo e
Educador Físico, com mestrado (2010) em Educação pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho - Araraquara e, atualmente, doutorando pela
mesma instituição. Atualmente, atuo na coordenação da graduação em Filosofia
no Centro Universitário Claretiano. Atuo, também, na rede pública de ensino do
estado de São Paulo como professor efetivo nas disciplinas de Educação Física e
Filosofia. Possuo uma experiência de aproximadamente 20 anos em escolas
públicas na área de Ensino Fundamental e Médio. No presente momento, tenho focado meus estudos
na área de Estética e Escola de Frankfurt.
E-mail: coordenacao-filosofia@claretiano.edu.br

Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação


Marcos José Alves Lisboa
Artieres Estevão Romeiro
Ricardo Bazilio Dalla Vecchia
Edson Renato Nardi

PAIDEIA: TÓPICOS DE FILOSOFIA


E EDUCAÇÃO
Caderno de Referência de Conteúdo

Batatais
Claretiano
2013
© Ação Educacional Claretiana, 2011 – Batatais (SP)
Versão: dez./2013

100 P164

Paideia: tópicos de filosofia e educação / Artieres Estevão Romeiro... [et al.] – Batatais,
SP : Claretiano, 2013.
192 p.

ISBN: 978-85-67425-75-7

1. Conhecer o ambiente histórico dos pressupostos teóricos da educação, na Grécia Antiga,


visando compreender as características culturais, econômicas e sociais e, para isso, partiremos
da Grécia pré-homérica (século 20 a.C.) até o período clássico (século 4º a.C.). 2. Analisar a
influência dos sofistas na Grécia antiga e identificar as principais questões ligadas à educação;
as principais escolas e pensadores, bem como os principais conceitos da filosofia antiga no que
tange à educação, salientando a decisiva função que tiveram na época. 3. Desenvolver um
olhar crítico diante da realidade educacional atual, principalmente compreendendo-a como fruto
de um processo histórico, intrinsecamente vinculado ao pensamento filosófico contemporâneo.
I. Romeiro, Artieres Estevão. II. Nardi, Edson Renato. III. Lisboa, Marcos José Alves. IV. Dalla Vecchia,
Ricardo Bazilio. V. Paideia: tópicos de filosofia e educação.

CDD 100

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Preparação Revisão
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Camila Maria Nardi Matos Felipe Aleixo
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
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Dandara Louise Vieira Matavelli Rodrigo Ferreira Daverni
Elaine Aparecida de Lima Moraes Sônia Galindo Melo
Josiane Marchiori Martins
Talita Cristina Bartolomeu
Lidiane Maria Magalini
Vanessa Vergani Machado
Luciana A. Mani Adami
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Luis Henrique de Souza Projeto gráfico, diagramação e capa
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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 9
2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO....................................................................... 11
3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 30

Unidade 1 – DO ΜῦΘΟΣ AO ΛΟΓΟΣ: UMA ANÁLISE DO NASCIMENTO


DA FILOSOFIA OCIDENTAL
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 31
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 32
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 32
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 33
5 LEVANTAMENTO HISTÓRICO............................................................................ 35
6 IMPORTÂNCIA DE HOMERO E HESÍODO PARA O NASCIMENTO
DA FILOSOFIA ................................................................................................... 42
7 RELIGIÃO............................................................................................................ 49
8 MITO................................................................................................................... 53
9 DO MITO AO LOGOS.......................................................................................... 60
10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 62
11 CONSIDERAÇÕES GERAIS................................................................................. 64
12 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 65
13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 66

Unidade 2 – ANTIGUIDADE CLÁSSICA GREGA E A EDUCAÇÃO


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 69
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 69
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 70
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 71
5 OS GREGOS E A EDUCAÇÃO............................................................................. 72
6 NOBREZA E ARETÉ............................................................................................. 77
7 A ARETÉ HOMÉRICA.......................................................................................... 81
8 A ARETÉ EM HESÍODO...................................................................................... 84
9 A PAIDEIA GREGA.............................................................................................. 86
10 A PAIDEIA EM HESÍODO................................................................................... 92
11 A PAIDEIA NO PERÍODO HOMÉRICO: KALOS E AGATHÓS.............................. 93
12 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 96
13 CONSIDERAÇÕES GERAIS................................................................................. 99
14 E-REFERÊNCIA................................................................................................... 99
15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 99
Unidade 3 – FILOSOFIA PRÁTICA OU SOBRE OS SOFISTAS
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 101
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 102
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 102
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 103
5 O SURGIMENTO DOS SOFISTAS....................................................................... 107
6 ANTECEDENTES DO SOFISMO.......................................................................... 108
7 A FILOSOFIA SOFISTA........................................................................................ 108
8 SOFISTAS: OS PRIMEIROS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO........................... 110
9 A REVOLUÇÃO SOFÍSTICA................................................................................. 112
10 A EDUCAÇÃO SOFÍSTICA.................................................................................. 116
11 ATUALIDADE E PERTINÊNCIA DOS SOFISTAS PARA A FILOSOFIA E A
EDUCAÇÃO........................................................................................................ 117
12 TEXTO COMPLEMENTAR.................................................................................. 119
13 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 120
14 CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 121
15 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 122
16 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 122

Unidade 4 – EVOLUÇÃO E DESDOBRAMENTOS DO CONCEITO DE PAIDEIA


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 125
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 126
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 126
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 127
5 SÓCRATES........................................................................................................... 129
6 RECONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO SOCRÁTICO........................................... 130
7 SÓCRATES, O EDUCADOR POR EXCELÊNCIA................................................... 134
8 A IMPORTÂNCIA DO CORPO PARA OS GREGOS.............................................. 137
9 A IMPORTÂNCIA DA OBRA APOLOGIA, DE PLATÃO........................................ 139
10 POLÍTICA E ÉTICA EDUCACIONAL.................................................................... 140
11 A PAIDEIA SOCRÁTICO/PLATÔNICA................................................................. 142
12 A PAIDEIA ARISTOTÉLICA: O HOMEM E A PÓLIS............................................ 143
13 DESDOBRAMENTOS DA PAIDEIA GREGA........................................................ 145
14 TEXTOS COMPLEMENTARES............................................................................ 153
15 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 155
16 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 158
17 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 159
18 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 159

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Unidade 5 – ANÁLISE CRÍTICA DA PAIDEIA CLÁSSICA E SUA
IMPORTÂNCIA NA CONTEMPORANEIDADE
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 161
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 161
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 162
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 163
5 UMA NOVA PROPOSTA DE ARETÉ.................................................................... 164
6 AS CRÍTICAS DA PAIDEIA REALIZADAS POR JACQUES DERRIDA.................... 168
7 DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS PARA UMA NOVA PROPOSTA DE PAIDEIA ......171
8 A IMPORTÂNCIA DE UMA NOVA PAIDEIA NA CONTEMPORANEIDADE....... 180
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 185
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 188
11 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 189
EAD
Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

Ementa––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Conhecer o ambiente histórico dos pressupostos teóricos da Educação, na Gré-
cia Antiga, visando compreender as características culturais, econômicas e so-
ciais e, para isso, partiremos da Grécia pré-homérica (século 20 a.C.) até o Perí-
odo Clássico (século 4º a.C.). Analisar a influência dos sofistas na Grécia antiga
e identificar as principais questões ligadas à Educação; as principais escolas e
pensadores, bem como os principais conceitos da Filosofia antiga no que tange
à Educação, salientando a decisiva função que tiveram na época. Desenvolver
um olhar crítico diante da realidade educacional atual, principalmente compre-
endendo-a como fruto de um processo histórico, intrinsecamente vinculado ao
pensamento filosófico contemporâneo.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO
A origem do conceito Paideia está na antiguidade clássica
grega. É a herança grega dos pressupostos do que, hoje, denomi-
namos Educação. Infelizmente, nos dias atuais costuma-se atribuir,
equivocadamente, esses fundamentos às contribuições de pensa-
dores modernos e às vezes contemporâneos das diversas áreas do
conhecimento. É em virtude dessa visão desfocada da realidade
10 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

pedagógica que nos propomos a examinar com cuidado e atenção


esse tema. Longe de esgotá-lo, apontaremos algumas pistas para
reflexão do docente de Filosofia em formação sobre o processo
que deu origem à Educação.
A obra Paideia: a formação do homem grego, de Werner
Jaeger, será nossa leitura obrigatória. Evidentemente, como já
havíamos dito, não esgotaremos o assunto, dada sua densidade e
complexidade. Porém, cada unidade foi cuidadosamente elaborada
para que você tenha subsídios para a devida reflexão sobre o tema.
Na primeira unidade, trataremos da questão da origem da
Filosofia. É essencial que examinemos sua gênese porque é pela
genialidade do povo grego, por meio da história, que podemos
compreender o processo de formação do homem e a elaboração
do ideal de Humanidade.
Você estudará, na segunda unidade, os conceitos de Paideia,
Areté ou Excelência, Agathós e Aristós. Descobrirá a relação exis-
tente entre nobreza e Areté.
Na Unidade 3, o sofismo será nosso objeto de reflexão. Não
poderíamos dispensar esse tema importante, dado o modelo de
Educação que propunham.
Quanto à Unidade 4, estudaremos uma das figuras mais po-
lêmicas do Período Clássico no que se refere à Filosofia e à Edu-
cação: Sócrates. Estudaremos, assim, o conceito de Areté a partir
do exame de seu método, a evolução desse conceito na obra A
República, de Platão, e, por fim, algumas contribuições produzi-
das por Aristóteles, discípulo de Platão. Logo a seguir, ainda nesta
unidade, iremos apresentar a você alguns dos desdobramentos e
agregações que ocorreram ao conceito de Paideia advindas do hu-
manismo romano, a Paideia Christi (cristã) e a Bildung (alemã).
Por fim, na Unidade 5, discutiremos algumas considerações
críticas realizadas pelo filósofo Friedrich Nietzsche em relação à
proposta socrática e a crítica produzida pelo filósofo pós-moderno
© Caderno de Referência de Conteúdo 11

Jacques Derrida a todo o arcabouço em que se assenta os ideais


de Paideia. Logo depois, apresentaremos algumas considerações
críticas sobre o momento em que vivemos, a contemporaneidade,
para percebermos a importância de pensarmos a necessidade do
resgate de um ideal de Paideia. Por fim, mostraremos duas pro-
postas de criação de um ideal educativo advindas das considera-
ções do filósofo alemão Theodor Adorno e as do filósofo america-
no Mortimer Adler.

2. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO


Abordagem Geral
Prof. Ms. Edson Renato Nardi
Neste tópico, apresentamos uma visão geral do que será es-
tudado neste Caderno de Referência de Conteúdo. Aqui, você en-
trará em contato com os assuntos principais deste conteúdo de
forma breve e geral e terá a oportunidade de aprofundar essas
questões no estudo de cada unidade. Desse modo, essa Aborda-
gem Geral visa fornecer-lhe o conhecimento básico necessário a
partir do qual você possa construir um referencial teórico com
base sólida – científica e cultural – para que, no futuro exercício
de sua profissão, você a exerça com competência cognitiva, éti-
ca e responsabilidade social. Vamos começar nossa aventura pela
apresentação das ideias e dos princípios básicos que fundamen-
tam este CRC.
Ao longo dos próximos meses, empreenderemos um diálogo
que perpassará pensadores, períodos históricos, ideários políticos
e culturais que terão como um de seus elementos mais importan-
tes para a temática da Educação tendo como pano de fundo o con-
ceito de Paideia.
A escolha deste conteúdo e desta abordagem, neste momen-
to inicial de seu processo educativo, não se deram por acaso e, ao
longo desse estudo, três aspectos serão levados em consideração.

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12 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

O primeiro aspecto refere-se às razões que o levaram, você,


futuro licenciado, à escolha desta abordagem. Ao optar por um
curso de Licenciatura, está implícita a expectativa de, ao concluí-
-la, obter uma formação que permita exercer adequadamente a
profissão de educador, profissão esta que proporciona os alicerces
da sociedade, pois quem a exerce precisa se posicionar diante da
realidade e será convidado a ajudar a transformá-la.
O segundo aspecto tratará da necessidade de apresentar-
mos um passeio panorâmico sobre o que se espera deste CRC.
Por fim, o último aspecto tratará de algumas sugestões de
condutas e cuidados que você poderia adotar em relação aos as-
suntos aqui trabalhados para que eles possam ser adequadamente
estudados e, possam vir a contribuir de fato para a sua formação
profissional.
Com relação ao primeiro aspecto, além das expectativas ine-
rentes à sua opção pela Licenciatura, existe, também, a expectativa
de que você venha a se apropriar de conceitos, ideias e reflexões
que compõe a área da Filosofia e, portanto, da figura do filósofo
ou, para lembrar os filósofos clássicos, daquele que é "amigo da
sabedoria".
Do que foi dito, de imediato poderíamos vir a questionar se é
possível a junção destas duas expectativas, pois, em princípio, elas
apresentam-se como distintas uma da outra. Indo mais além, po-
deríamos pressupor que, ao se enfatizar a Educação em uma das
expectativas, estaríamos como que apequenando o gigantismo ou
a profundidade da Filosofia; ou, ainda, que a excessiva ênfase na
apropriação do conhecimento filosófico poderia vir a fazer com
que tenhamos um filósofo e amigo da sabedoria em detrimento
de um futuro educador.
Embora não tenhamos condições de saber individualmente
qual é a sua expectativa e a de seus demais colegas de caminhada,
sabemos que este tipo de questionamento é possível e, por que
© Caderno de Referência de Conteúdo 13

não dizer, natural, pois, como mostraremos a você, a Filosofia traz


em sua gênese, o levantamento do ato de questionamento como
uma de suas características principais.
No entanto, este CRC, neste momento de sua formação, pro-
curará responder exatamente à possibilidade de conciliar essas ex-
pectativas, isso porque buscaremos defender argumentativamen-
te ao longo de nossos estudos que a Educação está estritamente
vinculada à Filosofia, e a Filosofia ficaria como que inviabilizada
sem que venhamos a lidar com o conceito de Educação.
Há de se ter claro que não estamos falando de qualquer edu-
cação, estamos falando da educação como Paideia e, nesse senti-
do, convidamos você a verificar, ao longo das unidades deste CRC,
que a relação entre Educação e Filosofia, na abordagem que apre-
sentaremos, se encontra em profunda simbiose.
Inicialmente, para que você possa perceber, a título introdu-
tório, o quanto os contornos da Paideia estão presentes na cultura
grega, leia, a seguir, as considerações de Werner Jaeger (2001, p.
27), o pesquisador que inspirou a construção deste CRC:
Dou a público uma obra de investigação histórica acerca de um
problema até agora inexplorado: a Paidéia, a formação do homem
grego, como base para uma nova consideração de conjunto do fe-
nômeno grego. Conquanto se tenha descrito frequentemente o
desenvolvimento do Estado e da sociedade, da literatura e da re-
ligião e filosofia dos gregos, ninguém até hoje tentou evidenciar
a ação recíproca entre o processo histórico pelo qual se chegou à
formação do homem grego e o processo espiritual através do qual
os gregos lograram elaborar o seu ideal de humanidade. Todavia,
não foi por ela não ter tido cultores até agora que me devotei a esta
tarefa; eu o fiz porque julguei ver que da solução deste profundo
problema histórico e espiritual estava pendente a inteligência da-
quela criação educativa ímpar, da qual irradia a imorredoura ação
dos gregos sobre todos os séculos.

Quanto ao segundo aspecto, o passeio panorâmico pelo CRC,


devemos dizer que ele se construiu ao longo do tempo, elegendo
como prioridades propiciar a você o seguinte:

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14 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

1) Apresentar a relação existente entre Educação e Filoso-


fia manifestada no conceito de Paideia.
2) Estabelecer algumas mudanças que o conceito de Pai-
deia sofreu ao longo do tempo por intermédio da ação
de alguns pensadores e grupos culturais.
3) Exemplificar alguns questionamentos críticos tecidos
por pensadores a respeito da importância ou pertinên-
cia do ideário presente na Paideia grega.
4) Sugerir algumas possibilidades de criação de novos ali-
cerces para a criação de uma Paideia na contempora-
neidade.
5) Esboçar uma justificativa da necessidade do resgate de
alguns dos elementos existentes na Paideia grega para
analisarmos a nossa realidade atual ou ainda melhorar-
mos algumas situações com os quais nos deparamos na
Educação contemporânea.
Como se percebe, os temas que pretendemos tratar neste
CRC são relativamente abrangentes e, em razão disso, considera-
mos agora necessário apresentar um aspecto que buscará orientá-
-lo neste CRC e que, caso seja adequadamente realizado, tornará
mais exitoso o caminho que traçamos para seus estudos.
Estamos nos referindo às sugestões de condutas e cuidados
que você poderia adotar em relação aos assuntos que serão apre-
sentados.
Bem, e por onde começar? Inicialmente, há de se dizer que a
primeira sugestão que apresentamos a você se refere aos cuidados
que deverá ter ao lidar com conceitos. Mas o que são conceitos?
Cada conceito é uma ideia geral derivada ou inferida de ocorrên-
cias ou instâncias específicas. Dito de outro modo, um conceito é
uma unidade cognitiva de significado ou ainda uma ideia abstrata
ou símbolo mental que expressa uma unidade de significado.
A Filosofia lida, sobretudo, com conceitos. Na verdade, mui-
tas vezes busca até mesmo elucidar o significado de conceitos ou
empreende, ainda, novas propostas de significado. Em razão dis-
© Caderno de Referência de Conteúdo 15

so, há de se ter muito cuidado na interpretação e uso dos concei-


tos, pois, muitas vezes, a ideia que você possui sobre determinado
conceito pode ser diversa da proposta em determinado discurso
ou usada por determinado autor.
Tomemos como exemplo o título deste CRC. Como você pode
perceber, usamos a palavra "Paideia" muitas vezes associando-a a
"Educação"; no entanto, você verá que o conceito de Educação, no
decorrer deste estudo, apresentará outras formas de abordagem.
Além disso, outros conceitos serão apresentados a você e,
dentre esses, citamos os conceitos de Areté, Kalós e Agathós. Es-
ses conceitos são gregos e trazem consigo toda uma especificidade
que necessita ser desvendada, pois, muitas vezes, a tradução lite-
ral dessas palavras para o português não dá conta das especificida-
des de seu uso e significado na língua grega.
Diante disso, convidamos você a mergulhar nesses concei-
tos, buscar referências em leituras que viermos a sugerir para você
ou ainda verificar em outras fontes os conceitos por nós apresen-
tados. Nesse sentido, uma boa dica que gostaríamos de lhe apre-
sentar é a de que você se municie com um bom dicionário de Fi-
losofia e que faça dele seu companheiro não somente neste CRC,
mas em todas as outras que virão ao longo deste curso.
O próximo aspecto que gostaríamos de refletir com você se
refere à necessidade de lidar com o contraponto de ideias. Embora
tenhamos como importante o conceito de Paideia e nos esmere-
mos para defender as ideias presentes nesse conceito, apresen-
taremos a você considerações críticas sobre ela, pois, como pre-
tendemos mostrar ao longo deste e de outros CRCs, o exercício da
Filosofia nunca deve ter como característica a busca por um ponto
final sobre determinado tema, isso porque ela mais se assemelha
à busca de pontos e vírgulas.
Dito de outro modo, poderíamos dizer que, ao longo deste
CRC, você naturalmente irá encontrar maior afinidade com esse ou

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16 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

aquele pensador ou ideia. No entanto, não desejamos que você


tome essa ideia ou pensador como suficiente para todas as inqui-
rições e respostas, pois, se assim o fizer, correrá o risco de perder
algo inerente ao exercício do filosofar.
Por fim, consideramos pertinente convidá-lo a se manifestar
criticamente em relação a este CRC, apresentando aprofundamen-
tos, questionando os argumentos, enfim, fazendo uso de uma au-
tonomia argumentativa que será essencial ao longo desta Gradua-
ção e que permitirá a você alçar novas viagens e estabelecer novos
destinos quer seja como educador ou como amigo da sabedoria.
Bem, agora o convidamos a analisar conosco alguns dos ele-
mentos que consideramos centrais e que se encontram em cada
uma das unidades deste CRC:
Unidade 1- Do mito ao logos: uma análise do nascimento da Filo-
sofia ocidental
Nesta unidade, intentamos discutir com você os alicerces da
cultura grega e, para isso, mostraremos as várias fases históricas
pelo qual passou a cultura grega. Estudaremos algumas das prin-
cipais características do período Pré-homérico (século 20 a.C. a 12
a.C.), Homérico (século 12 a.C. a 8º a.C.), Arcaico (século 8º a.C. a
6º a.C.) e Clássico (século 5º a.C. a 4º a.C.).
Feito isso, apresentaremos a você algumas das característi-
cas que favoreceram aquilo que foi intitulado de "milagre grego":
1) o desenvolvimento do alfabeto;
2) a criação da constituição;
3) o surgimento da política;
4) a intensa atividade comercial;
5) a criação da moeda;
6) as grandes navegações.
Logo a seguir, verificaremos algumas das principais caracte-
rísticas da cultura grega e também vamos lhe oferecer mais deta-
lhes de um dos principais elementos dessa cultura sua importância
© Caderno de Referência de Conteúdo 17

para o surgimento da Filosofia: o mito grego.


Buscaremos mostrar a você que os mitos sempre tiveram
muita importância para todas as sociedades, especialmente na ci-
vilização grega.
Unidade 2 - Antiguidade clássica grega e a Educação
A Unidade 2 ampara-se nas ideias apresentadas na obra Pai-
déia: a formação do homem grego, de Werner Jaeger. Nela, estu-
daremos o conceito central que dá nome a este CRC e também de
alguns outros conceitos gregos extremamente ligados a ele.
Bem, e quem foi Werner Jaeger (1888-1961)? Foi professor
em Harvard e publicou Paidéia em 1933, obra na qual concentrou
seus esforços para analisar as ideias e as práticas de Educação no
mundo helenístico, buscando demonstrar que essas ideias e prá-
ticas fundamentaram os sistemas educacionais e os sistemas de
pensamento da atualidade. Veremos os dois grandes sustentácu-
los da Educação grega, manifestados em Homero, o educador da
nobreza grega, e Hesíodo, cuja obra tem forte vinculação com a
Educação do homem do campo.
Quais aspectos gostaríamos de salientar a você nesse mo-
mento? No período homérico, o conceito de Paideia estava extre-
mamente vinculado à cultura e à Educação, e ambas eram consi-
deradas a face de uma mesma moeda. As virtudes do herói, bus-
cadas pela aristocracia grega, ou a Educação em valores e para o
trabalho, por intermédio da religião e dos mitos em que o homem
comum seria educado, vinculavam-se a esse conceito.
Há de se destacar que, apesar de terem existido grandes
sistemas educativos manifestados na tradição oral, para Jaeger,
somente com os gregos surgiu o que podemos verdadeiramente
chamar de "civilização" e "perseguição" de um ideal.
Para os gregos, o objetivo da Educação era o desenvolvimen-
to de um tipo elevado de homem. Eles acreditavam que a Edu-
cação abrangia o propósito de todos os esforços humanos e, não

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18 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

bastasse isso, a Educação seria a justificação máxima para a exis-


tência do indivíduo e da comunidade. Nesse processo, a cultura
seria resultado e parceira da Educação. Mas observe que, quan-
do falamos em cultura, essa não seria, segundo Jaeger, somente
o ideal antropológico de formas e expressões combinadas de uma
nação. Para ele, na Paideia grega iniciava-se a perseguição cons-
ciente de um ideal, um conceito de valor.
Assim, as inter-relações entre cultura e Educação acabaram
por gerar um ideal de formação do homem. Com isso, as pessoas
apropriaram-se do desejo de aquisição desse ideal estabelecido e,
à medida que seguiam os parâmetros para alcançá-lo e aproxima-
vam-se desse ideal, podiam ver nisso sua realização pessoal.
Nesta unidade, constam os conceitos que comporão todas
as nossas discussões futuras ao longo do CRC. Dentre estes concei-
tos, destacamos o de Paideia, ou seja, um ideal educativo vincula-
do a uma cultura. O conceito de Areté refere-se a um ideal de Ex-
celência ou virtude, os conceitos de Kalós e Agathós, sendo esses
respectivamente vinculados à ideia de beleza e virtuosidade. Você
verá que a Kalokagathia grega sofrerá influências e interpretações
diferenciadas por parte de Homero e Hesíodo.
Unidade 3 - Filosofia prática ou sobre os sofistas
Esta unidade trata de um grupo de filósofos que, ao longo do
tempo, sofreram uma série de ataques, em geral injustos, e que
acabaram por fazer cair no esquecimento uma série de contribui-
ções da cultura grega, ou seja, estudaremos a importância dos fi-
lósofos sofistas e suas ideias.
Se fossemos utilizar uma conceituação contemporânea para
defini-los, poderíamos dizer que os sofistas seriam aqueles que
fazem uso de sofismas, ou seja, um tipo de argumento especial
utilizado para convencer alguém. No entanto, mostraremos a você
que, na Grécia antiga, os sofistas pertenciam a uma categoria de
professores especializados no uso das ferramentas da Filosofia e
da retórica com o propósito de ensinar a Areté ou Excelência.
© Caderno de Referência de Conteúdo 19

Um aspecto que consideramos importante para sua análise e


que inserimos nesta unidade é a estreita vinculação das mudanças
políticas que passava a cidade de Atenas quando do florescimento
dos sofistas. Veremos que o grande líder grego Péricles, em um de
seus discursos, fazia uso de elementos da Excelência sofística, isto
é, a habilidade discursiva. Não buscaremos tratar especificamente
da influência do pensamento sofístico nas ideias de Péricles, mas
argumentaremos que a presença da sofística no apogeu da demo-
cracia grega, sob a liderança de Péricles, certamente não se deu
por acaso.
A partir desses elementos, esperamos colaborar para que
você perceba novas possibilidades de análise dos sofistas, execra-
dos por alguns filósofos (Platão, Aristóteles etc.), e elogiados por
outros (Nietzsche).
Unidade 4 - Evolução e desdobramentos do conceito de Paideia
Nesta unidade, analisaremos algumas personalidades que
contribuíram com alicerces mais sólidos na construção da Filoso-
fia. Estamos nos referindo a nomes como Sócrates, Platão e Aris-
tóteles. À medida que você se dedicar aos estudos desta unida-
de, verá que a busca pela sabedoria, manifestada na célebre frase
atribuída a Sócrates "uma vida não refletida não vale a pena ser
vivida", ganhará força e intensidade, pois a partir desses filósofos
ocorrerá uma forte vinculação de um ideal de Paideia manifesta-
do na busca de conhecimento. Ou seja, diferentemente do que
se acreditava até então, não basta mais ser corajoso ou nobre, tal
como em Homero, ou, ainda, trabalhador, tal como proposto por
Hesíodo, mas ser portador de Areté, buscar a sabedoria, ou, para
lembrarmos Sócrates, é virtuoso aquele que sabe que nada sabe e,
em razão disso, sempre está buscando o saber.
Além disso, buscaremos tratar de alguns desdobramentos
da Paideia grega em outras culturas e momentos históricos. Dessa
forma, você conhecerá um pouco do conceito de Humanismo, a

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20 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

apropriação da Paideia em um mundo cristão, com o consequente


surgimento da Paideia Christi e, por fim, terá contato com as ma-
nifestações recentes da Paideia que surgiram com o movimento
germano-europeu denominado "Bildung".
Unidade 5 - Análise crítica da Paideia e sua importância na
contemporaneidade
Por fim, nessa última unidade, buscaremos despertar em
você algumas reflexões a respeito da Educação na contempora-
neidade. Inicialmente, incentivaremos você a reconhecer que,
em Filosofia, sempre haverá o contraditório, ou seja, uma visão
divergente em relação a qualquer tema. Para que você possa ava-
liar essa característica eminentemente filosófica, apresentaremos
as ideias de dois pensadores que fizeram críticas à Paideia grega:
Friedrich Nietzsche e Jacques Derrida.
Com a apresentação das veementes críticas desses pensa-
dores, esperamos incentivá-lo a repensar tudo aquilo que estudou
até o momento. Mostraremos a você alguns dos desafios no mun-
do atual, quando iniciarmos uma análise da Educação contempo-
rânea. Para isso, apresentaremos algumas considerações a respei-
to desse tema advindas da corrente filosófica chamada "Escola de
Frankfurt".
Ao término da unidade, buscaremos lhe apresentar duas
possibilidades para que possa refletir a respeito da Educação na
atualidade, quem sabe servindo isso para o início para uma nova
Paideia. A primeira alicerça-se nas ideias de Theodor Adorno e seu
conceito de emancipação, e a segunda, um pouco menos conheci-
da, manifesta-se nas ideias do filósofo norte-americano Mortimer
Adler e sua proposta para uma Paideia.
Bem, e o que esperamos com isso? Ao pensarmos em nossa
despedida ao final do estudo deste CRC, recorremos a uma frase,
escrita no século 12, pelo filósofo francês Bernard de Chartres
(CHARTRE apud MERTON, 1993, p. 37) e que se caracterizou por
afimar que "Somos como pigmeus sobre os ombros de gigantes".
© Caderno de Referência de Conteúdo 21

Por gigantes, entendemos toda nossa herança filosófica ocidental


e, em razão dela, torcemos para que você se aproprie dos ideais
daqueles que nos antecederam e possa perceber o quanto a relação
Educação e cultura é importante, o quanto estamos carentes de
um ideal de construção pessoal a partir de um ideal humano ou
de humanidade.
Enfim, esperamos que você descubra uma proposta de Exce-
lência, como diriam os gregos de Areté, e que esta possa fazer com
que você se anime nesse processo de superação e de realização
de uma excelência humana fincada fortemente nos alicerces da
Educação.
Bons estudos.

Glossário de Conceitos
O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rápi-
da e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um bom
domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de co-
nhecimento dos temas tratados no CRC Paideia: Tópicos de Filoso-
fia e Educação. Veja, a seguir, a definição dos principais conceitos:
1) Ágora: lugar aberto onde se realizavam as assembleias
nas antigas cidades-estados gregas. Especificamente no
caso de Atenas, a ágora acabou tornando-se símbolo da
democracia grega, pois nela participavam aqueles que
eram considerados cidadãos atenienses.
2) Areté: de modo geral, corresponde a uma espécie de Ex-
celência, ou seja, a necessidade de preenchimento de
uma certa função ou objetivo. Dito de outro modo, se
estabelecermos um parâmetro de Excelência e vivermos
em busca da construção e aproximação desse parâme-
tro, estamos buscando a construção de nossa Areté.
Nessa palavra, está presente a ideia de que deveríamos
viver da melhor forma que poderíamos, ou, ainda, em
busca do mais valoroso potencial humano.
3) Etnocentrismo: conceito muito utilizado contempora-
neamente, pois trata de questões que, na atualidade,

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22 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

ganharam peso e importância quando nos dedicamos


a analisar as relações entre culturas e povos diferentes.
De modo geral, podemos dizer que o etnocentrismo
se caracteriza por um julgamento de valor, esse julga-
mento de valor é aplicado a outras culturas ou sistemas
culturais e, ao fazê-lo, o realizamos a partir de nossos
próprios padrões culturais. Esses julgamentos de valor
se aplicam a várias facetas de manifestações culturais e,
dentre eles, citamos os julgamentos que fazemos a res-
peito dos costumes de determinada cultura, seu com-
portamento, religião, linguagem etc. Vejamos a seguir a
definição apresentada por Costa Filho (2006, p. 12): "O
termo indica uma visão de mundo que considera meu
grupo como padrão para o julgamento dos comporta-
mentos dos outros. O que é diferente é rejeitado. É ridi-
cularizado. Meu modo de vida é o correto. O dos outros
está errado. Esta postura se origina de um processo de
estranhamento, comum nos choques entre culturas di-
ferentes. No entanto, torna-se preconceituosa quando
julga um modo de vida superior a outro". Sua origem
advém da palavra grega etnos e esta palavra tem sido
traduzida como povo, raça, cultura, nação, etc. O criador
deste conceito foi o sociólogo Willian Graham Sumner e
a definição que apresentou é a que se segue "Etnocen-
trismo é o nome técnico para esta visão das coisas no
qual a visão do próprio grupo é o centro de tudo, e todos
os outros são escalados e classificados com referência a
este". (SUMNER, 1973, p. 135).
4) Humanismo: o conceito de Humanismo, ou de seus deri-
vados, o de humanidade, tem profunda vinculação com
os temas que iremos estudar neste CRC. Embora faça-
mos algumas considerações baseadas em Werner Jaeger
e que associam o Humanismo à Paideia grega, veremos
que esse conceito traz consigo peculiaridades que o dis-
tingue e o aproxima de sua origem semântica na cultura
romana. Segundo Nicola Abbagnano (2007, p. 519): "Em
sentido mais geral, pode-se entender por Humanismo
qualquer tendência filosófica que leve em consideração
as possibilidades e, portanto, as limitações do homem,
e que, com base nisso, redimensione os problemas filo-
sóficos".
© Caderno de Referência de Conteúdo 23

5) Kalós Kagathos: junção de dois adjetivos gregos, o pri-


meiro refere-se à Kalós (beleza) e o outro à Agathós (vir-
tuoso ou bom). Usado no Período Clássico grego, o ter-
mo Kalokagatkía era utilizado para se referir a um ideal
de conduta pelo qual o grego deveria se pautar, sobre-
tudo na esfera militar. A expressão grega καλοκαγαθία
desempenha um papel importante na formulação de
muitas concepções éticas, ético-sociais e ético-políticas
da Antiguidade. Literalmente a qualidade da Kalokaga-
thía equivale à qualidade "beleza e bondade"; possui
καλοκαγαθία quem é καλός κάγαθός, "belo e bom".
Nesse contexto, "ser belo" significa primariamente "ser
nobre" no sentido de ser um "bom exemplar do próprio
tipo"; "ser belo" é, por assim dizer, "ser de raça". A ex-
pressão καλός κάγαθός é, muitas vezes, traduzida como
"homem honrado" ou "homem de honra" não somen-
te com o sentido de "um homem honrado", mas de ser
o modelo para todo homem honrado, de pertencer às
seletas fileiras dos καλοί κάγΐβοι. Esse modelo de ho-
mem honrado "nobre e bom" é também "bom cidadão"
(MORA, 1970, p. 1042).
6) Paideia: conceito exercerá a função de núcleo de todas
as nossas indagações. Inicialmente, procuraremos vín-
culos que a Paideia poderia se ter com o conceito con-
temporâneo de Educação. Apresentar sua conceituação
ainda não é tarefa muito fácil, porém alguns estudiosos
já procuraram fazê-lo. Para Jaeger (2001, s. p.), na apre-
sentação de sua obra, reconhece que Paideia é: "difícil
de definir: como outros conceitos de grande amplitude
(por exemplo, os de Filosofia ou cultura), resiste a dei-
xar-se encerrar numa fórmula abstrata. Seu conteúdo e
significado só se revelam plenamente quando lemos a
sua história e lhes seguimos o esforço para conseguirem
plasmar-se na realidade".
Na tentativa de conceituar esse termo, muitos o inserem
no conceito de cultura, como Abbagnano (2007, p. 225):
"No significado referente à formação da pessoa huma-
na individual, essa palavra corresponde ainda hoje ao
que os gregos chamavam de Paidéia e que os latinos, na
época de Cícero e Varrão, indicavam com a palavra hu-
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24 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

manitas: a Educação do homem como tal, ou seja, Edu-


cação devida às "boas artes" peculiares do homem, que
o distinguem de todos os outros animais. As boas artes
eram a poesia, a eloqüência, a Filosofia etc., às quais se
atribuía valor essencial para aquilo que o homem é e
deve ser, portanto para capacidade de formar o homem
verdadeiro, o homem na sua forma genuína e perfeita.
Para os gregos, a cultura nesse sentido foi a busca e a
realização que o homem faz de si, isto é, da verdadeira
natureza humana. E teve dois caracteres constitutivos:
1ª estreita conexão com a Filosofia, na qual se incluíam
todas as formas de investigação; 2ª estreita conexão
com a vida social. Em primeiro lugar, para os gregos, o
homem só podia realizar-se como tal através do conheci-
mento de si mesmo e de seu mundo, portanto mediante
a busca da verdade em todos os domínios que lhe dis-
sessem respeito. Em segundo lugar, o homem só podia
realizar-se como tal na vida em comunidade, na pólis – A
República, de Platão, é a expressão máxima da estrei-
ta ligação que os gregos estabeleciam entre a formação
dos indivíduos e a vida da comunidade; e a afirmação de
Aristóteles de que o homem é por natureza um animal
político tem o mesmo significado. Mas num e noutro as-
pecto, a natureza humana de que se fala não é um dado,
um fato, uma realidade empírica ou material já existen-
te, independentemente do esforço de realização que é
a cultura. Só existe como fim ou termo do processo de
formação cultural; é, em outros termos, uma realidade
superior às coisas ou fatos, é uma idéia no sentido platô-
nico, um ideal, uma forma que os homens devem procu-
rar realizar e encarnar em si mesmos"..
7) Panteísmo: palavra de origem grega, resultado da junção
de dois vocábulos: pan (tudo) e theos (Deus). Segundo
Japiassú (2001, p. 206), pode-se dizer que o panteísmo
é a "concepção segundo a qual tudo o que existe deve
sua existência a Deus, e em última análise se identifica
com Deus. Deus é assim um ser imanente ao mundo, à
natureza, e não um ser exterior e transcendente". Assim,
para o panteísta, não existiria um deus pessoal, com ca-
racterísticas antropomórficas, ou, ainda o "deus criador"
tal como prega, por exemplo, o cristianismo. Dentre os
© Caderno de Referência de Conteúdo 25

grandes pensadores que tiveram uma fundamentação


panteísta, podemos citar Spinoza e uma de suas frases
emblemáticas: Deo sive natura (Deus está na natureza).
8) Falocentrismo: termo utilizado com especial ênfase pelo
filósofo francês Jacques Derrida e utilizado para se refe-
rir ao domínio dos valores masculinos ao longo da histó-
ria ocidental e que tiveram, na cultura grega e em seus
ideais de Paideia, um de seus alicerces principais. Diz-se
que em uma sociedade falocêntrica o falo constitui o va-
lor fundamental dela.
9) Logocentrismo: embora neste CRC façamos uso desse
termo a partir das considerações do pensador francês
Jacques Derrida, ele surgiu a partir das considerações
do filósofo alemão Ludwig Klages (JUSSI, 2012, s/p). De
modo geral, segundo Klages , a postura logocêntrica
caracteriza-se por considerar como superior o logos "a
palavra" ou ainda o "ato da fala" como sendo superior
nos sistemas ou ainda estruturas que utilizamos para co-
nhecer.

Esquema dos Conceitos-chave


Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figuras 1 e 2), um
Esquema dos Conceitos-chave. O mais aconselhável é que você
mesmo faça o seu esquema de conceitos-chave ou até mesmo o
seu mapa mental. Esse exercício é uma forma de você construir o
seu conhecimento, ressignificando as informações a partir de suas
próprias percepções.
É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos
Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações entre
os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais com-
plexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você na or-
denação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino.
Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-
-se que, por meio da organização das ideias e dos princípios em es-
quemas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu conhe-

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26 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

cimento de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos peda-


gógicos significativos no seu processo de ensino e aprendizagem.
Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-
colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas
em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda,
na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es-
tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos
conceitos e de proposições na estrutura cognitiva. Assim, novas
ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem pontos
de ancoragem.
Tem-se de destacar que "aprendizagem" não significa, ape-
nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva; é preciso, sobretu-
do, estabelecer modificações para que ela se configure como uma
aprendizagem significativa. Para isso, é importante considerar as
entradas de conhecimento e organizar bem os materiais de apren-
dizagem. Além disso, as novas ideias e os novos conceitos devem
ser potencialmente significativos para todos os sujeitos envolvi-
dos, uma vez que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes
estruturas cognitivas, outros serão também relembrados.
Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é
você o principal agente da construção do próprio conhecimento,
por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações inter-
nas e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo
tornar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu co-
nhecimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, esta-
belecendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer
com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (Utiliza-
ção de Mapas Conceituais na Educação).
© Caderno de Referência de Conteúdo 27

Figura 1 e 2 Esquemas dos Conceitos-chave do Caderno de Referência de Conteúdo Paideia:


Tópicos de Filosofia e Educação .

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28 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Como se pode observar, os esquemas oferecem uma visão


geral dos conceitos mais importantes deste estudo. Ao segui-lo,
será possível transitar entre os principais conceitos deste CRC e
descobrir o caminho para construir o seu processo de ensino-
-aprendizagem.
O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de
aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambien-
te virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como
àqueles relacionados às atividades didático-predagógicas realiza-
das presencialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EaD,
deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio co-
nhecimento.

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser
de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertativas.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como re-
lacioná-las com a prática do ensino de Filosofia pode ser uma forma
de você avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante a resolução de
questões pertinentes ao assunto tratado, você estará se preparando
para a avaliação final, que será dissertativa. Além disso, essa é uma
maneira privilegiada de você testar seus conhecimentos e adquirir
uma formação sólida para a sua prática profissional.
Você encontrará, ainda, no final de cada unidade, um gabari-
to, que lhe permitirá conferir as suas respostas sobre as questões
autoavaliativas de múltipla escolha.

As questões de múltipla escolha são as que têm como respos-


ta apenas uma alternativa correta. Por sua vez, entende-se por
questões abertas objetivas as que se referem aos conteúdos
matemáticos ou àqueles que exigem uma resposta determinada,
inalterada. Já as questões abertas dissertativas obtêm por res-
posta uma interpretação pessoal sobre o tema tratado; por isso,
normalmente, não há nada relacionado a elas no item Gabarito.
© Caderno de Referência de Conteúdo 29

Você pode comentar suas respostas com o seu tutor ou com seus
colegas de turma.

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-
grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra-
tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no
texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con-
teúdos do CRC, pois relacionar aquilo que está no campo visual
com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)
O estudo deste CRC convida você a olhar, de forma mais apu-
rada, a Educação como processo de emancipação do ser humano.
É importante que você se atente às explicações teóricas, práticas
e científicas que estão presentes nos meios de comunicação, bem
como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao com-
partilhar com outras pessoas aquilo que você observa, permite-se
descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a
notar o que não havia sido percebido antes. Observar é, portanto,
uma capacidade que nos impele à maturidade.
Você, como aluno dos cursos de Graduação na modalidade
EaD, necessita de uma formação conceitual sólida e consistente.
Para isso, você contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor
presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugeri-
mos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades
nas datas estipuladas.

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30 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em


seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-
rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-
ções científicas.
Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie
seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discuta
a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos
para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,
pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na
modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a
este CRC, entre em contato com seu tutor. Ele estará pronto para
ajudar você.

3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
COSTA FILHO, I. C. Etnocentrismo, comunição e cultura popular. Revista da FA7, v. 1, 2006.
JAEGER, W. Paidéia: a formação do homem grego. Tradução de Artur M. Parreira. São
Paulo: Martins Fontes, 2001.
JUSSI, B. Logocentrism and the gathering y: Heidegger, Derrida, and contextual centers of
meaning. Research in Phenomenology, v. 42, n. 1 p. 67-91, 2012.
MERTON, R. K. On the shoulders of giants: a Shandean postscript. Chicago: University of
Chicago Press, 1993.
MORA, J. F. Dicionário de Filosofia. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1970.
SUMNER, W. G. Folkways and Mores. In: MIZRUCHI, E. H. (Org). The substance of sociol-
ogy: codes, conduc and consequences. New York: Meredith Corporation, 1973.
EAD
Unidade 1
Do µῦθος ao λογος:
uma análise do

1
nascimento da
Filosofia ocidental

1. OBJETIVOS
• Reconhecer e comentar sobre a importância da origem da
Filosofia para a compreensão do fenômeno educacional
grego.
• Examinar e comentar sobre a passagem do mito para o
logos.
• Contextualizar historicamente a passagem do mito ao
logos, com ênfase aos séculos precedentes ao século 6º
a.C. (quando se convenciona o nascimento da Filosofia),
tratando-se, também, das hipóteses que envolvem esse
momento.
• Analisar as influências de Hesíodo e, sobretudo, de Ho-
mero no "nascimento" da Paideia grega.
• Especular e enumerar as principais características da Pai-
deia grega desse período.
32 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

• Analisar e comentar a passagem do mito à Filosofia, con-


siderando alguns conceitos e paradigmas da época.
• Investigar e identificar as principais marcas da Filosofia
nascente, considerando seu método, objeto da análise
etc.
• Reconhecer e comentar as principais teses sobre o nas-
cimento da Filosofia, com atenção especial às ideias do
gênio grego e da racionalização progressiva.

2. CONTEÚDOS
• Período Pré-homérico.
• Período Homérico.
• Período Arcaico.
• Período Clássico.
• Religião Pública.
• Religião dos Mistérios (orfismo).
• Mito.
• Do mito ao logos.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Busque outros comentários sobre o nascimento da Fi-
losofia, e se encontrar algo interessante, disponibilize-o
para seus colegas na Lista.
2) Ler as obras Ilíada e Odisséia de Homero é fundamental
para sua formação; portanto, não deixe de fazê-lo.
3) Leia os livros indicados no tópico Referências Bibliográfi-
cas e não se esqueça de que este CRC é apenas um refe-
rencial de conteúdo.
© U1 - Do µῦθος ao λογος: uma análise do nascimento da Filosofia ocidental 33

4) Caso você se interesse por mitos, a obra O poder do mito,


de Joseph Campbell, citada nas referências, já pode ser
encontrada em DVD: O Poder do Mito (Documentário).
Direção de Bill Moyers, EUA, 2006.
5) Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado
a este conteúdo, entre em contato com seu tutor. Ele
estará pronto para ajudá-lo.
6) Se quiser conhecer mais sobre essas teorias, consulte a
obra de Bulfinch (1999) citada nas Referências bibliográ-
ficas.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
O desenvolvimento do pensamento lógico é, certamente,
um fator único em toda a história da humanidade. Graças a ele, o
homem pôde construir coisas nunca antes imagináveis, dentre as
quais enfocamos a Filosofia e a Educação.
Com o advento do pensamento filosófico, há uma revolução
radical na forma do homem se posicionar diante do mundo e dele
mesmo, e isso influencia diretamente todas as dimensões de sua
existência.
Nesse primeiro momento, cuidaremos da mudança paradig-
mática decorrente do nascimento da Filosofia, para só então, nas
próximas unidades, tratar de questões mais específicas ao univer-
so da formação educacional.

Problema originário!
Por que e como surgiu a Filosofia? Ou de forma mais global, quais
as condições que possibilitaram o advento do pensamento racio-
nal?

Agora, convidamos você a buscar e fundamentar a respos-


ta dessas intrigantes questões, pensando sempre nas implicações
decorrentes.

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34 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Ora, quando a maioria dos profissionais das chamadas "ciên-


cias humanas" resolve iniciar uma pesquisa, a primeira atitude to-
mada é rastrear de forma detalhada as condições de nascimento,
gênese e estruturação, que envolvem seu objeto de estudo.
Por exemplo, um psicólogo, ao iniciar o tratamento de algum
paciente, faz uma investigação cuidadosa de seus anos iniciais, do
quadro existente em seu nascimento, levando em consideração as
mais diversas dimensões, o que também é feito pelo antropólogo,
que, ao decidir pesquisar sobre determinado grupo, começa a re-
colher todo o material possível sobre as condições que favorece-
ram aquela formação.
Contudo, o que percebemos é que muitas vezes esse proce-
dimento é negligenciado, e isso ocorre, sobretudo, no campo da
Filosofia.
Para ilustrar e embasar essa afirmação, vamos buscar alguns
exemplos em manuais de Filosofia:
1) "A filosofia surgiu [...] por volta do século 7º ou 6º a.C.
Contrastando com os mitos, ela tem por objetivo dar aos
fatos uma explicação lógica e racional" (COTRIM, 1989,
p. 10).
2) "[...] floresceu precisamente em Mileto, colônia grega
do litoral da Ásia Menor, durante todo o século 6º [...]"
(PADOVANI; CASTAGNOLA, 1974, p. 99).
As citações confirmam o que dissemos, pois percebemos
que na Filosofia muitas análises ocorrem e são aprofundadas sem
esse tratamento genealógico inicial. Em relação a esses textos, é
perceptível o tratamento inadequado dado ao surgimento da Fi-
losofia, neles as informações são apresentadas de forma superfi-
cial e os fatos importantes são omitidos, especificamente sobre a
contraposição da Filosofia em relação aos mitos, a qual é feita de
forma simplificadora das questões envolvidas neste tema.
Desse momento em diante, procuraremos examinar com
cuidado as diversas facetas que colaboraram para o advento do
© U1 - Do µῦθος ao λογος: uma análise do nascimento da Filosofia ocidental 35

pensamento filosófico, levando em conta sua grande influência so-


bre todo o pensamento posterior.
Como retomar o nascimento da Filosofia? Como estudar
esse período tão rico e grandioso em significado? Como não cair
no erro de analisá-lo desregradamente? Qual caminho seguir e
como segui-lo?
Para não cometer os mesmos erros que cometem os manu-
ais de Filosofia por nós criticados, neste tópico, traçaremos um
itinerário de pesquisa, tendo em vista apresentar e, em sentido
mais específico, eleger o instrumental teórico por meio do qual
delinearemos nossa análise.
Optamos pelo seguinte itinerário:
1) Contextualização histórica, com ênfase aos séculos pre-
cedentes ao 6º século a.C. (o qual se convenciona para o
nascimento da Filosofia), tratando, também, das hipóte-
ses que envolvem esse momento.
2) Análise das influências de Hesíodo e, sobretudo, Home-
ro no "nascimento" da Filosofia e respectivamente da
Paideia grega.
3) Especulação sobre as principais características da cons-
ciência mítica.
4) Exame da passagem do mito à Filosofia considerando al-
guns conceitos e paradigmas da época.
5) Investigação das principais marcas da Filosofia nascente,
considerando seu método, objeto de análise etc.
6) Reconhecimento das principais teses sobre o nascimen-
to da Filosofia, com atenção especial às ideias do gênio
grego e da racionalização progressiva.

5. LEVANTAMENTO HISTÓRICO
Compreendendo a história como um organismo vivo e dire-
tamente atuante em nossa existência, optamos inicialmente por
confeccionar uma breve retomada histórica, que nos fornecerá os

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36 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

instrumentos necessários para nos situarmos no nosso ambiente


de análise.
As principais análises históricas dividem a antiguidade Grega
em quatro grandes períodos, a saber:
1) Pré-homérico (século 20-12 a.C.).
2) Homérico (século 12-8º a.C.).
3) Arcaico (século 8º-6º a.C.).
4) Clássico (século 5º-4º a.C.).
Convidamos você a conhecer panoramicamente cada um
deles. Vamos lá?

Período Pré-homérico
O Período Pré-homérico (século 20 a.C.-12 a.C.) foi palco da
chegada dos povos que configurariam por definitivo a formação
da Grécia, dentre eles os aqueus, seguidos dos jônios e dos eólios,
que foram se instalando nas ilhas do mar Egeu e por todo o litoral
da Ásia Menor.
Os aqueus, com suas férteis terras, construíram diversas ci-
dades, dentre elas a importante cidade de Micenas. Com o tempo,
passaram a estabelecer contato com a população da ilha de Creta,
que era pioneira nos ramos comercial e marítimo. Essas relações
possibilitaram uma considerável expansão dos aqueus, pois eles
passaram a dominar, dentre outras coisas:
• a arte da navegação,
• a metalurgia do bronze, e
• o uso da escrita.
Em aproximadamente 1100 a.C., os dórios, servidos de suas
armas de ferro, atacaram o povo aqueu, ocasionando uma fuga
das populações para o interior do continente, o que ficou conhe-
cido como a primeira diáspora grega, que deu origem aos génos
(γένοσ), que representavam grandes famílias ou clãs. Com o surgi-
mento dos génos, inicia-se o Período Homérico.
© U1 - Do µῦθος ao λογος: uma análise do nascimento da Filosofia ocidental 37

Período Homérico
Esse período foi nomeado "homérico" porque o que sabe-
mos dele nos é trazido por intermédio das obras Ilíada e Odisséia,
atribuídas ao poeta Homero. Adiante, iremos nos dedicar a anali-
sar algumas das principais contribuições de Homero para a Paideia
e para a Filosofia grega, mas, antes disso, convém contextualizar-
mos esse período.
Uma das principais marcas do período, além da invasão dos
dórios, foi a existência do génos. Os génos possuíam terras em co-
mum e sua agricultura era dirigida unicamente à subsistência dos
moradores. Eles eram liderados pelo homem mais velho do clã,
em um regime de poder patriarcal. Há relatos, ainda, de que nos
génos havia um culto aos antepassados, que eram considerados
heróis ou descendentes dos deuses gregos.
Aproximadamente, nos quatro séculos que compreendem
o Período Homérico, uma crise generalizada desencadeou-se na
estrutura dos génos, devido, entre outras coisas, ao crescimento
populacional que gerou a divisão da terra e dos bens.
Com o crescimento populacional, as terras férteis não mais
suportavam a demanda, gerando uma escassez de alimentos que
culminou em vários conflitos pelo direito do uso da terra, iniciando
um processo de privatização das propriedades.
Como consequência das sociedades privadas, nasceu a de-
sigualdade social, a divisão em classes e o individualismo, bem
como a escravidão. No intuito de se restabelecerem os génos, os
gregos uniram-se em grandes tribos.
Essas tribos instalaram-se em cumes, cercando-se por ver-
dadeiras muralhas. Esses locais receberam o nome de acrópole,
em torno da qual se formaram várias cidades, dentre elas, Atenas,
Esparta e Tebas.
A economia começou a crescer e, no final do Período Ho-
mérico, com a utilização da escrita e da moeda, as cidades ressur-

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38 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

giram, possibilitando a expansão da navegação e a conquista de


outras terras.
Tal fato desencadeou a segunda diáspora grega, que signifi-
cou a expansão dos colonos gregos na Líbia, no Egito e no sul da
Península Itálica. Consequentemente, propiciou a implantação do
comércio grego, originando uma grandiosa rede comercial.
Com o contínuo desaparecimento da unidade familiar e a
migração da população em busca de terras férteis, iniciou-se a for-
mação de um novo paradigma político, que, mediante a união de
tribos e vilarejos, originou a criação das cidades-estado.
E o que seriam as cidades-estado? De modo geral, podemos
dizer que essas cidades seriam uma espécie de entidade autôno-
ma, cujo território se manifestava nos limites próximos da própria
cidade e estas cidades não compõem parte de outro governo, isto
porque o governo se dá nestas mesmas cidades. Especificamente
para o nosso tema em questão, convém que citemos as cidades de
Atenas e Esparta como referência de cidades-estado que surgiram
naquele período.
Convém dizer, ainda, que com o surgimento das cidades-
-estado, marca-se o fim do Período Homérico e o início do Período
Arcaico.

Período Arcaico
O Período Arcaico desenvolveu-se do século 8° ao século
6º a.C. Suas principais marcas foram a presença das cidades-
-estado, ou pólis (ver as figuras 1, 2 e 3), que possuíam governos
próprios e limites definidos, mantendo entre si relações diplo-
máticas. O período é marcado, também, pelo início da coloniza-
ção grega nas regiões vizinhas.
Nesse período, surgiu o alfabeto grego, que propiciou o apa-
recimento da Literatura e da Filosofia, fortalecendo o sistema cul-
tural vigente até então.
© U1 - Do µῦθος ao λογος: uma análise do nascimento da Filosofia ocidental 39

Mediante essa expansão cultural, nasceu o Período Clássico


que se estende do século 6º ao século 4º a.C.

Período Clássico
O Período Clássico foi um dos mais conturbados da história
grega, pois ao mesmo tempo em que as cidades-estado atingiam
seu auge econômico e cultural, eclodiam algumas guerras que as
devastavam. Nesse sentido, sugerimos a você que investigue algu-
mas dessas guerras e, em especial, a guerra do Peloponeso (431
a.C.-404 a.C.), pois essa guerra especificamente trouxe uma série
de desdobramentos importantes para a discussão filosófica.
Nesse período, emergiram grandes sistemas filosóficos,
como o platonismo e o aristotelismo, além de diversas outras mu-
danças e expansões no campo artístico e literário.

"Mola propulsora" para o nascimento da Filosofia


Com a breve retomada histórica apresentada até agora, foi
possível perceber que a Grécia do século 6º a.C., no qual se con-
venciona o nascimento da Filosofia, é o resultado de mudanças
estruturais que vinham eclodindo desde tempos longínquos.

Figura 1 Atenas.

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40 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Figura 2 Esparta.

Figura 3 Tebas.

Após essa contextualização histórica, pontuaremos neste tó-


pico os fatos cruciais, que ao longo de todas estas mudanças que
© U1 - Do µῦθος ao λογος: uma análise do nascimento da Filosofia ocidental 41

apresentamos, estimularam e impulsionaram a o surgimento da


Filosofia grega. Os principais fatores são destacados a seguir:
1) Desenvolvimento do alfabeto: a importância do desen-
volvimento do alfabeto é a expansão cognitiva que seu
uso ocasiona. Com ele, é favorecida a discursividade
marcadamente lógica, linear, refletidamente estrutura-
da.
2) Criação da constituição: a criação de uma constituição
instiga a reflexão sobre os postulados axiológicos da
existência, impulsionando os homens a pensar em pro-
blemas, resoluções, hipóteses, aporias etc.
3) Surgimento da política: não que a política tenha nascido,
por assim dizer, nesse período, mas certamente, nesse
momento específico, sua presença e importância foram
evidenciadas. A necessidade de pensar a vida em grupo
impele o homem a refletir sobre suas características e
sobre suas diferenças com os demais, como também de
propor paradigmas que abranjam a todos, sem contar a
troca de opiniões que implica um tratamento cauteloso
das ideias. O homem passa a se reconhecer como o go-
vernante da pólis, papel que outrora era dos deuses.
4) Intensa atividade comercial: o desenvolvimento da ati-
vidade comercial traz consigo, além da melhoria econô-
mica que possibilita o tratamento de diversas questões
(lembrando que essa melhoria levou ao ócio, e esse
colaborou para o surgimento do pensamento), o inter-
câmbio de culturas, paradigmas, enfim uma variedade
de coisas que enriquecem e estimulam o pensamento
humano.
5) Criação da moeda: dentre outras coisas, essa criação
embute uma maneira mais abstrata e generalizada de
avaliar e comparar as coisas.
6) Grandes navegações: marcadamente um povo maríti-
mo por sua localização privilegiada, com o advento das
grandes navegações os gregos começam a desmistificar
e desbravar o mundo.

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42 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Reconhecidas as características históricas, é hora de analisar


as outras dimensões presentes quando do nascimento da Filosofia.
Para isso, retomaremos o Período Homérico, deixando por
ora as características históricas de lado para considerar as estrutu-
ras internas da obra de Hesíodo e Homero como possibilitadoras
do surgimento da consciência lógica.

6. IMPORTÂNCIA DE HOMERO E HESÍODO PARA O


NASCIMENTO DA FILOSOFIA
Os poetas gregos Hesíodo e Homero são dois reconhecidos
nomes da literatura mundial. Suas obras transcendem à simples
narração e confabulação de histórias, alcançam importância para-
digmática e pedagógica na história do Ocidente.

Hesíodo e a vida no campo


Embora Hesíodo não tenha suas obras co-
nhecidas pelo grande público na contempora-
neidade, esse poeta em conjunto com Homero,
também marcou de forma indelével a formação
cultural do povo grego na época clássica. Para ini-
ciar nossa apresentação a respeito desse perso-
nagem, disponibilizamos, a seguir, uma pequena
síntese biográfica e alguns aspectos de sua impor-
Figura 4 Hesíodo. tância para a formação cultural do povo grego:
Hesíodo [...], personalidade de grande vulto, posterior a Homero,
foi considerado o criador da poesia didática. Viveu em Beócia, pro-
vavelmente no final do século VIII ou no começo do século VII a.C.,
época de luta entre proprietários de terras e a população excluí-
da de privilégios, trabalhadores agrícolas, pastores, artesãos. Sua
obra Teogonia, baseia-se na compilação, análise e ordenação de
tradições míticas, e procura estabelecer a genealogia dos deuses,
mostrando como se organiza o mundo divino. Em "Os trabalhos e
os dias", esse autor mostra a organização do mundo dos mortais,
salientando a mão humana, o trabalho do homem, como princípio
para uma existência digna (SHIGUNOV NETO; NAGEL, 2012, p. 3).
© U1 - Do µῦθος ao λογος: uma análise do nascimento da Filosofia ocidental 43

Com o intuito de noticiar um breve comentário sobre a vida


de Hesíodo, devemos recordar que ele é o escritor mais antigo mais
antigo do mundo helênico de que temos notícia. Escrevia em lín-
gua jônica, embora seja mais provável que sua língua materna fosse
uma mistura de dórico e eólio.
Não diferente dos encargos de muitos homens de sua época,
Hesíodo era pastor e assim permaneceu até que um dia, segundo
consta, as musas lhe apareceram e lhe ordenaram "cantar a raça
dos benditos deuses imortais".
Como mencionado na citação, suas obras capitais foram Os tra-
balhos e os dias e Teogonia. A Teogonia é um poema marcadamente
permeado por concepções religiosas e teológicas, que narra e tenta
explicar o nascimento dos heróis e dos deuses do Olimpo. As con-
cepções ali, religiosamente afixadas, foram levadas a cabo por vários
séculos na Grécia, e influenciaram diretamente a Filosofia nascente.
Já em Os trabalhos e os dias, Hesíodo expõe a vida campes-
tre do homem grego como modelo de honestidade e virtude que
agradaria até mesmo aos deuses. É uma obra de forte intenção
pedagógica e moralizante.
O que percebemos no conjunto da obra hesiodiana é, em
uma análise mais breve, o cuidado com as questões relacionadas
aos deuses e à vida cotidiana dos homens, com suas privações e
destinamentos, tudo isso ilustrado pelo ambiente fantástico e mis-
terioso dos mitos.

Homero: o educador par excellence


Certamente, você já teve algum contato
com alguma obra de Homero, quer tenha sido
por meio de produções cinematográficas que
tratam de alguns dos aspectos presentes em
suas duas grandes obras, Ilíada e Odisséia, ou,
ainda, no contato direto com tais produções.
Esse poeta é extremamente importante para
os alicerçes da cultura grega ou, então, as rela-
Figura 5 Homero.

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44 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

ções existentes entre Filosofia e Educação. Seus poemas acabam


por fornecer esse contexto, quer seja na linguagem ou em alguns
aspectos do pensamento que adveio a reflexão filosófica. Dentre
algumas das informações que colhemos a seu respeito, considera-
mos pertinente apresentar a você a síntese a seguir:
Situando Homero, temos que os dados relativos à existência des-
se poeta são inexatos, no entanto, pode-se supor que nasceu em
Esmirna, atual Turquia, aproximadamente em 850 a.C. e faleceu
na Ilha dos Ios, também chamada Nio, que fica no arquipélago das
Ciclondes, no mar de Cândida. Atribui-se a Homero tanto o "títu-
lo" de fundador da poesia épica como o de maior e o mais antigo
poeta grego. Suas principais obras foram a Ilíada e a Odisseia que
descrevem, de forma fantástica, uma sucessão de acontecimentos
da vida grega e oferecem uma interpretação da experiência huma-
na, cujos êxitos são vistos como favores concedidos pelos deuses
(SHIGUNOV NETO; NAGEL, 2012, p. 2).

Para que você possa perceber as razões que levaram os au-


tores citados anteriomente, Shigunov Neto e Nagel, a emitir estas
considerações sobre Homero, basta dizer que os pensadores pré-
-socráticos Parmênides e Empédocles, pensadores estes que você
lidará ao se dedicar ao estudo da Filosofia antiga, fizeram uso da
mesma estrutura discursiva para apresentar suas ideias, referimo-
-nos a apresentação poética baseada em uma estrutura chamada
de "hexâmetros".
Não bastassem esses aspectos, há de se ressaltar que Home-
ro, em conjunto com Hesíodo, acabou por fornecer ao povo grego
a formatação geral de como os seus deuses seriam e quais as rela-
ções que esses deuses mantinham com os humanos.
Do que foi dito, certamente há de se pensar a respeito de
quando se deu a produção dessas obras ou o período em que este
poeta viveu. Observe e analise algumas considerações a respei-
to dessas questões, apresentadas por Rosen (1997, p. 3, tradução
nossa):
Nós não podemos fixar as datas de existência de Homero e Hesí-
odo com muita certeza, mas um consenso geral desenvolvido em
décadas recentes é que a atividade dos dois poetas se deram no
período entre 750 a.C. a 650 a.C. A questão é complicada pelo fato
© U1 - Do µῦθος ao λογος: uma análise do nascimento da Filosofia ocidental 45

de que esses poemas devem ter sido originalmente compostos


sem escrita; questões de datação tem que enfrentar o problema
de [perceber] quando os textos foram transcritos [transformados
em escrita]. Ainda, não provavelmente sem coincidência, esses pri-
meiros textos, não importa quando eles foram finalmente fixados
em sua corrente forma, refletem a atividade poética do período em
que a introdução do alfabeto parece ter promovido o desenvolvi-
mento da literatura.

Como se percebe, percebe-se inclusive uma diferença entre


as informações de Rosen (1997) e Shigunov Neto (2012) quanto
ao período em que Homero viveu e esta imprecisão demonstra o
quanto ainda há de se investigar sobre a vida deste personagem.
Nesse contexto, há de se pensar a respeito de qual dos dois
poetas produziu primeiramente algumas de suas obras e, nesse
sentido, Rosen argumenta que algumas abordagens tendem a
considerar que ambos foram contemporâneos e que, além disso,
poderiam ter produzido suas obras com o intuito de se diferenciar
um do outro. No entanto, Rosen conclui que:

Estudiosos modernos geralmente assumem que Homero compôs


mais cedo que Hesíodo, contudo isto se assenta em pouco mais
de que avaliações subjetivas [...] o consenso em favor de uma data
anterior de Homero sobrevive, mas a questão não está resolvida
(1997, p. 3-4, tradução nossa).

Além disso, embora a existência de um único poeta chama-


do Homero não seja historicamente comprovada – o chamado
"problema homérico" –, a obra que carrega seu nome é de uma
riqueza inestimável.
Poeta das façanhas heroicas e do desbravamento humano,
Homero é responsável pela formação de uma importante parcela
da cultura grega antiga, tanto no período que antecede quanto no
que sucede o nascedouro da Filosofia. Segundo Platão, na Repúbli-
ca (606e): "Homero foi o educador de toda a Grécia".
Ainda sobre essa característica pedagógica, complementa
Jaeger (2003) afirmando que na Grécia havia presente a concep-

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46 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

ção do poeta como educador de seu povo e Homero seria esse


primeiro e maior criador e modelador da humanidade grega.
Um aspecto interessante em relação à forma como a produ-
ção homérica era divulgada manifesta-se no fato de que, na Grécia
antiga, havia o costume de se cantar os poemas que eram trans-
mitidos hereditariamente, ou seja, os poemas eram passados de
geração após geração, por meio da reprodução em canto desses
poemas. Mais do que uma função de entretenimento, esses poe-
mas cantavam os grandes feitos e as virtudes dos grandes homens e
heróis, de forma a criar uma consciência receptiva a tal modelo de
transmissão.
Por certo que nós, homens e mulheres da era visual, não
conseguimos captar com toda a carga semântica o que significa-
vam tais poemas para os gregos, mas devemos ter em mente que
os gregos possuíam um ouvido altamente calibrado e volitivo para
aquelas tradições cantadas.
A poesia antiga grega, diferente de outras poesias criadas nos
séculos decorrentes no Ocidente, abrangia um campo enorme de
dimensões, numa confluência entre ética, estética etc., num orga-
nismo indissociável, tanto que, conforme comenta Jaeger (2001, p.
66): "O pathos do sublime destino heróico do homem lutador é o
sopro espiritual da Ilíada. O ethos da cultura e da moral aristocrática
encontra na Odisséia o poema da sua vida". Mas deixemos por ora
as homenagens a Homero e vamos analisar algumas características
pontuais de sua obra que nos possibilitem entender sua relação com
a Filosofia. Para isso, servir-nos-emos de Reale (1993, v. 1).
Optamos por citar três importantes características da obra
de Homero que foram imprescindíveis para o surgimento da Filo-
sofia grega, as quais iremos expor em três temas:
1) estrutura da imaginação;
2) arte da motivação;
3) expressão da realidade.
Vejamos, a seguir, cada um desses âmbitos separadamente.
© U1 - Do µῦθος ao λογος: uma análise do nascimento da Filosofia ocidental 47

Estrutura da imaginação
Diferente de outras narrativas de outros povos, as obras de
Homero não se preocupam apenas em descrever o monstruoso e
o disforme; pelo contrário, a estruturação dos poemas homéricos
traz consigo:
1) Harmonia;
2) Eurritmia;
3) Proporção;
4) Limite;
5) Medida.
Atributos que dão consistência à obra de Homero e garan-
tem a ela uma "verossimilhança", no sentido de ser uma obra que
apresenta nexo entre suas partes.
Cabe frisar que essas características posteriormente se con-
figurarão como constitutivas da própria estrutura do pensamento
grego e, por extensão, ocidental.
Arte da motivação

Figura 6 Aquiles cura Pátroclo (detalhe de vaso datado) cerca de 500 a.C. Aquiles é o herói
da Ilíada.

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48 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Homero não narra apenas uma sequência de fatos, mas bus-


ca, embora em nível fantástico-poético, suas "razões", seus motivos.
Jaeger (apud REALE, 1993, p. 19) comenta que Homero não
conhece a:
mera aceitação passiva das tradições nem simples narração de
fatos, mas exclusivamente o desenvolvimento interiormente ne-
cessário da ação de fase em fase, nexo indissolúvel entre causa e
efeito.

Essa busca por "razões" já é um componente que posterior-


mente será distendido na Filosofia nascente.

Expressão da realidade
A obra de Homero, em seu tratamento mítico e discursivo da
realidade, preocupa-se em apresentar a totalidade da existência,
bem como o papel do ser humano diante do mundo.
Tanto a expressão da totalidade quanto a definição do papel
humano são marcas ímpares da Filosofia. Por exemplo, o pensa-
mento moderno, ansiando investigar meticulosamente as coisas,
fatos e fenômenos, criou o chamado "especialista", que se ocupa
de uma faceta muito específica de um problema.
Já os filósofos, em especial os antigos, buscam conhecer os
fatos, coisas e fenômenos em sua totalidade, de forma a construir
uma visão unitária do mundo.
Com o exposto, você observou algumas características da
obra de Homero e Hesíodo. Vamos agora investigar outros traços
importantes para o nascimento da Filosofia.
Como nos propusemos anteriormente, vamos conhecer a
religião grega para tentar compreender em que sentido ela cola-
borou para o nascimento da Filosofia.
© U1 - Do µῦθος ao λογος: uma análise do nascimento da Filosofia ocidental 49

7. RELIGIÃO

Na mitologia grega, Ganimedes era o responsável por levar a Am-


brósia (comida dos deuses) a Zeus, assumindo essa função após
ser raptado pela águia de Zeus, que o leva ao Olimpo.

Outra característica importante na passagem do mito


(µῦθος) ao logos (λογος) foi a presença da religião, que em seu
interesse por explicar e justificar a existência, relaciona-se com a
Filosofia.

Figura 7 Ganimedes e a águia de Zeus, escultura de Bertel Thorvaldsen (Museu de Cope-


nhague), 1817.

Neste sentido, Reale (1993, p. 20-21) comenta:


Estudiosos afirmaram em várias ocasiões que entre religião e filo-
sofia existem laços estruturais (Hegel dirá até mesmo que a religião
exprime pela via representativa a mesma verdade que a filosofia
exprime pela via conceitual): e isso é verdade, seja quando a filo-
sofia subsume determinados conteúdos da religião, seja, também,
quando a filosofia tenta contestar a religião (neste ultimo caso, a
função contestatária permanece sempre alimentada e, portanto,
condicionada, pelo termo contestado). Pois bem, se isso é verdade
em geral, o foi de modo paradigmático para os gregos. [...]

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50 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Fundamentalmente a religião grega apresenta duas vertentes, a


pública e a dos mistérios. Estas vertentes são paradoxais, já que "o
espírito que anima a religião dos mistérios é negador do espírito
que anima a religião pública".

Convidamos você a conhecer essas duas vertentes da reli-


gião em suas particularidades.

Religião pública
A religião pública possui algumas subdivisões, como a natu-
ralista, a antropomórfica e a hierofânica. Vamos distingui-las.
Naturalista
De acordo com a vertente naturalista, os homens deveriam
agir conforme a sua natureza por honra aos deuses, ou seja, para
honrar aos deuses os homens deveriam se esforçar por serem de-
masiadamente humanos.
Antropomórfica
Os deuses são forças naturais calcadas em formas humanas.
Eles se zangam, brigam, divertem-se etc. Para entender melhor
o que são os deuses gregos, recorreremos mais uma vez a Reale
(1993, p. 21):
Mas quem são esses deuses? São – como há tempo se reconheceu
acertadamente – formas naturais diluídas em formas humanas ide-
alizadas, são aspectos do homem sublimados, hipostasiados; são
forças do homem cristalizadas em belíssimas figuras. Em suma: os
deuses da religião natural grega são homens amplificados e ideali-
zados; são, portanto, quantitativamente superiores a nós, mas não
qualitativamente diferentes. Por isso a religião grega é certamente
uma forma de religião naturalista.

Por ser apenas em grau diferente dos deuses, o homem grego


enxerga-se neles, e para elevar-se a eles não deve submeter-se, rege-
nerar-se, mas apenas ser ele mesmo, autenticar-se, potencializar-se.
Um exemplo disso é Ulisses ou Odisseu. Podemos perceber
nele um apelo natural à consciência de si, ao cultivo das potencia-
lidades, ao autorreconhecimento.
© U1 - Do µῦθος ao λογος: uma análise do nascimento da Filosofia ocidental 51

Figura 8 Vaso grego mostrando Ulisses (Odisseu) enfrentando as sereias.

Hierofânica
De acordo com a vertente hierofânica, todos os eventos são
manifestações do divino, são obras dos deuses – hieros, do grego,
significa "sagrado".
Comenta Reale (1993, p. 21):
Todos os fenômenos naturais são promovidos por numes: os tro-
vões e os raios são lançados por Zeus do alto do Olimpo, as ondas
do mar são levantadas pelo tridente de Poseidon, o sol é carregado
pelo áureo carro de Apolo, e assim por diante.

Ou seja, para o homem homérico, e para os herdeiros dessa


tradição, tudo é divino, tudo acontece por obra dos deuses, desde
fenômenos até coisas cotidianas da vida pessoal e social, como o
destino das cidades e a participação em guerras.

Religião dos mistérios (orfismo)


Como a religião pública não era comum a todos, existia, tam-
bém, a religião dos mistérios. Limitar-nos-emos a analisar a ver-
tente órfica, que foi uma das mais influentes na Grécia.
Não sabemos ao certo de onde a religião órfica provém; cer-
to é que recebe o nome do poeta Orfeu e que é posterior a Home-
ro e Hesíodo.

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52 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Figura 9 Orfeu, poeta e músico na mitologia grega.

Segundo essa vertente, o homem possui um princípio divino,


um demônio, caído em um corpo devido a uma culpa originária;
esse princípio é imortal e, mesmo o corpo morrendo, ele passa-
rá por uma série de reencarnações para expiar sua culpa. Nesse
sentido, a vida órfica era a única que poderia pôr fim no ciclo das
encarnações.
Essa vertente era marcadamente dualista, por compreender
as repartições de corpo e alma.
Com o orfismo, o grego lida diretamente com a ideia de
dois princípios em luta, enfraquecendo a visão naturalista; o ho-
mem começa a compreender que nem todas as tendências que
percebe em si são boas, e que algumas devem até ser reprimi-
das; e que é necessário purificar o elemento divino, enfraque-
cendo o corpóreo.
A religião dos mistérios influenciou decisivamente o pitago-
rismo, o empedoclismo e o platonismo. Cabe acrescentar que os
gregos não possuíam livros tidos como sagrados ou frutos da reve-
lação divina (como a Bíblia).
© U1 - Do µῦθος ao λογος: uma análise do nascimento da Filosofia ocidental 53

Eles não tinham uma dogmática teológica fixa e imodificável,


portanto não havia, e nem poderia haver, uma casta sacerdotal
que custodiasse os dogmas. Isso possibilitou uma maior liberdade
para a reflexão filosófica (diferente dos orientais e medievais).
Conhecidas algumas características particulares, como a re-
ligião e as obras de Homero e Hesíodo, podemos avançar nossa
investigação para o grande cenário em que essas temáticas estão
inseridas, com efeito, o mítico.

8. MITO

Figura 10 Édipo interrogado pela Esfinge. Figura 11 Ânfora ática, decorada com
Héracles e o touro Minos.

Figura 12 Aquiles e Ayax jogando os dados.

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54 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Todas as perspectivas até agora levantadas formavam uma


explicação de mundo capaz de dar sentido, de responder às in-
quietações humanas nas diferentes dimensões.
Até por volta dos séculos 7º e 6º a.C., predominava a expli-
cação mítica. O que é o mito? Como ela se estrutura? Qual sua
função?
Vamos responder a essas perguntas juntos?
Para iniciar, vamos forjar uma definição e analisá-la para en-
tão discutir alguns detalhes, a saber:
• O mito é uma explicação narrativo-alegórico-simbólica,
intuitivo-fantástico-pedagógica.
Vamos tomar cada ponto em particular:
• Explicação: procura justificar, responder, satisfazer, dar
sentido, à vida e à existência com seus fatos, fenômenos
e coisas.
• Narrativo-alegórico-simbólico: encadeia engenhosamen-
te uma série de acontecimentos de forma a estabelecer
certa dose de verossimilhança para um evento. As par-
tes da criação possuem cenas simbólicas, que possuem
sentido nas entrelinhas e fixam paradigmas (por exemplo,
a condenação de Prometeu em ter seu fígado devorado
diariamente por um abutre, por desafiar aos deuses).
• Intuitivo (fantástico): não se pauta na razão, como faz a
Ciência e a Filosofia, mas na imaginação, na intuição, na
apreensão direta.
• Pedagógico: tem uma intenção educacional, instrutiva,
prescritiva.
Agora que possuímos uma definição de mito, convém pensar
algumas questões.
1) Para que serviam os mitos?
2) Por que o homem criava o mito?
© U1 - Do µῦθος ao λογος: uma análise do nascimento da Filosofia ocidental 55

3) O mito é uma história falsa?


4) O mito ainda existe?
Por certo, não conseguiremos responder a tais questões com
a profundidade e a abrangência necessárias. Assim, é importante
que você procure aprofundar seus estudos pesquisando nas bi-
bliografias indicadas ou em outras fontes.
Seguindo o raciocínio de Campbell (1990), em O poder do
mito, parece que há algo no ser humano que necessita de expli-
cações originárias, definitivas, e essas, muitas vezes, extrapolam o
nível de consciência racional.
O ser humano, por sua capacidade reflexiva, tem a necessi-
dade de responder às questões que o inquietam, e o mito surge
como uma das primeiras respostas, como pistas para as potencia-
lidades espirituais da vida humana.
Devemos frisar que o mito não é uma mentira, já que o con-
ceito de mentira, em suas modernas categorias de entendimento,
não dá conta de analisar a grandiosidade do mito para o homem
antigo.
Portanto, é preciso entender o mito como a resposta que
um determinado povo conseguiu formular em uma determinada
época, resposta que serviu para justificar a existência, e isso, por
ora, bastava.
É interessante observar que, mesmo no mundo hodierno, al-
gumas explicações fantásticas ainda sobrevivem, como, por exem-
plo, algumas histórias religiosas.
Os mitos, porém, não sobreviveram intactos. Por certo, ain-
da nos servimos deles, mas eles não ocupam mais o lugar que
ocupavam outrora. Com as mudanças que começam a eclodir na
Grécia desde o Período Homérico, a consciência mítica passa a,
paulatinamente, perder lugar para a consciência racional.

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56 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Essas mudanças podem ser percebidas na própria estrutura


interna do mito, como, por exemplo, traz o estudo que confeccio-
na a helenista Jacqueline de Romilly (2012) sobre a evolução nas
concepções de deuses.
Romilly (2012) diagnostica quatro gerações de deuses na
Grécia antiga, que seguem a seguinte estruturação:
Todos os povos da Antiguidade procuraram explicar, da melhor ma-
neira possível, a origem do Cosmo (= Universo) e a existência dos
fenômenos naturais de que dependiam para sobreviver. Sumérios,
egípcios, acádios, hebreus, chineses, indianos e gregos, entre ou-
tros, consideravam as forças naturais entidades "sobrenaturais" e
poderosas que chamavam de divindades ou deuses.
Os gregos organizaram as divindades em "famílias divinas", com
todas as virtudes e todos os defeitos das famílias humanas. Desen-
volveram, também, a partir de modelos orientais, genealogias para
explicar satisfatoriamente tanto a criação do Universo, ou "cosmo-
gonia", como a origem dos deuses, ou "teogonia".
As divindades gregas podem ser mais ou menos divididas em dois
grandes grupos, o dos deuses antigos e o dos deuses olímpicos.
Os deuses olímpicos regem o Universo na época em que vivemos;
os deuses antigos representam, grosso modo, as indomadas e
poderosas forças criativas que existiam no início dos tempos. Em
seu poema Teogonia, Hesíodo justamente contrasta a ordem e a
organização que caracterizavam o reinado de Zeus, o rei dos deu-
ses olímpicos, e a desordem que imperada no período precedente
(Gantz, 1996).
Muitas divindades antigas são puramente conceituais, ou repre-
sentam forças da natureza, ou têm importância meramente ge-
nealógica. Grande parte dessas entidades divinas não têm lendas
associadas ao seu nome.

As diferentes gerações de deuses gregos nos revelam o lento


processo de humanização que se instalava na Grécia, pois os deu-
ses paulatinamente deixam suas características naturais e passam
a assumir formas mais humanas.
Ao longo da história ocidental os mitos gregos sempre se fi-
zeram presentes, veja na figura a seguir a obra de Lambert Sustris
(1515-1584) onde se apresenta o Deus grego Ares indo ao encon-
tro de Vênus:
© U1 - Do µῦθος ao λογος: uma análise do nascimento da Filosofia ocidental 57

Figura 13 Deus grego Ares a caminho de seu encontro com Vênus - Lambert Sustris (1515-1584).

No entanto, ainda falta responder à questão da origem dos


mitos, o que faremos a seguir.

Origem da mitologia
Para adentrar essa questão, optamos por nos fazer a mesma
pergunta que se fez Bulfinch (1999, p. 352) em seu Livro de Ouro
da Mitologia, a saber: "De onde vieram aquelas lendas? Têm algum
fundamento na verdade, ou são apenas sonhos da imaginação?".
A pergunta de Bulfinch é instigante e nos leva a pensar toda
a mitologia. Tal pergunta já recebeu algumas respostas por diver-
sos estudiosos, cada qual solucionando de maneira diversa tão in-
trigante problema. Veja a seguir algumas teorias para respondê-la.

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58 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Teoria bíblica
A teoria bíblica postula que:
[...] todas as lendas mitológicas têm sua origem nas narrativas das
Escrituras, embora os fatos tenham sido distorcidos e alterados.
Assim, Deucalião é apenas um outro nome de Noé, Hércules de
Sansão, Árion de Jonas etc. [...] o dragão que guarda os pomos de
ouro era a serpente que enganou Eva (BULFINCH, 1999, p. 352).

Como fica claro pelo comentário de Bulfinch, tal teoria inter-


preta o mito como releitura e ressimbolização das Escrituras, no
entanto, embora as coincidências existam e possam até mesmo
ser bibliograficamente verificáveis, devemos tomar o cuidado de
não achar que a mitologia está toda justificada e embasada na te-
ologia, o que seria cair em contrassenso.
Vamos agora conhecer outra teoria, a histórica.
Teoria histórica
De acordo com ela:
[...] todas as personagens mencionadas na mitologia foram seres
humanos reais e as lendas e tradições fabulosas a elas relativas são
apenas acréscimos e embelezamentos, surgidos em épocas poste-
riores. Assim, a história de Éolo, rei e deus dos ventos, teria surgido
do fato de Éolo ser o governante de alguma ilha do Mar Tirreno,
onde reinou com justiça e piedade e ensinou aos nativos o uso da
navegação a vela e como predizer, pelos sinais atmosféricos, as mu-
danças do tempo e dos ventos (BULFINCH, 1999, p. 353).

Diferente da religiosa, a teoria histórica concebe que os mi-


tos como histórias de pessoas que realmente existiram e que, por
algum fato, possivelmente aliado ao poder, foram posteriormente
glorificadas.
Passemos, agora, para a teoria alegórica.
Teoria alegórica
Diferente da religiosa e da histórica, essa concepção prevê
que:
Todos os mitos da antiguidade eram alegóricos e simbólicos, con-
tendo alguma verdade moral, religiosa ou filosófica, ou algum fato
© U1 - Do µῦθος ao λογος: uma análise do nascimento da Filosofia ocidental 59

histórico, sob a forma de alegoria, mas que, com o decorrer do


tempo, passaram a ser entendidos literalmente. Assim Saturno,
que devora os próprios filhos, é a mesma divindade que os gregos
chamavam de Cronos, que, pode-se dizer, na verdade destrói tudo
que ele próprio cria (BULFINCH, 1999, p. 353).

Como foi possível notar, a visão alegórica concebe que os mi-


tos eram, também, para os povos antigos, alegóricos e simbólicos,
ou seja, eram modos de expressar figurativamente certas coisas,
fatos e fenômenos; entretanto, com o tempo passaram a ser lidos
literalmente.
Partamos, agora, para o reconhecimento da última teoria, a
física.
Teoria física
A teoria física concebe que:
Os elementos ar, fogo e água foram, originalmente, objeto de
adoração religiosa, e as principais divindades eram personifica-
ções das forças da natureza. Foi fácil a transição da personifica-
ção dos elementos para idéia de seres sobrenaturais dirigindo
e governando os diferentes objetos da natureza (BULFINCH,
1999, p. 354).

De acordo com tal concepção, os elementos naturais é que


foram personificados e adornados pela fértil imaginação dos po-
vos que criavam os mitos. Por sua potência e grandeza, os elemen-
tos naturais foram transformados em mitos pelos povos.
Mas podemos nos perguntar: Afinal, qual é a melhor teoria?
Qual delas está correta? Qual delas adotar?
Essas teorias são muito interessantes e importantes para
compreender a fundo a mitologia. No entanto, como estamos pre-
ocupados em ter uma visão o mais abrangente possível, argumen-
tamos dizendo que cada uma delas guarda sua validade e com-
preensão, e que se vistas isoladamente elas não possibilitariam a
visão ampla que fornecem quando vistas em conjunto.
Essa é nossa opção: integrá-las para compreender de manei-
ra mais abrangente e aguda o rico universo da mitologia.

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60 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Mas agora, vamos convidá-los a especular sobre a ruptura


entre a consciência do mito (µῦθος) e do logos (λογος).

9. DO MITO AO LOGOS
Para dar o tom de nossa análise, experimente observar o co-
mentário de Jaeger, em sua Paideia:
Não e fácil traçar a fronteira temporal do momento em que surge
o pensamento racional. Passaria, provavelmente pela epopéia (Po-
ema que narra ações grandiosas) homérica. No entanto, nela é tão
estreita a interpenetração do elemento racional e do "pensamen-
to mítico", que mal se pode separá-los. Uma análise da epopéia, a
partir deste ponto de vista, nos mostraria quão cedo o pensamento
racional se infiltra no mito e começa a influenciá-lo.
[...]
O início da filosofia científica não coincide, assim, nem com o prin-
cípio do pensamento racional nem com o fim do pensamento míti-
co. Até porque, mitogonia autêntica ainda encontramos na filosofia
de Platão e na de Aristóteles. São exemplos, o mito da alma em
Platão, e, em Aristóteles, a idéia do amor das coisas pelo motor
imóvel do mundo (JAEGER, 2003, p. 191-192).

Com essas palavras, Jaeger tenta custosamente esclarecer o


lento e, ao mesmo tempo, grandioso processo que passou a Grécia
quando da mudança da consciência do mito para a do logos.
Mudança de tal forma grandiosa que, além de mudar um
complexo modelo de investigação, operou uma verdadeira revolu-
ção paradigmática na Grécia.
O solo do mito foi lentamente sendo retirado dos fecundos
pés gregos, que mergulharam em uma náusea coletiva. Essa "náu-
sea", ao mesmo tempo em que os molestou, fez com que eles bus-
cassem novos paradigmas para gerirem suas vidas.
Com isso, podemos concluir, tal como Jaeger (2003, p. 192),
que: "devemos encarar a história da filosofia grega como o proces-
so de racionalização progressiva da concepção religiosa do mundo
implícita nos mitos".
© U1 - Do µῦθος ao λογος: uma análise do nascimento da Filosofia ocidental 61

Confira o esquema que criamos para ilustrar essa afirmação:

Figura 14 Esquema da racionalização progressiva.Como mostra o esquema, lentamente a


consciência do logos vai penetrando na esfera mítica até que só ela prevaleça.

O processo envolve todos os elementos analisados por nós


até agora, que juntos possibilitaram o surgimento de um pensa-
mento calcado na explicação racional, que, desde o início dessa
análise, procurou fundamentar essa tese.
Cabe acrescentar que não só é um processo de racionaliza-
ção da concepção religiosa, como sugere Jaeger, mas a racionaliza-
ção de diversos outros elementos, possibilitada por uma esfera de
grandes acontecimentos.
Não podemos, porém, nos esquecer do que Aristóteles co-
menta em sua Metafísica, a saber:
De fato, os homens começaram a filosofar, agora como na origem,
por causa da admiração, na medida em que, inicialmente, ficavam
perplexos diante das dificuldades mais simples; em seguida, pro-
gredindo pouco a pouco, chegaram a enfrentar problemas sempre
maiores [...] Ora, quem experimenta uma sensação de dúvida e
de admiração reconhece que não sabe; e é por isso que também
aquele que ama o mito é, de certo modo, filósofo: o mito, com efei-
to, é constituído por um conjunto de coisas admiráveis. De modo
que, se os homens filosofaram para libertar-se da ignorância, é
evidente que buscavam o conhecimento unicamente em vista do
saber e não por alguma utilidade prática. E o modo como as coisas
se desenvolveram demonstra: quando já se possuía praticamente
tudo o de que se necessitava para a vida e também para o conforto
e para o bem-estar, então se começou a buscar essa forma de co-
nhecimento (ARISTÓTELES, 2002, p. 13).

Aristóteles chama-nos a atenção para a confluência impres-


cindível entre a Filosofia e o mito, que não pode ser ignorada. Po-
demos concluir, portanto, que: com o advento do logos, é instaura-
do um novo paradigma no ocidente, que modificará por definitivo
suas estruturas mais fundamentais.

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62 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

O impacto causado pela mudança de consciências influi dire-


tamente em toda a vida grega, e abarca axiologia, epistemologia,
estética, gnosiologia, enfim, a realidade em sua forma total.
Nasce a Filosofia (φιλοσοφια).
O período que inaugura esse pensamento é chamado de
"pré-socrático", de temática marcadamente naturalista. Perce-
bemos que Jaeger classifica-a como Filosofia científica, e, não em
vão, uma vez que quer demonstrar uma nova forma de se posicio-
nar diante da vida, definidamente racional.

10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em
responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estu-
dados para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para
fazer uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Educação a
Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma coope-
rativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas descobertas
com os seus colegas.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Com relação ao período Pré-homérico, analise as afirmações a seguir:
I – Na ilha de Creta, ocorreu um pioneirismo no ramo comercial e marítimo.
As relações entre cretenses e outros povos resultou do desenvolvimento
da navegação, da metalurgia do bronze e do uso rudimentar da escrita.
II – Creta era uma ilha repleta de valentes guerreiros que saqueavam as
terras vizinhas. Isso provocou o desenvolvimento econômico e social
daquele povo que usurpou toda produção dos demais povos, gerando
ambiente propício para surgimento da Filosofia.
III – Os vários genos gregos dominaram o comércio marítimo e expulsaram
os povos dórios na primeira diáspora. Isso favoreceu o surgimento da
Filosofia.
© U1 - Do µῦθος ao λογος: uma análise do nascimento da Filosofia ocidental 63

a) Somente I está correta.


b) Somente II está correta.
c) Somente III está correta.
d) Somente I e III estão corretas.
e) Todas as afirmações estão corretas.
2) Com relação ao Período Homérico, analise as afirmações a seguir:
I – Os genos eram grandes famílias que possuíam terras em comum, porém
com o crescimento das famílias houve a necessidade de "privatização
das propriedades", para assegurar o uso da terra.
II – Como consequência das sociedades privadas nasceu a desigualdade so-
cial, a divisão em classes e o individualismo, bem como a escravidão. No
intuito de se restabelecerem, os génos uniram-se em grandes tribos.
III – No Período Homérico consolida-se o uso da escrita e da moeda, sur-
gem as acrópoles (grandes tribos) que depois dariam origem a várias ci-
dades.
a) Somente I está correta.
b) Somente II está correta.
c) Somente III está correta.
d) Somente I e III estão corretas.
e) Todas as afirmativas estão corretas.
3) Com relação ao Período Arcaico, analise as afirmações a seguir:
I – O Período Arcaico é marcado pelo surgimento das cidades-estado, nas-
cem então as pólis, com limites definidos, relações diplomáticas.
II – O Período Arcaico caracteriza-se pelo enfraquecimento comercial da cul-
tura grega, pelas invasões dos povos bárbaros e por estruturas arcaicas
de subsistência.
III – Nesse período surgiu o alfabeto grego (há a formalização e consolida-
ção da escrita) que propiciou o aparecimento da literatura e da Filosofia,
fortalecendo o sistema cultural vigente até então.

a) Somente I está correta.


b) Somente II está correta.
c) Somente III está correta.
d) Somente I e III estão corretas.
e) Todas as afirmativas estão corretas.
4) Com relação ao Período Clássico, analise as alternativas a seguir:
I – É o período em que nasce a Filosofia, houve grande número de mudan-
ças e expansões no campo artístico e literário. Esse período é marcado
pelo enfraquecimento da pólis e enfraquecimento econômico-cultural.
II – Os filósofos preocupavam-se com a divisão entre mundo sensível e in-
teligível, Platão é o grande representante dessa preocupação que está
presente em todos os filósofos do Período Clássico.

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64 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

III – A consciência reflexiva, ou filosófica, é impulsionada pelo desenvol-


vimento do alfabeto, pela criação da constituição, pelo surgimento da
política, pela intensa atividade comercial, pela criação da moeda e pelas
grandes navegações.
a) Somente I está correta.
b) Somente II está correta.
c) Somente III está correta.
d) Somente I e III estão corretas.
e) Todas as afirmativas estão corretas.
5) Selecione os adjetivos que compõem o conceito de mito de acordo com o
que você estudou nesta unidade:
O mito é uma explicação:
a) narrativa, alegórica, simbólica, instintiva, fantástica, pedagógica.
b) fantástica, aleatória, simbólica, filosófica, pedagógica, formativa.
c) pedagógica, aleatória, instintiva, fanática, imaginária, irracional.
d) irrefletida, inconsciente, imaginária, educativa, intencional, demonstra-
tiva.
e) pedagógica, narrativa, alegórica, simbólica, intuitiva, fantástica.

Gabarito
1) a.
2) e.
3) d.
4) c.
5) e.

11. CONSIDERAÇÕES GERAIS


Esta análise teve mais a intenção de apresentar algumas ca-
racterísticas da passagem do pensamento mítico ao filosófico, que
propriamente de chegar a alguma conclusão.
O que percebemos é que, parafraseando o filósofo alemão
Kant, a intuição mítica, sem o elemento formador do logos, ainda é
"cega" e que a conceituação lógica, sem o núcleo vivo da "intuição
mítica" originária, parece "vazia".
© U1 - Do µῦθος ao λογος: uma análise do nascimento da Filosofia ocidental 65

Ver a Grécia de forma lógico-racional é uma maneira de re-


sumi-la e até mesmo desapreciá-la. Recordando Nietzsche (1987,
p. 18-19):
Os gregos, enquanto povo verdadeiramente são, justificaram a filo-
sofia de uma vez para sempre, pelo simples fato de terem filosofa-
do; e mais do que todos os outros povos [...]
Os gregos souberam começar na altura própria, e ensinaram mais
claramente do que qualquer outro povo a altura em que se deve
começar a filosofar [...]

É preciso compreender os gregos como um povo soberano


e sensível, que conseguiu criar o "eu" melhor que já houve no oci-
dente. "Inventaram, de fato, os tipos principais do espírito filosó-
fico, aos quais toda a posteridade nada acrescentou de especial"
(NIETZSCHE, 1987, p. 18-20).
A Grécia filosófica é um capítulo incomensuravelmente im-
portante e interessante, contudo não é única. Concluímos com
Nietzsche (1987, p. 24), que declama:
é uma grande desgraça que tenhamos conservado tão pouco des-
tes primeiros mestres da filosofia e que só nos tenham chegado
fragmentos. Por causa desta perda, aplicamos-lhes, medidas erra-
das e somos injustos para com os antigos [...].

12. E-REFERÊNCIAS
Lista de figuras
Figura 1 Atenas. Disponível em: <http://www.abiyoyo.com/articles/2969_dove_
dormire_ad_atene.html>. Acesso em: 18 abr. 2012.
Figura 2 Esparta. Disponível em: <http://www.diariodelviajero.com/europa/esto-es-
esparta>. Acesso em: 18 abr. 2012.
Figura 3 Tebas. Disponível em: <myopera.com>. Acesso em: 30 jan. 2012.
Figura 4 Hesíodo. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/dh/heros/traductiones/
hesiodo/index.html>. Acesso em: 18 abr. 2012.
Figura 5 Homero. Disponível em: <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/
antiga/2004/05/14/001.htm>. Acesso em: 30 jan. 2012.

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66 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Figura 6 Aquiles cura Pátroclo (detalhe de vaso datado) cerca de 500 a.C. Aquiles é o
herói da Ilíada. Disponível em: <http://www.consciencia.org/iliada-homero-resumo>.
Acesso em: 18 abr. 2012.
Figura 7 Ganimedes e a águia de Zeus, escultura de Bertel Thorvaldsen, 1817.
Disponível em: <http://wwwpoetanarquista.blogspot.com.br/2012/03/escultura-bertel-
thorvaldsen.html>. Acesso em: 18 abr. 2012.
Figura 8 Vaso grego mostrando Ulisses (Odisseu) enfrentando as sereias. Disponível em:
<http://blig.ig.com.br/filosofia_sergipe/2009/10/29/ulisses-e-o-canto-das-sereias/>.
Acesso em: 18 abr. 2012.
Figura 9 Orfeu, poeta e músico na mitologia grega. Disponível em:
< h tt p : / / w w w. e d u c a d o r e s . d i a a d i a . p r. g o v. b r / m o d u l e s / my l i n k s / v i e w c a t .
php?cid=10&letter=O&min=20&orderby=titleA&show=10>. Acesso em: 18 abr. 2012.
Figura 10 Édipo interrogado pela Esfinge. Disponível em: <http://artegriego.galeon.com/
ceraetap.html>. Acesso em: 18 abr. 2012.
Figura 11 Ânfora ática, decorada com Héracles e o touro Minos. Disponível em: http://
www.molinfan.com/Sitios/historia_del_arte/Web_GreciaRoma/index.html. Acesso em:
18 abr. 2012.
Figura 12 Aquiles e Ayax jogando os dados. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/dh/
heros/mithistoria/ensaios/melhoraqueus.html>. Acesso em: 18 abr. 2012.
Figura 13 Deus grego Ares a caminho de seu encontro com Vênus - Lambert Sustris (1515-
1584). Disponível em: <http://www.greek-gods.info/greek-gods/ares/ares-paintings.
php>. Acesso em: 1º jun. 2012.

Sites pesquisados
ROMILLY, J. Os deuses tudo podem; os homens tudo arriscam. Disponível em: <http://
greciantiga.org/arquivo.asp?num=0084>. Acesso em: 30 jan. 2012.
ROSEN, R. M. Homer and Hesiod. Disponível em: <http://repository.upenn.edu/cgi/view-
content.cgi?article=1006&context=classics_papers>. Acesso em: 30 jan. 2012.
SHIGUNOV NETO, A.; NAGEL, L. H. Transformação social e concepções de homem e tra-
balho. (De Homero a Hesíodo). Revista Eletrônica de Ciências da Educação, v. 1, n. 1,
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le/483/372>. Acesso em: 30 jan. 2012.

13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 2002. v. 2.
BARNES, Jonathan. Filósofos pré-socráticos. Tradução de Julio Fischer. São Paulo: Melho-
ramentos, 1997.
BULFINCH, T. O livro de ouro da Mitologia: história de deuses e heróis. Tradução de David
Jardim Júnior. 8. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.
CAMPBELL, J. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.
CHAMOUX, F. A civilização grega. Lisboa: Edições 70, 2003.
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GLOTZ, G. A cidade grega. São Paulo/Rio de Janeiro: Difel, 1980.


GRAVES, R. Deuses e heróis do Olimpo. Tradução de Bárbara Heliodora. Rio de Janeiro:
Xenon, 1992.
HESÍODO. Teogonia: a origem dos deuses. Tradução de Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras,
1995.
______. Os trabalhos e os dias. Introdução, tradução e comentários de Mary de Camargo
Neves Lafer. São Paulo: Iluminuras, 1991.
HIRSCHBERGER, J. História da Filosofia na Antiguidade. São Paulo: Herder, 1965.
KIRK, G. S. Os filósofos pré-socráticos: história crítica em seleção de textos. 4. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.
JAEGER, W. Paidéia: a formação do homem grego. Tradução de Artur M. Parreira. São
Paulo: Martins Fontes, 2001.
NIETZSCHE, F. A Filosofia na idade trágica dos gregos. Tradução de Artur Mourão. Lisboa:
Edições 70, 1987.
PADOVANI, U; CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia. 10. ed. São Paulo: Melhoramentos,
1974.
PETIT, P. História antiga. Tradução de Pedro Moacyr Campos. 6. ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1989.
REALE, G. História da Filosofia antiga: das origens a Sócrates. Tradução de Marcelo
Perine. São Paulo: Loyola, 1993. v. 1.
VERNANT, J-P. Mito e pensamento entre os gregos. Tradução de Sarian Haiganuch. 2. ed.
São Paulo: Paz e Terra, 2002.
______. Origens do pensamento grego. Tradução de Isis Lana Borges. São Paulo: Difel,
1972.
VERNANT, J-P.; VIDAL-NAQUET, P. Mito e tragédia na Grécia antiga. São Paulo: Perspectiva,
2005.

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EAD
Antiguidade clássica grega
e a Educação

2
1. OBJETIVOS
• Compreender e delimitar o conceito de Areté (άρετή), de
Aristós (άριστός), Kalós (kαλός), Agathós (άγαθός) e de
Paideia.
• Reconhecer a relação entre Areté e Nobreza.
• Examinar a proposta de Areté presente nas obras de Ho-
mero e Hesíodo.
• Reconhecer e examinar a relação entre Estado, Educação
e Nobreza.

2. CONTEÚDOS
• Areté.
• Aristós.
• Agathós.
70 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

• Kalós.
• Questão da forma no antropocentrismo do povo grego na
Antiguidade.
• Estado, Educação e Nobreza no período Homérico.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Retome as indicações de leitura da primeira unidade.
Para um melhor entendimento sobre os temas que es-
tudaremos a seguir, é imprescindível que você leia as bi-
bliografias indicadas na unidade anterior.
2) O conceito de Areté é comumente traduzido como "vir-
tude", mas por questões de ordem didática trataremos
como "Excelência".
3) Mesmo com ressalvas com relação a dados históricos
presentes em filmes, sugerimos que você assista aos se-
guintes, procurando observar neles a presença de ideais
de Areté:
• Tróia (Ação). Direção de Wolfgang Petersen. EUA,
2004. (162 min.)
• 300 (Ação) Direção de Zack Snyder. EUA, 2007. (117
min.)
• Odisseu e a ilha da neblina (Aventura). Direção de
Terry Ingram. Reino Unido e Irlanda do Norte, 2008.
(88 min.)
• A Odisséia (Aventura). Direção de Andrei Konchalovsky.
EUA e Grécia, 1997. (165 min.)
4) Ao longo desta e das demais unidades, teremos
como grande alicerce argumentativo a obra Paidéia,
de Werner Jaeger (2001). Em razão da importância
desse pesquisador, apresentamos, a seguir, uma breve
biografia a seu respeito:
© U2 - Antiguidade clássica grega e a Educação 71

Werner Jaeger (1888-1961)


Jaeger nasceu na pequena cidade de Lobberich. Estudou
nas universidades de Marburg e de Berlim. Foi professor
aos 26 anos de idade na Universidade de Basileia e
também na Universidade de Kiel. Com a ascensão do
nazismo mudou-se para os Estados Unidos, onde foi
professor, na Universidade de Chicago e em Harvard,
e escreveu algumas obras fazendo severas críticas ao
regime nazista. Sua produção intelectual foi variada e
importante. Dentre alguns de seus trabalhos, destacamos
o estudo que realizou sobre Gregório de Nicia intitulado
Gregorii Nysseni Opera, e o estudo que fez a respeito da
metafísica aristotélica e que recebeu o título de Studien
zur Enstehungsgeschichte der Metaphysik des Aristoteles (1911). No entanto,
foi através da obra Paideia: os Ideais da cultura grega que se firmou como uma
referência dentre os estudiosos do classicismo filosófico. Por meio desta obra,
compôs uma análise das práticas e reflexões filosóficas que caracterizavam a
educação na antiga Grécia e sua respectiva natureza cultural. Especificamente
em relação ao termo "Paideia", foi cunhado por Jaeger para designar a educação
e cultura grega (Imagem disponível em: <http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/
ESFI/Edicoes/26/artigo101764-1.asp>. Acesso em: 31 jan. 2012).

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Você estudou, na Unidade 1, as condições que possibilitaram
o surgimento do povo grego e, além disso, o surgimento da Filoso-
fia grega. Agora, com base nesses pressupostos, vamos iniciar nos-
sas investigações filosóficas sobre o fenômeno da Educação grega.
Esse estudo tem por objetivo apenas apontar, em linhas ge-
rais, o processo de formação do homem grego. Por se tratar de um
estudo complexo e muito denso, não será possível, neste modesto
caderno de referência, ir além de alguns tópicos que julgamos im-
portantes para se compreender a Educação atual.
O processo de formação dos gregos não é somente histórico,
mas também espiritual (no sentido mais amplo dessa palavra, con-
forme a obra Antropologia filosófica, de E. Cassirer), que culminou
no conceito do que hoje denominamos "Humanidade".
A cultura grega, assim como a romana, constitui o berço da
civilização ocidental. Bastaria, por exemplo, examinarmos algumas
das palavras do vocabulário da língua portuguesa para reconhe-

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72 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

cermos sua importância, tais como "democracia", "autonomia",


"teoria", entre outras. Todas essas palavras têm origem greco-ro-
mana. O idioma grego é, por sua estrutura, uma língua filosófica.
A Filosofia foi, como já sabemos, desenvolvida pelos gregos,
síntese de sua genialidade e são poucos os que dominam o voca-
bulário filosófico específico, ou seja, somente no meio acadêmico
podemos ter uma noção um pouco mais ampla do que essa pala-
vra significa. Talvez uma vida inteira não seja suficiente para nos
apropriarmos do seu sentido e este caderno tampouco o será.
Portanto, o propósito deste CRC é nos aproximarmos um
pouco de seu real significado e apontar o grau de complexidade
que lhe é característico sem desmembrá-lo para não incorrermos
na sua banalização e, principalmente, porque trilhar pela via filo-
sófica não é a opção mais fácil, pois requer, sempre, muita leitura;
logo, é um caminho para poucos, como já havíamos dito anterior-
mente. Por isso, não podemos resumir ou "mastigar". Isso inviabi-
lizaria o conhecimento e o projeto filosófico.
Não trataremos os conceitos aqui implicados como nos
dicionários (mesmos os filosóficos) pela simples razão de que o
conhecimento oriundo deles é dado e não construído. Por isso,
novamente, fazemos referência à importância da leitura. Da mes-
ma forma, compreendemos que o ser humano e a Educação são
projetos e, portanto, não estão acabados.
Utilizaremos como referência principal para a construção
desta unidade a obra clássica de Werner Jaeger, Paidéia: a forma-
ção do homem grego. Além disso, examinaremos alguns conceitos
importantes, como Areté, Agathós, Aristós e Paideia.

5. OS GREGOS E A EDUCAÇÃO
Seguindo, então, pelo caminho apontado por Jaeger, fare-
mos referências concisas baseando-nos em sua própria obra e
outras necessárias à compreensão do fenômeno educativo dos
© U2 - Antiguidade clássica grega e a Educação 73

gregos o qual marca de forma decisiva o contexto educacional con-


temporâneo.
Logo nas primeiras páginas, Jaeger (1995, p. 3) afirma sobre
Educação:
Todo povo que atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se
naturalmente inclinado à prática da educação. Ela é o princípio por
meio do qual a comunidade humana conserva e transmite a sua
peculiaridade física e espiritual.

O que isso quer dizer? A Educação seria apenas uma forma


de perpetuar culturalmente o modo de ser, pensar e agir de uma
comunidade? Seria apenas a conservação de seu modo de vida,
isto é, sua existência social e espiritual?
Vejamos o que diz Jaeger (1995, p. 3-4) a respeito disso:
Uma educação consciente pode até mudar a natureza física do
Homem e suas qualidades, elevando-lhe a capacidade a um nível
superior. Mas o espírito humano conduz progressivamente à des-
coberta de si próprio e cria pelo conhecimento do mundo interior e
exterior, formas melhores de existência humana. A natureza do Ho-
mem, na sua dupla estrutura corpórea e espiritual cria condições
especiais para a manutenção e transmissão de sua forma particular
e exige organizações físicas e espirituais, ao conjunto das quais da-
mos o nome de educação. Na educação como o Homem a pratica,
atua a mesma força vital, criadora e plástica, que espontaneamen-
te impele todas as espécies vivas à conservação e propagação do
seu tipo. É nela, porém, que essa força atinge o mais alto grau de
intensidade, através do esforço consciente do conhecimento e da
vontade, dirigido para a consecução de um fim.

Como você pôde perceber nesse trecho, o autor nos traz


novos elementos para pensarmos o que seria então o significado
que atribui para Educação. Inicialmente, ele nos apresenta a ideia
de que a Educação pode vir a melhorar nossa natureza física, ou
seja, ela não reproduz pura e simplesmente aquilo que já é e, por
outro lado, ela acabaria por melhorar não somente esse aspecto
físico, pois, por meio dela, a própria existência humana viria a ser
aprimorada.
Além disso, Jaeger remete a uma energia vital que está pre-
sente em todos os seres vivos e que faz com que esses manifestem

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74 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

em toda a sua plenitude aquilo que são. Ora, o ser humano, dadas
as características que possui e, em especial a racionalidade, acaba
por possuir uma peculiaridade que vai além da mera manifestação
anímica e, segundo esse autor, é exatamente na Educação que se
manifestaria toda essa complexidade e grandeza humana.
Isso exposto, podemos dizer que é por meio da Educação
que temos o aprimoramento de todas as qualidades, sejam elas
físicas ou espirituais, que nos caracterizam como humanos.

Conceito de Educação
Das pistas fornecidas por Jaeger é possível então que realize-
mos juntos alguns questionamentos:
• O que podemos entender sobre o conceito de Educação?
• Esse conceito coincide com o que você já estudou ante-
riormente?
• Outras disciplinas que você estudou apontaram para esta
direção?
Para que comecemos a lidar com essas questões, considera-
mos importante que lidemos com outro aspecto e esse se refere ao
caráter individual e coletivo da Educação. Devemos, portanto, exa-
minar a relação, os laços entre a comunidade e o indivíduo, isto é,
entre o coletivo e o particular no contexto próprio da Educação, pois
disso deriva a importância universal dos gregos como educadores.
Além disso, não podemos perder de vista o conceito de cul-
tura, porque é sobre ele que se assenta a estrutura da sociedade
tal como é constituída, imbuída de valores, regras, normas, cren-
ças, ritos, linguagem, comportamento, nas artes, na religião etc. E
notadamente marcada, localizada e condicionada pelas noções de
tempo e espaço.
Analise atentamente algumas indagações que podemos nos
fazer relacionadas à Educação e identificação do conceito de cul-
tura na Grécia:
© U2 - Antiguidade clássica grega e a Educação 75

1) A Educação pertence a um indivíduo ou à comunidade?


2) Para os gregos, sua ênfase está na comunidade ou no
indivíduo?
3) Qual é a relação entre ambos nesse processo?
4) Qual é a participação da Educação no crescimento e
transformação da sociedade?
Essas questões representam os primeiros passos para identi-
ficar a origem do conceito de cultura na Grécia.
Buscamos a origem, a arché, o início, o começo de tudo, ou
melhor, tomando uma expressão do próprio Jaeger, a "fonte espi-
ritual". Mas por que empreendermos essa busca, essa "arqueolo-
gia"? Por que os gregos? Quais foram os fatores que contribuíram
para sua formação, para seu destaque em relação a outros povos
nos diversos campos do conhecimento, das Artes, da Literatura e
da Filosofia? Por que o conceito de cultura é mais amplo do que
comumente se fala sobre o conceito de cultura?
É óbvio que há uma distância entre o modo de vida atual e
o do helenismo. Estamos situados em um tempo e espaço dife-
rentes. Temos um olhar diferente e isso pode dar margem a in-
terpretações equivocadas ou distorcidas. Não podemos, portanto,
examiná-lo por linhas ou concepções modernas, principalmente
no que tange à noção de indivíduo. Então, temos de pensar como
a cultura grega, ou, em outras palavras, um acontecimento está
intimamente ligado ao contexto específico.
Considerando o distanciamento e tudo o que o conceito de
cultura implica, nós poderíamos entender e explicar esse tema tal
como os gregos o fizeram? Veja o que diz Jaeger (1995, p. 7-8) a
respeito disso:
Hoje estamos habituados a usar a palavra cultura não no sentido
de um ideal próprio da humanidade herdeira da Grécia, mas antes
numa acepção bem mais comum que a estende a todos os povos da
Terra, incluindo os primitivos. Entendemos assim por cultura a totali-
dade das manifestações e formas de vida que caracterizam um povo.
A palavra converteu-se num simples conceito antropológico descri-
tivo. Já não significa um alto conceito de valor, um ideal consciente.

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76 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Segundo Jaeger, o positivismo é a corrente filosófica respon-


sável por essa percepção do conceito de cultura e da multiplicidade
de culturas Pré-helênicas e outras com base na "ótica" europeia.
Ainda segundo o autor, é com os gregos que o ideal de cultu-
ra é estabelecido conscientemente como fundamento da formação
integral do homem, isto é, a ideia de cultura é invenção grega. Pre-
cisamos, por essa razão, buscar pelo seu sentido originário e essa
jornada só é possível por meio de uma imersão em sua história
Conforme havíamos estudado na unidade anterior, não po-
demos associar o Ocidente e o Oriente na formação do que, hoje,
denominamos Filosofia. A Grécia é, sem dúvida, o berço da civiliza-
ção ocidental, mas não a ponto de identificarmos a concepção de
indivíduo clássica com a moderna. Isso seria precipitação.
Foram os gregos que primeiro situaram o problema da indi-
vidualidade e, a partir deles, originaram discussões filosóficas so-
bre a subjetividade e a personalidade na Europa, primeiramente
em Roma e depois com o Cristianismo.
Discute-se muito a originalidade e genialidade dos gregos. Au-
tores, como o próprio Jaeger, admitem que é algo de sua própria
natureza. Tinham, portanto, uma concepção inata do conceito de
natureza mediante o qual reconheciam as leis existentes nas pró-
prias coisas, na realidade circundante. Essa concepção de natureza
é, todavia, orgânica, uma vez que as partes são consideradas inte-
grantes de um todo organizado. Por exemplo, a arte, a linguagem, o
pensamento, os sentimentos, as leis, a oratória, a retórica etc. são
dotados de princípios comuns. Segundo Jaeger (1995, p. 11):
Até na oratória grega encontramos os mesmos princípios formais
que vemos na escultura ou arquitetura. Referimo-nos ao caráter
plástico ou arquitetônico de um poema ou de uma obra em prosa.

Podemos usar, ainda, como exemplos, as obras de Hesíodo e


de Homero a fim de entender a percepção que tinham das leis que
regem a natureza humana. Aristóteles e Platão são outros exem-
plos caros da Filosofia, maior criação do espírito grego.
© U2 - Antiguidade clássica grega e a Educação 77

Jaeger (1995, p. 12) diz que o "povo grego é filosófico por


natureza". Acrescentamos que a própria língua grega é filosófica
dada a sua estrutura, intimamente ligada à arte e à poesia.
Perguntamos a esse respeito: Da percepção das leis que go-
vernam a natureza humana, derivam as normas que orientam a
vida do cidadão e a estrutura da sociedade? A razão está para o
homem assim como a lei para a cidade?
Com relação à Educação podemos nos apropriar dos mes-
mos critérios e objetivos? A Educação, para os gregos, pode ser
também um processo de construção consciente? Qual é a essência
da Educação?
Há um elemento comum a tudo isso: uma visão antropocên-
trica. Em que consiste tal concepção? Examinemos a arte, a reli-
gião, a Filosofia e até o campo da política dos helenos: o que há de
comum entre esses aspectos? A forma humana.
Por essa razão, podemos dizer que o princípio espiritual dos
gregos é o Humanismo.
Humanismo vem de humanitas. Pelo menos desde o tempo de
Varrão e de Cícero, esta palavra teve, ao lado da acepção vulgar e
primitiva de humanitário, que não nos interessa aqui, um segundo
sentido mais nobre e rigoroso. Significou a educação do Homem de
acordo com a verdadeira forma humana, com o seu autêntico ser.
Tal é a genuína Paidéia grega, considerada modelo por um homem
de Estado romano (JAEGER, 1995, p. 14).

A forma humana a que nos referimos é a ideia de Homem,


ou ainda, o processo educativo, isto é, de formação dos gregos que
se deu pelo ideal de Homem que elaboraram.
Pelas razões aqui apresentadas, obrigamo-nos a buscar os
fundamentos da Educação na antiguidade clássica.

6. NOBREZA E ARETÉ
Com o mesmo subtítulo da obra, Paidéia: a formação do ho-
mem grego, de Werner Jaeger, objetivamos revelar a mesma temá-
tica. Trata-se da relação entre a nobreza e o conceito de Excelência.

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78 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Transcrevemos, a seguir, um trecho significativo da obra na


tentativa de definir e de expressar a essência da Educação. Diz o
autor:
A educação é uma função tão natural e universal da comunidade
humana, que, pela sua própria evidência, leva muito tempo a atin-
gir a plena consciência daqueles que a recebem e praticam, sendo,
por isso, relativamente tardio o seu primeiro vestígio na tradição
literária. O seu conteúdo, aproximadamente o mesmo em todos
os povos, é ao mesmo tempo moral e prático. Também entre os
Gregos foi assim. Reveste, em parte, a forma de mandamentos,
como: honrar os deuses, honrar pai e mãe, respeitar os estrangei-
ros; consiste por outro lado numa série de preceitos sobre a moda-
lidade externa e em regras de prudência para a vida transmitidas
oralmente pelos séculos afora; e apresenta-se ainda como comuni-
cação de conhecimentos e aptidões profissionais a cujo conjunto,
na medida em que é transmissível, os Gregos deram o nome de te-
chne. Os preceitos elementares do procedimento correto para com
os deuses, os pais e os estranhos foram mais tarde incorporados à
lei escrita dos Estados Gregos, na qual não se fazia distinção entre a
moral e o direito; e o rico tesouro da sabedoria popular, mesclado
de regras primitivas de conduta e preceitos de prudência enraiza-
dos em superstições populares, chegava pela primeira vez à luz do
dia, através da antiqüíssima tradição oral, na poesia rural gnômica
de Hesíodo (JAEGER, 1995, p. 23).

O que podemos inferir da citação sobre os conceitos de Edu-


cação e do processo de formação do homem? São a mesma coisa?
"Educação" e "formação" são sinônimos?
Primeiramente, devemos ter em mente que são termos his-
toricamente distintos. São conceitos cujas origens se divergem.
Segundo Jaeger, Educação é o processo do qual não se tem,
ainda, a plena consciência, tanto com relação a quem educa quan-
to a quem é educado. Seu conteúdo é comum tanto para os gregos
quanto para os demais povos, isto é, reveste-se de caráter moral,
na forma de mandamentos, proibições, sanções, interditos, puni-
ções etc., como honrar pai e mãe, honrar os deuses etc.
Mas como são transmitidos? Como é veiculado o conteúdo
desse sentido de Educação? A resposta é: oralmente.
© U2 - Antiguidade clássica grega e a Educação 79

Desse modo, com o tempo as regras, ou seja, as normas ne-


cessárias para a conservação da comunidade foram incorporadas
às leis do Estado.
Isso ocorreu, pelo menos, até o século 9º a.C., aproximada-
mente, quando nasce a literatura grega, com as epopeias Ilíada e
Odisséia, do poeta Homero.
Vamos refletir mais um pouco com base nos fatos históricos
e na etimologia da palavra "epopeia"?
Historicamente, as epopeias de Homero evocam o marco re-
ferencial dos ideais educativos entre os gregos. Esses ideais corres-
pondem ao conceito de Areté e, somente mediante esse, podere-
mos nos aproximar da significação e da importância da Paideia. As
obras citadas anteriormente retratam o passado dos reinos egeus
(um dos povos, juntamente com os dórios e jônicos, que contri-
buiu para a formação do que, hoje, denominamos Grécia).
Por questões de ordem didática, trataremos com detalhes
nesse momento o conceito de Areté, importantíssimo para a fun-
damentação da Paideia grega.

A novidade da Areté grega


Inicialmente, podemos dizer que Areté e Aristós são palavras
que têm a mesma raiz no grego. Aristós, traduz-se por "melhor",
"vencedor" ou, ainda, "heroísmo", "coragem", "valentia". Gostarí-
amos de chamar sua atenção para o fato de que em todos esses
significados está presente a ideia de "qualidade", ou seja, uma ca-
racterística que nos permite afirmar que isso ou aquilo se reveste
de elementos positivos que o tornam passíveis de serem elogiados.
Dito de outro modo, podemos dizer que há, subjacente a todas as
interpretações etimológicas dessa palavra, a ideia de "Excelência".
Mas o que se pode entender por "Excelência"? Vejamos as
considerações apresentadas por Patrício (2008, p. 287):

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80 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Excelente é o que é bom. É o que é muito bom. É o que é tão bom


que não pode ser melhor. Ser melhor seria exceder o potencial de
ser daquilo que é o sujeito da excelência. Excelente é, pois, o suma-
mente bom na ordem de ser de determinada coisa: coisa ou pes-
soa, ou acção, pensamento, sentimento, desejo ou vontade.
Por isso, se pode dizer, com inteiro acerto, que excelente é o perfei-
to, o distinto, o magnífico.
É, pois, a excelência a qualidade do que é excelente, perfeito, sumo
no seu ser.

Pensemos juntos a ideia de heroísmo. Nela, temos uma si-


tuação em que a pessoa acaba por agir de determinada maneira,
que faz com que a consideremos heroica. Ou seja, essa pessoa fez
algo inusual e ao fazê-lo revestiu-se de qualidades que nos leva-
ram a elogiá-la.
Nesse sentido, consideramos importante, outra considera-
ção apresentada por Patrício (2008, p. 287 – grifo nosso) e essa é:
A ideia de "ser superior a" implica a comparação de uma entidade
com outra. A comparação implica, ela própria, a excelência na pure-
za da sua ideia. Nesta, a excelência de uma entidade é a coincidên-
cia plena dessa entidade consigo própria. Mas há, evidentemente,
a excelência em si. É com ela que a excelência de toda a entidade é
comparada, por ela aferida. Há, pois, entidades mais excelentes do
que outras. A raiz da excelência é de natureza ontológica. A exce-
lência define-se pelo ser, não pelo ter.

Observe que o autor nos informa que existiria uma ideia de


Excelência em si, a partir da qual se realiza uma comparação, ou
seja, estabelece-se um parâmetro para que possamos verificar o
quanto o sujeito ou coisa comparada se aproxima dela. Assim, a Ex-
celência acaba por ser um processo – não nascemos com ela, pois
não a temos como propriedade, mas nos aproximamos dela paulati-
namente e, com tal exercício, passamos a vir a ser excelentes.
Pensemos juntos: como isso se aplicaria em nossas vidas?
Convidamos você a realizar o seguinte exercício: analise-se e veri-
fique suas capacidades, quais delas você considera importantes e
o tornam melhor em algo, ou ainda, pergunte-se: quais são as qua-
lidades que, se você adquirisse, fariam com que viesse a se sentir
© U2 - Antiguidade clássica grega e a Educação 81

pleno, realizado ou, para usar os termos com que estamos lidando,
você se sentiria melhor ou excelente?
Ao fazer esse exercício, você começa a estabelecer uma ideia
daquilo que você considera como excelente e valoroso ou para fa-
zermos uso da terminologia grega, você acaba por começar esta-
belecer qual seria a sua Areté.
Do que foi dito, é possível então que caminhemos um pouco
mais e analisemos o desenvolvimento desse significado ao longo
da história grega, pois, como mostraremos a seguir, a definição da-
quilo que seria a Areté sofreu profundas mudanças ao longo do
processo de construção da cultura grega antiga.
Inicialmente podemos dizer que, como vimos na Unidade 1
deste CRC, o povo grego, no período homérico, era educado, tendo
como elemento de referência as produções de Homero e Hesíodo
e, nesse sentido, qual seria as qualidades que estavam presentes
nessas obras e, em especial, na obra de Homero?

7. A ARETÉ HOMÉRICA
Para darmos conta da Areté nas obras de Homero, convida-
mos você a analisar as seguintes considerações apresentadas por
Vilanou:
É claro que os gregos – com Homero à frente – inventaram a civi-
lização européia ao destacar a importância do indivíduo que se
definia pela areté, quer dizer, por sua excelência pessoal. Deste
modo, Homero colocou as bases do humanismo europeu porque
suas obras – a Ilíada e a Odisséia – tem definido a origem de uma
vida que destaca um catálogo de virtudes morais e espirituais que
teriam – como sucedeu com todo o helenismo – o objetivo de pro-
mover a dignidade do ser humano. Tanto é assim que a Paideia
equivale a um processo educativo que encaminha os homens até
a virtude (Areté) entendida como sinônimo de excelência humana
(VILANOU, 2001, p. 3).

Nesse trecho, além da ênfase à importância de Homero,


existe, também, o trato com o conceito de Paideia, mas, neste

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82 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

momento, não é necessário que você se dedique a analisar essa


vinculação entre Paideia e Areté, pois abordaremos essa análise
em breve, mas que tenha alicerçado a ideia de que Homero, com
as obras citadas, apresenta um catálogo de virtudes, ou melhor,
um catálogo de Excelências (Areté) que seus personagens devem
possuir ou adquirir.
Bem, e o que seria então essa Areté proposta por Homero?
Vejamos algumas considerações apresentadas por Jaeger (1995,
p. 28) a respeito dos conceitos de Areté e Aristós usadas naquele
período:
Derivam ambos da mesma raiz: regem-se por normas certas de
conduta, alheias ao comum dos homens. O código da nobreza ca-
valheiresca tem assim uma dupla influência na educação grega.
Dela herdou a ética posterior da cidade, como uma das mais altas
virtudes, a exigência da coragem, cuja designação posterior – viri-
lidade – recorda claramente a identificação homérica da coragem
com a Areté varonil.

Gostaríamos de chamar sua atenção para algumas palavras-


-chave neste texto, tais como nobreza, normas de conduta e, além
disso, coragem. Na obra homérica, é excelente aquele que prima
por buscar desenvolver e realizar essas características. Contudo,
há de ter especial cuidado com esses termos, pois a forma como
eles são usados naquele período, divergem radicalmente da for-
ma como lidamos com esses conceitos na atualidade. Tomemos
como exemplo o conceito de nobreza, para Jaeger (1986, p. 20): na
proposta homérica, homem nobre é aquele "que, na vida privada
como na guerra, rege-se por normas certas de conduta, alheias
aos comuns dos homens".
Para que você possa perceber como se manifesta esse pro-
cesso de superação em relação ao comum dos homens pensemos,
por exemplo, na obra Ilíada. Nela, temos dois personagens, Aqui-
les e Ulisses e ambos, embora adotem posturas diferentes, nem
por isso deixam de superar-se em busca de uma Excelência. Espe-
cificamente em Aquiles, temos o "guerreiro sublime, amante da
glória, mas que não hesita em sacrificar a vida para não perder a
© U2 - Antiguidade clássica grega e a Educação 83

honra". Como se percebe, nesse personagem está presente a co-


ragem, inclusive correndo o risco de perder sua própria vida, pois
assim agindo ele se mantém honrado.
Por outro lado, temos, segundo Jaeger (1986, p. 9), a antí-
tese de Aquiles manifestada no personagem Ulisses, que serviria:
para aqueles a quem a virtude de Aquiles pudesse desencorajar um
pouco, existia outro modelo, aparentemente mais acessível, e mais
utilizável: o fino, o engenhoso Ulisses, o homem dos mil truques,
o "vivo", sempre capaz de safar-se de uma dificuldade, perfeito
exemplo do saber viver e, em todo caso, de esperteza, a virtude
heróica é completada pela sabedoria prática.

Para que você possa entender de que forma esses ideais de


Excelência eram valorizados, vale dizer que, para os nobres desse
período, ou como diriam os gregos, para os Aristós, era desejável
que se morresse jovem em batalha para que seus feitos e sua co-
ragem fossem cantados pelos seus pares; por outro lado, ter uma
vida longa poderia significar que a pessoa não buscou a contento
sua Areté. Quem discordasse de tais ideais eram afrontados e me-
nosprezados.
Para exemplificar essa condição, vejamos, a seguir, uma con-
sideração apresentada por Aristóteles e que, a sua maneira, iden-
tifica a plenitude daquele que realiza sua Areté:
Quem está impregnado de auto-estima deseja antes viver um
breve período no mais alto gozo a passar uma longa existência em
indolente repouso; prefere viver só um ano por fim nobre, a uma
vasta vida por nada; escolhe antes executar uma única ação grande
e magnífica, a fazer uma série de insignificâncias (ARISTÓTELES
apud JAEGER, 2001, p. 35-36).

Como se percebe, o entendimento que Jaeger atribui para a


palavra Areté advindas da produção homérica não pode ser con-
fundida com virtude no sentido moral. No grego, sua significação
ultrapassa as preocupações de ordem moral ou ética que esse úl-
timo poderia engendrar. Pode até ser que a Areté tenha, algumas
vezes, essa conotação, mas não representa seu sentido originário.

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84 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

O significado de Areté, portanto, no uso da linguagem, nas


obras homéricas ressalta a coragem como principal característica
do herói. Esta é sua Excelência.
Muito provavelmente estas informações que estamos lhe
apresentando talvez estejam lhe surpreendendo em razão de que
na contemporaneidade, como veremos em discussões futuras, não
se prima por muitos desses elementos de Excelência. Independen-
te deste aspecto, é importante que frisemos a originalidade e a
importância da obra homérica, pois ela acaba por apresentar ao
indivíduo que a ouve um convite para sua autossuperação, a busca
por uma Excelência e deposita, nesse exercício, um sentido para a
vida de quem se inicia neste desafio e será avaliado tendo em vista
estes parâmetros de Excelência.
Com os elementos apresentados sobre Homero, considera-
mos possível avançarmos um pouco mais. Vamos lidar agora com
a proposta de Areté presente na obra de Hesíodo.

8. A ARETÉ EM HESÍODO
Conforme o que havíamos discutido na Unidade 1, Homero
e Hesíodo acabaram por encaminhar a formação cultural do povo
grego. No entanto, há de se apresentar algumas diferenças impor-
tantes sobre essas duas grandes personalidades.
Enquanto Homero acabou por contribuir com um ideal de
Areté que encontrou ressonância, sobretudo, na elite grega que
via na figura do herói guerreiro um ideal de nobreza que propi-
ciaria a Excelência, Hesíodo acabou por apresentar uma proposta
de Excelência voltada para uma população que não tinha no ideal
cavalheiresco um parâmetro para suas vidas, pois enquanto este
ideal era possível apenas para uma pequena parcela da população
que podia se dedicar a esses ideais, existia outra parcela da popu-
lação que se dedicava apenas ao trabalho.
© U2 - Antiguidade clássica grega e a Educação 85

Nesse sentido, podemos dizer que, enquanto em Home-


ro temos um ideal de Excelência dos nobres, Hesíodo acaba por
apresentar uma proposta de Excelência volta para aqueles que se
dedicam exclusivamente ao trabalho, sobretudo no campo.
Há em Hesíodo um esboço de proposta ética, onde é valo-
roso e bom o indivíduo que trabalha e assim o faz com retitude,
e, por outro lado, aquele que se dedica ao ócio ou às injustiças,
acabaria por se afastar da Excelência. Dito de outro modo, pode-
ríamos dizer que em Hesíodo é possível fazer uma releitura de um
velho adágio popular, de "o trabalho dignifica o homem" para "o
trabalho proporciona a Excelência ao homem".
Em razão disso, concordamos com Jaeger (apud GOERGEN,
2006, p. 193) quando afirma que, com Hesíodo:
Não apenas a luta do herói guerreiro contra o inimigo no campo de
batalha, mas também a silenciosa e renhida luta do homem traba-
lhar com a terra dura e as adversidades do tempo tem seu heroís-
mo e gera habilidades que são de valor perene para o ser humano.

Essa nova proposta de Areté acaba por trazer uma série de


questões importantes para pensarmos juntos, isto porque, segun-
do Pedro Goergen (2006, p. 193), enquanto na proposta Homérica
temos um elogio ao herói guerreiro e, consequentemente, um elo-
gio à disputa e ao combate (ao que os gregos chamam de agonis-
mo), em Hesíodo há uma ênfase a valores tais como a dike (justiça)
em detrimento da Hybris (injustiça). Com isso há de se considerar
uma questão interessante, se antes tínhamos o combate físico de
candidatos a heróis, em Hesíodo temos o combate de ideias em
torno de valores. Este aspecto é importante, pois a discussão des-
tes valores, como veremos em breve, irão influenciar sobremanei-
ra os desdobramentos posteriores da cultura grega, pois, segundo
Goergen (2006, p. 193):
a dike e a hybris estão presentes, lado a lado, como duas possibili-
dades dentre os quais o homem tem que escolher. Surgem assim
as condições primeiras de liberdade e autonomia do homem oci-
dental.

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86 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

O termo dike é utilizado na cultura grega antiga para se referir


ao espírito moral de um julgamento justo, onde se obedeciam as
normas e as regras sociais. Atualmente se refere ao conceito de
justiça moral.

O termo hybris foi utilizado na Grécia antiga para se referir as


ações do indivíduo que provocam humilhação e vergonha na ví-
tima e, por outro lado, gratificação ao autor dos abusos. Foi con-
siderado também um termo legal para se referir a determinados
crimes. Atualmente é associado a arrogância, descontrole, etc.

Um exemplo da abordagem de Hesíodo relativa a estes as-


pectos pode ser percebido no excerto a seguir apresentado por
Jaeger:
É fácil alcançar a miséria. O caminho é desimpedido. E ela não mora
longe. Os deuses imortais, porém puseram o suor antes do êxito. A
senda que a ele conduz é íngreme e comprida, e de início penosa.
No entanto, quando tiveres chegado ao cimo, torna-se fácil, apesar
de sua aspereza (HESÍODO apud JAEGER, 1995, p. 68-69).

Com isso, consideramos que já existem elementos suficien-


tes para avançarmos um pouco mais e lidarmos com um elemento
extremamente vinculado a Areté e que é o centro de nossa discus-
são, referimo-nos ao conceito de Paideia.

9. A PAIDEIA GREGA
No início desta unidade, vimos uma série de elementos vin-
culados ao conceito de Educação. Apresentamos de forma um
tanto quanto sucinta questões referentes à Educação e formação,
Educação e cultura, indivíduo e sociedade e, por fim, o homem e
a Educação. No entanto, muitos aspectos de nossa argumentação
ficaram como que suspensas no ar, pois, para tratar adequada-
mente dos mesmos, era necessário que houvesse a apropriação
do conceito de Areté e, em razão disso, lhe foi apresentado o con-
ceito de Areté em Homero e Hesíodo.
© U2 - Antiguidade clássica grega e a Educação 87

Agora, considerando que tenhamos conseguido lidar a con-


tento com o conceito de Areté, podemos finalmente iniciar uma
análise do conceito de Paideia.
Para começarmos, analisemos o conceito de Educação.
Este termo é, segundo a etimologia da palavra, um substan-
tivo feminino de origem latina: educatio. Pode ser traduzido por
criar, instruir, cuidar, nutrir, produzir, tratar. É uma ação que se es-
tende não somente ao ser humano, mas também a animais, plan-
tas e ao cultivo da terra. É uma ideia bastante abrangente.
Por outro lado, Paideia é a palavra grega que corresponde ao
termo latino, e implica outro: pais, paidós, isto é, "crianças". Esse
termo possui o mesmo radical do verbo paideúo, que se traduz
por ensinar, instruir, criar e se aplica de forma tão ampla quanto o
vocábulo latino.
Em grego há, ainda, outro verbo: trophé, que se traduz por
"criação" e refere-se ao período em que a criança está sob os cui-
dados da mãe ou da família, pelo menos, até os sete anos. A Pai-
deia corresponde, portanto, ao período de formação propriamen-
te dito em que a criança inicia seus estudos primários e nos quais
aprenderá a ler, escrever e, também, a música.
O que a criança aprendia quando estava sob a supervisão
e orientação da mãe ou da família? A que classe social se refere
quando tratamos deste assunto?
Sabemos que em Atenas, por exemplo, somente dez por
cento da população era considerada cidadã nas decisões políticas.
As mulheres, crianças, escravos e estrangeiros não tinham direitos.
Mas isso tem alguma relação com a Educação? Essa Educação se
direcionava a todas as crianças sem distinção de classe social, po-
lítica ou econômica?
Continuemos nossa reflexão! Esse caminho será bem sinuo-
so! Vamos lá?

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88 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Podemos denominar, então, seguindo o raciocínio de Jaeger,


que o entendimento atual do conceito de Educação é bem diferen-
te do que foi proposto pelos gregos na Antiguidade e, portanto,
fundamento do processo educativo.
Vamos associar algumas ideias.
Considere os seguintes fatos:
• Nos dias de hoje, uma criança inicia sua vida escolar bem
cedo. Devido às condições socioeconômicas, a maioria
das mães precisa trabalhar fora de casa.
• A própria estrutura familiar é diferente. A figura paterna
já não representa o centro da família.
• Muito frequentemente, ocorre a constituição de uma
nova família com outros pais que não os biológicos, moti-
vada pela separação, divórcio ou desestruturação familiar
ocasionada por diversas razões.
As próprias condições de trabalho, atualmente, obrigam tan-
to o pai quanto a mãe a ficar muito tempo fora e longe do convívio
com os filhos.
Não nos esqueçamos de que a figura da mãe é central na
Educação do ser humano. É ela quem primeiro transfere os con-
teúdos e bens simbólicos da cultura para o filho ou filha, na fase
inicial de sua infância. O primeiro contato, então, com a cultura
se dá por meio da mãe, pelos valores, mandamentos que nortea-
rão sua vida, seu comportamento em sociedade. Daí que surge um
questionamento: é a cultura que faz o homem ou é o homem que
faz a cultura?
Parece que, por diversos motivos, nos perdemos dos pressu-
postos básicos da Educação (Paideia) que, como já havíamos dito
anteriormente, foi mérito do povo helênico.
Jaeger nos ensina que seu registro surgiu somente no século
5º a.C. na obra Sete contra Tebas, de Ésquilo, e significava apenas
criação de meninos.
© U2 - Antiguidade clássica grega e a Educação 89

Quando nos referirmos à formação, distinta historicamente


da palavra "educação", na perspectiva do homem grego da Anti-
guidade, constata-se que a Areté está relacionada ao ideal de ho-
mem que se pretende formar.
Levados pela significação da palavra "formação" originaria-
mente, podemos incorrer em equívocos. "formar", no dicionário
da língua portuguesa, está vinculado à Educação, mas já havíamos
feito essa observação acerca dos problemas que esse tipo de con-
sulta pode acarretar.
"Formação", no sentido específico da palavra, indica o pro-
cesso de educação ou de civilização e, ao mesmo tempo, implica
um conceito mais amplo que é o de cultura.
Tal formação não será, no entanto, bem-sucedida ou cons-
ciente se não atender a algumas condições, a saber: que a imagem
desse homem que se deseja formar seja revestida de Beleza. Mas,
alertamos novamente que não se trata do sentido de beleza física,
valor que nossa cultura adotou. Trata-se, nesse caso, do conceito
universal e absoluto de Beleza que não se reduz às percepções que
temos do mundo. Seu sentido não passa por transformações, é,
portanto, imutável.
Esta formação não é possível sem se oferecer ao espírito uma ima-
gem do homem tal como ele deve ser. A utilidade lhe é indiferen-
te ou, pelo menos, não essencial. O que é fundamental nela é o
καλόν, isto é, a beleza no sentido normativo da imagem desejada,
do ideal (JAEGER, 1995, p. 24).

A formação refere-se ao Homem no sentido integral, isto é,


tanto do ponto de vista exterior de seu comportamento quanto de
sua atitude interior.
Esse Homem integral que se pretendia formar, isto é, aquilo
que deveria ser, era resultado de um processo de disciplina. Veja-
mos como este καλόν está presente na Areté homérica.

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90 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

A Paideia em Homero
No princípio, se tomarmos como exemplos as epopeias de
Homero, poderemos notar que a Areté está intimamente relacio-
nada à aristocracia cavalheiresca. Vemos nas figuras de Heitor,
Aquiles e Ulisses exemplos clássicos. É da nobreza grega, portanto,
que nasce esse ideal de homem e que modela o mundo aristocrá-
tico à sua própria imagem.
A Areté designa nas obras do poeta Homero não somente
a Excelência dos seres humanos, mas também dos deuses. Os es-
cravos não têm Areté. O que nos leva à conclusão de que a Areté
homérica, como o próprio Jaeger já havia nos revelado, é atributo
somente da nobreza ou da aristocracia.
O sentido de dever é, nos poemas homéricos, uma característica
essencial da nobreza, que se orgulha por lhe ser imposta uma me-
dida exigente. A força educadora da nobreza reside no fato de des-
pertar o sentimento do dever em face do ideal, que deste modo o
indivíduo tem sempre diante dos olhos (JAEGER, 1995, p. 28).

É importante você entender que:


• Primeiro, o herói é dotado de qualidades naturais natas
porque descende de uma longa linhagem de homens ex-
celentes.
• Segundo, essas qualidades ou virtudes devem ser exerci-
tadas e potencializadas mediante um rígido processo de
disciplina, conquistando sua Areté, mas cujo prêmio será
alcançado somente na luta, na rivalidade entre seus pa-
res, em tempos de paz ou de guerra, na demonstração de
sua coragem, bravura e sua destreza guerreira em campo
de batalha, na morte ou em sua vitória.
A Ilíada está repleta de exemplos dessa consciência educa-
dora da aristocracia grega cavalheiresca. Jaeger (1995, p. 30) ob-
serva que:
Não foi sem razão que os gregos posteriores viram nestes versos a
mais antiga formulação do ideal de formação grego, no seu esforço
para abranger a totalidade do humano. Citaram-no com freqüência,
© U2 - Antiguidade clássica grega e a Educação 91

num período de cultura refinada e retórica, para louvar a alegria da


ação dos tempos heróicos e opô-la ao presente, pobre de ações e
rico de palavras. Mas pode também ser citado, por outro lado, para
demonstrar a feição espiritual da antiga cultura aristocrática.

Outro aspecto de fundamental importância que os heróis


gregos aspiravam era a honra, que é a expressão da medida da
Areté e o fundamento da ordem social. É o reconhecimento públi-
co de seu valor durante um conflito.
Lembremo-nos de Aquiles aos portões de Troia chamando
por Heitor. Tanto um como outro são orientados pelos valores cul-
turais de seu tempo e nenhum dos dois poderia se esquivar des-
se compromisso, quiçá um compromisso moral inadiável. Heitor,
mesmo sabendo que estava diante do maior guerreiro grego e que
suas chances eram praticamente nulas no combate, enfrentou-o.
Sua morte, no entanto, não o desabonou, ao contrário, aperfei-
çoou sua Areté heroica. Eis um exemplo de honra.
Segundo Patrício (2008), outros autores daquele período so-
maram-se a Homero em uma proposta de Paideia voltada para a
aristocracia e cuja ênfase está voltada, sobretudo, para o heroísmo
e para a honra. Dentre esses outros autores, Patrício cita os poetas
Tirteu e Píndaro. Com relação a Tirteu (apud PATRÍCIO, 2008, p.
291), vamos observar um trecho de sua poesia:
E ainda que fosse mais belo que Titono e mais rico do que Midas e
Cimiras, mais régio que Pélops, filho de Tântalo, e dotado de uma
língua mais lisonjeira que Adrasto, se tivesse todas as glórias do
mundo, mas não possuísse o valor guerreiro, não quereria honrá-
-lo. Não dará boas provas de si na luta se não for capaz de encarar
a morte sangrenta na peleja e de lutar corpo a corpo com o adver-
sário. Isto é aretê.

Quanto a Píndaro, esse é o poeta do elogio à superação he-


roica, conduta típica da Areté aristocrática, o poeta que, dentre
outras coisas, nos aconselha que nossa alma não busque a vida
imortal, mas que esgotemos o campo do possível. Para Patrício
(2008, p. 291):

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92 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Píndaro é o poeta do ideal aristocrático. Nobre é o que é de sangue,


não de formação: é o que pensa Píndaro. A aretê encontra-se no
sangue. Ou seja: o nobre é nobre, não deveio nobre, pela formação
ou aprendizagem. A nobreza é inata, não adquirida.

Essa abordagem que Patrício nos apresenta em relação a


Píndaro é importante, pois ela vai ser muito discutida futuramente
ao pensarmos se é possível ou não ensinarmos qualquer pessoa,
independente de sua origem ou característica. Do que foi dito,
existem outros desdobramentos da Paideia homérica que necessi-
tam ser visitados por nós e, para tanto, verifiquemos, a seguir, as
considerações apresentadas por Goergen (2006, p. 185):
Mas a influência educativa de Homero não se limitou apenas a esta
descrição do comportamento de heróis como Aquiles e Ulisses, que
deveriam ser modelo de virtude e serem imitados por todos. A ou-
tra face de sua influência, tão importante quanto a anterior, é o
lado estético de sua arte poética. Sua poesia tornou-se o modelo
de beleza estética. Se as virtudes de seus heróis eram o modelo
do comportamento moral, a sua poesia era o modelo do compor-
tamento estético. Aliás, estes dois aspectos – a ética e a estética
– não devem ser vistos como dois elementos separados, mas como
as duas faces do ideal de ser humano: o homem belo e bom. As-
sim, de certo modo, já está presente em Homero aquilo que seria
a grande busca e conquista dos gregos: a elaboração de um ideal
de ser humano.

Como se percebe, valor e beleza, elementos caros à ética e à


estética são apresentados por Goergen como presentes na Paideia
homérica e é importante que você os tenha em mente, pois, em
breve, lidaremos com eles quando formos tratar dos conceitos de
Agathós e Kalós.
Agora, convidamos você a analisar a Paideia em Hesíodo.

10. A PAIDEIA EM HESÍODO


Embora a importância de Homero para a construção de uma
Paideia alicerçada nos ideais da Areté seja um fato que muitas
vezes apresentamos ao longo desta unidade, é necessário, ainda,
que tratemos de Hesíodo, pois:
© U2 - Antiguidade clássica grega e a Educação 93

A poesia de Hesíodo permite-nos perceber que a formação grega


não se deu apenas a partir da nobreza e seu fermento espiritual,
mas que teve a importante contribuição de outras camadas popu-
lares. Colocando a força de sua poesia a serviço dos valores da vida
rural e do campo, e trazendo estes valores à luz do dia, integrou-os
ao processo de formação da nação grega (GOERGEN, 2006, p. 194).

Bem, como se daria essa manifestação da Areté em Hesío-


do? Sobretudo pelo uso em sua poesia de metáforas com grande
apelo educativo, nelas está presente a proposta de trocar o em-
bate de armas pelo embate de ideias, com a realização de justiça
como pano de fundo. Há, assim, uma ênfase com relação à Educa-
ção para os valores em Hesíodo. Segundo Goergen (2006, p. 194):
É mérito de Hesíodo ter introduzido este aspecto ideal que se apre-
senta como elemento de congruência no mundo disperso de então.
Trata-se da idéia do direito. Tal como Homero conta a luta dos seus
heróis como um drama de deuses e homens, Hesíodo relata o em-
bate jurídico como uma luta entre forças terrestres e divinas pela
vitória do direito e da justiça. Homero idealizava a virtude do nobre
e colocou no centro de seu modelo educativo a idéia de poder. He-
síodo idealizou o homem trabalhador do campo e pôs no centro de
seu modelo a idéia de justiça.

Com essas últimas considerações apresentadas por


Goergen, podemos avançar um pouco mais na caracterização da
Paideia em Homero e Hesíodo e, para tanto, vamos analisar o
conceito de Kalokagathia.

11. A PAIDEIA NO PERÍODO HOMÉRICO: KALOS E


AGATHÓS
Após a análise de algumas das peculiaridades da Paideia em
Homero e Hesíodo, vamos agora tratar com vocês a análise de dois
conceitos que consideramos cruciais para sintetizar essa visita pa-
norâmica pelo conceito de Paideia na Grécia homérica, estamos nos
referindo a Kalokhagatia ou mais precisamente Kalós e Agathós.
Para acompanhar nossas afirmações sobre esse tema, utili-
zaremos uma dissertação produzida por Geoffrey Coad, pesquisa-

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94 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

dor da Universidade de Notre Dame (Austrália), isso porque seu


tema de pesquisa foi especificamente o desenvolvimento da no-
ção de Kalós e Agathós de Homero até Aristóteles.
Para começarmos a análise desse tema, vamos lidar inicial-
mente com a etimologia do conceito de Kalokhagatia: ele é com-
posto de dois adjetivos, o primeiro é Kalós (καλός ou belo) e o se-
gundo é Agathós (άγαθός – bom ou virtuoso), ambos combinados
com a crase kai(e) e com isso temos o adjetivo Kalokhagatos, que,
traduzido para o português, corresponde ao belo e bom.
Esse conceito foi inicialmente usado por Heródoto e Aris-
tóteles e refere-se aos poetas épicos que tratamos. Em síntese,
podemos dizer que esse adjetivo buscaria exemplificar a Areté do
período homérico que irá definir a Paideia daquele período.
Especificamente em Homero, o termo "Agathós" está es-
treitamente vinculado ao conceito de Areté que já estudamos, ou
seja, se disséssemos que alguém é Agathós, certamente essa pes-
soa seria nobre, corajosa, hábil e astuta (COAD, 2006, p. 19).
Quanto ao conceito Kalós, vejamos a seguir algumas consi-
derações apresentadas por Coad (2006, p. 21):
Outro termo grego de valor nos tempos homéricos é kalós. Este
aparentemente nunca teve significado alguma indicação de clas-
se em Homero. Ele foi um predicado geral de beleza e foi usado
para homens, mulheres e coisas, sempre com o mesmo significado.
Este parece ter se referido à aparência física externa. kalós igual o
seu já mencionado cognato kalon se adere a pessoa/coisa como é
percebida. Por exemplo, uma mulher de extrema beleza é kala não
importa se ela é cruel aos seus servos ou não. Enquanto ela cumpre
sua função social ela permanece kala.

Como se percebe, não existe nenhuma associação moral ou


ao fato de se possuir conhecimento para que a pessoa seja con-
siderada como bela. Bem e quanto a Hesíodo? Aquilo que já lhe
apresentamos certamente poderia lhe fornecer pistas para res-
ponder a essa questão, isso porque, segundo Coad (2006, p. 42):
Assim como Homero empregava termos-chave de valor, assim tam-
bém foi com Hesíodo. A diferença essencial no mundo hesiodiano
© U2 - Antiguidade clássica grega e a Educação 95

foi que não havia desculpas fictícias. O único caminho para o su-
cesso era um trabalho árduo. Ninguém tinha-o como um direito
de nascença.

Qual seria, então, o Ágathos em Hesíodo? Embora esse poe-


ta faça uso de vários termos para tratar dessa adjetivação, segun-
do Coad (2006, p. 47):
No mundo de Hesíodo um homem não pode alcançar a "fama e
renome" (arete), a menos que seja mestre em seu ofício. Ele tam-
bém deve ser um membro responsável na comunidade e em sua
família, através do exercício das virtudes marcadamente diferente
da narrativa recebida pela proposta homérica.

Observamos que as diferenças entre as duas propostas são


extremamente distintas, se em Homero temos um Agathós voltado
para o nobre, o Aristós, e consequentemente passou a ser usado
para se cunhar uma forma de governo onde o poder está para o
melhor (aristocracia) manifestado na imagem do herói belo e guer-
reiro. Em Hesíodo, temos uma proposta que vincula o Agathós ao
trabalho e ao exercício de valores (justiça, generosidade etc.).
A proposta de Homero serviu, sobretudo, para justificar o
poder e educar a elite grega que se manteve no poder naquele
período. Por outro lado, na proposta de Hesíodo temos uma tenta-
tiva de valorizar outros elementos que não os defendidos por essa
mesma elite e que se vinculava aos valores presentes na vida das
classes menos favorecidas.
Podemos concluir, a partir desses elementos, que, do ponto
de vista político, os defensores da Kalokagathia homérica prevale-
ceram no poder e apresentaram os sustentáculos ideológicos que
justificavam esse mesmo poder.
Do que foi dito, podemos finalizar esta unidade retomando e
ressaltando a importância dos vários conceitos aqui apresentados.
O primeiro aspecto se refere à Areté, série de valores que
passam a despontar na literatura da Grécia homérica, apreciados
de tal forma que devem ser buscados por seu povo. Os textos des-
sa literatura acabam por fornecer uma finalidade à Educação, que

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96 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

cria um ideal de formação – a Paideia – para que esses valores sejam


alcançados. Em Homero, encontramos um ideal de formação vincu-
lado à Kalokhagatia (beleza e virtudes guerreiras), e, em Hesíodo,
encontramos uma apologia ao trabalho e às virtudes morais.
A partir desses elementos e da originalidade da Paideia, po-
dem ser feitas alguns questionamentos no sentido de refletirmos
a Educação contemporânea:
• No mundo contemporâneo, existe um ideal de Excelência
para a construção pessoal?
• Se houver, a Educação da atualidade vincula-se a esse ide-
al e apresenta uma proposta de formação para que esse
ideal seja atingido?
• Coragem, beleza, habilidade, astúcia, trabalho e justiça
compõem alguns dos elementos pelos quais temos apre-
ço e que nos convidam ao exercício de uma Paideia?
Essas são algumas questões importantes para que você pos-
sa contextualizar os temas tratados nesta unidade com as aborda-
gens pedagógicas contemporâneas.
Para que possa aprofundar os conhecimentos adquiridos
nesta unidade, o convidamos a realizar as questões apresentadas
a seguir.

12. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade. Confira, a seguir, as questões propostas para verificar seu
desempenho:
1) Com base na leitura atenta das citações a seguir identifique a alternativa
correta.
Hoje estamos habituados a usar a palavra cultura não no sentido
de um ideal próprio da humanidade herdeira da Grécia, mas antes
numa acepção bem mais comum que a estende a todos os povos
© U2 - Antiguidade clássica grega e a Educação 97

da Terra, incluindo os primitivos. Entendemos assim por cultura a


totalidade das manifestações e formas de vida que caracterizam um
povo. A palavra converteu-se num simples conceito antropológico
descritivo. Já não significa um alto conceito de valor, um ideal
consciente (JAGER, 1995, p. 7-8).
Segundo Jaeger (1995), os gregos deram o nome de paidéia a "to-
das as formas e criações espirituais e ao tesouro completo da sua
tradição, tal como nós o designamos por Bildung ou pela palavra
latina, cultura". Daí que, para traduzir o termo paidéia "não se pos-
sa evitar o emprego de expressões modernas como civilização, tra-
dição, literatura, ou educação; nenhuma delas coincidindo, porém,
com o que os gregos entendiam por paidéia. Cada um daqueles ter-
mos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global. Para
abranger o campo total do conceito grego, teríamos de empregá-
-los todos de uma só vez" (JAEGER, 1995, p. 1).
Na sua abrangência, o conceito de paidéia não designa unicamente
a técnica própria para, desde cedo, preparar a criança para a vida
adulta. A ampliação do conceito fez com que ele passasse também
a designar o resultado do processo educativo que se prolonga por
toda vida, muito além dos anos escolares.
A paidéia vem por isso a significar cultura entendida no sentido
perfectivo que a palavra tem hoje entre nós: o estado de um es-
pírito plenamente desenvolvido, tendo desabrochado todas as
suas virtualidades, o do homem tornado verdadeiramente homem
(MARROU, 1966, p. 158).
a) A Educação para os gregos estava relacionada à Areté, que quer dizer
virtude, relacionada à moral e á ética.
b) Areté e Aristós são palavras que têm a mesma raiz no latim. Aristós signi-
fica vencedor, força, heroísmo, coragem, valentia.
c) Os gregos acreditavam na educação integral, Paideia, por isso transmi-
tiam a Areté a todos.
d) A palavra Areté é o superlativo da palavra Agathós, que significa bom,
nobre, sincero, corajoso, valente.
e) Só a Aristocracia pode alcançar a Areté, pois descende de uma linhagem
de homens excelentes.
2) Qual das palavras a seguir seria a melhor tradução para a palavra grega
"Areté"?
a) Justiça.
b) Cuidado.
c) Dever.
d) Excelência.
e) Valores.

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98 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

3) Hesíodo traz uma série de contribuições interessantes para o entendimento


do conceito de Areté e, dentre essas, há de se destacar:
a) A ênfase nos valores cavalheirescos de coragem e nobreza.
b) A vinculação da Kalokagathia com a beleza das formas e da justa medida
é sobremaneira valorizada nas obras de Hesíodo.
c) Uma proposta que vincula o Agathós ao trabalho e ao exercício de valo-
res (justiça, generosidade etc.).
d) A valorização dos valores presentes entre a nobreza aristocrática em de-
trimento dos valores presentes no homem do campo.
e) O entendimento de que o guerreiro munido da coragem traz consigo o
que há de melhor na Excelência humana.
4) Indique a alternativa que apresenta inadequadamente algumas das carac-
terísticas da Paideia:
a) Na antiga Grécia, esse termo esteve associado às regras do heroísmo.
b) A virtude da temperança e humildade era um grande objetivo do herói
e cabia à Educação fornecer elementos para a realização dessa virtude.
c) Por meio da Paideia, o homem faz uso de qualidades racionais e volitivas,
com as quais se faz dono de uma liberdade de desenvolvimento que não
é disponível a outras criaturas.
d) A Paideia é um processo social e intelectual de Educação que envolve o
indivíduo.
e) Por meio da Paideia, realiza-se a preservação e a transmissão das quali-
dades físicas e intelectuais que compõem o caráter e a natureza de uma
comunidade.
5) Vimos que o ideal de Paideia se alicerça no desenvolvimento da mente e do
corpo do homem, e esse desenvolvimento está fundamentado em algumas
virtudes. Indique a alternativa que apresenta adequadamente as principais
virtudes necessárias para quem se propõe a desenvolver esses ideais:
a) Beleza, nobreza, verdade, justiça e coragem.
b) Nobreza, comprometimento, humildade e sinceridade.
c) Beleza, coragem, meditação e autoconhecimento.
d) Justiça, emoção, envolvimento e companheirismo.
e) Coragem, dedicação, comprometimento e justiça.

Gabarito
1) e.
2) d.
3) c.
4) b.
5) a.
© U2 - Antiguidade clássica grega e a Educação 99

13. CONSIDERAÇÕES GERAIS


Nesta unidade, examinamos de forma muito particular
alguns conceitos importantes para a compreensão do processo
educativo grego, a saber: Paideia, Areté, Agathós, Aristós (aristoi;
aristeiai).
Como visto, a Paideia representa o fundamento sobre o qual
se assenta toda a cultura ocidental. Todas as culturas envolvem o
fenômeno da Educação em suas múltiplas dimensões (social, afe-
tiva, cognitiva, política e outras). Por isso, para compreender em
que consiste nosso próprio modelo de Educação, é importante co-
nhecermos como se estruturou esse primeiro modelo educativo,
a Paideia grega.
Na próxima unidade, veremos como surgiu uma proposta
diferenciada de Paideia, advinda de uma nova relação política (de-
mocracia grega) e o surgimento dos filósofos chamados sofistas.

14. E-REFERÊNCIA

Site pesquisado
PATRÍCIO, M. F. Perenidade da Aretê como horizonte apelativo da Paideia. Sobre a Excelência
em Educação. Revista Portuguesa de Ciências do Desporto. Disponível em: <http://www.
scielo.oces.mctes.pt/pdf/rpcd/v8n2/v8n2a10.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2012.

15. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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1997.
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Jardim Junior. 8. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.
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Claretiano - Centro Universitário


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Kagathos from Homer to Aristotle (Master’s thesis). Fremantle: University of Notre Dame
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VILANOU, C. Da Paidéia à Bildung: para uma pedagogia hermenêutica. Revista Portuguesa
de Educação. v. 14, n. 2, 2001.
EAD
Filosofia prática ou sobre
os sofistas

3
1. OBJETIVOS
• Contextualizar o período histórico e filosófico em que se
apresentou o surgimento dos sofistas.
• Delimitar algumas das características da Paideia no perí-
odo de Péricles.
• Estabelecer vínculo entre a democracia grega na época de
Péricles e a importância dos sofistas.
• Analisar e compreender a Areté educativa dos sofistas.
• Classificar e examinar a Paideia sofística.
• Analisar e interpretar a Areté política.
• Compreender e justificar o ideal humano da pólis grega.
• Analisar e distinguir criteriosamente a oposição entre
Nomós e a Physis.
• Compreender e relacionar o conceito de natureza huma-
na com a Filosofia.
102 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

• Compreender e pontuar a questão da consciência cultural


grega.
• Estudar e analisar a relação entre Sócrates e os Sofistas.
• Compreender a importância da sofística na Filosofia con-
temporânea.

2. CONTEÚDOS
• O período clássico grego.
• A democracia grega e cultura grega no discurso fúnebre
de Péricles.
• Os sofistas.
• Areté educativa.
• Areté política.
• Nomós.
• Physis.
• Estado e Educação.
• O conceito de natureza humana.
• Paideia sofística.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Pesquise em livros específicos de Filosofia ou na Inter-
net comentários sobre a importância dos sofistas para
a constituição da Filosofia ocidental. Se encontrar algo
que considere interessante, disponibilize as referências
desse material a seus colegas na Lista.
2) Um dos nomes mais importantes na transição sofística
da Grécia foi Protágoras. Em razão da importância desse
pensador, apresentamos, a seguir, uma breve biografia a
seu respeito:
© U3 - Filosofia prática ou sobre os sofistas 103

Protágoras de Abdera (Abdera, 480 a.C.-Sicília, 410 a.C.)


Protágoras de Abdera foi um dos muitos pensadores gregos do século 5º a.C.
(incluindo também Górgias, Híppias e Prodicus), coletivamente conhecidos como
os sofistas Mais velhos, um grupo de professores viajantes ou intelectuais que
eram especialistas na retórica (a ciência da oratória) e em temas relacionados a
este. Protágoras é conhecido primeiramente por três afirmações: 1 – o homem
é medida de todas as coisas (que é costumeiramente interpretada como um tipo
de relativismo radical); 2 – o homem pode fazer o pior (ou mais fraco) argumento
aparentar ser o melhor (ou mais forte); e 3 – uma pessoa não pode dizer se deus
existe ou não. Algumas fontes antigas dizem que estas proposições o levaram
a ser julgado e seus livros queimados, mas podem ser também lendas. Noções
de Protágoras como a de que os julgamentos e o conhecimento são, de alguma
forma, relativos à pessoa que julga saber, têm sido muito influentes, e ainda
são amplamente discutidas na Filosofia contemporânea. (Disponível em: <http://
www.iep.utm.edu/protagor/>. Acesso em: 06 fev. 2012. Tradução nossa.)

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, você estudou o desenvolvimento da
Areté nos tempos homéricos e seus desdobramentos manifesta-
dos na Paideia daquele período. Agora, iremos conhecer outro
momento da Paideia grega: o chamado "Período Clássico".
Esse período que começa com a chamada "guerra persa"
(490-479 a.C.) e termina com a morte de Alexandre o Grande (323
a.C.), embora tenha sido um momento em que aconteceram mui-
tas guerras, foi o período onde, para muitos, aconteceu o milagre
grego, pois as inovações que surgiram nesse momento na literatu-
ra, poesia, filosofia, drama e artes acabaram por marcar sobrema-
neira nossa herança cultural. Dentre outros acontecimentos, nesse
período, ocorre o surgimento da Filosofia, o apogeu político cul-
tural da cidade de Atenas e, ainda, o surgimento da democracia.
Especificamente esse último aspecto traz, também ,a presença de
uma corrente filosófica chamada "sofista".
Muitos filósofos sofistas viveram no chamado "período áu-
reo", quando se deu o governo do grande líder ateniense Péricles
(495 a.C.-429 a.C.) e a população ateniense viveu o auge do regime
democrático.

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104 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Poderíamos nos perguntar agora quais seriam os valores e


as características culturais desse período que acabaram por gerar
condições para a presença dos sofistas. Um artigo a esse respeito
que foi redigido por Rodríguez Barroso (2008) e pode ajudar-nos
a elucidar essa questão, apresentando uma análise dos ideais de
Paideia presentes no discurso fúnebre de Péricles.
No período em que Péricles exercia a liderança, apesar do
apogeu político, Atenas encontrava-se diante da guerra do Pelo-
poneso, tendo como oponente, entre outras, a cidade de Espar-
ta. Após um ano de combate, os atenienses realizaram um funeral
simbólico a todos os que nele feneceram até então. No discurso
proferido por Péricles durante a memoração, é possível ver retra-
tada a democracia ateniense.
Vale ressaltar que esse discurso chegou até nós por meio dos
registrados do historiador Tucídides (460 a.C.-395 a.C.). Segundo
Rodríguez Barroso (2008), há indícios de que, ao longo de todo o
período em que perdurou a guerra do Peloponeso, anualmente
era proferido em homenagem aos mortos oriundos das batalhas.
Vale lembrar que a capacidade oratória era muito valorizada
e necessária, pois, além da beleza estética dos discursos preferi-
dos, os oradores deveriam ser convincentes – as decisões nesse
momento histórico se davam mediante o exercício da argumenta-
ção realizada na ágora.

O termo "ágora" se refere a um lugar aberto onde se realizavam as
assembleias nas antigas cidades-estados gregas. Especificamen-
te no caso de Atenas, a ágora acabou por ser símbolo da democra-
cia grega, pois nela participavam aqueles que eram considerados
cidadãos atenienses.

Veja, a seguir, alguns trechos selecionados do discurso de


Péricles, observando os elementos que eles retratam. Para iniciar
essa análise, atente aos elementos retratados quanto ao sistema
político de Atenas:
© U3 - Filosofia prática ou sobre os sofistas 105

O nosso sistema político não compete com instituições que estão


noutros locais implantadas pela força. Nós não copiamos os nossos
vizinhos, mas tentamos ser um exemplo. A nossa administração fa-
vorece a maioria em vez da minoria: é por isso que é chamada uma
democracia. As leis dão justiça para todos de igual modo, nas suas
disputas privadas, mas não ignoramos a demonstração da exce-
lência. Quando um cidadão se distingue, então será chamado para
servir ao estado, em detrimento de outros, não devido a privilégios,
mas como um prêmio para o mérito; e a pobreza não é obstáculo
para tal (TUCÍDIDES apud RODRÍGUEZ BARROSO, 2008, p. 36, tra-
dução nossa).

Nesse excerto, há ênfase ao valor da democracia, o respeito


à igualdade dos cidadãos e a valorização da Excelência – da qual
tratamos na unidade anterior –, observando-se que o homem ex-
celente é chamado a servir ao estado.
Apreciemos outro excerto:
A liberdade que apreciamos estende-se também à nossa vida par-
ticular; não desconfiamos uns dos outros, e não aborrecemos o
nosso vizinho se ele escolher seguir seu próprio caminho [...]. Mas
esta liberdade não faz de nós seres sem lei. Somos educados para
respeitar os magistrados e as leis, e a nunca esquecer que devemos
proteger os feridos. E somos também ensinados a observar aquelas
leis que não estão escritas cuja sanção está apenas na sensação
universal do que está correto (TUCÍDIDES apud RODRÍGUEZ BAR-
ROSO, 2008, p. 36, tradução nossa).

Nesse trecho, distinguimos a ênfase na excelência moral vin-


culada às leis, quer essas sejam escritas ou se manifestem na pró-
pria percepção do indivíduo.
Avaliemos, a seguir, a relação entre o público e o privado:
Amamos a beleza sem nos tornarmos vaidosos, e apesar de tentar-
mos melhorar o nosso intelecto, isto não enfraquece a nossa vonta-
de [...] admitir a pobreza de uma pessoa não é uma desgraça para
nós; mas consideramos desgraçante não fazer nada para o evitar.
Um cidadão Ateniense não negligencia os aspectos públicos quan-
do atende aos seus negócios privados [...] Consideramos um homem
que não tem qualquer interesse no estado não como perigoso, mas
como inútil; e apesar de apenas uns poucos poderem originar uma
política, todos nós somos capazes de a julgar. Não olhamos a discus-
são como uma parede bloqueando a acção política, mas como um
preliminar indispensável para agir com sabedoria (TUCÍDIDES apud
RODRÍGUEZ BARROSO, 2008, p. 36, tradução nossa).

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106 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Nesse trecho, podemos atentar para a valorização da discus-


são pública e a ênfase no saber. Observe-se que o fato de se valori-
zar o saber não diminui a ação efetiva do ateniense, pelo contrário:
pensar e discutir são atividades imprescindíveis que antecedem o
agir, e especificamente "agir com sabedoria".
Dos elementos examinados e de outros manifestados nesse
discurso de Péricles, há de se pensar se poderíamos estabelecer al-
guns possíveis aspectos para compor a Paideia do povo ateniense
do período em questão.
Analise conosco algumas possibilidades dessa Paideia suge-
ridas por Rodríguez Barroso (2008, p. 42-43, tradução nossa):
• respeito à tradição e consciência do progresso para melhor;
• a identidade coletiva se encontra na pólis, não na estirpe;
• união do elogio das instituições políticas atenienses e do caráter
dos atenienses, que se criam mutuamente.
• comodidade da vida e valor pessoal;
• os mortos servem de modelo para os jovens.

Desses itens destacados por Rodríguez Barroso, alguns você,


talvez, já deva ter identificado nos excertos apresentados; no en-
tanto, gostaríamos de ressaltar um aspecto interessante em rela-
ção ao discurso em questão.
Ao fazer a análise da Paideia proposta por Péricles, Rodrí-
guez Barroso (2008, p. 43) acabou, também, por identificar algu-
mas contradições, ou seja, existem alguns aspectos no discurso de
Péricles que apresentam argumentos diferentes e contrários. Va-
mos a alguns deles:
• Humanismo "pacifista" como base do império: embora
Péricles defenda uma democracia humanista dentro de
Atenas, ele acaba por adotar uma postura de beligerân-
cia e de conquista que é contrária aos ideais humanistas
apresentados.
© U3 - Filosofia prática ou sobre os sofistas 107

• Paradoxo implícito (contextual) no discurso de Péricles: se


por um lado Péricles apresenta a defesa de valores ba-
seados na igualdade, há, também, a justificação de um
império baseado em ideais democráticos que se impõem
pela força.
Como veremos adiante, esses aspectos se ligarão a elemen-
tos da proposta sofista. Dentre esses elementos, destacamos:
a defesa do debate de ideias, a liberdade de expressão e, con-
sequentemente, a necessidade de que aquele que irá realizar o
discurso esteja bem preparado para esse fim, pois é por meio da
apresentação pública de ideias que se irá decidir os destinos da
cidade e, por outro lado, aquele que possui Excelência nessa arte
será chamado a tomar lugar nas decisões da pólis.

5. O SURGIMENTO DOS SOFISTAS


Após essa contextualização, vamos conhecer agora aqueles
que foram denominados sofistas e que, conforme veremos, a se-
guir, exerceram uma função de extrema importância no Período
Clássico.
Inicialmente, podemos dizer que os sofistas atuaram em um
cenário de transição e têm papel fundamental para a constituição
da Filosofia de Sócrates, ateniense que será, para muitos estudio-
sos, um marco divisório dentro da História da Filosofia desse pe-
ríodo.
O que você poderia dizer a respeito dos sofistas? Muitos ain-
da afirmam que os sofistas eram mercenários do conhecimento,
ou seja, lucravam fingindo conhecer um determinado assunto. Re-
ale (1993, p. 189) menciona que, até há pouco tempo, alguns es-
tudiosos asseguravam que sofista era aquele que, "fazendo uso de
raciocínios capciosos, busca, por um lado, enfraquecer e ofuscar o
verdadeiro e, por outro, reforçar o falso, revestindo-o das aparên-
cias do verdadeiro".

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108 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Tal interpretação é pautada em preconceito. Vamos juntos,


no decorrer desta unidade, tentar conhecer o verdadeiro papel dos
sofistas na antiguidade e no desenvolvimento da Paideia grega.

6. ANTECEDENTES DO SOFISMO
Antes de iniciarmos nossos estudos acerca dos sofistas, é
preciso relembrar a tradição filosófica que os sofistas herdaram, a
chamada "Filosofia Pré-socrática".
Especificamente neste CRC é importante destacar que, no
Período Clássico, se dá o surgimento da Filosofia, nítida sobrepo-
sição de pensamentos, cada filósofo apresenta uma tese de forma
que não encontramos consenso nos discursos. Cada filósofo acaba
por apresentar propostas diferentes a respeito da origem das coi-
sas ou ainda percebiam e definiam aquilo que será considerado
como ser de forma diametralmente oposta.
Essas características presentes no pensamento Pré-socrático
acabaram por fazer com que a falta de consonância entre os pen-
sadores gerasse uma inquietação e a necessidade de uma resposta
clara por parte dos filósofos sofistas.

7. A FILOSOFIA SOFISTA
Os sofistas são personagens marcantes e pouco compreen-
didos na História da Filosofia.
A imagem mais usual disseminada a respeito dos sofistas é
a de pessoas falsas, dissimuladas, que fingem ser detentoras da
verdade. Essa imagem, porém, não é a mais adequada. Vamos pro-
curar compreender quem foram e o que pensavam, de fato, os
sofistas.
Veja um relato de Henry Sidgwick (1872) sintetizando a opi-
nião acadêmica do período sobre os sofistas:
© U3 - Filosofia prática ou sobre os sofistas 109

Eram uma súcia de charlatães na Grécia no séc. V, ganhando muito


bem a vida impondo-se à credulidade popular: professando ensi-
nar a virtude, ensinavam na verdade a arte do discurso fanático,
propagando doutrinas práticas imorais. Gravitando em redor de
Atenas, o pritaneu da Grécia, Sócrates os encontrou aí e os der-
rotou, expondo o vazio de sua retórica, revisando de dentro para
fora os seus sofismas, e defendendo triunfalmente princípios éticos
sadios contra seus sofismas perniciosos (SIDGWICK apud GUTRHIE,
1995, p. 16).

Para iniciarmos o estudo sobre os sofistas, temos de con-


siderar que chegaram até nós apenas alguns poucos fragmentos
de escritos. Muitos de seus livros foram queimados publicamente,
quase nada chegou até nós e a maioria das coisas que sabemos
sobre eles é apresentada por meio de seus principais rivais, Platão
e Aristóteles.
Segundo Reale (1993), Platão é o principal responsável pelo
descrédito dos sofistas na História da Filosofia.
Até época relativamente recente, a visão dominante, visão em que
foi educado o estudioso, é que Platão estava com a razão em sua
querela com os sofistas. Foi o que proclamou ser, o filósofo verda-
deiro ou o amante da sabedoria. E os sofistas foram superficiais e
destruidores, e, na pior das hipóteses, enganadores propositados
e criadores de sofismas no sentido moderno do termo (GUTRHIE,
1995, p. 15).

Desta forma, é complexa a missão de formar uma noção


adequada sobre quem foram os sofistas, pois além da falta de ele-
mentos materiais temos um preconceito estabelecido na tradição
filosófica, mas vamos tentar analisar alguns elementos históricos,
buscando uma visão mais clara acerca dos sofistas.
O termo "sofista" pode ser traduzido por "sábio" ou "sabe-
doria". Sophos e sophistes eram na Grécia sinônimos. Para Reale
(1993, p. 189), o sentido original do termo "sofista", remete a "sá-
bio", "especialista no saber", "possuidor do saber", não significan-
do apenas algo positivo, mas altamente positivo, tornando-se uma
espécie de menção honrosa. Os sábios e governantes eram cha-
mados de sofistas. O sofista era um perito, dotado de determinada
capacidade. O sophistes era provavelmente um mestre. Tal nome
era aplicado, também, a poetas, músicos e políticos.

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110 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Marias (2004, p. 40), ao tratar dos sofistas em História da


Filosofia, apresenta:
Filóstrato diz que a sofística fala das mesmas coisas de que falam os
que filosofam. E Aristóteles diz: "A Sofística é uma sabedoria apa-
rente, mas não é sabedoria, e o sofista é quem usa essa sabedoria
aparente, que não é sabedoria".

Nesse trecho, podemos observar duas visões diferentes a


respeito dos sofistas: Filóstrato diz que eles tratam das mesmas
coisas que os filósofos, e Aristóteles condena-os, dizendo que sua
sabedoria é aparente. É importante ter em mente que o termo
sophistes remete à antiga tradição dos poetas como educadores
na Grécia antiga.
Gutrhie (1995, p. 34) os apresenta da seguinte maneira:
Um sophistes escreve e ensina porque tem especial perícia ou co-
nhecimento para comunicar. Sua sophia é prática, quer nos campos
da conduta e política quer nas artes técnicas. Se alguém pudesse
fazer os produtos de todos os ofícios, e ademais todas as coisas no
mundo natural, seria, com efeito, um fabuloso sophistes, diz Gláu-
con na República (596d).

Essa descrição associa-se à ideia de que os sofistas eram


mestres, nas artes e na política.

8. SOFISTAS: OS PRIMEIROS PROFISSIONAIS DA EDU-


CAÇÃO
Os sofistas foram os primeiros profissionais da Educação,
os primeiros professores pagos, que se organizaram como classe.
Eram, antes de qualquer coisa, educadores e mesmo professores
itinerantes, indo de uma cidade a outra para lecionar. Não eram
cidadãos atenienses, eram estrangeiros. Percorriam toda Grécia e
propunham-se ensinar a Areté. Embora cobrassem por suas aulas,
há relatos, como os de Isócrates, que afirmam que nenhum deles
fez grande fortuna; ao contrário, viviam modestamente, de acor-
do com um ideal filosófico de educador. Nesse sentido, Protágoras
(480 a.C-410 a.C.), reputado como o maior representante entre os
sofistas, pode ser considerado melhor exemplo que Platão.
© U3 - Filosofia prática ou sobre os sofistas 111

Protágoras tinha duas classes de alunos: os provindos de


classes nobres e que desejavam entrar na política e aqueles que
estudavam para fins profissionais, ou seja, almejavam tornarem-
-se sofistas. Dessas classes, provém a ideia de que os sofistas eram
caçadores de jovens ricos para transmitir sua sabedoria.
Tal fato pode ser verídico, contudo, o problema central está
na proposta educativa sofista. É possível ensinar a virtude a qual-
quer um? O filósofo era considerado um sábio que transmitia seus
conhecimentos a discípulos escolhidos – a sabedoria deveria ser
partilhada com amigos e pessoas amadas de maneira gratuita. Os
sofistas, porém, transmitiam seus conhecimentos a todos os inte-
ressados, mesmo que esses tivessem como ambição apenas inte-
resse em utilizar os conhecimentos para persuadir e dominar.
Note que os sofistas se propunham ensinar a Areté, contudo,
não se tratava de transmitir a virtude, mas de levar o aluno à arte
da retórica, arte-mestra para os bons cidadãos no ambiente do
interesse público. Vale notarmos a dimensão prática da atividade
dos sofistas: a virtude deixa de estar relacionada à honra, à sabe-
doria e volta-se à prática de atuação política na pólis.
Quanto ao método de ensino, os sofistas davam suas ins-
truções em forma de seminários, de conferências públicas ou de
exibições. Eram mestres da linguagem, da retórica e da fala. Eram
exímios comunicadores, capazes de falar com igual presteza sobre
questões contrárias. Demonstravam suas habilidades para compe-
titividade argumentativa em discursos, eram hábeis para defender
até mesmo os casos mais absurdos. Seu método era diferente do
dos filósofos da natureza, que partiam de deduções, pois utiliza-
vam o método empírico-indutivo. Partiam, assim, do princípio de
que era a vida e a natureza prática que comunicava conhecimento.
Os sofistas eram herdeiros dos Pré-socráticos e dos poetas,
por isso ensinavam a arte do logos e da retórica. Seus escritos en-
focavam o uso adequado da gramática e da linguagem em geral.
Eram pessoas habituadas à leitura dos filósofos e tinham grande

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112 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

fluência e destreza com o uso de todos os tipos de argumentos, até


mesmo os falaciosos.
Desta forma, o termo "sophistes" originalmente denotava
alguém extremamente competente, um mestre genuíno; contudo,
passou a ser associado ao termo "deinon", que significava, além
de "astuto", "perspicaz", "sagaz", também "espertalhão" e "enga-
nador".
Os sofistas foram responsáveis por uma verdadeira revolu-
ção filosófica, pois passaram a se interessar não mais pelos fenô-
menos naturais (physis), mas pelos negócios humanos (antropos,
nómos).

9. A REVOLUÇÃO SOFÍSTICA
Com os sofistas, houve uma democratização do ensino, que
até então era apenas destinado à aristocracia. Até o jovem pobre
poderia juntar suas reservas para receber aulas. A preocupação
dos sofistas abarcava os problemas humanos acerca do nómos, ou
das convenções sociais. Houve o fim de todo tipo de manutenção
do status quo. Passou-se a considerar que tudo é fruto de significa-
ção e não de designação, e que aquilo que se sabia das coisas era
fruto de crença e não de conhecimento.
Essas mudanças, porém, não se deram por acaso. Veja o que
relata, por exemplo, Villagra Diez (2002, p. 9, tradução nossa):
Pouco a pouco deixa-se para trás a aristocrática arete pindárica e
se substitui por uma paidéia que aposta em um duplo objetivo: por
um lado, fazer membros da sociedade a todos os homens livres e,
por outro, torná-los aptos a servir ao estado. A cultura torna-se,
então, político-pedagógica. Nesse contexto, surge a educação so-
fista, ainda que, na verdade, esta se oriente à formação daqueles
capazes tanto de fazer cumprir as leis vigentes, quanto de criar
novas leis, para o qual é necessário a intelecção dos assuntos hu-
manos. Com efeito, um homem dedicado à política, além de pos-
suir qualidades para governar, deve incrementar sua capacidade
de pronunciar discursos oportunos e convincentes. Em um estado
democrático que se funda a assembléia pública e a liberdade da
palavra, a oratória se apresenta como uma prática indispensável.
Em uma palavra, necessita-se educar no logos.
© U3 - Filosofia prática ou sobre os sofistas 113

A Areté pindárica à qual Villagra Diez se refere nada mais é


do que um desdobramento da Areté homérica, estudada na unida-
de anterior. No período em que há o desenvolvimento da Filosofia
sofista, há uma revolucionária mudança política, quando paulati-
namente se substitui a aristocracia e sua Kalokaghatia homérica
pela participação do cidadão na pólis democrática defendida por
Péricles.
Com essa revolução, o conhecimento passa a ser relativo ao
sujeito que percebe. Para ilustrarmos esse fato, vamos lhe apre-
sentar um pouco mais sobre Protágoras.
Dentre algumas das peculiaridades das ideias e a história da
vida desse filósofo, veja a que Haase (2009, p. 35-36, tradução nos-
sa) destaca:
Os livros de Protágoras foram queimados pelos atenienses, porque
ele fez um discurso no qual começa com as palavras: "A respeito
dos deuses eu não posso falar nada – nem que eles existem ou
ainda que eles não existam".

A afirmação de Protágoras não quer provar que o que é falso


pode ser tido como verdadeiro, mas nega a existência de uma ver-
dade para além do parecer. Para Protágoras, o grande orador faz
parecer o que quer e, assim, "faz" a verdade. Os sofistas, então,
são técnicos do espírito, são destruidores de convicções dogmáti-
cas e, portanto, são revolucionários do pensamento antigo.
A revolução promovida pelos sofistas é nada mais do que o
questionamento dos valores arraigados na tradição Grega. A reli-
gião é desmoralizada e o Estado passa a ser visto como fruto da
ação humana, sem ter nenhuma relação com os deuses. A crítica
sofística à religião antecipou as ideias que futuramente serão de-
fendidas por Nietzsche.
A democratização da Grécia não seria possível sem os so-
fistas. Suas concepções a respeito de relativismo e subjetivismo
promoveram o desenvolvimento de conceitos na política e na Fi-
losofia. Os sofistas foram os responsáveis pela sistematização do
conhecimento e efetiva busca de uma Paideia na sociedade grega.

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114 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Veja, a seguir, algumas considerações apontadas por Aranha


(2000, p. 43):
Na nova ordem política da cidade, as virtudes louvadas não são
mais as do aristocrata bem-nascido, "de origem divina", que se
destacava pela coragem na guerra. Diferentemente, a virtude do
cidadão da polis é cívica e está na sua capacidade de discutir e de-
liberar nas assembléias. Por isso os sofistas fascinam a juventude
com o brilhantismo da sua retórica e se propõem a ensinar a arte
da persuasão, do convencimento, do discurso, que serão bem
aproveitados na praça pública, sede da assembléia democrática.
Nesse sentido os sofistas são os criadores da educação intelectual,
que vai se tornar independente da educação física e musical, até
então predominantes nos ginásios. Além disso, ampliam a noção
de paidéia: de simples educação de criança passa a ter significado
mais abrangente, estendendo-se à contínua formação do adulto,
capaz então de repensar por si mesmo a cultura do seu tempo.

A sofística tem, portanto, caráter público, é dirigida ao cida-


dão, uma clara tendência política. E, por último, é uma Paideia,
uma pedagogia, a primeira que propriamente existiu.
Os sofistas, como herdeiros dos Pré-socráticos, enfrentam
a decepção da constante contradição existente no pensamento
de seus antecessores e por isso são céticos. As respostas acerca
da natureza são teorias que carecem de consonância. A Filosofia
converte-se em especulação pautada em convicções teóricas pes-
soais. Por isso, a especulação naturalista é abandonada para pro-
curar os fundamentos de todo saber, a experiência empírica do ser
humano.
Para os sofistas, a sociedade é marcada pelo relativismo
(tudo depende das situações e ângulos de visão) e pelo subjeti-
vismo (tudo depende dos critérios subjetivos dos juízos de cada
indivíduo).
O ceticismo marca o pensamento dos sofistas, contudo, em
contrapartida, instaura-se o pragmatismo e empirismo. A Filoso-
fia dos sofistas é, antes de tudo, prática e pautada na realidade,
excludente de todo o direito de pretensão divina. São as relações
factuais de poder que condicionam as leis e os costumes. Com os
sofistas, nasce a concepção de direito positivo.
© U3 - Filosofia prática ou sobre os sofistas 115

A Filosofia sofística é temida e atacada por Platão, pois suas


ideias educativas não estavam atreladas à aristocracia. Para Platão,
a Areté só podia ser alcançada por indivíduos provindos da classe
dos cidadãos gregos. Seguindo esse raciocínio, os sofistas eram
acusados de prostituir o conhecimento ao ensinar a qualquer um
em troca de dinheiro. Tal fato marca a crise da aristocracia e do
conceito de Areté no contexto da Paideia.
Outro problema era o perigo dos ataques sofistas contra a
religião, a moral e tudo aquilo tomado como verdade na socieda-
de grega até então. No início de uma de suas principais obras, A
Verdade, Protágoras apresenta um princípio que se tornou famoso
e expressa, de forma lapidar, o postulado essencial do ensino so-
fístico: o homem é a medida de todas as coisas "das que existem
pelo fato de existirem; das que não existem pelo fato de existirem"
(MARIAS, 2002, p. 41).
Perceba a radical mudança de tema da Filosofia, que não
mais se preocupa com a natureza (physis), mas, agora, parte do
homem como princípio de todas as coisas.
Os sofistas inauguram, dessa forma, o humanismo e a antro-
pologia. Embora tenham sido execrados por Platão e Aristóteles,
seu pensamento pode ser percebido implicitamente nas tendên-
cias filosóficas presentes na modernidade. Veja algumas conside-
rações de Reale (1993, p. 192):
Compreende-se que os temas dominantes da especulação sofística
tenham se tornado a ética, a política, a retórica, a arte, a língua, a
religião, a educação, tudo aquilo que nós hoje chamamos de cultu-
ra humanista. Com os sofistas, em suma, começa aquele que, com
expressão correta, foi chamado de período humanista da filosofia
antiga.

Poucos escritos dos sofistas chegaram até nós, mas seus tex-
tos eram tidos como manuais de estudo, com conteúdo educacio-
nal, portanto, sua preocupação era de atuação pública, eles não
eram literários preocupados em deixar obras para a posteridade.

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116 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Aristóteles, em Arte Retórica, sintetizou o pensamento so-


fístico e a tradição filosófica anterior. A lógica e a sistematização
dos raciocínios propostos na lógica aristotélica, sem dúvida, foram
elaboradas com a contribuição dos conhecimentos sofistas.

10. A EDUCAÇÃO SOFÍSTICA


Como você pôde observar anteriormente, os sofistas aban-
donaram as discussões acerca da physis e abraçaram discussões
práticas. Com a Educação sofística surge o comprometimento efe-
tivo dos educadores com uma Paideia destinada a todos os indiví-
duos da pólis, e não mais limitada apenas à aristocracia.
A crise da aristocracia marca o início do período de difama-
ção dos sofistas, que, em determinadas ocasiões, chegaram a ser
perseguidos.
Reale (1993, p. 195) relata que:
Os filósofos da natureza – diz-se – buscavam a verdade por si mes-
ma, e o fato de terem ou não alunos era puramente acidental; ao
contrário, os sofistas não buscavam a verdade por si mesma, mas
tinham por objetivo o ensinamento, e o fato de terem discípulos
era, ao invés, para eles, essencial. Em suma: os sofistas faziam do
seu saber uma verdadeira profissão. [...] com eles, o problema edu-
cativo e o empenho emergiram ao primeiro plano e assumiram um
novíssimo significado. Contra a pretensão da nobreza, que susten-
tava ser a virtude uma prerrogativa de nascimento e de sangue, os
sofistas pretenderam fazer valer o princípio segundo o qual todos
podem adquirir a arete, e esta, mais que na nobreza de sangue,
funda-se sobre o saber.

Para que possamos avançar, é preciso tirar algumas conclu-


sões acerca da controversa sofística.
Os sofistas estavam preocupados com a Educação na dimen-
são do ensino. Nesse sentido, são mais importantes do que os fi-
lósofos, que a partir da maiêutica socrática, deram especial ênfase
ao processo indagativo.
© U3 - Filosofia prática ou sobre os sofistas 117

Com os sofistas, nasce a ideia ocidental de Educação vigente


até nossos dias, envolvendo a figura do professor (mestre sofista,
profissional do ensino) e dos alunos.
Os sofistas não eram todos iguais, havia aqueles de maior
destaque, famosos, mas de grande discrição moral; havia os cha-
mados "eristas", aqueles que exploravam o método sofístico sem
discrição, e, por fim, havia os "políticos sofistas", que abusavam
dos princípios sofísticos para teorizar instaurando um imoralismo.
A menção aos sofistas que queremos trazer à tona, porém,
é a do grande mestre, de rigor e sabedoria tão elevadas quanto os
ditos filósofos clássicos.
Os sofistas negavam o absoluto do pensamento, contudo,
não negavam o pensamento. Eles atacaram as representações
dogmáticas, acabadas. Na verdade, foram responsáveis pela ma-
nutenção da exigência de um pensamento crítico, que desconfia,
investiga e avalia.

11. ATUALIDADE E PERTINÊNCIA DOS SOFISTAS PARA


A FILOSOFIA E A EDUCAÇÃO
Protágoras afirma que o homem é o princípio de todas as
coisas. Julian Marias (2004, p. 44) propõe a seguinte discussão:
Aristóteles adverte que há que saber primeiro o que é que nessa
frase está em causa: se o homem como sujeito de ciência ou sujeito
de sensação; isto é, se a referência é ao ponto de vista da verdade
ou simplesmente da doxa. Protágoras não fala do ón, mas das coi-
sas enquanto se opõem ao ón das coisas que se utilizam, dos bens
móveis. Daí o sentido de dinheiro. A frase refere-se, pois, ao mundo
da doxa, e, portanto, está compreendida no mundo das idéias de
Parmênides.

Tendo em vista a contribuição dos sofistas com a inaugura-


ção de uma Filosofia humanística, podemos tentar estabelecer al-
guns paralelos. Kant, ao iniciar sua proposta filosófica em Crítica
da razão pura (1996), pergunta: "O que o homem pode conhe-

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118 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

cer?". Não estaria aí embutida a afirmação de sofística de que o


homem é o princípio de todas as coisas?
Todos os temas abordados na modernidade encontram re-
flexo na Filosofia sofística: as discussões acerca do Estado e da po-
lítica, tão frequentes na Filosofia política moderna com Maquiavel
e Hobbes; as discussões acerca da Educação em Rousseau e Kant;
as discussões acerca da religião em Nietzsche, Marx e Feuerbach;
o empirismo de Hume e Locke.
Notamos, assim, que os sofistas, na verdade, eram, acima
de tudo, pensadores comprometidos com a sabedoria, porém que
entraram para a história sem o título de filósofos. Mas como a his-
tória, segundo Marx, é escrita pelos vencedores, detentores do po-
der econômico e não por aqueles comprometidos com a verdade.
Muito ainda há por estudar acerca dos sofistas. Com os ele-
mentos que aqui abordamos, podemos ir ao encontro da riqueza
dos sofistas para o pensamento filosófico.
Concluímos esta unidade com algumas considerações apre-
sentadas por Martins (2010, s. p.):
A verdadeira paidéia, conscientemente procurada e dentro desta
tradição que vem dos gregos, não pode descurar a importância
dos sofistas na formação do ideário educativo de hoje. Afinal de
contas, no ensino de filosofia, o método e a prática mais recorrente
e eficaz é o método sofístico. Cada vez mais, a prática pedagógica
do professor de filosofia está associada ao ensino de técnicas, quer
seja para ler um texto, para compreender o mundo em torno, quer
seja para compreender a si mesmo ou fazer análise de conjuntura.
Não é este também o papel que as outras disciplinas esperam
que a filosofia realize? A ligação da prática do ensino de filosofia
hoje aos sofistas não é algo negativo, dado que entre as novidades
introduzidas pelos sofistas destaca-se o fato de terem sido os
primeiros defensores de um processo educativo que não termina
com a saída da criança da escola. Esta idéia de que a filosofia é uma
ciência para pessoas adultas e que ela é mãe de todas as ciências
é uma herança dos sofistas que até hoje está presente no nosso
ideário educativo. Se, no período homérico, existiu o herói-modelo,
hoje nós podemos falar do professor-modelo, aquele que inspira
alunos, através de sua oratória e retórica.
© U3 - Filosofia prática ou sobre os sofistas 119

Como exercício de leitura filosófica, para auxiliá-lo no desen-


volvimento de sua capacidade interpretativa e a fim de manter o
contato com o pensamento filosófico, leia o Texto complementar
recomendado.

12. TEXTO COMPLEMENTAR


Leia a seguir texto de um dos mais célebres sofistas: Górgias
(c. 485 a.C-c. 380 a.C.).

Sobre o não-ser ou Sobre a natureza–––––––––––––––––––––


Em primeiro lugar: nada é; em segundo, mesmo que algo fosse, não seria com-
preensível ao homem; em terceiro lugar, mesmo que houvesse algo compreensí-
vel, não seria comunicável e explicável aos outros.
Que nada é, demonstro-o desta forma: se de fato algo existe, ou é ser ou é não-
-ser, ou é ser e não-ser ao mesmo tempo.
Mas o não-ser não existe porque se o não-ser existisse, ele seria e não seria ao
mesmo tempo.
De fato, pensado como não-ser, não existe, mas enquanto existente exatamente
como não-ser, existe.
Mas é completamente absurdo que algo seja e não seja ao mesmo tempo; por-
tanto, o não-ser não existe.
Nem sequer o ser existe.
Se de fato o ser existisse, ou é eterno ou é gerado, ou é eterno e gerado ao
mesmo tempo.
Se o ser é eterno não tem princípio algum; não tendo princípio, é ilimitado; se é
ilimitado, não está em lugar algum; se não está em lugar algum, não existe.
O ser, porém, não pode sequer ter nascido.
Se de fato nasceu, ou nasceu do ser ou do não-ser; mas não nasceu do ser se de
fato existe; como ser não pode ter nascido, mas existe desde sempre.
E não nasceu nem sequer do não-ser, porque o não-ser não pode gerar coisa
alguma; portanto, o ser nem é gerado e nem pode ser as duas coisas ao mesmo
tempo, ou seja, eterno e gerado, pois as duas coisas se excluem mutuamente;
portanto, se o ser não é eterno nem gerado nem todas as duas coisas ao mesmo
tempo, ele não existe (GÓRGIAS, 2012).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

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120 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

13. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) De acordo com o que você estudou nesta unidade, identifique a alternativa
incorreta:
a) Era natural a um sophistes escrever e ensinar, pois tinha especial perí-
cia ou conhecimento a comunicar. Suas atividades eram essencialmente
práticas nos campos da política e/ou das artes técnicas.
b) Os sofistas se propunham ensinar a Areté, contudo, não se tratava de
transmitir a virtude, mas de levar o aluno à arte da retórica, arte-mestra
para os bons cidadãos no ambiente da república. Vale a pena perceber a
dimensão prática da atividade dos sofistas. A virtude deixa de estar rela-
cionada à honra, à sabedoria, mas à prática de atuação política na pólis.
c) O termo "sophistes" não era originalmente mal, ao contrário, denotava
alguém extremamente competente, era um mestre genuíno, contudo tal
brilhantismo dos sophistes foi associado ao termo "deinon", que signi-
ficava, além de "astuto", "perspicaz", "sagaz", também "espertalhão" e
"enganador".
d) O filósofo é um sábio que transmite seus conhecimentos a discípulos
advindos da aristocracia; os sofistas transmitem seus conhecimentos a
todos os interessados, mesmo que esses tivessem como ambição apenas
interesse em utilizar os conhecimentos para persuadir e dominar.
e) Os sofistas inauguram o humanismo e a antropologia, o relativismo e o
subjetivismo e não buscam a verdade em si mesma. Com isso, colaboram
para a manutenção da Paideia voltada para a aristocracia.
2) Leia atentamente as afirmações a seguir sobre os sofistas:
I – Preocupavam-se com a Educação e o ensino.
II – São os primeiros profissionais da Educação no ocidente.
III – Estavam preocupados com uma nova concepção de Areté, baseada na
sabedoria e não da descendência nobre.
a) Todas estão corretas.
b) Somente II está correta.
c) Somente III está correta.
d) Somente I e III estão corretas.
e) Somente I está correta.
3) A tese humanista de que o "homem é a medida de todas as coisas" foi
cunhada por:
a) Aristóteles.
b) Homero.
c) Hesíodo.
d) Protágoras.
e) Sócrates.
© U3 - Filosofia prática ou sobre os sofistas 121

4) Das afirmações apresentadas a seguir, indique a que apresenta um aspecto


incorreto da proposta sofística:
a) Os sofistas foram os primeiros profissionais da Educação, os primeiros
professores pagos, que se organizaram como classe.
b) Os sofistas eram, antes de qualquer coisa, educadores. Eram professores
itinerantes que iam de uma cidade a outra.
c) Podemos afirmar que os sofistas eram, em sua maioria, cidadãos ate-
nienses.
d) Os filósofos sofistas percorriam toda a Grécia e se propunham a ensinar
a Areté.
e) Embora os sofistas cobrassem por suas aulas, há relatos, como os de
Isócrates, que afirmam que nenhum deles fez grande fortuna.
5) Dentre algumas das peculiaridades do período histórico e cultural em que
surge o sofismo, é correto afirmar que:
a) O sofismo surge no período em que há uma ênfase na forma aristocrática
de governo.
b) Péricles em seu Discurso Fúnebre mostra claramente que os ideais da
cultura grega do período em que viveu se encontram diametralmente
opostos aos apresentados pelos sofistas.
c) A produção sofística busca essencialmente fazer com que as pessoas
busquem o saber e percebam a sua importância.
d) Não há uma novidade na proposta sofística, pois esse grupo de pensado-
res busca tão somente o exercício da Areté por meio dos valores nobres
e cavalheirescos.
e) O sofismo relaciona-se em especial medida com a democracia grega no
seu chamado "período áureo", pois, nesse período, a defesa de ideias
na ágora acaba por fornecer especial necessidade de desenvolvimento
da retórica.

Gabarito
1) e.
2) a.
3) d.
4) c.
5) e.

14. CONSIDERAÇÕES
Vimos juntos as contribuições trazidas pelos sofistas para
pensarmos o conceito de Paideia. Como você pôde perceber, es-
ses pensadores trouxeram importantes modificações no que tange

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122 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

ao conceito de Paideia, ou ainda, a própria análise do que seria


Excelência.
A partir dessas considerações, esperamos ter lhe apresenta-
do elementos suficientes para que você possa ter percebido a im-
portância desse grupo de filósofos e o quanto eles influenciaram
em uma nova visão de Paideia.
Além disso, deve-se dizer que eles serão os instigadores de
posições contrárias à proposta sofística que acabarão por mudar
radicalmente a proposta de Paideia e que estudaremos na próxi-
ma unidade.

15. E-REFERÊNCIAS
Sites pesquisados
GÓRGIAS. Sobre o não-ser ou sobre a natureza. Disponível em: <http://www.hottopos.
com/geral/sofis.htm>. Acesso em: 18 abr. 2012.
HAASE, F-A. Style and the "idea" of the sophist in the time after Plato. Ágora: Estudos
Clássicos em Debate, n. 11, 2009. Disponível em: <http://www2.dlc.ua.pt/classicos/4.
Haase.pdf>. Acesso em: 14 fev. 2012.
MARTINS, J. S. O método sofístico e o ensino da Filosofia. Ágora: revista eletrônica. Disponível
em: <http://www.ceedo.com.br/agora/agora10/ometodosofisticoeoensinodafilosofia_
JassonMartins.pdf>. Acesso em: 14 fev. 2012.

16. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ARANHA, M. História da Educação. São Paulo: Moderna, 2000.
BARROSO, J. A. R. Paideia y valores educativos en "La oración fúnebre de Pericles de
Tucídides". Revista de Filosofía y Socio Política de la Educación, n. 8, año 4, 2008.
BRANDÃO, C. R. O que é Educação. São Paulo: Brasiliense, 2005.
CASSIN, B. Ensaios sofísticos. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira. São Paulo: Siciliano,
1990.
CHAUÍ, M. Introdução à história da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. 2. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2002.
DUHOT, J. J. Sócrates ou o despertar da consciência. Tradução de Paulo Menezes. São
Paulo: Loyola, 2004.
FAGUET, E. Iniciação filosófica. Tradução de Carlos de Lemos. 5. ed. Lisboa: Guimarães e
Cia., [s.d.]. (Biblioteca de Educação Racional).
© U3 - Filosofia prática ou sobre os sofistas 123

GUTHRIE, W. K. C. Os sofistas. São Paulo: Paulus, 1995.


HIGHET, G. Arte de ensinar. Tradução de Lourenço Filho. 7. ed. São Paulo: Melhoramentos,
1969. (Biblioteca de Educação).
JAEGER, W. Paidéia: a formação do homem grego. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
KANT, I. Crítica da razão pura. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Coleção Os Pensadores).
MARCONDES, D. Iniciação à história da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 2. ed.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
MARIAS, J. História da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
______. Tema do homem. Tradução de Diva Ribeiro de Toledo Piza. São Paulo: Duas
Cidades, 1975.
REALE, G. História da Filosofia antiga: das origens a Sócrates. Tradução de Marcelo Perini.
São Paulo: Loyola, 1993.
REZENDE, A. (Org.). Curso de Filosofia: para professores e alunos dos cursos de segundo
grau e de graduação. 7. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
SILVA, M. F. Sedução e persuasão: os "deliciosos" perigos da sofística. São Paulo: Cortez,
Cadernos Cedes, v. 24, n. 64, p. 321-328, Set./Dez. 2004.
VILLAGRA DIEZ, P. Diálogo, justicia y educación. La paideia socrático-platônica frente a la
educación sofista en el Gorgias. Synthesis: La Plata, 2002. v. 9.

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EAD
Evolução e
desdobramentos do
conceito de Paideia
4
1. OBJETIVOS
• Contextualizar o período histórico em que se dá a exis-
tência de Sócrates (Período Clássico) e a importância de
alguns aspectos presentes nesse momento, em que se dá
a criação de uma proposta diferenciada de Paideia.
• Reconhecer e justificar a importância de Sócrates para a
fundamentação da Paideia grega.
• Compreender e analisar a Paideia socrática.
• Compreender e comparar a relação entre Sócrates e os
filósofos da natureza.
• Analisar a educação política de Sócrates.
• Analisar e pontuar método socrático na Educação.
• Distinguir Sócrates de Platão e compará-los.
• Analisar e identificar a Teoria das Ideias de Platão.
• Classificar e pontuar evolução do conceito de Areté na
obra A República, de Platão.
126 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

• Reconhecer e analisar a importância de Protágoras para


compreensão da Paideia sofística em relação à Paideia
socrática.

2. CONTEÚDOS
• Método.
• Educação para a pólis.
• Maiêutica.
• Protágoras.
• A República.
• A Teoria das Ideias.
• Areté e Paideia.
• Areté política.
• O homem e a pólis em Aristóteles.
• Humanismo romano.
• Paideia Christi.
• A Bildung contemporânea.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) Nesta unidade, você irá se deparar com as contribuições
de Sócrates e Platão para a construção de novos ideais
de construção da Paideia. Um aspecto interessante ao
qual você deverá centrar sua atenção refere-se à mu-
dança de foco no exercício da Excelência apresentadas
por esses filósofos. Além disso, no Tópico Introdução à
Unidade, apresentaremos algumas características do
momento histórico vivido pelos atenienses naquele
período e, nesse sentido, há de se pensar o quanto um
determinado contexto histórico acaba por interferir nos
anseios, reflexões e ideais de um determinado povo. Por
fim, iremos lhe apresentar os desdobramentos poste-
riores do conceito de Paideia e, ao fazê-lo, convidamos
© U4 - Evolução e desdobramentos do conceito de Paideia 127

você a analisar o quanto essas mudanças acrescentaram


novas formas de interpretação a esse conceito.
2) O termo "hermenêutica" tem recebido, ao longo do
tempo, uma série de interpretações. Especificamente
nos estudos religiosos e na chamada "Filosofia social",
esse termo é utilizado para se referir à teoria e à prática
da interpretação. Nesta unidade, faremos uso da her-
menêutica para interpretar os textos que compõem as
fontes de nossos estudos.
3) Mesmo com ressalvas com relação a dados históricos
presentes em filmes, sugerimos que você assista aos
seguintes, procurando observar como apresentam as
ideias de Sócrates e a atitude grega de valorização da
razão:
• Sócrates (Drama). Direção de Roberto Rosselini, Itá-
lia, 1971. 120 minutos.
• Alexandria (Drama). Direção de Alejandro Almanábar,
Espanha, 2010. 131 minutos.
• Alexandre (Aventura) Direção de Oliver Stone, EUA,
2004. 176 minutos.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, você estudou em que consiste a Paideia
sofística e os seus valores em Educação, cuja finalidade era superar
o modelo de Educação baseada na linhagem divina. Como estu-
damos anteriormente, os sofistas não conseguiram desvincular o
conceito de Areté da aristocracia.
Nesta unidade, examinaremos uma das figuras que mais
combateram os sofistas: trata-se de Sócrates. Ao longo desse ca-
minho, tentaremos compreender quais são os pressupostos da
Paideia socrática.
Antes de começarmos a realizar essa análise, torna-se neces-
sário contextualizarmos a realidade vivida pelo povo grego nesse

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128 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

período, pois essa realidade acabará por influenciar sobremaneira


as novas reflexões sobre o ideal de Paideia.
Inicialmente, gostaríamos de lembrá-lo que, conforme vimos
na Unidade 3, os sofistas viveram, sobretudo, no período em que
floresce a democracia grega, o chamado "período de ouro". Nesse
período, ocorreu a Guerra do Peloponeso, na qual Esparta vence
Atenas, o que acabou por gerar uma série de desdobramentos e
questionamentos.
Imagine as reflexões que o povo ateniense talvez fizesse
naquele período. Um povo que tinha um grande orgulho de suas
instituições, de seus hábitos e condutas acabou por perder uma
guerra para uma cidade que não primava, segundo o olhar de um
ateniense típico, pelas qualidades que até então esse povo consi-
derava como valorosa.
Essa situação gerou profundas reflexões, buscando verificar
quais seriam as razões para a perda de guerra ou ainda que carac-
terísticas específicas da sociedade espartana pudessem ter cola-
borado para esse resultado.
Nesse sentido, convém analisarmos a reflexão proposta por
Jaeger (2006, p. 485):
Despontava a convicção de que Esparta era menos uma determina-
da constituição do que um sistema educacional aplicado até as suas
últimas conseqüências. Era a sua disciplina rigorosa que lhe dava a
sua força. Também a democracia, com a sua avaliação otimista da
capacidade de Homem para se governar por si próprio, pressupu-
nha um alto nível de cultura. Isto sugeria a idéia de fazer da educa-
ção o ponto de Arquimedes, em que era necessário apoiar-se para
mover o mundo político.

Segundo Jaeger, essas observações acabaram por gerar a va-


lorização incondicional do modelo educativo espartano, o refúgio
nos ideais do passado ou, ainda, uma reflexão de ações que pode-
riam ser feitas para consumar uma mudança positiva na Paideia
grega. A partir dessas reflexões, delineia-se a percepção da impor-
tância de uma relação adequada entre o indivíduo e o Estado, pois
© U4 - Evolução e desdobramentos do conceito de Paideia 129

o indivíduo certamente está inserido em uma dimensão política e


social.
Assim, o cidadão ateniense passa a observar que:
A educação por meio da qual se pretendia melhorar e fortalecer
o Estado constituía um problema mais adequado que outro qual-
quer para trazer à consciência o condicionalismo recíproco do indi-
víduo e da comunidade. Sob este ponto de vista, o caráter privado
de toda a anterior educação de Atenas aparecia com um sistema
fundamentalmente falso e ineficaz, que devia ceder o passo ao
ideal da educação pública. Embora o Estado não soubesse fazer o
mínimo uso desta idéia (JAEGER, 2006, p. 486).

Como se percebe, são muitos os desafios que se apresentam


naquele momento da história grega.
A seguir, vamos nos dedicar a analisar um personagem muito
importante desse período, que se tornou um verdadeiro símbolo
da Filosofia, aquele que também, com a mesma importância, veio
a tecer propostas e ações que se vinculam com força e beleza para
pensarmos o ideal de Paideia.

5. SÓCRATES
O que sabemos de Sócrates? Muito pouco. Na verdade, o
que sabemos a seu respeito nos chegou por meio de Xenofonte e,
principalmente, de Platão.
As obras de Platão têm sempre como personagem principal
Sócrates. Como Sócrates não deixou nenhum escrito, várias são as
dúvidas que pode ter um leitor mais atento. Nesses escritos, Platão
não estaria apresentando suas próprias ideias por meio de Sócra-
tes? Como delimitar as ideias do mestre das do discípulo? Não teria
sido ele, Sócrates, uma invenção? O que lemos em A República e em
outras obras não seriam simplesmente as ideias de Platão?
Devemos considerar que, para a tradição grega, a linguagem
escrita não era tão valorizada, pelo menos até certo período da
história. Na Carta VII de Platão, temos uma percepção clara dessa
questão.

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130 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

A linguagem falada tem mais expressividade do que a escri-


ta; no Fedro também há discussões acerca da escrita. O texto es-
crito precisa sempre da intervenção de seu autor.
O método socrático caracterizou-se pelo diálogo, que exerci-
ta a inteligência e aguça o raciocínio. Isso implica que, para exami-
nar e concretizar a importância de seu pensamento, foi necessário
o testemunho de seus discípulos ou de seus inimigos, que o detra-
taram, cada um à sua maneira.
Desse modo, aproximamos-nos e compreendemos um pou-
co mais a importância de Sócrates na história do pensamento fi-
losófico. No contexto filosófico contemporâneo, sua figura é tão
importante que os filósofos que o precedem foram denominados
"Pré-socráticos".

Entre os diálogos platônicos em que se pode avaliar a personali-


dade e os ensinamentos socráticos, estão O Banquete e Apologia.

Porém, o problema inicial permanece: como realizar a re-


construção histórica do pensamento socrático, como reconhecer
as verdadeiras palavras desse sábio ateniense? Poderíamos nos re-
portar a Aristóteles, mas Jaeger nos adverte de que esse caminho
nos conduz a certa inexatidão.
Por onde começar?

6. RECONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO SOCRÁTICO

Ponto de partida
Em Apologia de Sócrates (ou Defesa de Sócrates), Platão pro-
cura reproduzir o discurso que Sócrates teria feito para se defen-
der das acusações de corromper a juventude, não acreditar nos
deuses então cultuados e criar novos deuses.
© U4 - Evolução e desdobramentos do conceito de Paideia 131

No excerto dessa obra que reproduzimos no tópico Textos


complementares, conta que Querefonte um dia vai ao oráculo de
Delfos perguntar se havia alguém mais sábio que ele, Sócrates, e
obtém como resposta que "não há ninguém mais sábio do que
Sócrates". Ao saber disso, o filósofo conta que sai em busca de
outra resposta para o vaticínio, chegando à célebre conclusão: "Só
sei que nada sei". Tomando essa conclusão como uma orientação
divina, o filósofo defende que o homem deve se dedicar à busca
do conhecimento. Nesse sentido, aplicou-se no exercício do pen-
sar e educar.
Eis a verdadeira sabedoria: a consciência da sua própria ig-
norância ou o reconhecimento dos limites da própria razão. Esse é
o pressuposto básico para o filosofar.
Nesse excerto, podemos notar a fina ironia socrática, a sa-
ber: o sábio que se julgava ignorante e o ignorante que se julgava
sábio.
Essa passagem da Apologia de Sócrates nos faz pensar, tam-
bém, a respeito do método e da dialética socrática: a maiêutica e a
ironia. Além disso, o excerto apresenta dois conceitos: Belo e Bom,
que, por sua vez, estão associados à Paideia e ao ideal de homem
que se pretende formar. Adiante, veremos como se dá a apresen-
tação desses conceitos.
Vamos conhecer, a seguir, um pouco mais sobre as obras que
refletem o pensamento de Sócrates.

Discípulos
É por meio do testemunho de Platão, em seus diálogos,
como Fédon, Apologia, Protágoras, que temos um retrato um pou-
co mais fiel do mestre ateniense, um decalque de sua personalida-
de moral, cuja importância promoveu uma mudança no conceito
de Areté, conforme já havíamos mencionado anteriormente.

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132 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Além de Platão, também a obra Memoráveis, de Xenofonte é


importante na reconstrução o pensamento socrático.
Primeiramente, Jaeger adverte-nos de que:
[...] o diálogo e as memórias são as formas literárias que nascem
nos meios socráticos para satisfazer essa necessidade [preservar
o pensamento de Sócrates]. Ambos estão ligados à consciência de
que a herança espiritual do mestre é inseparável da personalidade
humana de Sócrates (JAEGER, 1995, p. 499).

Segundo Jaeger (1995, p. 493), "Sócrates torna-se o guia de


todo o Iluminismo e de toda a filosofia moderna".
Especificamente nesta unidade, daremos especial ênfase aos
textos Apologia de Sócrates e A República, pois conforme veremos
a seguir, a primeira obra traz uma série de elementos interessantes
para analisarmos a contribuição de Sócrates para a construção de
uma nova proposta de Paideia e, por outro lado, a segunda obra
define os caminhos para a construção de uma cidade justa.
De que se trata a obra Apologia de Sócrates? Nela, temos a
versão apresentada por Platão do discurso utilizado por Sócrates
para se defender de uma série de acusações que foram proferidas
contra ele em 399 a.C.
Essas acusações, realizadas por seus detratores, diziam que
seus ensinamentos viriam a corromper a juventude e que, além
disso, manifestavam descrença pelos deuses da cidade de Atenas
(isso feria fortemente as crenças dos atenienses).
Deve-se dizer que, embora façamos uma análise de vários
aspectos presentes nessa obra, nada substitui a leitura do texto
original, pois ele carrega consigo uma força argumentativa e até
mesmo uma carga emotiva, que merecerá sua leitura ao longo
desta graduação em Filosofia.
Quanto ao diálogo A República, também tem como persona-
gem central a figura de Sócrates e foi escrito por Platão em cerca
de 380 a.C. Nele, temos a tentativa de Platão em definir justiça, or-
dem e caráter, por meio do qual deve ser alicerçada a construção
de uma cidade-estado justa, a Politeia e, ainda, o homem justo.
© U4 - Evolução e desdobramentos do conceito de Paideia 133

Contextualizadas essas obras, cabe a nós examinar as razões


que conduziram ao ressurgimento dessa figura tão importante e
relacioná-la com o fenômeno educativo.
Havíamos dito anteriormente que, comumente, se estabele-
ce uma relação entre o cristianismo e o ideal de homem dos gre-
gos, o qual o sábio ateniense representa.
Há, de fato, alguma afinidade?
Primeiramente, precisamos ter em mente que a figura de Só-
crates começa a exibir contornos mais visíveis somente após sua
morte, mediante os testemunhos de seus discípulos, desenvol-
vendo-se, desse modo, uma literatura socrática. Esse movimento
toma proporções maiores e a inquietação moral que, até então,
assolava apenas seus seguidores se desdobra para os diversos se-
tores da sociedade ateniense.
Como dito anteriormente, o que sabemos a seu respeito é o
que é retratado os textos de seus discípulos e, portanto, nos depa-
ramos com o problema de distinguir o que é de fato socrático e o
que se trata na verdade, daqueles que os retrataram.
Um primeiro aspecto que podemos identificar é o diálogo
em si, pois era dessa maneira que o filósofo ensinava. Segundo
Jaeger (1995, p. 501), "ele considerava o diálogo a forma primitiva
do pensamento filosófico e o único caminho para chegarmos a nos
entender com os outros".
Outro elemento importante para nossa reflexão é a busca do
Bom (tomemos esse conceito como o Bem). Em outras palavras, a
preocupação de Sócrates tinha mais um conteúdo de ordem moral
do que dogmática como o faz parecer na Teoria das Ideias de Pla-
tão nas suas obras.
Não podemos deixar de estabelecer relações entre as ideias
de Platão e Sócrates, afinal, o discípulo aprendeu com o mestre os
conceitos gerais.

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134 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Durante os primeiros estudos filosóficos, Platão seguiu os


ensinamentos de Crátilo, discípulo de Heráclito, isto é, aquele que
defendeu o princípio de que "tudo flui, nada permanece". Desse
conceito universal, Platão desdobrou o verdadeiro ser: as Ideias.
Mas Sócrates não inferiu a relação entre as coisas sensíveis e as in-
teligíveis. A ele cabe o método indutivo e os conceitos universais.
[...] Sócrates seria comparável ao limiar mais sóbrio da filosofia de
Platão, no qual se evitariam as audácias metafísicas deste e, fugin-
do à natureza para se limitar ao campo da moral, pretender-se-ia,
de certo modo, fundamentar teoricamente uma nova sabedoria da
vida orientada para o aspecto prático (JAEGER, 1995, p. 507-508).

Há de se considerar, ainda, que a morte do mestre foi um


dos acontecimentos mais marcantes da vida de Platão. Somemos
a este fato a Guerra do Peloponeso e seu descrédito com relação
à Democracia.

7. SÓCRATES, O EDUCADOR POR EXCELÊNCIA


Sócrates representa o eixo norteador para a compreensão
do processo de formação do homem na Grécia antiga.
No contexto sociopolítico em que viveu, o terreno firme no
qual se assentavam os valores espirituais herdados dos grandes
legisladores, como Sólon, estavam seriamente comprometidos e
se desdobravam em direção à estrutura do Estado e da sociedade.
No entanto, será necessário voltarmos um pouco no tempo
para deslindar esse fenômeno, quando Sócrates foi discípulo de
um dos grandes filósofos naturalistas: Anaxágoras.

Sócrates, discípulo de Anaxágoras


Ignoramos se nesse período suas ideias políticas foram in-
fluenciadas pelo círculo de pessoas com quem conviveu, tais como
Eurípedes, Arquelau, Sófocles, Címon e também Plutarco, Péricles
e Aspásia. Esse era o momento de grande florescimento artístico,
filosófico e áureo do poder político, econômico de Atenas. Mas o
© U4 - Evolução e desdobramentos do conceito de Paideia 135

fato é que a Educação para Sócrates deveria ser política. Voltare-


mos a esse assunto mais adiante.
No entanto, para a Grécia se consolidar política e economi-
camente, o Estado exigiu muitos sacrifícios de seus concidadãos.
E foi nesse período que Sócrates se destacou, sendo considerado
"mau democrata", pois defendia que não deve haver intervenção
política nas Assembleias e nos Tribunais e o que deveria prevale-
cer era o conhecimento das coisas. Esse pensamento se mostrava
diferente do princípio democrático ateniense, segundo o qual "o
Governo era incumbência da maioria do povo" (JAEGER, 1995, p.
514). Apresenta, dessa forma, um novo princípio "democrático".
Essa inovação pode ser atestada de forma mais contundente no
diálogo platônico Górgias, 454 E ss.; 459 C ss., passim.
De acordo com Jaeger (1995, p. 515):
É caso para pensar que esta posição se ia formando dentro dele,
diante da crescente degenerescência da democracia ateniense,
durante a guerra do Peloponeso. Para quem, como ele, tinha sido
educado no espírito dominante na época das guerras pérsicas e as-
sistira ao apogeu do Estado, era forte demais aquele contraste para
não provocar uma série de dúvidas e críticas.

Podemos dizer que as razões de Sócrates para essa atitude


de desprezo em relação à democracia suplantava qualquer moti-
vação de cunho meramente político. Aliás, ele a transcendia.
Mas qual é a relação disso tudo com a influência filosófica
de Anaxágoras? O que ele buscava na Filosofia da natureza que
pudesse ajudar a compreender aquela realidade?
Nas ideias de Anaxágoras, Sócrates não encontrou o princí-
pio que procurava. A explicação reduzia-se às causas materiais e,
portanto, era insuficiente para dar conta de entender e explicar a
realidade e sua estrutura.
Na obra Fédon, podemos observar como Platão apresenta,
por meio de Sócrates, sua Teoria das Ideias. No entanto, sabemos

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136 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

que a investigação socrática passava, necessariamente, pela ques-


tão do Bom (Agathós) que está nas próprias coisas.
Mas por que buscar pela Filosofia da natureza?
A resposta é simples: porque ele estava à procura do princí-
pio da ordem humana e esse só poderia ser derivado do cosmos
(Kósmos), ou seja, trata-se, aqui, da relação entre o microcosmo
(homem) e o macrocosmo (mundo): há uma ordem que regula
ambos.
Os gregos foram, como já dissemos, capazes de identificar e
reconhecer as leis que atuam nas próprias coisas. Está lembrado?
Tratando-se de Filosofia da natureza, Sócrates não encon-
trou nela a resposta que procurava.
Observemos esta passagem:
A crítica aos filósofos da natureza vem pois demonstrar indireta-
mente que a visão de Sócrates incidia, desde o primeiro momento,
sobre o problema ético-religioso (JAEGER, 1995, p. 517-518).

Isso não nos lembra, de acordo com a obra Apologia, das


acusações submetidas a Sócrates?
No entanto, cabe notar que ele procurava uma base firme
sobre a qual pudesse compreender e explicar a realidade do ponto
de vista ético-moral. Por isso, recorreu à Filosofia da natureza, isto
é, aos filósofos que o precederam. Adotou, então, uma perspecti-
va antropológica, em que o homem e sua estrutura física e corpo-
ral constituem ponto de partida para as suas reflexões.
Nesse sentido, as contribuições de Empédocles no campo da
medicina atraíram a atenção de Sócrates. Vemos, a partir deste
ponto, um deslocamento das reflexões filosóficas que, até então,
se situavam no plano do cosmológico em direção à vida humana.
© U4 - Evolução e desdobramentos do conceito de Paideia 137

8. A IMPORTÂNCIA DO CORPO PARA OS GREGOS


Procure retomar algumas considerações sobre a Cosmogo-
nia, a Cosmologia e o Mito para os gregos na literatura que suge-
rimos nas unidades anteriores. Em hermenêutica, chamamos isso
de "pré-compreensão".
Vale considerar que, ao nos colocarmos diante de uma pers-
pectiva filosófica antropocêntrica, essa implica na noção de corpo.
Se existimos é mediante um corpo. É o corpo que sofre, tem pra-
zer, é disciplinado, exercitado, se reproduz. Esse conceito é impor-
tante na medida em que revela, de forma muito clara, a marca do
pensamento socrático presente nos diálogos platônicos.
Costuma-se atribuir a Sócrates a distinção entre corpo e
alma, embora essa dicotomia, porém, foi pensada por Platão –
lembremos que nossa referência foi diretamente Platão e não seu
mestre.
Ao falarmos do corpo, não podemos esquecer a importân-
cia da ginástica naquele tempo. A denominação "ginástica" inicial-
mente se referia aos variados tipos de atividade física sistematiza-
dos, cujos fins variavam de atividades ligadas a atividades práticas,
de sobrevivência ou preparação militar. Os gregos criaram as pri-
meiras escolas destinadas à preparação de atletas para exibições
ginásticas em público em locais denominados "ginásios". De um
fim prático, os exercícios passaram a ser cultuados na busca pelo
corpo e mente sãos, além do culto à beleza do corpo (expressado
em obras de arte desse período). Assim, foi na Grécia antiga que
a ginástica adquiriu o status de Educação Física, pois passou a de-
sempenhar papel fundamental no sistema educativo grego para o
equilíbrio harmônico entre as aptidões físicas e intelectuais.
Na obra A República, há importantes considerações sobre a
ginástica para a formação do indivíduo na pólis. A forma como os
gregos concebiam a importância do corpo não tem paralelo com o
que, hoje, habitualmente fazemos. Aliás, sua concepção ultrapas-

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138 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

sava os limites do simplesmente estético (e entenda-se estético,


aqui, no sentido moderno, porque para os gregos a estética tem
um sentido mais amplo).

O que você acha de pesquisar um pouquinho para saber mais
sobre esse conceito?
Para você ter um exemplo da importância do corpo para o povo
grego, procure pesquisar a respeito, por exemplo, do movimento
renascentista, que retomou justamente os valores culturais greco-
-romanos. Artistas como Michelangelo, Da Vinci e outros se desta-
cavam pela perfeição (simetria) de suas obras.

É interessante notar que o conceito de beleza passa pelo cri-


vo da matemática como, por exemplo, proporção, simetria etc. Um
rosto bonito, portanto, é simétrico e revela perfeição.
Voltemos ao conceito de ginásio:
o ateniense daqueles tempos sentia-se mais no seu meio no ginásio
do que entre as quatro paredes da sua casa, onde dormia e comia.
Era ali, sob a transparência do céu da Grécia, que diariamente se
reuniam novos e velhos para se dedicarem ao cultivo do corpo. Os
pedaços de lazer dos intervalos eram dedicados à conversa. [...]
Quem tinha para dizer ou perguntar alguma coisa que considerava
de interesse geral, mas para a qual não eram locais adequados nem
a assembléia do povo nem o tribunal, corria ao ginásio para dizê-la
aos seus amigos e conhecidos (JAEGER, 1995, p. 521-522).

O ginásio era o local por excelência para a "ginástica do pen-


samento" e só era comparado, em termos dessa importância, aos
banquetes. Procure ler a obra platônica O Banquete para entender
um pouco mais desse contexto.
Essa "ginástica do pensamento" à qual nos referimos pode
ser denominada como a "nova Paideia", cuja formação teve gran-
des contribuições da Filosofia socrática.
A dialética socrática é a contrapartida do método educativo
sofista (que já estudamos anteriormente).
© U4 - Evolução e desdobramentos do conceito de Paideia 139

9. A IMPORTÂNCIA DA OBRA APOLOGIA, DE PLATÃO


Ainda não conseguimos distinguir o pensamento de Sócrates
e o de Platão. Para isso, devemos recorrer ao exame da importân-
cia da obra Apologia, no momento em que, ao ser condenado à
morte, Sócrates confessa: "enquanto viver jamais deixarei de filo-
sofar!".
Sua maneira habitual de ensinar, ou a conversação socrática, é
pautada por dois conceitos importantes: a exortação (protreptikos)
e a indagação (elenchos). Assim, de acordo com Jaeger, a Filosofia
socrática é ao mesmo tempo uma exortação e uma Educação.
Com isso, busca refutar o saber e a Excelência (Areté) apa-
rentes como pressuposto básico para localizar a essência do bem
moral e ético. Lembremo-nos de sua ironia: o ignorante que se
julga sábio e o sábio (Sócrates) que se julga ignorante.
Ora, é aqui que nos deparamos com outro conceito caro à
Filosofia socrática e que separará Sócrates de Platão: o conceito
de alma.
O essencial, no estudo desta unidade sobre o exame do ho-
mem, é a preocupação com a alma, conforme é mencionado na
Apologia, em Protágoras ou no Fédon.
Vale ressaltar que esse conceito não se vincula ao difundido
atualmente pelas religiões cristãs, afinal, historicamente, é pré-
-cristão, assim como Sócrates também o é.
A Filosofia socrática exige um comportamento que vise ao
cuidado com a alma. Esta tem muito mais valor do que os bens
materiais ou o corpo, mas não significa que o corpo seja deprecia-
do. Inclusive a respeito disso, um autêntico princípio socrático foi
bastante difundido em latim: Mens sana in corpore sano.
Não significa, portanto, descuidar do corpo e, como disse-
mos anteriormente, para Sócrates o corpo e a alma não estão ne-
cessariamente separados.

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140 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Em que consiste, então, a Paideia socrática?


Em algumas passagens da obra Memoráveis, de Xenofonte,
encontramos uma expressão no mínimo curiosa: "serviço de Deus".
Bem, sabemos que Sócrates foi pré-cristão e que naquela
época não havia uma religião monoteísta na Grécia. Portanto, con-
vém considerar que essa expressão não traz em seu bojo o sentido
adotado pelos cristãos ou qualquer outro sentido de cunho reli-
gioso.
É natural, também, explicarmos, por intermédio de Platão
e Xenofonte, os objetivos da Paideia socrática em detrimento à
sofística.
Eis o que diz Jaeger (1995, p. 538) sobre a definição da Pai-
deia dos sofistas:
A paidéia dos sofistas era uma colorida mistura de materiais de
origem vária. O seu objetivo era a disciplina do espírito, mas não
existia entre eles unanimidade quanto ao saber mais indicado para
atingi-la, pois cada um deles seguia estudos especializados e, natu-
ralmente, considera a sua disciplina como a mais conveniente de
todas.

Nesse sentido, a Educação preconizada pelos sofistas pade-


cia da falta do critério de cuidado com a alma e também por conta
dos limites do alcance do conhecimento desses educadores.
Transferindo essa reflexão para os dias atuais, nós não nos
parecemos mais com os sofistas? A ideia de saber especializado,
a fragmentação do saber e a falta de compromisso com a verdade
não seriam alguns indicadores?

10. POLÍTICA E ÉTICA EDUCACIONAL


Somos seres de necessidade, conforme uma vez afirmou
Marx. Precisamos do trabalho para sobreviver e não podemos ne-
gar os diversos fatores de ordem econômica e política que interfe-
rem nos acontecimentos históricos. Não é verdade?
© U4 - Evolução e desdobramentos do conceito de Paideia 141

Materialismo dialético de Marx––––––––––––––––––––––––––


O filósofo, cientista social e historiador Karl Marx é, sem dúvida, um dos mais
influentes pensadores políticos de todo o século 19. Especificamente em relação
a essa referência, estamos nos referindo a uma tese muito cara a Marx de que
a natureza dos indivíduos tem vinculação direta com as condições materiais em
que se encontram.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
É claro que esse discurso não inviabiliza os conhecimentos
específicos, mas a questão é: o que um determinado estudo pode
contribuir, efetivamente, para a vida? Quais são os limites?
Impõe-se, aqui, um problema ético nesse movimento educa-
cional instaurado por Sócrates.
Lembremos de que os sofistas não tinham outra pretensão
além da formação de dirigentes políticos e que a preocupação so-
crática estava voltada para a formação do caráter.
Dissemos que a Educação de Sócrates era política. Como po-
demos caracterizá-la, afinal?
Sua política, no entanto, não pode ser confundida com a teo-
ria platônica, presente nas obras A República e Górgias.
Sócrates era considerado um "mau democrata", como já dis-
semos, e não se envolvia com a vida política da época e de sua
cidade, porém educava politicamente. Como podemos falar de
política, educar politicamente, sem nos envolvermos com essas
questões diariamente?
A compreensão do que Sócrates quis dizer sobre a Educação
deve ser política. A esse respeito, veja o que Jaeger (1995, p. 546-
547) observa:
Tem necessariamente de educar o Homem para uma de duas coi-
sas: para governar ou ser governado. Já na alimentação se começa
a marcar a diferença entre estes dois tipos de educação. O Homem
que é educado para governar tem de aprender a antepor o cumpri-
mento dos deveres mais prementes à satisfação das necessidades
físicas. Tem de sobrepor à fome e à sede. Tem de se acostumar a
dormir pouco, a deitar-se tarde e a se levantar cedo. Nenhum tra-
balho o deve assustar, por árduo que seja. Não se deve deixar atrair
pelo engodo dos prazeres dos sentidos... quem não é capaz de tudo
isso fica condenado a figurar entre as massas governadas.

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142 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Vemos, dessa forma, a contribuição socrática para a forma-


ção política do indivíduo na pólis grega, em um sentido mais am-
plo do que o simples domínio de técnicas.

11. A PAIDEIA SOCRÁTICO/PLATÔNICA


Nesse breve estudo, procuramos apresentar alguns dos ele-
mentos que caracterizariam a proposta de Paideia em Sócrates e
Platão.
Dentre esses elementos, gostaríamos de destacar a questão
da construção de uma virtude moral, o homem e sua vinculação
com a pólis e, consequentemente, uma valorização da formação e
participação política.
Nesse sentido, gostaríamos de lhe apresentar uma proposta
de Villagra Diez (2002) que, em nossa análise, trata-se de uma sín-
tese de alguns conceitos da nova Paideia para a qual contribuíram
Sócrates e, em especial, em Platão. Para Villagra Diez (2002, p. 9),
essa nova proposta de Paideia manifesta-se na necessidade de se
"educar na Areté através do logos para a pólis".
Como se percebe, há vários aspectos interessantes presen-
tes nessa afirmação. O ideal de Areté permanece, mas de forma
diferente da Areté heroica de Homero, ou, ainda, da Areté moral
do trabalhador manifestada em Hesíodo. Nesse momento, temos
o uso do logos para o exercício da Areté.
Não basta mais ser corajoso e ter boas virtudes morais, mas,
além disso, passar a utilizar o logos, pois o logos é bem maior de
cada um e permitirá ao homem a realização da sua Excelência em
plenitude. Não bastasse isso, o exercício do logos deve estar a ser-
viço não só do indivíduo, mas da comunidade como um todo, pois
o indivíduo está para a pólis e a pólis está para o indivíduo. Torna-
-se necessário, assim, que o indivíduo seja educado de modo que
possa exercer adequadamente suas funções na sua cidade-estado.
© U4 - Evolução e desdobramentos do conceito de Paideia 143

Essa nova proposta de Paideia, sintetizada por Villagra Diez


como a de educar para o Bem, nos faz refletir: Temos hoje, no
uso da razão, uma Excelência a ser buscada e, ao realizarmos essa
Excelência, pensamos em exercitá-la a serviço de um bem maior,
que nos permita colaborar com a comunidade no qual estamos
inseridos?
Consideramos importante que você reflita sobre essa ques-
tão, pois, conforme veremos na próxima unidade, o tema será de
suma importância quando lidarmos com a contemporaneidade.
Agora, vamos avançar um pouco mais e apresentarmos al-
guns desdobramentos da Paideia grega manifestada na Paideia
aristotélica.

12. A PAIDEIA ARISTOTÉLICA: O HOMEM E A PÓLIS


A proposta de Paideia socrático/platônica trouxe novas nu-
ances e possibilidades de entendimento à criação de um ideal de
Paideia. O mesmo poderá se dizer de Aristóteles, o único filósofo
do período clássico que rivaliza com Platão em primazia e impor-
tância na cultura ocidental.
Aristóteles nasceu na cidade grega de Estagira e mudou-se
para Atenas, onde foi considerado o aluno mais brilhante de Pla-
tão. Ele ousou, a partir de suas originais propostas filosóficas, apre-
sentar contrapontos interessantes ao que foi proposto por Platão.
E quais seriam suas contribuições ao tema aqui proposto?
Inicialmente, podemos dizer que Aristóteles adotou uma posição
diferente com relação ao idealismo platônico. Enquanto para Pla-
tão existem conceitos ideais e esses serviriam para guiar os ho-
mens no desafio da construção de seus ideais, em Aristóteles exis-
te a convicção de que não é possível aplicar conceitos ideais em
todos os momentos da vida, pois, como ela é múltipla, mutável
e imprevisível, é sempre necessário que o homem adeque suas
ações a partir das situações com as quais se depara.

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144 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Segundo Cottingham (apud COAD, 2006, p. 74):


a concepção aristotélica predominante de boa vida envolveria o
florescimento harmonioso de nossas capacidades humanas, sob as
orientações gerais da razão.

Além disso, há uma profunda vinculação da Excelência hu-


mana e sua vinculação com a pólis, pois a construção de um ethos
(caráter) passa necessariamente pela participação política que
busque a realização de um bem comum para todos, pois:
Considerado sob o ângulo da autos-suficiência, o raciocínio parece
chegar ao mesmo resultado, porque o bem absoluto é considerado
como autos-suficiente. Ora, por autos-suficiente não entendemos
aquilo que é suficiente para um homem só, para aquele que leva
uma vida solitária, mas também para os pais, os filhos, a esposa,
e em geral para os amigos e concidadãos, visto que o homem
nasceu para a cidadania. Mas é necessário traçar aqui um limite,
porque, se estendermos os nossos requisitos aos antepassados,
aos descendentes e aos amigos dos amigos, teremos uma série
infinita (ARISTÓTELES, 1991, p. 15).

E como o homem pode se tornar Excelente? Para Aristóte-


les, o caminho da virtude passaria pelo exercício equilibrado de
suas qualidades e, nesse sentido, existiria um elemento central, o
exercício da prudência (phronesis), ou seja, a capacidade de não
somente tomar decisões que lhe permitam atingir um determina-
do fim, mas também lhe permitam determinar fins bons e consis-
tentes com o objetivo de viver bem de forma geral e ampla.
Nesse sentido, Coad (2006) apresenta-nos uma metáfora
com um jogador de golfe para exemplificar essas considerações
que estamos lhe apresentando. Procure refletir: um jogador de
golfe é aquele que, em sua prática esportiva, tem de realizar cál-
culos precisos (fazendo uso do logos) para saber a força certa (o
exercício equilibrado de virtudes) a ser ministrada em uma bola (a
vida cotidiana) para que atinja um buraco ou os vários buracos até
a meta final ou fim do jogo (a felicidade do indivíduo via participa-
ção plena na pólis).
Há de se ressaltar a importância dessas considerações para
o momento atual em que estamos vivendo, isso porque, muitas
© U4 - Evolução e desdobramentos do conceito de Paideia 145

vezes, não fazemos uso do logos, ou sequer nos lembramos da im-


portância de seu uso. Normalmente, deixamos-nos levar por ele-
mentos instintivos em nossas decisões e, não bastasse isso, sequer
temos estabelecido um caminho ou, o que é mais importante, um
télos ou finalidade que nos direcione.
A partir disso, consideramos que já existem elementos sufi-
cientes para lidarmos com o conceito de Kalós e Agathós aristoté-
lico. Segundo Coad (2006, p. 80):
Aristóteles ensinou que se a pessoa não adquire os princípios do
comportamento ético na família, ele deverá encontrá-los na comu-
nidade. Assim, é a comunidade que educa e para a comunidade
que uma pessoa deve continuamente contribuir. O ideal de Kalós
Kagathós pode somente estar presente no indivíduo completo que
é senhor de todas as virtudes e também um respeitável membro
da comunidade.

Com isso, terminamos essa pequena análise de alguns gran-


des pensadores e, após essa análise, verificaremos alguns dos des-
dobramentos que ocorreram ao longo do tempo em torno do ideal
de Paideia.

13. DESDOBRAMENTOS DA PAIDEIA GREGA


O humanismo romano
Após as considerações que fizemos a respeito da Paideia no
decorrer do Período Clássico da Filosofia, nos deteremos, agora,
em um desdobramento muito importante da Paideia: o Humanis-
mo. Buscaremos debater algumas peculiaridades desse conceito
e os elementos novos que ele traz consigo para novas interpreta-
ções e aprofundamentos em relação ao conceito de Paideia.
Inicialmente, podemos dizer que certamente você, de algu-
ma forma, já teve contato com esse conceito. Por exemplo, quan-
do algo abominável causa indignação e diz-se que é preciso res-
gatar o valor do humano, ou, ainda, quando se pensa em ideias
que poderiam vir a resgatar a humanidade presente em cada um.

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146 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Nesse exercício de possibilidades, manifesta-se a ideia de que a


especificidade humana carrega consigo características especiais e,
em razão disso, devem ser valorizadas.
Se lhe perguntarmos se existem semelhanças entre o ideal
de Paideia e de humanidade, muito provavelmente você dirá que
sim, e essa semelhança não ocorre por acaso, pois, como veremos,
o conceito de humanidade advirá como desdobramento dos ideais
de Paideia.
Werner Jaeger realiza essa vinculação entre ambos os con-
ceitos e isso pode ser percebido no excerto a seguir.
[...] o princípio espiritual dos gregos não é o individualismo, mas
o humanismo, para usar a palavra no seu sentido clássico e orig-
inário. Humanismo vem de humanitas. Pelo menos desde o tempo
de Varrão e Cícero, esta palavra teve, ao lado da acepção vulgar e
primitiva de humanitário, que não nos interessa aqui, um segundo
sentido mais nobre e rigoroso. Significou a educação do Homem de
acordo com a verdadeira forma humana, com o seu autêntico ser.
Tal é a genuína Paidéia grega, considerada como modelo por um
homem de Estado romano (JAEGER, 2003, p. 14).

No entanto, embora haja essa tentativa de vinculação entre


ambos os conceitos, o conceito de humanitas carrega consigo uma
série de peculiaridades, pois, segundo Oniga (2010, p. 1):
A idéia de humanitas matura lentamente na passagem do mundo
grego ao mundo romano. A língua grega não possui nenhuma pa-
lavra que seja de todo equivalente à latina humanitas. A tentativa
de Werner Jaeger, de identificar a humanitas latina com a Paidéia
grega sobre a base de um testemunho de uma célebre passagem
de Aulo Gellio, tem sido justamente refutada pela maior parte dos
estudiosos.

E como então surgiu esse conceito e qual o seu significado?


Antes de caminharmos na tentativa de resolução desse questiona-
mento, convém que façamos uma breve contextualização histórica
sobre o período que iremos nos deter para dar conta da resposta.
Inicialmente, devemos dizer que os caminhos para essa con-
textualização começam a se engendrar a partir da referência a um
dos alunos de Aristóteles: Alexandre, o Grande. Como se sabe, Ale-
© U4 - Evolução e desdobramentos do conceito de Paideia 147

xandre é tido como um dos maiores conquistadores de todos os


tempos e, quando de seu apogeu, a influência da cultura grega se
fez valer por quase todo o mundo conhecido na época. Após a sua
morte, ocorrida em 323 a.C., viria a ocorrer o período histórico
cultural chamado "Helenismo".
Chauí (2010, p. 13-14) caracteriza esse período da seguinte
forma:
Os historiadores da cultura convencionaram designar Helenismo
as atividades culturais desenvolvidas no período transcorrido en-
tre a morte de Alexandre Magno, em 323 a.C., e o fim da repú-
blica romana, em 31 a.C., quando Augusto (vencedor da batalha
de Actium, em 27 a.C.) se torna imperador de Roma. A designação
refere-se à presença dominante da língua e da cultura gregas em
todo o mundo conhecido, numa difusão sem precedentes cuja cau-
sa inicial foi a convicção de Alexandre, aluno de Aristóteles, de que
por seu intermédio a Grécia devia cumprir uma missão civilizatória
sobre todos os povos da terra. A língua grega transformou-se na
koiné, dialeto comum em todas as terras conquistadas por Alexan-
dre, e Alexandria, no Egito, tornou-se a capital cultural da Antigui-
dade, papel que conservou mesmo quando Roma ocupou o lugar
de centro político e econômico de um império que se estendia do
Próximo Oriente ao Sul da Europa, do Mediterrâneo ao Atlântico.
Embora o termo Helenismo pareça indicar apenas a hegemonia da
cultura grega, na realidade, exprime a comunicação intensa entre
as criações culturais helênicas e as orientais enquanto submetidas
a um mesmo e único poder central, ligadas por rotas comerciais
e tendo como ponto de encontro Alexandria e, mais tarde, Roma.

É exatamente sobre o período de dominação romana que


iremos nos deter, isso porque, conforme veremos, nesse período
acrescenta-se o conceito de Humanismo ao ideal de Paideia. O
que seria esse conceito? Segundo Ferrater Mora (1970, p. 876),
esse conceito passou por uma série de modificações e, atualmen-
te, é utilizado, sobretudo:
Para qualificar certas tendências filosóficas, especialmente aquelas
nas quais se põe em relevo algum "ideal humano". Como os ideais
humanos são muitos, tem proliferado os "humanismos (...) algumas
destas tendências se caracterizam pela insistência na noção de "pes-
soa", em contraposição a idéia de indivíduo. Outras tendências se
caracterizam por predicar a "sociedade aberta" contra a "sociedade
fechada". Outras, por destacar o caráter fundamental "social" do ser
humano. Outras, por colocar em relevo que o homem não se reduz a
nenhuma função determinada, mas que é uma "totalidade".

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148 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Como você pôde perceber, são muitas as interpretações e os


usos desse conceito. Em sua gênese, segundo Oniga (2009), embo-
ra fosse usado em peças teatrais romanas em aproximadamente
100 a.C., se destaca nas obras de Varrão e, em especial, de Marco
Túlio Cícero (106 a.C.-43 a.C.).
E o que o Humanismo representava para essa época? Oniga
(2009, p. 2), conclui, a partir das leituras que realizou das obras do
historiador Wofgang Schadewaldt, que:
a essência da romana humanitas é, precisamente, ser a outra face
de um conjunto ordenado de valores muito precisos e rigorosos,
que faziam parte do código de conduta do cidadão romano desde
o início, e são quase impossíveis de traduzir para o grego: a piedade
(que é algo diferente do eusebéia), costumes (não exatamente co-
incidindo com o ethos), e então o dignitas, o gravitas, integritas e
assim por diante. Na idéia de humanitas, ele incorporou todos es-
ses valores, bem como aqueles que já tiveram a oportunidade de
experimentar a idéia de cultura, mas ao mesmo tempo, ele se des-
vanecia, se tornava menos rígido e mais universal.

Ainda segundo Oniga (2009, p. 6), especificamente na obra


De oratore de Cícero, temos o uso do conceito de humanitas:
[...] como cultura enciclopédica, sobretudo literária, mas não só, na
concepção ciceroniana, o orador se caracteriza por sua vasta cultu-
ra, não restrita ao próprio setor profissional, mas aberta a todas as
disciplinas. O orador deve sobressair-se in omni genere sermonis
et humanitatis, "em qualquer tipo de conversa e em tudo que diz
respeito ao homem"; in omni recto Studio atque humanitate, "ho-
nestos em todos os estudos e todos os aspectos do conhecimento
humano".

Nesse excerto, podemos observar alguns dos elementos re-


ferentes ao conceito humanitas ciceroniano. Dentre eles, ressal-
tamos a ênfase na superação, na excelência do orador em tudo
aquilo que faz e não somente em sua área, ou seja, a busca da
perfeição em tudo aquilo que diz respeito ao homem.
Além desses aspectos, Oniga (2009, p. 7) também nos chama
a atenção para a presença sempre constante na obra de Cícero
da expressão "communis humanitas": "[...] indicando também a
natureza humana, enfatizando a igualdade fundamental dos ho-
© U4 - Evolução e desdobramentos do conceito de Paideia 149

mens e das comunidades, constituindo uma raça, um único gênero


humano".
Como se percebe, nessa expressão estaria presente a ideia
da Excelência não somente no indivíduo, mas em todos os indiví-
duos e a vinculação entre todos eles única e exclusivamente pelo
fato de serem humanos. Consideramos esse aspecto sobremanei-
ra importante, pois ele acaba por apresentar a possibilidade de um
ideal de Excelência não somente em um homem e seu povo, mas
em todos os seres humanos, pois o que temos em comum acaba
por fazer com que todos nós tenhamos certas qualidades em co-
mum, e isso traz consigo uma proposta inusual e includente.
Para ilustrar essa afirmação, cabe mais uma vez nos ampa-
rarmos nas palavras de Cícero, na obra De Finibus (apud ONIGA,
2009, p. 7):
Daí segue-se que a atração mútua entre os seres humanos também
é algo natural. O simples fato de sua humanidade comum exige que
um homem não encare outrem como outro homem.

Com isso, podemos concluir que o termo "humanitas" acaba


por trazer novos elementos ao conceito de Paideia, pois convida
todos os seres humanos, somente pelo fato de serem humanos, a
exercitarem a sua Excelência em todas as áreas e possibilidades,
pois tal conduta seria de sua natureza.
Desse modo, podemos concluir esse novo desdobramento
do conceito de Paideia e avançarmos um pouco mais, agora lidan-
do com o conceito de Paideia Christi.

A Paideia Christi
Embora Jaeger seja muito conhecido a partir de suas consi-
derações sobre a Paideia grega, ele também compôs uma análise
das influências dessa Paideia no cristianismo primitivo. Suas con-
siderações a respeito desse tema foram compiladas em uma obra
intitulada Early christianity and greek Paideia (Cristianismo primiti-
vo e Paideia grega). Essa obra foi publicada em 1961 e originou-se
das conferências realizadas na Universidade de Harvard, em 1960.

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150 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Infelizmente, o pesquisador faleceu antes de concluir seus


estudos; ainda assim, grande é sua contribuição para poder traçar
alguns elementos importantes a respeito desse tema.
De forma sintética, podemos dizer que, para Jaeger, a civi-
lização grega exerceu uma influência profunda na mente cristã,
acreditando inclusive que, sem a evolução pós-clássica da cultura
grega o surgimento de uma religião cristã mundial não teria acon-
tecido.
Para Jaeger, a Areté grega acabou por ser um instrumento
chave para o florescimento do cristianismo. Para validar essas con-
siderações, analisa textos bíblicos e avalia líderes religiosos, como
Gregório de Nissia, exemplos de variações da Paideia grega.
Dentre os muitos aspectos abordados por Jaeger a respeito
desse tema, citamos um em especial: ao se referir ao livro bíblico
Atos dos Apóstolos, em que Felipe se apresenta para os gregos e
expõe a Paideia de Cristo (ou Paideia Christi). Para Jaeger (1995,
p. 12):
ao chamar de Cristianidade a Paidéia de Cristo, o imitador afirma
a intenção do apóstolo de fazer da Cristianidade aparentar ser a
continuação da clássica paidéia grega.

Do que foi dito, você talvez esteja se perguntando a respeito


das diferenças existentes entre ambas as propostas de Paideia e,
para responder a essa questão, há uma síntese muito interessante
proposta por Villanou (2001, [s/p]):
A metafísica cristã oferece um marco teonomo para regular a for-
mação humana: se deve eliminar qualquer possível manifestação
egoísta porque o ser humano somente pode "fazer-se com Deus",
quer dizer, através da unidade inseparável, com Deus, o que é o
mesmo, por meio da realização harmoniosa do humano e do divino
[...]. Por esta via a pedagogia se converte em mistagogia, isto é, na
experiência mística de Deus. [...] A educação do homem é ofereci-
mento, renúncia ao egoísmo para afrontar a entrega altruísta que
exige o reino do amor.

Essa proposta de Paideia traz uma nova visão do homem e


sua função no mundo, pois: "Este planteamento supõe que o indi-
© U4 - Evolução e desdobramentos do conceito de Paideia 151

víduo já não encontre sua razão de ser no próprio eu, mas na fun-
ção dessa vocação altruísta, desse amor ao próximo" (VILLANOU,
2001, [s/p]).
Há de se dizer que as contribuições da Paideia Christi se mos-
tram presentes atualmente sobretudo na chamada relação "eu e
o outro", ou seja, nela os desdobramentos da Areté referem-se à
consideração e à valorização dos demais seres humanos.
Dada as especificidades desta disciplina, não nos alonga-
remos nesse desdobramento, mas lhe indicamos para que você
aprofunde suas pesquisas sobre o tema no estudo de Antropologia
Filosófica, no qual se encontra uma abordagem que lhe apresenta-
rá vários pensadores que se inspiram nessa proposta e que certa-
mente lhe ajudarão a perceber a originalidade dessa contribuição.

A Bildung
Vamos agora apresentar outro desdobramento interessan-
te da Paideia grega, desenvolvido essencialmente por pensadores
alemães e por eles denominado "Bildung" ("formação").
De modo preliminar, vamos examinar uma expressão cunha-
da pelos pensadores alemães que se identificaram com essa pro-
posta por meio do relato de Villanou (2001, [s/p]):
Bilde dich griegisch, isto é "forme-se com um grego" [...], esteve
canalizada por uma série de tradições e obras que culminam no
século XX com a Paidéia de Jaeger em seu intento de implantar –
no meio da crise dos anos de entre guerras (1919-1939) – um ide-
alismo de corte platônico capaz de espiritualizar, de novo, a vida
humana.

Há de se dizer que esse conceito teve uma longa evolução ao


longo do tempo e pode ser percebido no texto de Kant intitulado
O que é a Ilustração (apud RÉGIS, 2001), que nos convida a realizar
um ato de coragem e ousadia pela busca do saber (sapere aude),
ou, ainda, já se fazendo uso do conceito de Bildung, na produção
de autoria do pensador alemão Wilhelm Von Humboldt em uma
série de obras que tratam deste tema.

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152 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

De modo geral, poderíamos dizer que a Bildung alemã tem


profundas raízes no conceito de Paideia que estamos vivenciando
e, especificamente no contexto alemão, buscou defender a neces-
sidade e valor do autocultivo ou, ainda, da autoformação do ser
humano como um elemento caro para o desenvolvimento de suas
potencialidades.
Para ilustrar as necessidades e valores defendidos pela Bildung,
observe esse pequeno excerto com considerações feitas por Humboldt
(apud GIACOMONI, 2001, [s/p]), que afirma que temos:
[...] um desejo irresistível de medir toda a humanidade contra nós
mesmos, quem suprime a expressão deste desejo supremo, mes-
mo para o melhor dos motivos, estará sempre longe da verdade.

Como se percebe, nesse excerto está presente a ideia de que


constantemente nos medimos, tendo como elemento de referên-
cia a humanidade. Se nos negamos a realizar essa comparação e
nos afastamos dessa análise, acabamos por enganar a nós mes-
mos.
Ainda para Giacomoni (2001, [s/p]), em Humboldt a:
Bildung é vista mais do que tudo como um acordo dinâmico, como
um impulso vivo: o universo é visto como animado por uma for-
ça, por uma energia dentro de atos que lhe dá vida, movimento e
ritmo. É uma força que, sendo o centro de animação e molde de
cada realidade, é a explicação última e escondido ser. O que move o
mundo e a história acima de tudo move o homem, pressionando-o
a agir e expressar em si mesmo como um desejo primário e sem ne-
nhum outro objetivo que a reprodução de seu próprio movimento
e pesquisa: o homem como parte da natureza é impulso, energia,
um desejo irresistível para viver de um modo multiforme.

Consideramos que você, depois da análise realizada nesta


unidade, já possui elementos suficientes para compreender a in-
fluência do pensamento dos gregos nas propostas educativas do
ocidente.
Na próxima unidade, você terá a oportunidade de analisar
algumas considerações críticas sobre a Paideia e a importância
desse tema para pensarmos a Educação contemporânea.
© U4 - Evolução e desdobramentos do conceito de Paideia 153

14. TEXTOS COMPLEMENTARES


Veja no trecho, a seguir, da Defesa de Sócrates (ou Apologia
de Sócrates), de Platão, e avalie as constatações de Sócrates.

Ciência e Missão de Sócrates–––––––––––––––––––––––––––


Um de vós poderia intervir: "Afinal, Sócrates, qual é a tua ocupação? Donde pro-
cedem as calúnias a teu respeito? Naturalmente, se não tivesses uma ocupação
muito fora do comum, não haveria esse falatório, a menos que praticasses algu-
ma extravagância. Dize-nos, pois, qual é ela, para que não façamos nós um juízo
precipitado." Teria razão quem assim falasse; tentarei explicar-vos a procedência
dessa reputação caluniosa. Ouvi, pois. Alguns de vós achareis, talvez, que estou
gracejando, mas não tenhais dúvida: eu vos contarei toda a verdade. Pois eu,
Atenienses, devo essa reputação exclusivamente a uma ciência. Qual vem a ser
a ciência? A que é, talvez, a ciência humana. É provável que eu a possua real-
mente, os mestres mencionados há pouco possuem, quiçá, uma sobre-humana,
ou não sei que diga, porque essa eu não aprendi, e quem disser o contrário me
estará caluniando. Por favor, Atenienses, não vos amotineis, mesmo que eu vos
pareça dizer uma enormidade; a alegação que vou apresentar nem é minha:
citarei o autor, que considerais idôneo. Para testemunhar a minha ciência, se é
uma ciência, e qual é ela, vos trarei o deus de Delfos. Conhecestes Querefonte,
decerto. Era meu amigo de infância e também amigo do partido do povo e seu
companheiro naquele exílio de que voltou conosco. Sabeis o temperamento de
Querefonte, quão tenaz nos seus empreendimentos. Ora, certa vez, indo a Del-
fos, arriscou esta consulta ao oráculo – repito, senhores; não vos amotines – ele
perguntou se havia alguém mais sábio que eu; respondeu a Pítia que não havia
ninguém mais sábio. Para testemunhar isso, tendes aí o irmão dele, porque ele
já morreu.
Examinai por que vos conto eu esse facto; é para explicar a procedência da calú-
nia. Quando soube daquele oráculo, pus-me a refletir assim: "Que quererá dizer
o deus? Que sentido oculto pôs na resposta? Eu cá não tenho consciência de ser
nem muito sábio nem pouco; que quererá ele, então, significar declarando-me o
mais sábio? Naturalmente, não está mentindo, porque isso lhe é impossível." Por
longo tempo fiquei nessa incerteza sobre o sentido; por fim, muito contra meu
gosto, decidi-me por uma investigação, que passo a expor. Fui ter com um dos
que passam por sábios, porquanto, se havia lugar, era ali que, para rebater o orá-
culo, mostraria ao deus: "Eis aqui um mais sábio que eu, quando tu disseste que
eu o era!" Submeti a exame essa pessoa - é escusado dizer o seu nome; era um
dos políticos. Eis, Atenienses, a impressão que me ficou do exame e da conver-
sa que tive com ele; achei que ele passava por sábio aos olhos de muita gente,
principalmente aos seus próprios, mas não o era. Meti-me, então, a explicar lhe
que supunha ser sábio, mas não o era. A consequência foi tornar-me odiado dele
e de muitos dos circunstantes.
Ao retirar-me, ia concluindo de mim para comigo: "Mais sábio do que esse ho-
mem eu sou; é bem provável que nenhum de nós saiba nada de bom, mas ele
supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto eu, se não sei, tampouco supo-
nho saber. Parece que sou um nadinha mais sábio que ele exatamente em não
supor que saiba o que não sei." Daí fui ter com outro, um dos que passam por

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154 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

ainda mais sábios e tive a mesmíssima impressão; também ali me tornei odiado
dele e de muitos outros.
Depois disso, não parei, embora sentisse, com mágoa e apreensões, que me ia
tornando odiado; não obstante, parecia-me imperioso dar a máxima importância
ao serviço do deus. Cumpria-me, portanto, para averiguar o sentido do oráculo,
ir ter com todos os que passavam por senhores de algum saber. Pelo Cão, Ate-
nienses! Já que vos devo a verdade, juro que se deu comigo mais ou menos isto:
investigando de acordo com o deus, achei que aos mais reputados pouco faltava
para serem os mais desprovidos, enquanto outros, tidos como inferiores, eram
os que mais visos tinham de ser homens de senso. Devo narrar-vos os meus
vaivéns nessa faina de averiguar o oráculo.
Depois dos políticos, fui ter com os poetas, tanto os autores de tragédias como os
de ditirambos e outros, na esperança de aí me apanhar em flagrante inferioridade
cultural. Levando em mãos as obras em que pareciam ter posto o máximo de
sua capacidade, interrogava-os minuciosamente sobre o que diziam, para ir, ao
mesmo tempo, aprendendo deles alguma coisa. Pois bem, senhores, coro de vos
dizer a verdade, mas é preciso. A bem dizer, quase todos os circunstantes pode-
riam falar melhor que eles próprios sobre as obras que eles compuseram. Assim,
logo acabei compreendendo que tampouco os poetas compunham suas obras
por sabedoria, mas por dom natural, em estado de inspiração, como os adivinhos
e profetas. Estes também dizem muitas belezas, sem nada saber do que dizem;
o mesmo, apurei, se dá com os poetas; ao mesmo tempo, notei que, por causa
da poesia, eles supõem ser os mais sábios dos homens em outros campos, em
que não o são. Saí, pois, acreditando superá-los na mesma particularidade que
aos políticos.
Por fim, fui ter com os artífices; tinha consciência de não saber, a bem dizer,
nada, e certeza de neles descobrir muitos belos conhecimentos. Nisso não me
enganava; eles tinham conhecimentos que me faltavam; eram, assim, mais sá-
bios e eu. Contudo, Atenienses, achei que os bons artesãos têm o mesmo defeito
dos poetas; por praticar bem a sua arte, cada qual imaginava ser sapientíssimo
nos demais assuntos, os mais difíceis, e esse engano toldava-lhes aquela sabe-
doria. De sorte que perguntei a mim mesmo, em nome do oráculo, se preferia
ser como sou, sem a sabedoria deles nem sua ignorância, ou possuir, como eles,
uma e outra; e respondi, a mim mesmo e ao oráculo, que me convinha mais ser
como sou.
Dessa investigação é que procedem, Atenienses, de um lado, tantas inimizades,
tão acirradas e maléficas, que deram nascimento a tantas calúnias, e, de outro,
essa reputação de sábio. É que, toda vez, os circunstantes supõem que eu seja
um sábio na matéria em que confundo a outrem. O provável, senhores, é que,
na realidade, o sábio seja o deus e queira dizer, no seu oráculo, que pouco va-
lor ou nenhum tem a sabedoria humana; evidentemente se terá servido deste
nome de Sócrates para me dar como exemplo, como se dissesse: "O mais sábio
dentre vós, homens, é quem, como Sócrates, compreendeu que sua sabedoria
é verdadeiramente desprovida do mínimo valor." Por isso não parei essa investi-
gação até hoje, vagueando e interrogando, de acordo com o deus, a quem, seja
cidadão, seja forasteiro, eu tiver na conta de sábio, e, quando julgar que não o
é, coopero com o deus, provando-lhe que não é sábio. Essa ocupação não me
permitiu lazeres para qualquer atividade digna de menção nos negócios públicos
nem nos particulares; vivo numa pobreza extrema, por estar ao serviço do deus.
Além disso, os moços que espontaneamente me acompanham – e são os que
© U4 - Evolução e desdobramentos do conceito de Paideia 155

dispõem de mais tempo, os das famílias mais ricas – sentem prazer em ouvir o
exame dos homens; eles próprios imitam me muitas vezes; nessas ocasiões,
metem-se a interrogar os outros; suponho que descobrem uma multidão de
pessoas que supõem saber alguma coisa, mas pouco sabem, quiçá nada. Em
consequência, os que eles examinam se exasperam contra mim e não contra
si mesmos, e propalam que existe um tal Sócrates, um grande miserável, que
corrompe a mocidade. Quando se lhes pergunta por quais atos ou ensinamentos,
não têm o que responder; não sabem, mas, para não mostrar seu embaraço,
aduzem aquelas acusações contra todo filósofo, sempre à mão: "os fenômenos
celestes –o que há sob a terra – a descrença dos deuses –o prevalecimento
da razão mais fraca". Porque, suponho, não estariam dispostos a confessar a
verdade: terem dado prova de que fingem saber, mas nada sabem. Como são
ciosos de honrarias, tenazes, e numerosos, persuasivos no que dizem de mim
por se confirmarem uns aos outros, não é de hoje que eles têm enchido vossos
ouvidos de calúnias assanhadas. Daí a razão de me atacarem Meleto, Ânito e
Licão – tomando Meleto as dores dos poetas; Ânito, as dos artesãos e políticos
– e Licão, as dos oradores. Destarte, como dizia ao começar, eu ficaria surpreso
se lograsse, em tão curto prazo, delir em vós os efeitos dessa calúnia assim avo-
lumada. Aí tendes, Atenienses, a verdade; em meu discurso não vos oculto nada
que tenha alguma importância, nada vos dissimulo. Sem embargo, sei que me
estou tornando odioso por mais ou menos os mesmos motivos, o que comprova
a verdade do que digo, que é mesmo essa a calúnia contra mim e são mesmo
essas as suas causas. É o que haveis de descobrir, se investigardes agora ou
mais tarde (PLATÃO, 1987, p. 8-10).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

15. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Relacione as colunas:
( 1 ) Exortação e indagação ( ) Platão
( 2 ) Corpo e alma ( ) Sócrates
( 3 ) Perspectiva antropológica ( ) Protreptikos e elenchos
( 4 ) Sofistas ( ) Formação do caráter
( 5 ) Socrática ( ) Dirigentes políticos
Indique a alternativa correta:
a) 2, 3, 1, 5 e 4.
b) 3, 2, 5, 1 e 4.
c) 2, 3, 5, 4 e 1.
d) 5, 4, 2, 3 e 1.
e) 1, 3, 2, 4 e 5.

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156 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

2) Leia o texto a seguir:


Tinham razão Aristóteles e Platão: uma sociedade fundada no
trabalho escravo não podia assegurar cultura para todos. O
rendimento da força humana era tão exíguo que um homem não
podia estudar e trabalhar ao mesmo tempo. Portanto, aos filósofos
caberia a direção da sociedade, aos guerreiros, protege-la e aos
escravos, manter as duas classes anteriores. A separação entre
força física e força mental impunha ao mundo antigo estas duas
enormidades: para trabalhar, era necessário gemer nas misérias da
escravidão e, para estudar, era preciso refugiar-se no egoísmo da
solidão (PONCE, 1986, p. 32).
Nesse contexto:
I. Platão e Aristóteles acreditavam na educação integral do ser huma-
no, por isso criaram a Academia e o Liceu.
II. Sócrates ensinava Filosofia para grupos de diversas classes sociais,
com isso almejava a justiça social.
III. Os sofistas ensinavam a quem pagasse por suas aulas.
IV. Os escravos jamais poderiam estudar na sociedade grega, eles deve-
riam propiciar o ócio aos senhores e aos filósofos.
V. Os filósofos na Grécia antiga pensavam em justiça para todos e por
isso jamais aceitariam a manutenção do sistema escravista.
Identifique a alternativa correta:
a) Apenas I, III e IV são corretas.
b) Apenas I, II e III são corretas.
c) Apenas II e V são corretas.
d) Apenas III e IV são corretas.
e) Apenas IV e V são corretas.
3) De acordo com Sócrates,  "a vida  não examinada não vale a pena ser vivida"
e "a virtude é conhecimento" porque:
a) a existência humana é valiosa precisamente porque todos nós estamos
interessados ​​em examinar a nossa vida.
b) a menos que a nossa sociedade nos diga  o que devemos fazer, nós nunca
vamos ser considerados virtuosos.
c) a Excelência ou valor  (Areté) da nossa vida consiste na medida em que
agimos virtuosamente.
d) sem perguntar o que faz com que a vida valha a pena, não podemos
saber  como devemos  viver.
4) Sócrates teria afirmado que "a vida não examinada não vale a pena ser vivi-
da", afirmativa frequentemente citada como tema central nas atividades da
Filosofia e de realização da excelência humana. Dessa afirmação, podemos
entender que:
© U4 - Evolução e desdobramentos do conceito de Paideia 157

a) às vezes, simplesmente não vale a pena todo o esforço de examinar a


vida e seus problemas em grandes detalhes; às vezes, é melhor simples-
mente "ir em frente".
b) sempre que tivermos de adotar uma atitude reflexiva perante a vida
adotamos uma atitude interessante; no entanto, é mais importante que
simplesmente vivamos e deixemos de lado reflexões a respeito da vida.
c) para o filósofo, se continuamos simplesmente fazendo o que todo mun-
do faz, de forma irrefletida, acabaremos por deixar de fazer algo válido,
nobre ou admirável.
d) é um desperdício de tempo ficarmos analisando se vale a pena viver;
devemos deixar essa reflexão para nossos líderes e para os filósofos.
5) Relacione as colunas:
( 1 ) Esta expressão teve como significado ( ) Aristóteles
"Bilde dich griegisch", isto é "forme-
se com um grego" e foi utilizada para
representar um movimento que
aconteceu, sobretudo, na Alemanha
e que buscou resgatar os ideais da
Paideia grega.
( 2 ) Por meio deste conceito surge uma ( ) Paideia Christi
nova imagem dos ideais da Paideia,
esta presente, sobretudo nas obras
de Cícero e nos convida a pensar um
ideal de Excelência para o indivíduo e
a sociedade.
( 3 ) A pedagogia converte-se em uma ( ) Bildung
mistagogia, isto é, vincula-se a um
contato íntimo com Deus e introduz
uma nova série de valores aos ideais
educativos e, em especial, entre a
relação Eu e Outro.
( 4 ) Introduz uma nova forma de pensarmos ( ) Humanismo
o conceito de Kalós e Agathós que
irão compor nossa Excelência e ideal
educativo. Nesta nova forma há uma
especial ênfase na relação entre o
indivíduo e a comunidade.

Indique a alternativa correta:


a) 3, 4, 2 e 1.
b) 4, 1, 2 e 3.
c) 2, 3, 1 e 4.
d) 1, 2, 3 e 4.
e) 4, 3, 1 e 2.

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158 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Gabarito
1) a.
2) b.
3) d.
4) c.
5) e.

16. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Você estudou nesta unidade alguns aspectos sobre a impor-
tância de Sócrates para compreendermos o conceito de Educação.
Logo a seguir, vimos as contribuições advindas das propostas de
Platão e Aristóteles.
Depois, realizamos um breve estudo sobre alguns desdo-
bramentos da Paideia manifestados nos conceitos de Humanis-
mo, Paideia Christi e Bildung. No entanto, isso não significa que a
pesquisa sobre o tema tenha se esgotado com este estudo. Muito
mais há, porém, por estudar a respeito do que lhe apresentamos
e, infelizmente, este modesto CRC não daria conta de trabalhar
com mais profundidade do que já nos propusemos.
Além disso, há de se dizer que as obras clássicas indicadas
ao longo das unidades são essenciais para a apropriação de seu
conteúdo. Essas indicações ampliarão seu conhecimento sobre o
assunto.
Depois do que lhe foi apresentado nesta unidade, procure
realizar a seguinte reflexão: Quais relações são possíveis de se es-
tabelecer entre o conteúdo aqui discutido e o contexto sociocultu-
ral em que vivemos?
Seja coautor de nossa caminhada!
Lembre-se da afirmativa de Sócrates: "Vida sem reflexão não
vale a pena ser vivida".
© U4 - Evolução e desdobramentos do conceito de Paideia 159

17. E-REFERÊNCIAS
Sites pesquisados
GIACOMONI, P. Paideia as Bildung in Germany in the age of enlightenment. Disponível
em: <http://www.bu.edu/wcp/Papers/Mode/ModeGiac.htm>. Acesso em: 19 abr. 2012.
VILLANOU, C. De la Paideia a la Bildung: hacia una Pedagogía Hermenéutica. Revista Por-
tuguesa de Educação, Minho, v. 14, n. 2, 2001. Disponível em: <http://redalyc.uaemex.
mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=37414210>. Acesso em: 19 abr. 2012

18. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1991.
CHAUÍ, M. Introdução à história da Filosofia: as filosofias helenísticas. São Paulo:
Schwarcz Ltda., 2010.
COAD, G. .  A philosophical inquiry into the development of the notion of Kalos Kagathos
from Homer to Aristotle (Master’s thesis). Fremantle: University of Notre Dame Australia,
Fremantle, 2006.
JAEGER, W. Cristianismo primitivo e Paideia grega. Lisboa: Edições 70, 2001.
______. Paidéia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
______. Early christianity and greek Paideia. Cambridge: Belkmap Press of Harvard
University Press, 1961.
KANT, I. O que é ilustração. Apud RÉGIS, C. A. Kant, a liberdade, o indivíduo e a república.
In: WEFFORT, F. (Org.). Os clássicos da política. São Paulo: Ática, 2001. v. 2.
MORA, J. F. Dicionário de Filosofia. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1970.
ONIGA, R. Humanitas. In: Contro la post-religione: per un nuovo umanesimo cristiano.
Verona: Fede & Cultura, 2009.
PLATÃO. Apologia de Sócrates. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores).
______. Diálogos. (O Banquete. Fédon. Sofista. Político.) São Paulo: Nova Cultural, 1991.
(Coleção Os Pensadores).
______. Defesa de Sócrates. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. (Coleção Os
Pensadores, Sócrates).
______. A República. São Paulo: Abril Cultural, 1972.
______. Górgias. Tradução de Jaime Bruna. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
______. Fedro. Cartas. Primeiro Alcebíades. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém:
UFPA, 1986. (Coleção Amazônica. Série Faria Brito).
PONCE, A. Educação e luta de classes. São Paulo: Cortez, 1986.
REALE, G. Para uma nova interpretação de Platão. São Paulo: Loyola, 1997.
VERNANT, J.-P. Mito e tragédia na Grécia antiga. São Paulo: Perspectiva, 2005.
______. Mito e pensamento entre os gregos. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
VILLAGRA DIEZ, P. Diálogo, justicia y educación. La paideia socrático-platônica frente a la
educación sofista en el Gorgias. Synthesis: La Plata, 2002. v. 9.

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EAD
Análise crítica da Paideia
clássica e sua importância
na contemporanei-
dade 5
1. OBJETIVOS
• Refletir sobre algumas considerações críticas referentes
à Paideia.
• Analisar alguns dos principais problemas contemporâne-
os e suas reverberações no aspecto educativo.
• Compreender a importância dos ideais da Paideia para
pensarmos novas propostas educativas diante dos desa-
fios atuais.

2. CONTEÚDOS
• A crítica de Nietzsche à Paideia socrático-platônica.
• Os riscos do etnocentrismo presentes nos ideais da Pai-
deia segundo Jacques Derrida.
• A distância existente entre o ideal de Paideia e a realidade.
162 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

• A indústria cultural e a razão instrumental segundo a Es-


cola de Frankfurt.
• A contribuição da Paideia para uma ressignificação da
Educação na atualidade.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Nesta unidade, vamos adotar caminhos novos em nossas
reflexões. Em razão disso, necessitamos de seu olhar atento para
que perceba as sutilezas dessa mudança:
1) Um aspecto que consideramos crucial presente nesta
unidade refere-se ao exercício do contraditório, ou seja,
à apresentação de argumentos que visam combater as
ideias que, até então, estávamos defendendo.
2) Consideramos importante que você se detenha esse as-
pecto, pois ele será de suma importância para sua for-
mação filosófica ao longo deste curso. Você verá que a
Filosofia se assenta em um constante ir e vir de ideias,
um olhar sempre diferente para as mesmas realidades
ou possibilidades de realidade.
3) Outro aspecto que merece a sua reflexão cuidadosa se
refere ao exercício da Filosofia como desveladora de re-
alidades. Por meio dele, tentaremos demonstrar a você
que a força de uma ideia produzida por um filósofo ou
por uma corrente filosófica pode mudar completamente
a forma como vemos a realidade ou ainda como nos en-
contramos diante dessa mesma realidade.
4) Algumas leituras presentes nesta unidade merecem es-
pecialmente sua atenção. Dentre elas, citamos a já clás-
sica obra de Adorno e Horkheimer intitulada Dialética
do Esclarecimento. Essa obra carrega consigo certa com-
plexidade, pois dialoga com autores e propostas que cer-
tamente merecem ser vencidas, dada a profundidade de
questões nela existentes.
5) Também consideramos importante que você leia o texto
O que é ilustração, de Immanuel Kant. Nele, você encon-
trará conceitos subjacentes nas várias argumentações
© U5 - Análise crítica da Paideia clássica e sua importância na contemporaneidade 163

que lhe apresentaremos, sobretudo vinculadas ao con-


ceito de autonomia e heteronomia. Além disso, ele é de
suma importância para você analisar alguns dos ideais
presentes no chamado "Iluminismo" e nas propostas de
emancipação que serão apresentadas por um dos auto-
res que estudaremos nesta unidade.
6) Por fim, consideramos importante que você faça um re-
sumo de tudo o que viu até agora e verifique como os
elementos apresentados até então podem ser importan-
tes para a criação de uma nova proposta de homem e de
humanidade.
7) Alguns filmes retratam um pouco o momento em que
vivemos. Nos filmes que indicamos a seguir, procure ob-
servar os desafios da construção de uma nova Paideia na
contemporaneidade:
a) 1,99: um supermercado que vende palavras (Dra-
ma). Direção: Marcelo Masagão, Brasil, 2003.
b) Nós que aqui estamos por vós esperamos (Docu-
mentário). Direção: Marcelo Masagão, Brasil, 1998.
c) Capitalismo: uma história de amor (Documentário).
Direção: Michael Moore, EUA, 2009.
d) A Onda (Drama). Direção: Dennis Gansel, Alemanha,
2008.
e) Entre os muros da escola (Drama). Direção: Laurent
Cantet, França, 2007.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, analisamos as contribuições socrático-
-platônicas para o desenvolvimento da Paideia e alguns desdo-
bramentos que aconteceram ao longo do tempo manifestados na
chamada Paideia Christi e o no conceito de Bildung.
Nesta unidade, examinaremos algumas considerações críti-
cas fornecidas sobre o conceito de Paideia, os problemas educa-
tivos contemporâneos e a importância das propostas oriundas da
Paideia para pensarmos a possibilidade de uma mudança positiva
em relação a esses mesmos problemas.

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164 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Consideramos importante refletir sobre a conduta que ado-


tamos neste momento. Como você pôde perceber, ao longo das
unidades anteriores fizemos uso de uma estratégia que se caracte-
rizou por uma verdadeira apologia à Paideia grega. Neste momen-
to, buscaremos inicialmente criticar alguns dos aspectos envolvi-
dos nessa mesma Paideia.
A princípio, tal atitude poderia vir a parecer paradoxal. No
entanto, consideramos que nela existiria aquilo que de fato nos
anima, ou seja, a amizade pelo saber. Acreditamos que a adesão
irrestrita a uma ideia ou a um conceito acabaria por nos afastar do
ideário grego ao invés de nos aproximar dele.
Em razão disso, vamos lhe apresentar algumas reflexões crí-
ticas sobre a Paideia para que você possa verificar os vários ângu-
los sob os quais podemos tratar um mesmo problema e, por fim,
ilustraremos algumas das possíveis contribuições da Paideia para
pensarmos os problemas contemporâneos.
Para começarmos nosso intento, que tal a analisar as con-
siderações críticas apresentadas pelo filósofo Friedrich Nietzsche
(1844-1900) em relação à Paideia socrático-platônica?

5. UMA NOVA PROPOSTA DE ARETÉ


Nietzsche foi um dos maiores adversários da proposta de
Paideia socrático-platônica. Inicialmente poderíamos dizer que,
para Nietzsche, houve uma ruptura entre as forças do apolíneo-
-racional e do dionisíaco-irracional, comprometendo, assim, a con-
cepção trágica do mundo.
Caso você queira conhecer um pouco mais sobre esse autor,
existe uma obra recente sobre Nietzsche, do Prof. Rogério Miranda
de Almeida, intitulada Nietzsche e o paradoxo. Publicada original-
mente em francês e traduzida para o português pelo próprio autor,
já conta, também, com uma tradução para o inglês. Há nessa obra
a originalidade da análise de textos póstumos do filósofo alemão
que até então não foram publicados.
© U5 - Análise crítica da Paideia clássica e sua importância na contemporaneidade 165

Mas, voltemos à questão: o que significa "tragédia"?

Conceito de tragédia
Para que possamos iniciar nosso diálogo sobre o conceito
de tragédia, é necessário que constatemos a necessidade de ou-
tra empreitada intelectual. Deveríamos passar obrigatoriamente
pela leitura e pelo exame das obras de um dos mais importantes
helenistas de nosso tempo, Jean-Pierre Vernant. A leitura de Mito
e tragédia na Grécia antiga e de Mito e pensamento entre os gre-
gos seriam, portanto, indispensáveis (veja referência completa nas
Referências bibliográficas). No entanto, sem perder de vista sua
importância, voltemos às ideias de Jaeger sobre as razões que le-
varam Nietzsche a combater as ideias socráticas.
A crítica de Nietzsche parte, digamos assim, da "indissolubi-
lidade" entre o ideal socrático e o ideal cristão, mais precisamente
do humanismo escolástico que Sócrates representa.
Quando nos referimos à relação ou ao conceito apolíneo-
-dionisíaco, pode-se afirmar que não havia, para os gregos, na-
quele período, distinção ou dualismo entre corpo e alma. Esses
elementos eram uma e a mesma coisa.
Eis o que a tragédia representa: a harmonia entre esses dois
elementos. Podemos nos lembrar, por exemplo, das peças de Só-
focles, tais como Édipo Rei, Antígona e outras em que os heróis
não têm solução para o drama vivido diante das novas demandas
da sociedade ou da comunidade em processo de democratização.
Eles permanecem entre o que a lei instaurada pelo poder político
prescreve em termos de comportamento e o que diz sua lei inte-
rior, sua consciência moral. O que fazer?
Ainda hoje, vivemos o trágico. Não há lei que diga como de-
vemos agir ou nos comportar em determinadas situações.
Um homem deve escolher entre salvar a vida de seu filho ou
seguir a lei? Parece-nos óbvia a resposta, mas não é tão simples

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166 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

assim. E o que dizer do conflito entre as gerações, entre o velho e


o novo?
Pensemos! Há muito de trágico em nossas vidas e isso não se
refere somente à questão de ter ou não ter dinheiro.
Eis uma citação importante para que nos aproximemos do
significado de tragédia segundo Vernant (2005, p. 1):
Gênero literário original, possuidor de regras e características pró-
prias, a tragédia instaura, no sistema das festas públicas da cidade,
um novo tipo de espetáculo; além disso, como forma de expressão
específica, traduz aspectos da experiência humana até então des-
percebidos; marca uma etapa da formação do homem interior, do
homem como sujeito responsável.

O que é intrigante, logo no início de suas reflexões sobre esse


sábio ateniense, é a afirmação de Jaeger (1995, p. 493): "Sócrates
torna-se o guia de todo o Iluminismo e de toda a filosofia moderna".
Algumas considerações sobre Sócrates e o cristianismo
Segundo Jaeger, houve uma simbiose entre o conteúdo da
religião cristã e o ideal do homem grego. Assim como, no início de
sua difusão, o cristianismo apropriou-se de ritos pagãos para ser
aceito, da mesma forma, no debate com a ideia clássica do homem
e de Deus, prevaleceram as contribuições filosóficas dos gregos
que lhe davam sustentação racional. Daí vem a confiança na razão
humana e nas leis naturais inerentes às próprias coisas.
Tomemos como exemplo o Novo Testamento, que foi tradu-
zido, originalmente, do hebraico para o grego. E lembremo-nos,
também, do apóstolo Paulo, que tinha dupla cidadania (grega e
romana).
Vemos a potencialização e a radicalização do platonismo, da
dicotomia corpo-alma, do intelectualismo, do elemento ex machina
(vide as peças de Eurípedes). A primazia do apolíneo-racional. Esse
processo pode ser descrito como moralizador ou moralizante (e essa
é uma das características mais evidentes em Sócrates), racionalizando
a concepção trágica do mundo.
© U5 - Análise crítica da Paideia clássica e sua importância na contemporaneidade 167

Essa é, segundo Jaeger, a razão de tanta hostilidade de


Nietzsche em relação a Sócrates. Isso será mais evidente se exami-
narmos a moral do senhor e do servo na obra do filósofo alemão:
Numa perambulação pelas muitas morais, as mais finas e as mais
grosseiras, que até agora dominaram e continuam dominando na
terra, encontrei certos traços que regularmente retornam juntos e
ligados entre si: até que finalmente se revelaram dois tipos básicos,
e uma diferença fundamental sobressaiu. Há uma moral dos sen-
hores e uma moral dos escravos(NIETZSCHE, 1992, p. 72).

E como se daria a diferença entre ambas? Para Nietzsche, a


moral dos senhores transitaria essencialmente por uma escala onde
os atos morais são analisados por suas boas ou más consequências
e, por outro lado, na moral do escravo, nossas ações acabariam
por ser analisadas por nossas boas ou más intenções. Há de se
dizer que a forma como Nietzsche orquestra seu entendimento de
moral é bem diferente da forma costumeira como o fazemos. Para
o pensador, o processo de formação da moral seria inseparável da
formação de uma determinada cultura.
Enquanto na moral do escravo temos valores como simpatia,
humildade e caridade, na moral do senhor, temos os valores de
orgulho, força, nobreza. Certamente, alguns desses valores foram
vistos por você ao longo deste CRC e isso não se deu por acaso:
Nietzsche busca resgatar o ideal de Areté anterior à proposta so-
crática manifestada, sobretudo, nos ideais da Areté homérica que
já estudamos. Vejamos, agora, mais uma consideração de Nietzsche
a respeito de Sócrates.
Enquanto, em todas as pessoas produtivas, o instinto é justamente
a força afirmativa criadora, e a consciência se conduz de maneira
crítica e dissuasora, em Sócrates é o instinto que se converte em
crítico, a consciência em criador – uma verdadeira monstruosidade
per defectum! E na verdade percebemos aí um monstruoso
defectus de toda disposição mística, de modo que se poderia
considerar Sócrates como o específico não místico, no qual, por
superfetação, a natureza lógica se desenvolvesse tão excessiva
quanto no místico a sabedoria instintiva (NIETZSCHE, 1992, p. 86).

Após essa consideração crítica oferecida por Nietzsche, va-


mos agora lidar com outro pensador que abordou alguns dos pro-
blemas presentes no ideal de Paideia.

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168 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

6. AS CRÍTICAS DA PAIDEIA REALIZADAS POR


JACQUES DERRIDA
Após a análise de algumas das considerações apresentadas
por Nietzsche, iremos agora debater com você outras considera-
ções críticas produzidas em relação à Paideia pelo pensador fran-
cês Jacques Derrida (1930-2004).
Inicialmente, podemos lhe dizer que Derrida se insere na
manifestação filosófica tida como mais recente em relação ao mo-
mento histórico em que vivemos. Derrida é considerado como um
dos manifestantes da Filosofia pós-moderna, ou ainda, como pós-
-estruturalista.
E o que podemos dizer em relação às posições desse pen-
sador? De modo geral, Derrida realiza uma crítica aos valores que
iniciam a proposta de Paideia e aos autores que a implementam,
pois, para ele, esses aspectos carregam consigo fortes elementos
etnocêntricos que, além disso, são alicerçados em valores caracte-
risticamente masculinos. Para começarmos a tratar de suas consi-
derações, veremos, agora, as considerações produzidas por Borody
(2012, [s/p]):
Uma interessante volte-face da excessiva idealização zelosa do he-
lenocentrismo é encontrada nos escritos de Jacques Derrida no úl-
timo período dos anos sessenta e início dos anos 70, escritos que
anatematiza o falogocentrismo da tradição grega inicial. Mais que
idealizar "a natureza espiritual e intelectual" da Paidéia grega como
Jaeger tentou nos anos trinta. Derrida denunciou isto nos anos 60 e
70 como "phallogocentrica".

Como se percebe, alguns conceitos apresentados necessi-


tam de melhores esclarecimentos. No entanto, antes de nos dedi-
carmos a eles, convém terminarmos este primeiro momento intro-
dutório, apresentando as estratégias que Derrida utilizará para sua
crítica à Paideia – crítica que, segundo Barody (2011), se alicerça-
ria em duas estratégias argumentativas.
© U5 - Análise crítica da Paideia clássica e sua importância na contemporaneidade 169

A primeira seria a epistemológica, que afirma que a Paideia


se assentaria naquilo que Derrida intitula de "logocentrismo", ou
seja, a ênfase estaria no uso e na afirmação do logos grego. Quan-
to à segunda, ela se refere à argumentação de que a proposta de
Paideia seria generológica, ou seja, ela se assenta em um determi-
nado gênero para se sustentar.
Diante dessas considerações, vamos agora lidar com o sig-
nificado desses conceitos e, para tanto, vejamos o conceito de lo-
gocentrismo. Para Derrida (2006, p. 98): "O logocentrismo é uma
metafísica etnocêntrica, num sentido original e não relativista.
Está ligado à história do Ocidente". Dito de outro modo, podemos
dizer que:
A história do Ocidente seria uma sucessão de centros inques-
tionáveis, como Deus, homem, consciência, transcendência, eu,
verdade, noções responsáveis pela idéia de centro unificador do
mundo. A esse pensamento essencialista e transcendental Derrida
chama de "logocentrismo". Derrida coloca-se contra a concepção
logocêntrica do pensamento metafísico. Para ele, o valor do cen-
tro é sempre afirmado pelo não valor de seu oposto: Deus/diabo,
homem/mulher, natureza/ cultura, fala/escrita, espírito/corpo, in-
teligível/sensível etc. (TEIXEIRA, 1998, p. 35).

Dos elementos apresentados, é possível concluir que o logo-


centrismo acaba por gerar um processo de hierarquização, ou seja,
existiria um elemento que é superior ao outro e isso é um tanto
quanto perigoso sob o aspecto filosófico, pois de antemão caberia
ao outro se adaptar aos meus valores e ideais e nesse processo
não existiria discussão ou mesmo debate de ideias.
Além disso, há de se destacar, também, que nesse processo
logocêntrico gera uma relação de poder, pois o detentor do ele-
mento mais valoroso coloca-se acima daquele que não possui es-
ses valores, não abrindo possibilidade para outras formas de aná-
lise da realidade, do bem, da verdade etc.
Por meio dessa análise, podemos perceber por que Derrida
associa o logocentrismo ao etnocentrismo – é etnocêntrico todo
comportamento que tende a analisar e medir os grupos culturais

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170 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

existentes na sociedade a partir dos valores e elementos culturais


tidos como importantes por determinado grupo cultural ou étnico.
Por fim, cabe agora lidarmos com a segunda estratégia ar-
gumentativa citada por Barody, a qual se refere ao aspecto gene-
rológico. Para Derrida, o discurso de poder existente na defesa do
logos apoia-se em uma relação hierárquica de gêneros, ou seja, na
superioridade do homem sobre a mulher. Para que você possa per-
ceber como se operaria essa relação, vejamos como Derrida (apud
RODRIGUES, 2011, p. 53-54) analisa esse processo:
Inicialmente uma casa, um domicílio, um endereço, a residência
dos magistrados superiores, os arcontes, aqueles que comanda-
vam. Aos cidadãos que detinham e assim denotavam o poder polí-
tico reconhecia-se o direito de fazer ou representar a lei. Levada em
conta sua autoridade publicamente reconhecida, era em seu lar,
nesse lugar que era a casa deles (casa particular, casa de família ou
casa funcional) que se depositavam os documentos oficiais. Os ar-
contes foram os seus primeiros guardiões. Não eram responsáveis
apenas pela segurança física do depósito e do suporte. Cabiam-
-lhes também o direito e a competência hermenêuticos. Tinham o
poder de interpretar os arquivos. Depositados sob a guarda desses
arcontes, esses documentos diziam, de fato, a lei: eles evocavam a
lei e convocavam à lei. Para serem assim guardados, na jurisdição
desse dizer a lei eram necessários ao mesmo tempo um guardião
e uma localização.

Como se percebe, era atribuída a determinadas pessoas a


função de detenção do conhecimento. Essas pessoas guardavam o
conhecimento e tinham também a posse e o poder advindos desse
conhecimento. Tais pessoas eram sempre homens:
[...] os poderes que se articulam nas mãos dos arcontes – guardar,
interpretar, reunir – são poderes de dar sentido, de dizer a verdade,
poderes ligados à autoridade de quem diz, autoridade da qual de-
pende uma garantia de correção do pensamento. Esse ideal de ver-
dade que aparece na Grécia – homens proprietários que detinham
a guarda dos arquivos – seria assentado numa estrutura falocên-
trica cuja origem é patriarcal (RODRIGUES, 2011, p. 54).

A partir desses elementos, torna-se possível lidarmos com


um conceito que apresentamos logo no início da contextualização
das ideias de Derrida. Referimo-nos ao conceito de falogocentris-
© U5 - Análise crítica da Paideia clássica e sua importância na contemporaneidade 171

mo. Para o pensador francês, a Paideia grega assenta-se no poder


do homem (falocentrismo) e no poder do logos racional (logocen-
trismo), e, a partir da união desses dois elementos, temos o neolo-
gismo "falogocentrismo".
E quais são as consequências dessa postura falogocêntrica?
Apoiando-nos, ainda, na análise das ideias de Derrida realizadas
por Barody (2011), podemos dizer que essa conduta acabaria por
levar a uma radical hegemonia de determinadas formas de pensa-
mento e, além disso, a um profundo desrespeito à possibilidade de
exercício da alteridade.
Para concluirmos esses contrapontos críticos, há de se dizer
que houveram respostas para as considerações ora apresentadas,
entre elas algumas considerações de Werner Jaeger a respeito das
conclusões de Nietzsche ou ainda o próprio texto de Barody.
Consideramos que, para as pretensões deste material, não
é necessário que nos aprofundemos mais nesse debate, mas que
deixemos destacado que toda e qualquer ideia ou valor sofreu,
sofre ou sofrerá questionamentos, pois a essência da Filosofia ma-
nifesta-se, sobretudo, no levantamento de questionamentos em
detrimento da opção segura e perigosa do assentamento em um
porto seguro de respostas.

7. DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS PARA UMA NOVA


PROPOSTA DE PAIDEIA
Após a apresentação de alguns contrapontos críticos relati-
vos à Paideia, buscaremos agora apresentar o tema que fechará
as discussões e informações que temos visto até este momento.
Para situar esse último tema na estrutura que montamos quando
da construção deste CRC, convém fazermos um breve relato expli-
cativo do que já vimos.
Inicialmente, mostramos a você o início do ideal de Paideia
presente nos escritos de Homero e Hesíodo, intentando, sobretudo,

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172 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

fazer com que você percebesse as nuances presentes naquele mo-


mento histórico e a importância do surgimento do ideal de Paideia.
Em seguida, ilustramos alguns desdobramentos da Paideia, notada-
mente manifestada na forma sofista e socrático-platônica. Vimos,
também, alguns desdobramentos dessa evolução presentes na pro-
posta da Paideia Christi e na Bildung moderna.
Por fim, vimos algumas considerações críticas endereçadas
a Paideia socrático-platônica presentes nos textos de Nietzsche
e a Paideia, de modo geral, manifestada nas análises de Jacques
Derrida. Agora, buscaremos apresentar a você alguns problemas
contemporâneos existentes em nossa sociedade e qual seria a
importância dos ideais da Paideia para aventarmos uma possibilidade
de enfrentamento dos problemas que iremos analisar.
Cabe dizer que, ao pensarmos nessa estratégia pedagógica,
três elementos se apresentaram como importantes:
• O primeiro refere-se à possibilidade de que você possa
perceber a importância da Filosofia como elemento des-
velador de realidades, ou seja, o quanto a reflexão filo-
sófica pode alargar ou mesmo desvelar aquilo que está
presente em nossas vidas e que, muitas vezes, somos in-
capazes de perceber.
• O segundo caracteriza-se pela convicção de que os ideais
presentes na Paideia grega possuem elementos a-históri-
cos, isto é, a importância desses ideais não se reduz a um
determinado momento vivido pelo povo grego na Grécia
antiga e podem ser utilizados e ser inspiradores de mu-
danças de atitudes, conceitos e valores que temos inclu-
sive no presente.
• O terceiro elemento refere-se à tentativa de demonstrar
o quanto a Filosofia e a Educação estão relacionadas e
o efeito positivo que essas duas esferas fornecem uma à
outra. Esse último aspecto busca de certa forma convidá-
-lo a nutrir o amor à sabedoria, buscando fazer com que
© U5 - Análise crítica da Paideia clássica e sua importância na contemporaneidade 173

você não se esqueça dos desafios e compromissos que


terá como futuro educador.
Dito isso, coloquemo-nos agora a analisar a sociedade atual
e seus desafios.

A sociedade atual
No decorrer do estudo deste CRC, alguns termos conceituais
foram citados, como: virtude, excelência, valores, nobreza, beleza
etc. Esses conceitos se referem a parâmetros ideais do ser humano
e serviriam para inspirar a formação de homens e, por extensão,
de sociedades. Mas, e no presente? Existiriam ideais a serem cons-
truídos e que nos inspiram? Haveria a presença de valores que nos
convidam a construir um modo de ser? Esse ato de construção se-
ria valoroso?
Para dar conta dessas questões, realizaremos, agora, uma
análise da sociedade atual e, para fazê-lo, tínhamos de selecionar
um dos muitos olhares filosóficos existentes sobre essa questão.
Em razão disso, optamos pela chamada "Escola de Frankfurt", que
deu origem à corrente denominada "Teoria Crítica". As razões des-
sa escolha são as mais variadas, mas, para exemplificar uma delas,
nós o convidamos a analisar conosco uma consideração apresen-
tada a respeito dessa corrente filosófica:
A escola de Frankfurt fornece rico material para a sociologia do
conhecimento, pois é um exemplo de como uma vez marginal escola
de pensamento ganhou ampla influência e cruzou os limites entre
as disciplinas, movimentos sociais, psicanálise, Marxismo e tradições
nacionais. Originalmente um grupo de especialistas marxista fundado
pelo filho de um rico milionário alemão, a escola de Frankfurt ajudou
a criar uma inovativa área filosoficamente orientada de modo radical
para a ciência social conhecida como teoria crítica. A Teoria Crítica
teve uma enorme influência após a década de 60 na vida intelectual,
e hoje é mais comumente associada com Theodor Adorno, Max
Horkheimer, Herbert Marcuse, Walter Benjamim e Jürgen Habermas
(McLAUGHLIN, 1999, p. 109).

Desses elementos apresentados, há de se dizer que não te-


mos por intenção nos aprofundarmos demasiadamente em seus

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174 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

autores e teorias, embora consideremos válidos e necessários es-


ses estudos adjacentes ao longo de sua caminhada na graduação.
Queremos, na verdade, mostrar a você como uma teoria filosófica
pode trazer informações importantes para a análise de nossa so-
ciedade e, a partir dessas informações, pensarmos juntos os desa-
fios e desdobramentos para a construção de um ideal de Paideia.
Em razão disso, apresentamos, a seguir, algumas das considera-
ções apresentadas por essa corrente filosófica sobre nossa socie-
dade atual.
A indústria cultural
A expressão "indústria cultural" é uma das mais caras para a
Teoria Crítica. Foi cunhada por Theodor Adorno e Max Horkheimer
em uma obra chamada Dialética do Esclarecimento. De modo geral,
podemos dizer que, para esses pensadores, com o advento do ca-
pitalismo acabou por surgir um modo de produção em massa. Ora,
o capitalista busca vender mais e mais os seus produtos e também
encontrar novas possibilidades e desejos de consumidores para
que possa ampliar suas possibilidades de venda ou ainda fabricar
artificialmente desejos e necessidades para que esses possam ser
transformados em produtos e, consequentemente, possam ser
vendidos.
Diante dessa necessidade, o capitalista acaba por produzir
e vender cultura, mas essa não é aquela cultura na qual estamos
habituados a pensar: na verdade, seria um arremedo de cultura,
pois toda a complexidade inerente a um objeto cultural é descar-
tada, busca-se fazer com que tenhamos um momento de entre-
tenimento, e esse momento não pode e não deve ser exercitado
de forma plena. Os produtos vêm e vão, um após o outro. Aquela
música lançada a cerca de seis meses e que fez tanto sucesso já foi
esquecida, pois é necessário que nos entretenhamos com outra e
compremos um novo produto.
Desejos reais que caracterizam o ser humano, tais como a
criatividade que transforma a nós e a nossa realidade, a liberda-
© U5 - Análise crítica da Paideia clássica e sua importância na contemporaneidade 175

de que nos anima a transcender nosso momento existencial ou


ainda a felicidade genuína advinda de nossa plena realização hu-
mana, são esquecidos. Na verdade, todos esses elementos que
se encontrariam em nós são transplantados para os produtos e
mercadorias. Somos condicionados a achar que ao comprar esse
ou aquele produto, automaticamente tomamos posse daquelas
necessidades humanas que nos animam. Esse processo acaba por
ser um processo ad infinitum, ou seja, compramos um produto,
buscando ter nele a satisfação de nossos desejos e, à medida que
não encontramos essa satisfação, novos produtos apresentam-se
para nosso olhar e para nossos desejos, com o intuito de realizar
tal satisfação.
Nesse sentido, vale lembrar um poema do poeta brasileiro
Vicente de Carvalho (1866-1924), que, ao seu modo, captou como
ninguém, a existência desse fenômeno:

Felicidade
Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada:
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,


Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,


Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos


Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
(CARVALHO apud GONÇALVES, 1995, p. 352).
Como se percebe no término do poema, o sonho idílico da
felicidade humana nunca se encontra no próprio homem, sempre
está fora dele e, consequentemente, nunca nos é dada a chance
ou a oportunidade de alcançá-la.

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176 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

A partir desses elementos, é possível analisar a presença da


indústria cultural na vida das pessoas. Pensemos em um aluno,
alguém que esteja se revoltando contra algumas injustiças da so-
ciedade. O que faz ele? Busca fortalecer-se e agir nessa sociedade,
buscando novos caminhos? Entender a situação em que vive e se
posicionar efetivamente contra ela? Não necessariamente. Quem
sabe ele poder vir a comprar roupas de determinada grife que se
caracterizam por produzir artigos que simulem os trajes utilizados
pelo movimento punk (ou outro grupo que venha a simbolizar uma
postura de questionamento) ou ainda alguma camiseta que tenha
estampada em cores fortes e chamativas a imagem de Che Gue-
vara e, assim, afirme o desejo de uma revolução que se apresenta
somente na camiseta. Como se percebe, a indústria cultural busca
tão somente produzir mercadorias que simulem ao seu possuidor
a impressão de que ele é aquilo que comprou.

Ernesto Che Guevara (1928-1967), mais conhecido como "Che",


foi um líder revolucionário marxista, participou de vários levantes
revolucionários. Com sua morte criou-se sobre ele uma espécie
de imagem mítica do herói revolucionário e, em razão disso, seu
nome e sua imagem tem sido usado constantemente como meio
de representação da contestação e de rebeldia.

A razão instrumental
A razão instrumental é outro conceito extremamente caro
a essa corrente de pensamento. Ele traz consigo uma série de pe-
culiaridades. Em razão de suas sutilezas, tomaremos a liberdade
de lhe apresentar uma citação um pouco longa de Curtis Bowman
(1997, [s/p]) sobre o tema. Dadas a clareza e a objetividade de
Bowman nesse excerto, consideramos importante que você tenha
acesso a ele na íntegra:
A forma dominante de razão em um mundo alienado, de acordo
com Horkheimer e Adorno, é o que eles rotineiramente chamam
razão instrumental. Esta é a capacidade para selecionar os meios
apropriados para nossos fins, o que quer que eles sejam. Isto é, nós
usamos a razão como um instrumento para nos guiar na obtenção
© U5 - Análise crítica da Paideia clássica e sua importância na contemporaneidade 177

de nossos fins. Para este tipo de razão Horkheimer e Adorno con-


trastam outra, uma do qual argumentam ser cada vez mais rara.
Esta passa por vários nomes, mais freqüentemente chamada de
razão objetiva. Este tipo de razão não é instrumental, não se refere
aos meios para nossos fins, mas se preocupa com os próprios fins.
Esta pergunta se nossos fins são racionais, se eles expressam nos-
sos mais profundos desejos e necessidades, se eles expressam nos-
so anseio pela liberdade. Horkheimer e Adorno afirmam que razão
objetiva foi prejudicada pelo Iluminismo, embora deva ser de fato
utilizada para promover a causa da iluminação. A razão instrumen-
tal se conforma simplesmente aos fins que nós adquirimos, dizen-
do-nos como possuí-los da forma mais efetiva. A razão objetiva nos
diz quais deveriam ser os nossos fins, e então esta diz-nos como
o mundo poderia ser, porque nós estamos a transformar o mun-
do de acordo com nossos fins racionais e, portanto, de como ele
é em como deve ser. Ao invés de empregar a razão objectiva para
descobrir o que nossos objetivos devem ser, Horkheimer e Adorno
afirmam que os nossos fins são geralmente impostos a nós de fora.
(Isto é o que Kant chamou heteronomia). Nós concordamos com
o que os outros nos dizem para pensar e agir, desistindo de nossa
independência e falhando para adquirir a autonomia.

Texto interessante, não? São muitas as informações contidas


nele e, em razão disso, vamos debater alguns dos conceitos que
ali aparecem. O primeiro refere-se à autonomia e à heteronomia.
É autônomo aquele que é causa de si mesmo, ou seja, dirige suas
ações a partir de sua própria opção racional e, por outro lado, é
heterônomo aquele que remete a outro a decisão dos caminhos
de sua própria vida.
E o que podemos dizer sobre a crítica ao Iluminismo? O
Iluminismo surgiu como um movimento que tinha como alicerce
básico a defesa do uso da razão como instrumento para "iluminar"
nossos caminhos, ou seja, para fazer com que saíssemos do obs-
curantismo ou dos fanatismos nos quais os seres humanos, muitas
vezes, adentram. No entanto, esse sonho iluminista na verdade
fracassou:
Contudo, a credulidade, a aversão à dúvida, a temeridade no res-
ponder, o vangloriar-se com o saber, a timidez no contradizer, o agir
por interesse, a preguiça nas investigações pessoais, o fetichismo
verbal, o deter-se em conhecimentos parciais: isto e coisas seme-
lhantes impediram um casamento feliz do entendimento humano

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com a natureza das coisas e o acasalaram, em vez disso, a conceitos


vãos e experimentos erráticos; o fruto e a posteridade de tão glo-
riosa união pode-se facilmente imaginar (ADORNO; HORKHEIMER,
1985, p. 19).

Dito de outro modo, o sonho iluminista da razão como ele-


mento emancipador do homem acabou por se transformar em
um elemento opressor, ou seja, as chaves para a saída da prisão
de nossos grilhões acabaram por se tornar os próprios grilhões.
E como se insere o conceito de razão instrumental nessa análise
proposta pelos frankfurtianos?
De certo modo, podemos dizer que na razão instrumental usa-
mos nossa razão de forma autônoma para pensarmos os meios para
atingirmos determinados fins e, por outro lado, agimos de forma
heterônoma, na medida em que não temos autonomia para analisar
os fins dessas mesmas ações. Segundo Adorno e Horkheimer, essa
razão instrumental está preenchendo mais e mais as nossas vidas e,
em razão disso, cada vez menos fazemos uso de nossa razão obje-
tiva.
Para ilustrar a presença da razão instrumental em nossas
vidas, meditemos sobre o nosso dia a dia. Estamos inseridos em
uma sociedade e ela estabelece padrões, condutas e valores que
nos guiam. Estão previamente definidos os modelos de homem ou
de mulher de sucesso, de boa ou de má sociedade, e nos pauta-
mos nesses padrões para tomarmos nossas decisões. Para darmos
conta da aproximação a esses padrões, tomamos uma série de ati-
tudes e fazemos diversos questionamentos. Apresentemos alguns
desses questionamentos apenas como exemplo: Quais empregos
deveremos ter? Como atingir sucesso nesse emprego? Devemos
ou não fazer uma faculdade? Quais seriam as nossas condutas na
faculdade para que atinjamos as metas que a sociedade nos apre-
senta?
Sempre que usamos nossa razão para resolver os desafios
que devem ser vencidos para que possamos atingir os fins, esta-
mos fazendo uso da razão instrumental.
© U5 - Análise crítica da Paideia clássica e sua importância na contemporaneidade 179

Outro exemplo corriqueiro presente em nossas vidas pode


ser dado quando nos dedicamos a possuir determinado bem ma-
terial. Nas sociedades capitalistas ocidentais, tem valor aquele que
possui capacidade e exerce essa mesma capacidade para adquirir
bens. Imaginemos que queremos comprar um automóvel. A par-
tir dessa finalidade, dedicamos-nos a realizar estratégias para esse
fim, passamos a economizar nosso dinheiro, acompanhar pela
mídia ou internet vários modelos, selecionamos o modelo e es-
tabelecemos ações para, finalmente, adquirir o automóvel. Nesse
exercício, nossa razão está a pleno vapor e nos dá possibilidades
de caminhos para atingir nosso intento: ela é um instrumento para
isso.
Por outro lado, se em determinado momento começásse-
mos a pensar se o ideal de uma vida é a posse e a capacidade de
apropriação de bens, ou em quais as consequências desse exercí-
cio de consumo sem fim para nós, em nossa condição de seres hu-
manos, e para a humanidade ou o planeta, ou ainda que homem
e sociedade eu desejo ser ou ter, começaríamos paulatinamente
a deixar de usar a razão como mero instrumento e ela passaria a
dar um sentido teleológico, ou seja, um sentido de finalidade para
nossas ações, desejos e ideais.
Certamente, parecerá a você que é redundante o que vamos
dizer. Mas – convém que ressaltemos esse aspecto – os alunos que
estão inseridos nesta sociedade, dada a peculiaridade em que se
encontram; sujeitados em sua quase totalidade, nunca pensaram na
possibilidade de um exercício autônomo de criação de um telos. O
fim já está previamente definido e cabe a esses mesmos alunos es-
colherem essa ou aquela forma de vida previamente definida, mas
que nunca passou por sua análise pessoal. Nesse sentido, convém
apresentarmos a você uma consideração de outro frankfurtiano,
chamado Herbert Marcuse:
Sob o jugo de um todo repressivo, a liberdade pode ser transforma-
da em poderoso instrumento de dominação. O alcance da escolha
aberta ao indivíduo não é o fator decisivo para a determinação do
grau de liberdade humana, mas o que pode ser escolhido e o que é

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escolhido pelo indivíduo. O critério para a livre escolha jamais pode


ser absoluto, mas tampouco é inteiramente relativo. A eleição livre
dos senhores não abole os senhores ou os escravos. A livre esco-
lha entre ampla variedade de mercadorias e serviços não significa
liberdade se esses serviços e mercadorias sustêm os controles so-
ciais sobre uma vida de labuta e temor – isto é, se sustem alienação
(MARCUSE, 1973, p. 28, grifos nossos).

Pensemos na possibilidade de que a sociedade atual es-


tabelece previamente o que pode ser escolhido pelo indivíduo.
Ampliaram-se sobremaneira as possibilidades de escolha, mas a
finalidade dessa escolha não se apresenta para nós. Dito de outro
modo, você pode escolher se comprará um veículo dessa ou da-
quela marca, se optará por comprá-lo ou não, mas não escolherá
se é possível outra sociedade que não se baseie na construção de
necessidades e de consumo dessas necessidades.
As consequências dessa condição são inquietantes e, para
sensibilizá-lo a esse respeito, nós o convidamos a exercitar sua ra-
zão objetiva e pensar o que se segue: Qual é sociedade e qual é o
mundo que queremos? Qual é a sociedade, qual é o mundo que
temos? Por meio desse exercício, você perceberá os árduos desa-
fios que temos para não mais precisar eleger somente senhores.
A partir dessas considerações, vamos investigar as questões
aqui apresentadas, analisando nossa vida e nossa situação no
mundo a partir desses elementos. Esperamos que você perceba o
quanto uma ideia ou uma corrente filosófica pode vir a desvendar
e desvelar nossa realidade ou mesmo mudá-la. Além disso, deseja-
mos que perceba que, por meio dessa proposta de desvelamento,
você pode notar os desafios que temos diante de nós para a cons-
trução de um ideal de Paideia e mesmo a importância da recons-
trução deste ideal, o que discutiremos a seguir.

8. A IMPORTÂNCIA DE UMA NOVA PAIDEIA NA CON-


TEMPORANEIDADE
Como você pode perceber, a partir da análise precedente,
são muitos os desafios que temos a enfrentar em nossa socieda-
© U5 - Análise crítica da Paideia clássica e sua importância na contemporaneidade 181

de. Certamente, há de se pensar: a partir da existência de um ide-


al de Paideia no passado, reflitamos: o que temos no presente?
Será que nossa sociedade (professores e alunos) tem um ideal de
Excelência que os anime a construir esse ideal? Para problematizar
essa questão, vejamos a consideração a seguir, apresentada por
Leomar:
A Paidéia do presente, ainda que amorfa, se está definindo como
virtualização, como dissolução das referências clássicas em uma
espécie da babelização discursiva. O homem telemático que se
está configurando pelas redes de informação, estaria substituin-
do o homem moderno [...]. Pensamos que este individualista é o
homem global de hoje e que ele é somente uma face da moeda.
Também esta o outro, o marginalizado, o excluído, da técnica, do
consumo da arte e da ciência. Nos perguntamos como a Paidéia
poderia recuperá-lo. Por acaso não é este marginalizado da cultura
e da técnica, o que somente recebe os lixos da cultura e não uma
verdadeira formação? O homem da virtude, o virtuoso grego, hoje
esta deslocado pelo homem consumidor, que depende totalmente
da tecnologia, sem a qual não pode criar, produzir, pensar, fabricar,
e que tem alienado sua vida de objetos técnicos. Paradoxalmente é
com a técnica e o saber que o homem pode subtrair-se de qualquer
lógica de submissão (LEOMAR, 2009, p. 115).

Dos elementos apresentados por Leomar, há de se pensar


então: como sair dessa lógica de submissão, ou ainda, qual seria
um ideal de Paideia para resgatar nossa possibilidade de liberta-
ção e de construção autônoma do ser humano? Para lidarmos com
essa questão, pensamos em apresentar duas reflexões a respeito
do tema. A primeira baseia-se nas considerações de Adorno, e, a
segunda, manifesta-se em um movimento que surgiu nos Estados
Unidos e que busca, também, resgatar um ideal de Paideia.
Especificamente em Adorno, temos uma proposta de que a
educação venha a produzir no homem a possibilidade de eman-
cipação. Isso porque, para esse autor, somente o homem eman-
cipado poderia resistir a uma sociedade de massas que manipule
mentes e produz absurdos tais como, por exemplo, aqueles perpe-
trados na Segunda Guerra Mundial e que acabaram por produzir
Auschwitz.

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182 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

Para esse pensador, o caminho da Paideia contemporânea


passaria por uma educação que promova no indivíduo a autono-
mia, pois "O único poder efetivo contra o princípio de Auschwitz
seria autonomia, para usar a expressão kantiana; o poder para
a reflexão, a autodeterminação, a não participação" (ADORNO,
2011, [s/p]).
A segunda reflexão assenta-se nas ideias do filósofo e edu-
cador americano Mortimer Jerome Adler, criador da Proposta
Paideia, que se caracteriza por apresentar um conjunto de ideias
de cunho liberal de educação voltada para todas as crianças. Para
Adler, o sistema de Educação norte-americano seria antidemocrá-
tico e a ênfase naquilo que intitulou de treinamento vocacional
norte-americano acabaria por objetivar o treinamento de escravos
e não a formação de homens livres.
As ideias desse autor produziram uma grande reflexão nos
Estados Unidos a respeito dos caminhos da educação no país e
levou à criação do Centro Nacional Paideia, que busca divulgar e
implementar as ideias de Adler.
Quais seriam essas ideias? Vejamos a quem Adler dedica o
seu projeto para iniciarmos uma análise de suas ideias:
A Proposta Paidéia é endereçada para aqueles americanos mais
preocupados com o futuro de nossas escolas: Para as famílias que
acreditam que o declínio na qualidade da educação pública é peri-
gosa para o futuro de nossas crianças. Para professores preocupa-
dos que o aumento do tempo em manter a básica ordem na sala
de aula minam o verdadeiro negócio da escola: ensinar e aprender.
Para os conselheiros escolares preocupados pela mudança de cri-
anças da classe média e jovens para escolas particulares e paroqui-
ais [...]. Estas profundas e legítimas preocupações são abordados
pelo nosso propósito para a reforma do ensino público na América.
A reforma que procuramos é delineada para aumentar as opor-
tunidades de nossos jovens, as perspectivas de nossa economia,
e a viabilidade de nossas instituições democráticas. Isto pode ser
alcançado no nível da comunidade sem recorrer a um sistema edu-
cacional monolítico. Este deve ser, nas palavras de Lincoln, do povo
pelo povo e para o povo (ADLER, 1982, p. 12).
© U5 - Análise crítica da Paideia clássica e sua importância na contemporaneidade 183

Nota-se nesse excerto a ênfase que Adler coloca na recon-


quista da característica essencial da escola, ou seja, no ensinar e
no aprender. Pensemos: como esse e outros objetivos se realiza-
riam? Essa instituição formulou uma declaração de princípios que,
dada a sua pertinência para nossas questões, lhe será apresenta-
da a seguir, conforme princípios elencados por Billings e Roberts
(1997, p. 4-5):
1. Todas as crianças são capazes de aprender.
2. Portanto, todos eles merecem a mesma qualidade de ensino,
não apenas a mesma quantidade.
3. A qualidade do ensino a que têm direito é o que o mais sábio
dos pais desejaria para os seus próprios filhos seria, a melhor
educação para o melhor seria a melhor educação para todos.
4. Que a escolaridade naquilo que há de melhor é uma prepara-
ção para tornar-se educado no curso geral de toda uma vida, e
que devem ser julgados escolas em quão bem elas fornecem tal
preparação.
5. Que os três chamados para que a escolaridade deve preparar
todos os americanos são, (a) para ganhar uma vida decente, (b)
para ser um bom cidadão da nação e do mundo, e (c) para fazer
uma boa vida para si mesmo.
6. Que a causa primária de aprendizagem genuína é a atividade da
própria mente do aluno, às vezes com a ajuda de um professor
funcionando como uma causa secundária e cooperativa.
7. Que os três tipos de ensino que devem ocorrer em nossas esco-
las são o ensino de forma didática do assunto, treinamento que
produz as habilidades de aprendizagem e o questionamento
socrático em seminários de discussão.
8. Que os resultados destes três tipos de ensino deve ser (a) a
aquisição de conhecimento organizado, (b) a formação de há-
bitos de habilidade no uso da linguagem e matemática, e (c)
o crescimento da compreensão da mente de idéias básicas, e
questões;
9. Que o resultado de cada aquisição do estudante possa ser avali-
ado em termos se estas competências do estudante isolada-
mente estão sendo adquiridas e não somente relacionadas às
aquisições dos outros estudantes.
10. Que o diretor da escola não deve ser um mero administrador,
Mas sempre um professor líder que deveria estar cooperativa-
mente engajado com o grupo de professores da escola plane-

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184 © Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação

jando, reformando e reorganizando a escola como uma comu-


nidade educacional.
11. Que o diretor e os professores da escola deveriam eles mesmos
estar ativamente engajados na aprendizagem.
12. Que o desejo de continuar sua própria aprendizagem deveria
ser a primeira motivação daqueles que dedicam suas vidas na
profissão do ensino.

Como se vê, são muitas as questões presentes nesses princí-


pios e que merecem uma análise adequada. A princípio, pode pa-
recer que esse ou aquele princípio carrega consigo um viés conser-
vador, ou ainda, inadequado. No entanto, não se pode negar que
nele está presente a seleção de algumas excelências e a ênfase na
afirmação e na realização do ser humano, na concretização e na
dedicação na aquisição dessas excelências.
A receptividade desse projeto gerou acolhimento positi-
vo em algumas obras e considerações críticas em outras. Como
exemplo de acolhimento parcialmente positivo, citamos um artigo
publicado por David Gabbard e Karen A. Appleton que, amparados
por uma base filosófica marxista, concluem que:
Atualmente, em nossa visão, para os americanos "crescerem", eles
devem confrontar a dolorosa verdade que sua nação não é e nun-
ca foi uma sociedade democrática. A emancipação começa a par-
tir desta realização e nenhuma outra. E é desta realização que um
Projeto Democrático Paidéia deve começar é repensar Adler sem
rejeitar-lo totalmente (GABARD; APPLETON, 2005, [s/p]).

Por outro lado, temos em outro artigo publicado uma série


de críticas a esse projeto. Inicialmente, o autor realiza uma análise
das bases filosóficas do projeto e apresenta questionamentos em
relação a como eles são interpretados e, no fim do artigo, advoga
que:
A atitude do qual eu me queixo permeia o Paidéia: Estudantes são
trados como "mentes" a serem preenchidas igualmente com a
mesma qualidade material. Em nenhuma parte há uma considera-
ção apropriada das pessoas que eles são, na sua essencial liberdade
e infinita diversidade, central e instrumental em sua própria educa-
ção (NODDINGS, 2004, p. 170).
© U5 - Análise crítica da Paideia clássica e sua importância na contemporaneidade 185

Como se vê, as considerações de Noddings dão novos ele-


mentos para pensarmos o projeto proposto por Adler e seus se-
guidores e, certamente, deverão ser levadas em consideração na
criação de qualquer projeto com proposta semelhante.
Por fim, para finalizar essa reflexão, convidamos você a fazer
um passeio retrospectivo a respeito de tudo o que vimos até este
momento. Caminhe por termos como Areté, kalós, Agathós e ou-
tros tantos que discutimos juntos. Pense na possibilidade do res-
gate dos mesmos na contemporaneidade, realize simulações de
uso desses termos na construção do humano. Enfim, perceba que
a partir da construção de ideais alicerçados na filosofia grega se
construiu uma forma original de se pensar o homem, a sociedade
e a cultura por meio de uma proposta educativa.
Após o exercício dessa reflexão, é nossa esperança que você
se muna de energias redobradas, delineie o melhor de si e cons-
trua a sua Areté, a ser edificada ao longo de uma vida toda dedica-
da à construção da Paideia!

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Segundo Friedrich Nietzsche, a decadência ocidental começa, em especial,
com os ideais de Paideia apresentados:
a) no cristianismo;
b) por Descartes e seu racionalismo;
c) por Sócrates e Platão;
d) pelos sofistas e sua argumentação retórica;
e) nenhuma das anteriores.
2) Analise as considerações a seguir, referentes às ideias de Jacques Derrida, e
aponte a alternativa incorreta:
a) Para Jacques Derrida, a história ocidental é uma história alicerçada no
predomínio dos valores patriarcais masculinos e a consequente subjuga-
ção dos valores femininos.
b) Derrida apresenta uma crítica aos ideais da Paideia grega, pois, segundo
ele, nela estão presentes fortes características etnocêntricas.

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c) Derrida propõe que a história do Ocidente se alicerça na valorização do


logos e dos valores masculinos e essa valorização acaba por criar uma
estrutura de dominação a toda e qualquer possibilidade que se diferen-
cie destas.
d) Para o pensador francês, é necessário que a Paideia incorpore novos ele-
mentos aos já existentes e amplie a sua possibilidade de alcance.
e) Nenhuma das alternativas anteriores.
3) (UEL-2004) "O aumento da produtividade econômica, que por um lado pro-
duz as condições mais justas para um mundo mais justo, confere, por outro,
lado ao aparelho técnico e aos grupos sociais que o controlam uma superio-
ridade imensa sobre o resto da população. O indivíduo se vê completamente
anulado em face dos poderes econômicos. Ao mesmo tempo, estes elevam
o poder da sociedade sobre a natureza a um nível jamais imaginado. De-
saparecendo diante do aparelho a que serve, o indivíduo se vê, ao mesmo
tempo, melhor do que nunca provido por ele. Numa situação injusta, a im-
potência e a dirigibilidade da massa aumentam com a quantidade de bens a
ela destinados" (ADORNO; HORKHEIMER, 1997. p. 14).
De acordo com o texto de Adorno e Horkheimer, é correto afirmar:
a) A alta capacidade produtiva da sociedade garante liberdade e justiça
para seus membros, independentemente da forma como ela se estrutu-
ra, controlando ou não seus membros.
b) O "desaparecimento" do indivíduo diante do aparato econômico da so-
ciedade se deve à incapacidade dos próprios cidadãos em se integrarem
adequadamente ao mercado de trabalho.
c) A ciência e a técnica, independente de quem tem seu controle, são as
responsáveis pela circunstância de muitos estarem impossibilitados de
atingir o status de sujeito numa sociedade altamente produtiva.
d) O fato de a sociedade produzir muitos bens, valendo-se da ciência e da
técnica, poderia representar um grau maior de justiça para todos; no
entanto, ela anula o indivíduo em função do modo como está organizada
e como é exercido o poder.
e) O alto grau de autonomia das massas na sociedade capitalista contem-
porânea é resultado do avançado domínio tecnológico alcançado pelo
homem.
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4) (UFU-2005) Analise a figura a seguir:

Figura 1 Chaplin, em cena do filme Tempos modernos, de 1936.

Parece que enquanto o conhecimento técnico expande o horizonte


da atividade e do pensamento humanos, a autonomia do homem
enquanto indivíduo, a sua capacidade de opor resistência ao cres-
cente mecanismo de manipulação das massas, o seu poder de
imaginação e o seu juízo independente sofreram aparentemente
uma redução. O avanço dos recursos técnicos de informação se
acompanha de um processo de desumanização. Assim, o progresso
ameaça anular o que se supõe ser o seu próprio objetivo: a idéia de
homem (HORKHEIMER, 1976, p. 6).
Com base no texto, na imagem e em seus conhecimentos sobre racionalidade
instrumental, é correto afirmar:
a) A imagem de Chaplin está de acordo com a crítica de Horkheimer: ao
invés de o progresso e da técnica servirem ao homem, este se torna cada
vez mais escravo dos mecanismos criados para tornar a sua vida melhor
e mais livre.
b) A imagem e o texto remetem à ideia de que o desenvolvimento tecno-
lógico e o extraordinário progresso permitiram ao homem atingir a au-
tonomia plena.
c) Imagem e texto apresentam o conceito de racionalidade que está na es-
trutura da sociedade industrial com o viabilizador da emancipação do
homem em relação a todas as formas de opressão.

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d) Enquanto a imagem de Chaplin apresenta a autonomia dos trabalhado-


res nas sociedades contemporâneas, o texto de Horkheimer mostra que,
quanto maior o desenvolvimento tecnológico, maior o grau de humani-
zação.
e) Tanto a imagem quanto o texto enaltecem a inevitável instrumentaliza-
ção das relações humanas nas sociedades contemporâneas.
5) Dos princípios presentes no projeto Paideia de Mortimer Adler, analise as
afirmações a seguir e escolha a alternativa que apresenta as respostas cor-
retas em relação às ideias desse pensador.
I – A maioria das crianças é capaz de aprender.
II – Todas as crianças merecem a mesma qualidade de ensino, não apenas a
mesma quantidade.
III – A qualidade do ensino a que as crianças têm direito é o que o mais
sábio dos pais desejaria para os seus próprios filhos. A melhor Educação
para o melhor seria a melhor Educação para todos.
IV – A escolaridade naquilo que há de melhor é uma preparação para tor-
nar-se educado no curso geral de toda uma vida, e as escolas devem ser
julgadas em relação a quão bem elas fornecem tal preparação.
V – O diretor e, mais especialmente, os professores da escola, deveriam eles
mesmos estar ativamente engajados na aprendizagem.
Estão corretas:
a) Apenas II, III, e IV.
b) Apenas I, II e III.
c) Apenas III, IV, e V.
d) Apenas I, II, III e IV.
e) Apenas I, III, IV e V.

Gabarito
1) c.
2) d.
3) d.
4) e.
5) a.

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Encerramos nossa viagem ao longo da análise do surgimen-
to, da evolução, da modificação e dos desafios existentes em torno
do conceito de Paideia.
© U5 - Análise crítica da Paideia clássica e sua importância na contemporaneidade 189

Procuramos ao longo deste CRC apresentar a você o quan-


to esse conceito carrega de originalidade e importância para todo
aquele que percebe a importância das relações existentes entre
Filosofia e Educação.
Esperamos que as estratégias e objetivos delineados por nós
o tenham sensibilizado e inspirado a aprofundar seus estudos em
relação a esta temática.
Sabemos que muitos questionamentos advirão das conside-
rações aqui propostas e esperamos que tais questionamentos pos-
sam servir de inspiração e elemento motivador para seus estudos
posteriores.
Para finalizar este CRC, convém fazermos uso de um velho
adágio que diz que a palavra conduz pessoas e os exemplos arras-
tam multidões. Por meio desse adágio, esperamos que você possa
transformar os ideais da Paideia não somente em mais um con-
ceito que você adquiriu e que está lançado em suas memórias.
Esperamos que, além disso, ele possa inspirar você a desenvolver
dentro de si esses ideais, fazendo com que, mais que uma palavra,
esse conceito possa vir a ser uma atitude sua perante o mundo e
os desafios que esta vida lhe apresenta, inclusive em sua posição
de educador.

11. E-REFERÊNCIAS

Figura
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www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=181>. Acesso em: 19 abr. 2012.

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12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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