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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2018.0000533127

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº


4006638-67.2013.8.26.0602, da Comarca de Sorocaba, em que são apelantes
MARIALVA AMARAL CASSILLO BERNARDO e WILSON APARECIDO
BERNARDO SOARES DA SILVA, é apelado MRV ENGENHARIA E
PARTICIPAÇÕES S/A.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 31ª Câmara


Extraordinária de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a
seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o
voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores BERETTA DA


SILVEIRA (Presidente) e SALLES ROSSI.

São Paulo, 23 de julho de 2018.

Rosangela Telles
Relatora
Assinatura Eletrônica
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO Nº: 10885


APELAÇÃO Nº: 4006638-67.2013.8.26.0602
APELANTE: MARIALVA AMARAL CASSILLO BERNARDO E WILSON
APARECIDO BERNARDO CARDO SOARES DA SILVA
APELADA: MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S/A
COMARCA: SOROCABA
JUIZ: MARCIO FERRAZ NUNES

APELAÇÃO. COMPROMISSO DE COMPRA E


VENDA. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL.
PRELIMINAR DE NULIDADE. Ausência de
fundamentos para o pedido de anulação. Error in
procedendo não apontado. Apelantes que pretendem, na
verdade, a reforma da decisão. MÉRITO. Pretensão de
efetuar pagamento da parcela faltante, em desconformidade
com o que fora pactuado. Inadmissível o reconhecimento do
adimplemento substancial, uma vez que quitado pouco mais
de 50% do preço ajustado. Demanda ajuizada 5 anos após o
último pagamento realizado. Sentença mantida. RECURSO
NÃO PROVIDO.

Trata-se de apelação interposta contra a r. sentença de fls.


229/230 que, em ação de revisão contratual, julgou improcedente o pedido.

Inconformados, os apelantes buscam a anulação da sentença,


“proferida de forma conflitante com as normas vigentes que regem a matéria.”
Discorrem sobre a contratação e a alteração da forma de pagamento, alegando já
terem quitado mais da metade do preço ajustado. Dizem que tentaram celebrar
acordo com a apelada, visando ao pagamento do saldo devedor, porém, as
tentativas foram infrutíferas. Argumentam que têm direito a purgar a mora, revendo-
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se o contrato e eliminando pagamentos exigidos pela incorporadora. Pedem o


reconhecimento do adimplemento substancial de sua obrigação e a reforma da r.
sentença.

Recurso regularmente processado, com contrarrazões a fls.


278/290.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade recursal.

É o relatório.

Inicialmente, cumpre ressaltar que a r. sentença foi proferida sob


a égide do Código de Processo Civil de 1973. Quando da interposição deste
recurso, a Lei nº 13.105 de 2015 ainda não estava em vigor, de sorte que, em
atenção do princípio da irretroatividade (tempus regit actum), as disposições da
legislação revogada devem ser observadas quanto à admissibilidade o recurso.

PRELIMINAR DE NULIDADE

Os apelantes buscam a anulação da decisão aduzindo que a


sentença foi “proferida de forma conflitante com as normas vigentes que regem a
matéria”

Todavia, tal argumento nada mais é que mero inconformismo.


Fundamentam a pretensão em error in judicando, o que motivo para reforma e não
nulidade.

Oportuno consignar que além do inconformismo relativo ao


conteúdo da decisão, os recorrentes não apontaram error in procedendo capaz de
embasar o pedido anulatório, de modo que a objeção não prospera.

MÉRITO.
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Extrai-se dos autos que em 05/01/2007 as partes


compromissaram a compra e venda de unidade habitacional nº 33, do Residencial
Village Di Satore, em Sorocaba, Estado de São Paulo, por R$ 140.224,00.

Posteriormente, em 15/01/2008, as partes firmaram aditamento


(fls. 52/54), alterando a forma de pagamento. Quando ajuizaram a ação, os
apelantes haviam quitado R$ 80.779,00.

Assim, vieram a Juízo pedir o reconhecimento do adimplemento


substancial do contrato e a declaração de direito de purgação da mora, nos termos
delineados por eles.

Embora a inicial não seja clara, é possível concluir, por uma


interpretação sistemática, que os apelantes pretendem pagar o saldo devido
diretamente à alienante, em 10 prestações (item 9, fls. 5), alegando que todas as
tentativas amigáveis visando ao pagamento do saldo devedor foram infrutíferas.

Todavia, tanto no contrato original, como no aditamento, as partes


ajustaram que a parcela final seria paga à vista, podendo optar por financiamento
bancário.

Segundo o aditamento, a parcela deveria ser paga em 60 dias


após a averbação da certidão de baixa e habite-se do imóvel, e seria corrigida
mensalmente pelo INCC até assinatura do contrato de financiamento (cláusula
primeira, fls. 53).

A cláusula é legal, pois não contém qualquer abusividade, e


estabelece de forma clara e inequívoca que a parcela seria corrigida
monetariamente e deveria ser paga mediante financiamento, ou seja, de uma só
vez.

Portanto, uma vez que o credor tem direito a receber a prestação


no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer, não prospera a
pretensão dos apelantes, de pagamento parcelado da fração do preço ajustado.

Igualmente, em que pese a função social do contrato, o valor


pago pelos apelantes não permite que se reconheça o adimplemento substancial
da prestação.
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Pela teoria do adimplemento substancial, se admite o exercício


desse direito caso o devedor já tenha quitado parte significativa de seu débito,
prestigiando-se, assim, a boa-fé objetiva das partes, o princípio da
proporcionalidade e a função social do contrato, na forma do artigo 187, do Código
Civil.

Já reconheceu o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em voto


proferido pelo Ministro Massami Uyeda, que “se o saldo devedor for considerado
extremamente reduzido em relação à obrigação total, é perfeitamente aplicável a
teoria do adimplemento substancial, impedindo a resolução por parte do credor, em
favor da preservação do contrato” (AREsp 155.885).

Entretanto, no caso em apreço, inviável o reconhecimento do


adimplemento substancial, pois, em valores nominais, os apelantes pagaram pouco
mais da metade do preço, não se podendo dizer o saldo devedor é de pequena
significância, tal como exige a jurisprudência para o reconhecimento do instituto em
exame.

A propósito, a apelada apresentou planilha de pagamento datada


de 15.03.2013 (fls. 117) que, de certa forma, coincide com as informações
carreadas pelos apelantes. Por esse documento, verifica-se que os apelantes
desembolsaram um total de R$ 85.365,82, restando em aberto o pagamento de R$
64.272,96. O último pagamento foi realizado em 14.01.2008. Esta demanda fora
distribuída em 16.07.2013.

Absolutamente incabível o reconhecimento do adimplemento


substancial do contrato.

Esta Relatora, com base em entendimentos congêneres já


manifestados nesta E. Corte, entende que devem ter sido pagos, ao menos, mais
de 80% do valor total para que se reconheça o adimplemento substancial.

Confira-se, a propósito, precedente no mesmo sentido:


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AGRAVO DE INSTRUMENTO ARRENDAMENTO MERCANTIL AÇÃO


DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL
DO CONTRATO OCORRÊNCIA PAGAMENTO DE 80% DAS
PRESTAÇÕES CONVENCIONADAS REVOGAÇÃO DA LIMINAR
POSSESSÓRIA CABIMENTO PURGAÇÃO DA MORA E
APRESENTAÇÃO DE DEFESA POSSIBILIDADE. O adimplemento
substancial do contrato inviabiliza o deferimento de liminar possessória a
favor da arrendadora, pois tal medida se mostra excessivamente lesiva
ao devedor, em comparação ao total já pago. RECURSO DESPROVIDO,
COM DETERMINAÇÃO. (Agravo de Instrumento nº
2068682-17.2016.8.26.0000, Relator: ANTONIO NASCIMENTO;
Comarca: Jaboticabal; Órgão julgador: 26ª Câmara de Direito Privado;
Data do julgamento: 19/05/2016; Data de registro: 20/05/2016)

Destarte, afastada as teses apresentadas, cumpre manter a r.


sentença proferida pelo Juiz a quo, por estes e por seus próprios e jurídicos
fundamentos.

Recurso interposto sob a égide do CPC/1973, sendo descabida a


fixação de honorários recursais.

Alerto ser desnecessária a interposição de embargos de


declaração para fins de prequestionamento, na medida em que toda a matéria
questionada está automaticamente prequestionada.

Posto isso, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

ROSANGELA TELLES
Relatora

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