Você está na página 1de 9

4672

PATRIMONIALISMO NA EDUCAÇÃO EM ARAPIRACA NA DÉCADA DE 1950

Maria Aparecida de Farias1


Universidade Federal de Alagoas
Fundação Universidade Estadual de Alagoas

RESUMO

Este texto é parte do trabalho de pesquisa realizada no Mestrado em Educação Brasileira da


Universidade Federal de Alagoas, sob a orientação do Professor Dr. Elcio de Gusmão Verçosa,
líder do Grupo de Pesquisa “Caminhos da Educação em Alagoas”. Nossa intenção é analisar a
trajetória da história da educação em Alagoas, especificamente de Arapiraca na década de 1950,
discutindo a prática pedagógica que fora desenvolvida nas salas de aula, sob a ética paternalista-
cristã, influenciando, portanto, na formação daquela sociedade. Nas palavras de Hunt &
Sherman (1994) a ética paternalista cristã admitia a divisão hierárquica da sociedade em que a
classe minoritária vivia à custa da exploração das camadas inferiores ao mesmo tempo que se
sentia na obrigação de proteger e zelar pela sorte dos pobres. Com base na história de vida de
antigos moradores daquele município e através de análises documentais, procuraremos
demonstrar que as ações educativas realizadas no período investigado foram decisivas na
construção de concepções que confluíram para interesses da elite. Nossa proposta é explicar a
construção de uma sociedade caracterizada pelo patrimonialismo, em que prevalecem o
clientelismo, o compadrio e o “familismo” ou a cultura da apropriação do público pelo privado.
Na sociedade arapiraquense, o povo se encontrava inteiramente integrado à política do
favorecimento, numa relação de quase identidade entre provedor e protetor. Portanto, a
educação estava relegada aos desígnios das oligarquias que prevaleciam em Alagoas e,
conseqüentemente, em Arapiraca. No segundo momento, abordaremos antecedentes históricos
do município, os movimentos políticos e as mudanças no setor educacional, que ocorriam no
plano nacional, entre as décadas de 1920 e 1930, as quais repercutiam não só em Arapiraca
como em todo o estado de Alagoas, a reboque dos interesses oligárquicos. Com a revolução de
1930, movimento que procurou reforçar o poder sem se desvincular, entretanto, das forças
tradicionais, o estado de Alagoas manteve o poder oligárquico canavieiro, sem permitir que as
forças políticas do sertão perdessem o predomínio da região. Em Arapiraca, podemos perceber
que os grupos dominantes que se encontravam no comando permaneceram no poder mesmo
após a revolução. Na década de 40 houve um certo avanço na cidade com a criação da primeira
escola pública estadual, embora as mudanças se consolidassem apenas na década seguinte,
influenciadas pelo crescimento econômico gerado pela cultura fumageira responsável pelo
estabelecimento de novas relações de trabalho. O avanço educacional aliado ao
desenvolvimento econômico colaborou, de certa forma, com a alternância de poder na liderança
do município, apesar de permanecer a centralização das forças políticas e coercitivas. A própria
organização social do município, representada pela elite econômica, política e intelectual,
apontava para uma exclusão sistemática das demais camadas. Isto justificava a ausência de
interesse, municipal e estadual, por uma educação que atendesse a maioria da população. As
poucas escolas existentes praticavam o ensino dentro de uma pedagogia de cunho tradicional e
conservadora, bem à moda da época. Esse tipo de ensino assegurava ao aluno concluir a 4ª série
proporcionando apenas às classes mais favorecidas buscarem a continuidade de seus estudos nas
diversas capitais, destacando-se Maceió, Recife e Salvador. Por fim, trataremos da relação entre
o progresso econômico e as concepções éticas e morais que prevaleceram na década de 50 e sua
influência na estrutura política e os desdobramentos na organização educacional daquele
município. Neste período vão surgir novas escolas, inclusive escolas particulares consideradas
capazes de atender às expectativas dos “novos ricos”.
4673

TRABALHO COMPLETO

Introdução

Este trabalho apresenta uma análise da trajetória da história da educação na cidade de


Arapiraca/Alagoas, enfatizando a ética paternalista cristã que era assimilada na ação pedagógica
desenvolvida no processo de escolarização, contribuindo com a constituição daquela sociedade.
Para análise do fenômeno que nos propomos discutir, o Patrimonialismo na educação
em Arapiraca, demonstramos o que Weber define como autoridade tradicional, patriarcalismo e
patrimonialismo e a sua relação com a educação. “A dominação patriarcal (do pai de família, do
chefe da parentela ou do ‘soberano’) não é senão o tipo mais puro da dominação tradicional”
(WEBER, 2001, parte 2, p. 353). Para o autor o tipo mais puro de dominação tradicional é o
patriarcal em que o senhor é “santificado”e respeitado pelos súditos que lhe conferem
fidelidade. Por outro lado, considera esse tipo de dominação como legítima por sempre ter
existido e ser aceita pela sociedade.
Vê-se que, a concepção de dominação weberiana aponta para uma visão em que essa
legitimidade, apesar de centrada na tradição que não pode ser violada, é, de uma forma ou de
outra, suplantada pela figura do patriarca cuja sabedoria lhe é atribuída. Este, tendo em vista a
fidelidade que lhe é prestada passa a usar de poderes inquestionáveis pelos demais membros do
grupo. Organiza o poder político e escolhe as pessoas que deverão ocupar os cargos
administrativos através de critérios estabelecidos pela relação de confiança, de amizade e
interesses pessoais. Essas concepções vão contribuir para análises, numa perspectiva
neopatrimonial, do Brasil, de Alagoas e consequentemente de Arapiraca, principalmente a partir
da década de 50.
A herança patrimonialista ibérica no Brasil ultrapassa os primórdios coloniais e permeia
os períodos imperial e republicano, chegando aos dias atuais. As relações patrimonialistas
fortaleceram-se na sociedade brasileira com a chegada da Corte Portuguesa, que se estabeleceu
no Brasil, comprometendo a história das Instituições com as concepções organicistas da vida
social e afirmando a racionalidade burocrática em detrimento da racional e legal. Dessa forma,
constituiu-se a estrutura patrimonial no Brasil e conseqüentemente em Alagoas e Arapiraca,
caracterizada pelo patriarcalismo, compadrio, familismo e, sobretudo, pelo coronelismo que se
manifesta numa troca de favores entre o governo do Estado e o chefe político local. Como
mediador na garantia dos interesses do povo, “o coronel utiliza seus poderes públicos para fins
particulares, mistura, não raro, a organização estatal e seu erário com os bens próprios”
(FAORO, 2000, v.1, p. 637).
Procuramos nesta discussão, apoiados numa bibliografia local, enfatizar como a ética
paternalista cristã permeava na prática pedagógica desenvolvida na educação da sociedade
arapiraquense desde o início de seu povoamento, influenciando no ensino que garantiu, de certo
modo, a formação daquele povo chegando a motivar algumas jovens a ingressar na vida
religiosa, optando principalmente pela ordem franciscana no Convento de Salvador. “As
peculiaridades mentais e espirituais adquiridas no meio ambiente, especial do tipo de educação
favorecido pela atmosfera religiosa da família e do lar determinaram a escolha da ocupação e
por isso da carreira” (WEBER, 2005, p.39). A Igreja foi, portanto, a Instituição que teve papel
mais relevante na educação do povo arapiraquense, através da ação de padres oriundos das
famílias tradicionais daquele município.

O início do povoamento de Arapiraca e o processo de escolarização.

A história oficial de Arapiraca apregoa que seus povoadores eram todos alfabetizados,
sem levar em consideração os filhos de ex-escravos e de trabalhadores que, envolvidos no
cultivo da mandioca e mais tarde do fumo, ficaram excluídos do acesso ao ensino elementar.
Arapiraca tem como marco inicial de seu povoamento o ano de 1848 sendo seu fundador,
Manoel André, casado com a filha de Manoel da Silva Valente, um ex-soldado do exército
4674

português que aqui chegara, em companhia da família real, quando esta se transferiu para o
Brasil. Valente, atraído pela imensidão das terras brasileiras, decidiu abandonar a vida militar e
empenhar-se no desbravamento do sertão estabelecendo-se com toda a sua família em
Cacimbinhas, no semi-árido alagoano.
Manoel André fora recomendado por seu sogro a buscar terras propícias ao plantio da
mandioca para a fabricação da farinha, cuja procura aumentara significativamente no período
imperial. Este abandonou o sertão alagoano e seguiu para o agreste. Alcançando as terras onde
mais tarde ergueu-se o povoado de Arapiraca, abrigou-se à sombra de uma frondosa árvore,
denominada “arapiraca”2, próxima ao Riacho Seco, cujas águas constituíram-se no elemento
fundamental para o início do povoamento daquela localidade. Nas palavras de Guedes (1999) o
crescimento desse povoado torna-se notório muito rápido, logo após dez anos da construção da
primeira casa de taipa que pertenceu a Manoel André.
Com a morte de Manoel da Silva Valente (1875), seus herdeiros, que até então
permaneciam em Cacimbinhas, procuram ocupar suas terras, que constituíam o novo povoado
de Arapiraca. Os herdeiros de Valente se distribuíram em diversos sítios que circundavam o
“quadro”3 do povoado e desta forma as famílias foram se multiplicando, através de casamentos
entre parentes construindo-se numerosos núcleos familiares.

O entrelaçamento entre as famílias vai permitir o


controle de enormes extensões de terras, formando
assim o ‘clã parental’ que se vai desenvolvendo e
ampliando prestígio por todo território, dando a esses
grupos familiares dispostos em cada região, o poder
de decidir politicamente, de acordo com os seus
interesses particulares e convenientes de seus grupos
(ALMEIDA, 1999, p. 35-36).

Dessa forma, surgiram diversos sítios: Mocó, a Serra dos Ferreiras, Lagoa de Dentro, Baixa
Grande, o sítio Fernandes e outros de modo que cada sítio tinha seu chefe encarregado de
tomar as decisões políticas e econômicas capazes de promover o desenvolvimento do povo
daquela localidade.
O poder atribuído a esses chefes aliados ao líder local que residia no “quadro” do
povoado advinha da relação com as autoridades de S. João de Anadia e mais tarde de Limoeiro
de Anadia, a que pertencia Arapiraca. Entre esses poderes constituídos estava o
desenvolvimento do ensino que se concretizava dentro da ética paternalista cristã “centrada no
reconhecimento do pobre, de sua condição e do rico, de sua relação de cooperação, de ajuda...”
(HUNT; SHERMAN, 1994, p. 16). Para ser professor nos fins do Império não bastava saber
ler e escrever mas precisamente deveria dominar os fundamentos cristãos, era o predomínio dos
“rotulados professores e na quase totalidade ignorantíssimos” (COSTA, 2001, p. 43). No caso
de Arapiraca os professores recebiam orientação diretamente dos padres que também eram
oriundos das famílias tradicionais, mas residiam na cidade de Limoeiro, necessitando muitas
vezes esses professores residir certo tempo na casa paroquial para serem instruídos.
Aqueles que preenchessem tais requisitos eram solicitados para desenvolver o ensino
nas residências, ou melhor, nos diversos sítios atendendo a determinadas pessoas, no caso, as
mais favorecidas com condições de manter o professor, já que ele passaria a ser um membro da
família por algum tempo. Dessa forma percebemos que a maioria da população estava
impossibilitada de participar do processo de escolarização. Por outro lado, sabemos que esta
visão de desenvolvimento educacional era consoante com a visão propagada comumente no
Brasil em que “o processo educativo se desenvolve lentamente, mesmo com bruscas reformas”
(AZEVEDO, 2001, p. 63). O princípio da gratuidade da instrução pública firmado na primeira
constituição brasileira, não fora cumprido; o ato adicional transferira para as províncias a
responsabilidade da instrução pública e as escolas de primeiras letras orientavam que os
professores deveriam ensinar, sobretudo, os princípios da moral cristã, a ler, escrever e contar.
Notamos portanto que a educação elementar não era de interesse da elite, que defendia mesmo
4675

era a criação de Escolas Superiores para preparar profissionais e políticos capazes de garantir a
ordem e preservar o regime vigente.
Ramos (2001), explica a situação de Alagoas no início do Período Republicano,
demonstrando que a instrução primária era desenvolvida sem nenhuma fiscalização e sem
instrumentos adequados. Percebemos determinado avanço da instrução pública, mas apenas no
ensino secundário destinado às camadas mais abastadas, ficando o ensino primário no
verdadeiro abandono, o que vai se fortalecer quando o governo provincial, em acordo com a
Assembléia Legislativa da Província, fez provimento de cadeiras de professores primários a
pessoas que soubessem apenas ler, escrever, dominassem as quatro operações fundamentais da
aritmética e fossem versadas na doutrina cristã - católica.
Esse modelo caracteriza muito bem a forma como se desenvolvia o ensino no então
povoado de Arapiraca, lá para os fins do Período Imperial e início do Período Republicano,
quando a sua população ganhava outra característica com a entrada de novos povos vindos de
outros municípios e de outros Estados. Alguns, atraídos pelo desenvolvimento econômico
daquela região e outros à busca de refúgio para defender seus filhos da incorporação dos
Voluntários da Pátria, ou seja, muitos fugiam do recrutamento da guerra do Paraguai ou
buscavam sua sobrevivência. O que se tornara muito difícil com as conseqüências da guerra no
Brasil. Antonio Raimundo fora designado por Manoel André, para ensinar as crianças da
redondeza, mas como não havia prédio próprio, este atendia ao chamado dos representantes de
cada sítio, ficando dessa forma, bem claro que “essa escolarização era direcionada aos filhos de
proprietários de terra ou aos médios lavradores de mandioca e de fumo” (MACEDO, 1994;
GUEDES, 1999). Isso significa dizer que os filhos de trabalhadores continuavam sem acesso ao
desenvolvimento educacional daquela época naquela localidade.

Mudanças na trajetória política e educacional de Alagoas e suas conseqüências em


Arapiraca.

Com o advento da República, o Estado de Alagoas e consequentemente o Distrito de


Arapiraca tomam novos rumos no âmbito político e na história da educação. No campo
econômico, contando apenas com o sistema agrário, ”Alagoas entra no período republicano
marcado pelo trabalho essencialmente rural com uma economia bastante atrasada do ponto de
vista tecnológico, tendo o latifúndio como base primordial” (ALMEIDA, 1999, p.53). A
exemplo de outros municípios alagoanos que conquistaram sua autonomia através do
desenvolvimento econômico promovido pela cultura canavieira, em Arapiraca o plantio da
mandioca vai constituir os grupos dos novos ricos que passam a se destacar como protetores
dos menos favorecidos. A liderança política atrelada ao desenvolvimento econômico de
Arapiraca estava centralizada na pessoa do Major Experidião Rodrigues um dos descendentes
do falecido Manoel André. O atual líder contava com o apoio dos chefes locais que
representavam os diversos sítios que constituíam o povoado.
A precariedade no processo de ensino nas primeiras décadas do período republicano era
marcante em Arapiraca, até mesmo pela falta de acesso a cursos preparatórios para o
Magistério. Alagoas só contava com o curso Normal regulamentado em 1869, que funcionava
em Maceió, com duração de dois anos e mais um ano de prática ampliando seu funcionamento
para quatro anos a partir de 1912 Este não atendia às carências do interior, pois quem era da
capital não tinha a intenção de se deslocar para o interior e aqueles poucos interioranos que
tinham condições de cursar o Normal optavam em permanecer na capital. Portanto predominava
naquela comunidade o ensino desenvolvido por professores sem qualificação como foi o caso da
professora Francisca Petrina Macedo, carinhosamente conhecida como D. Chiquinha, irmã do
padre Francisco Xavier Macedo descendente também de Manoel André. Como podemos
perceber: professores, padres, chefes locais, líderes políticos, todos eram da família do fundador
de Arapiraca. E isso vai se perpetuar até a década de 50. D. Chiquinha e sua irmã, Antonia
Macedo, seguiam a orientação de seu irmão, o padre Macedo e desenvolviam um ensino
priorizando a formação cristã, através da leitura de catecismo, ladainhas, e outras orações,
preparando crianças e jovens para receber a primeira Eucaristia. Sua influência religiosa foi
4676

mais além; “conseguiu preparar jovens para a vida religiosa como a Irmã Luzinete Ribeiro de
Magalhães que foi responsável pelo estabelecimento do Colégio São Francisco de Assis em
Arapiraca em 1956 dirigido pelas irmãs franciscanas” (GUEDES, 1999, p. 211).
Percebemos, assim, como a ética paternalista cristã predominava na prática pedagógica
dos professores arapiraquenses que contribuíram com a construção daquela sociedade. “A Igreja
interferia na preparação do professor e na orientação do ensino, em favor de uma
regulamentação da conduta como um todo que penetrando em todos os setores da vida pública e
privada era infinitamente mais opressiva e severamente imposta” (WEBER, 2005, p.38). A
memorização como instrumento pedagógico estava muito ligada à oralidade da religião As
escolas imitavam as cantilenas das ladainhas para memorizar o abecedário e a tabuada. A este
paradigma associava-se o uso da palmatória que apesar de abolida por lei imperial foi muito
usada na escolarização de Arapiraca nas primeiras décadas do período republicano por
delegação das próprias famílias que consideravam o uso desse instrumento fundamental na
disciplina dos alunos.
Nas primeiras décadas do Período Republicano, os destinos de Arapiraca concentravam-
se nas mãos do Major Experidião Rodrigues, que ao lado de seu irmão Manoel Antonio
Rodrigues, nomeado Intendente de Limoeiro de Anadia, intercedia junto às autoridades daquele
município ao governo estadual para atender ás reivindicações do povo arapiraquense. “O
clientelismo político sempre foi e é antes de tudo, preferencialmente uma relação de favores
políticos por benefícios econômicos não importa em que escala” (MARTINS, 1994, p.29). Foi
nessa relação com as autoridades de Limoeiro de Anadia que Experidião Rodrigues conseguiu
em 1891, do então governo estadual, o Barão de Traipu, a nomeação da primeira professora de
Arapiraca Marieta Peixoto que por sinal era sua nora.
Como já foi dito anteriormente, não havia prédios específicos para o funcionamento de
escolas. Quando se construía um salão com essa finalidade era nas terras dos grandes
proprietários que se sentiam no direito de usá-los para outros fins. As escolas funcionavam em
casas arranjadas às pressas sem nenhuma aparência de escola e professoras e alunos se
encarregavam de trazer a mobília principalmente seus assentos como explica Ramos (2001). A
professora nomeada passou a ensinar na residência de um morador do “quadro” do povoado
onde ensinava D. Chiquinha Macedo a qual foi transferida para a periferia, hoje o bairro de
Cacimbas Isso era comum em Alagoas. “As professoras novas ingressavam comumente nos
grupos; as velhas ficavam nas escolas isoladas, desaprendendo o que sabiam, longe do mundo,
ensinando coisas absurdas” (RAMOS, 2001, p.61). Salientamos que em Alagoas já existiam
alguns grupos escolares principalmente na capital, mas muitos deles apenas no decreto.
Nomeava-se a docente e procurava-se uma casa em que a escola pudesse funcionar. Em
Arapiraca não havia nenhum grupo, apenas escolas isoladas que não tinham nome; eram
conhecidas pelo nome da professora ou do proprietário. Isso significa dizer que a escola criada
pela Lei de número 12 de 1890, do governo de Alagoas, o Barão de Traipu, em Arapiraca torna-
se propriedade daquele que teve condições de oferecer o espaço físico para seu funcionamento.
Com o crescimento populacional e econômico de Arapiraca, Experidião Rodrigues
envolve-se com a luta pela sua emancipação, mas para isto necessitava do apoio de políticos
ligados diretamente à Assembléia Legislativa, pois, não podia contar com as autoridades de
Limoeiro, que tinham interesses políticos e econômicos sobre Arapiraca. Sendo, por isso,
contrários ao seu desmembramento. Experidião perdera a liderança para a família Barbosa,
radicalizada em Limoeiro, a qual usufruía de certo prestígio no Palácio do Governo, por conta
de sua oligarquia. Era comum em Alagoas como em todo nordeste, uma família permanecer no
poder por muitos anos. Foi assim com a família Malta que governou de 1900 a 1912. Como
esclarece Verçosa (1997, p. 119), “o poder dos Maltas vai se espraiar por todos os setores da
vida alagoana de forma avassaladora”.
Conquistada a emancipação de Arapiraca em 1924, foi eleito como primeiro prefeito
Experidião Rodrigues, que logo conseguiu a nomeação de mais uma professora desta vez uma
de suas filhas, não obstante faltar-lhe qualificação para o magistério, “era o filhotismo, voltando
a invadir vitoriosamente o magistério e banindo por completo as exigências da habilitação
pedagógica” (COSTA, 2001, p. 20). Como em todo o Brasil, nas primeiras décadas após a
4677

Republica, não havia em Arapiraca, ampliação no nível da escolarização ou quantidade de


escolas, que se destinassem a atender a maioria da população. A elite local, ou seja, os novos
ricos estavam preocupados em desenvolver a cultura fumageira, que há alguns anos superara a
cultura da mandioca e estava começando a gerar riquezas. Para isso, precisavam de
trabalhadores disponíveis para a mão-de-obra insuficiente então para as urgentes atividades do
campo o que explica o grande número de pessoas fora da sala de aula.
As escolas que foram surgindo em seguida eram escolas isoladas, pagas pelo erário
público, realizando um ensino dentro dos padrões tradicionais com professores designados pelos
grupos políticos locais, que buscavam atender seus interesses e das oligarquias alagoanas. As
influências das mudanças que ocorriam no Brasil, chegavam a Arapiraca a reboque dos
interesses dos grupos oligárquicos de Alagoas. Quando os grupos locais faziam oposição ao
governo do Estado, não tinham direito a nenhuma ampliação no setor educacional para seu
município.
Na década de 30, não constatamos nenhuma mudança no âmbito educacional em
Arapiraca já que a situação política em nada mudou; a revolução de 30 dividiu as opiniões em
Arapiraca, mas não percebemos, no entanto, nenhum ideal revolucionário, apenas reorganização
de grupos que pretendiam se perpetuar no poder. “A população de Maceió adere em massa à
nova situação enfeitando-se de laços vermelhos e dando vivas aos novos donos do poder”
(VERÇOSA, 1997, p. 155). Enquanto isso, Experidião Rodrigues declarou-se ao lado de outros
arapiraquenses, adepto do lenço vermelho ao contrário do então prefeito de Arapiraca João
Ribeiro Lima, que foi por ele substituído.

Patriarcalismo, Patrimonialismo e Clientelismo: repercussões na década de 1950.

A década de 50 representa para Arapiraca um grande avanço tanto no campo econômico


como educacional. A cultura fumageira, introduzida nos fins do século XIX, tomara grande
impulso a partir da década de 40 do século XX, atraindo um grande contingente populacional
oriundo de todo o nordeste e transformando a cidade em pólo de desenvolvimento econômico.
A feira livre tornou Arapiraca, a exemplo de Campina Grande na Paraíba e Feira de Santana na
Bahia, uma cidade metropolitana onde pessoas de regiões vizinhas se encontram para comprar,
vender ou trocar mercadorias, conversar sobre política e resolver outros tipos de negócios
relacionados à Igreja como: marcar casamentos, realizar batizados e até mesmo aproveitar para
fazer uma “boa” confissão.
Esse desenvolvimento econômico, provocado pela cultura do fumo, pelos efeitos da
feira e alavancando por empréstimos realizados nos Bancos da Lavoura de Minas Gerais
instalado na cidade a partir de 1951 e do Banco do Brasil com sede em Penedo, vai atrair novos
moradores para a cidade de Arapiraca, provocando ao mesmo tempo uma nova relação de
trabalho. Como conseqüência dessa mudança surge necessidade de se criar escolas que
garantissem ensino para os padrões da época tanto aos jovens da terra como aos que iam se
agregando àquela sociedade. A cidade contava no momento com algumas escolas isoladas, uma
escola pública estadual, o Grupo Escolar Adriano Jorge que foi o primeiro estabelecimento de
ensino público do município, construído em 1950, na administração do Interventor do Estado de
Alagoas Osman Loureiro e do Prefeito de Arapiraca Domingos Mota Acioli e uma escola
particular criada, em 1953, por um dos professores da escola estadual, o professor Pedro Reis.
Este fora indicado para dirigir o Grupo Escolar Adriano Jorge em Arapiraca para
substituir a professora Amália Fragoso, que tinha uma irmã, Maria Fragoso, trabalhando na
mesma escola o que impedia a sua permanência na direção. O referido professor indicado para o
cargo pelo Secretário do Estado, Medeiros Neto, é tomado por grande surpresa quando foi
impedido de assumir, pela recusa do governo alagoano, Ismar de Góes Monteiro em assinar o
processo4. Mesmo continuando como professor do Grupo Escolar Adriano Jorge, Pedro Reis
decide criar uma escola particular, a primeira da cidade, o Instituto São Luis contando com o
apoio do então secretário de educação do Estado, Medeiros Neto, e do pároco da cidade, o padre
Epitácio.
4678

No entanto na década de 50, as duas principais escolas, o Adriano Jorge e o Instituto


São Luis, através de prática tradicional e conservadora, asseguravam aos alunos apenas a
conclusão da 4ª série, obrigando a quem desejasse dar continuidade, seguir para Maceió, Recife
ou Salvador o que sem dúvida significava uma pequena parcela da população. No entanto, as
transformações econômicas e sociais que ocorriam desenfreadamente levaram a sociedade
arapiraquense a criar novas expectativas com relação à educação. A nova relação de trabalho
estabelecida pelo avanço da cultura fumageira leva ao surgimento de uma nova categoria, a dos
meeiros, aqueles “que ainda não podiam comprar terra se associavam aos proprietários e
trabalhavam como meeiros no plantio do fumo até adquirirem terra própria” (MACEDO, 1992,
p. 88). O que significa dizer que aumenta a possibilidade de acumulação de riquezas, tendo em
vista que muitos meeiros tornaram-se rapidamente proprietários.
Ao contrário do restante do Estado de Alagoas em que permaneciam grupos políticos
das oligarquias se alternando no poder e centralizando-se na força política de forma coercitiva,
em Arapiraca houve na década de 50, alternância do poder. O aumento populacional e o rápido
enriquecimento dos novos moradores proporcionaram a estes participação direta nas decisões
políticas da região. O próprio desenrolar do desenvolvimento econômico, as novas concepções
éticas e morais e a própria influência religiosa parecem ter conseguido a alternância não apenas
dos governantes, mas nos grupos políticos que controlavam a região. O poder político em
Arapiraca passou a ser centralizado nas mãos de quatro famílias: de um lado os Pereira e
Marques, Partido Social Democrático (PSD) e do outro os Lúcio e Barbosa da União
Democrática Nacional (UDN). Com a ampliação das divergências políticas no município surge
a necessidade da criação de novas escolas que atendessem aos filhos dos novos ricos sem que
estes tivessem que deixar a cidade para continuar seus estudos.
Na administração do Dr. Coaracy da Mata Fonseca (1951-1955) foi fundado o Colégio
Nossa Senhora do Bom Conselho, escola da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos
(CENEG), com o apoio do Cônego Teófanes Augusto de Barros, que na época dirigia a escola
Guido de Foontgalland, na capital alagoana. As escolas da CENEG depois CENEC (Campanha
Nacional de Escolas da Comunidade), que tinha como princípio a gratuidade, uma sociedade
sem fins lucrativos, visando à educação e assistência aos menos favorecidos. Entretanto em
Arapiraca, devido a ausência de prédio próprio, a escola passou a funcionar, por decisão do
então governador do Estado, Arnom de Mélo (1951-1955) no prédio do Grupo Escolar Estadual
Adriano Jorge, e em seguida no prédio da Câmara Municipal. Na implantação dessa escola
destacou-se a figura do padre Epitácio Rodrigues que nas palavras de Guedes (1999) além de
tomar parte na sua fundação, tornou-se professor do colégio, contribuindo com a formação
religiosa daquela sociedade.
Por falta de condições de manutenção, a escola da Campanha passou a cobrar taxas para
cobrir as despesas, o que leva a escola a receber alunos pagantes e não pagantes. Ao contrário
do que assegura Guedes (1999), ao afirmar que a implantação dessa Instituição de ensino serviu
de trampolim ao aluno primário que podia até alcançar os cursos superiores, percebemos que
essa instituição de ensino, apesar de ter contribuído com o acesso de alguns jovens
arapiraquenses ao ensino secundário e posteriormente ao nível universitário, significou um dos
entraves para a expansão do ensino primário na rede pública estadual uma vez que
impossibilitou ainda mais a ampliação das atividades normais da escola estadual Adriano Jorge,
que cedeu seu espaço à escola da Campanha.
Após quatro anos de funcionamento, o então Prefeito da cidade, Dr. Coaracy da Mata
Fonseca, um dos fundadores da escola da Campanha e seu primeiro diretor, doou um terreno da
Prefeitura e toda a estrutura inicial ficando bem claro a ausência da distinção entre o público e o
privado na história da Educação brasileira. Funcionando em prédio próprio, a escola, que
iniciara com quatro salas teve suas atividades ampliadas. Analisando a participação da
sociedade arapiraquense nessa Instituição de ensino percebemos a pouca ingerência da escola
entre os trabalhadores da região Pela ausência de registro não podemos verificar a matrícula
inicial, mas constatamos que em 1954, ano de conclusão da primeira turma, apenas 07 alunos
concluíram o curso ginasial Isso nos leva a perceber que o ensino que seria gratuito, com a
4679

pretensão de atender a uma camada menos favorecida, passa a privilegiar a um grupo bem
restrito.
A partir de 1955, essa escola introduziu os cursos: comercial, científico e normal
atendendo aos alunos com padrões econômicos diferenciados da maioria daquela população.
Poucos tinham condições de concluir esses cursos e ingressar em cursos superiores já existentes
na capital alagoana. Percebemos que o grupo que se destacava política e economicamente não
priorizava o ensino público para as camadas menos favorecidas. As escolas até então existentes
eram mistas o que não era visto com bons olhos por muitas famílias que desejavam uma escola
exclusivamente feminina.
Em 1956, na administração de João Lúcio da Silva (1956-1961) por interferência de
Irmã Luzinete Ribeiro de Magalhães, as Irmãs Franciscanas fundaram nesta cidade o
Educandário São Francisco de Assis (hoje colégio S. Francisco de Assis) voltado para a
formação moral e cristã católica das jovens arapiraquenses. Era uma escola exclusiva para
meninas, sendo bem aceita pela comunidade. Já era grande o número de pessoas em condições
de investir na educação de suas filhas, mas a escola mista não atendia os anseios de quem
priorizava uma formação católica que preparasse as moças para a obediência introduzindo bons
modos e preparando para boas donas de casa .
O novo Colégio passou a funcionar no prédio da escola pública Aurino Maciel cedido
pelo então governador do Estado de Alagoas. Mais uma vez o público sede espaço ao privado
“No Brasil, a distinção entre público e privado nunca chegou a se constituir na consciência
popular como distinção de direitos relativos à pessoa, ao cidadão” (MARTINS, 1994, p. 22).
Constatamos que, além do atraso na construção de prédios para o funcionamento de escolas em
Arapiraca, quando estes eram construídos eram cedidos para as escolas particulares. A escola
das irmãs como ficou conhecido o Educandário, cobrava uma mensalidade inacessível à maioria
da população. As irmãs franciscanas envolveram alunos e famílias num clima de solidariedade e
cooperação de modo que todos se empenharam na campanha em prol da construção do prédio.
As doações vinham de todos os lados e de diversas formas. As festas religiosas contagiavam as
famílias de Arapiraca, e nesse clima de amor fraternal, muitas meninas sem condições de pagar
as mensalidades diziam-se vocacionadas a seguir a vida religiosa e permaneciam em regime de
internato, responsabilizando-se pelos serviços domésticos, eram as “meninas da casa”, que
prestavam os serviços e tinham direito ao ensino e à formação religiosa. Dessa forma as famílias
arapiraquenses apresentavam-se satisfeitas com o tipo de formação destinado as suas filhas, “os
católicos pretendiam uma ordem em que à família, o Estado, a economia, a política e os
costumes tivessem por base o Evangelho” (BARROS et al, 2001).

Considerações finais.

A própria dinâmica organizacional da sociedade arapiraquense naquele período,


representada pela elite econômica-política, apontava para a exclusão das demais camadas
sociais existentes nesse município e a prática de um ensino tradicional Havia por parte do poder
público, tanto municipal como estadual, o descaso com a escolarização que atendesse à maioria
da população. As escolas existentes estavam voltadas para a formação técnico-científica e para a
transmissão de conteúdos centrados numa formação ética, moral e religiosa, tanto na escola
privada como na escola pública. A vida privada prolongava-se para dentro da esfera pública,
explicando dessa forma a concentração de poderes por parte de um grupo restrito. Aqueles que
prosperavam economicamente sentiam-se moralmente obrigados a zelar pelo bem estar dos
menos favorecidos de uma forma paternalista.
Percebemos, portanto, que a partir da década de 50, o monopólio político e econômico
dos descendentes de Manoel André vai se desfazendo com a introdução de novas famílias no
município de Arapiraca. Essas atraídas pelo desenvolvimento econômico vão se fixando e
progredindo, buscando inserir-se no âmbito das discussões políticas, interferindo no processo de
reorganização, principalmente, no que diz respeito à educação.
4680

Referencias Bibliográficas

ALMEIDA, Leda Maria. Rupturas e Permanências em Alagoas: O 17 de julho de 1997 em


questão. Maceió: Catavento, 1999.
AZEVEDO, João. Duas décadas de Educação: 1920-1940 In: VERÇOSA, Elcio de
Gusmão.(org.) Caminhos da Educação em Alagoas: da colônia aos dias atuais Maceió. São
Paulo: Catavento, 2001.
BARROS, et al. A Ação Católica na Conjuntura Alagoana: o surgimento da Escola de Serviço
Social Padre Anchieta. In: VERÇOSA, Elcio de Gusmão (org.). Caminhos da Educação em
Alagoas: da Colônia aos dias atuais. Maceió. São Paulo: Catavento, 2001.
COSTA, Craveiro. Instrução Pública e Instituições Culturais de Alagoas. In: VERÇOSA, Elcio
de Gusmão (org.). Caminhos da Educação: da colônia aos dias atuais. Maceió/São Paulo:
Catavento, 2001.
FAORO, Raymundo. (1925) Os Donos do Poder: formação do patrono político brasileiro. v.
1 e 2. São Paulo: Globo, 2000.
GUEDES, Zezito. Arapiraca através do Tempo. Maceió: Gráfica Montergraphy Ltda, 1999.
HUNT, K. J.; SHERMAN, Howard J. História do Pensamento Econômico. Petrópolis: Vozes,
1994.
MACEDO, Valdemar de Oliveira. Raízes e Futuros de Arapiraca. Maceió. Ed. Gazeta de
Alagoas, 1992.
MARTINS, José de Souza. O poder do Atraso: ensaios de Sociologia da História Lenta. São
Paulo: Hucitec, 1994.
RAMOS, Graciliano. Alguns números relativos á instrução primária em Alagoas. In.
VERÇOSA, Elcio de Gusmão (org.). Caminhos da Educação em Alagoas: da colônia aos
dias atuais. Maceió/São Paulo: Catavento, 2001.
VERÇOSA, Elcio de Gusmão. Cultura e Educação nas Alagoas: História, Histórias. Maceió:
EDUFAL, 1997.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Martin Claret,
2005.
________. Metodologia das Ciências Sociais - Parte 2. Campinas/São Paulo: Editora da
Universidade de Campinas/Cortez, 2001.

Notas:
1
Mestranda em Educação Brasileira pelo Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas –
UFAL, com pesquisa intitulada “O romper do silêncio: história e memória na trajetória da educação em
Arapiraca, a partir de 1950”, sob orientação do Prof. Dr. Élcio de Gusmão Verçosa.
2
“arapiraca” é uma árvore de origem indígena, “ramo que arara visita”. Cientificamente, árvore da
família das Leguminosas Minosáceas – Piptadênia, espécie de angico branco muito comum no agreste e
no sertão.
3
O desmatamento feito nas proximidades da frondosa arapiraca onde Manoel André plantou sua roça e
construiu sua casa, tinha a dimensão de um quadro por isso durante muito tempo o povoado ficou
conhecido como Quadro de Arapiraca (GUEDES, 1999, p. 27).
4
Conforme depoimentos de alguns ex-companheiros de Pedro Reis, este havia reclamado do então
Governador Ismar de Góis Monteiro sobre algumas posições tomadas anteriormente que não eram de seu
agrado.

Você também pode gostar