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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS


DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MATEMÁTICA
(Mestrado)

Curvas Planas:
Fórmula de Noether e Resolução de Singularidades

Priscila Costa Ferreira de Jesus Bemm

Maringá - PR
2016
PRISCILA COSTA FERREIRA DE JESUS BEMM

Curvas Planas: Fórmula de Noether


e Resolução de Singularidades

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa


de Mestrado em Matemática do Departamento
de Matemática, Centro de Ciências Exatas da
Universidade Estadual de Maringá, como requisito
parcial para obtenção do tı́tulo de Mestre em
Matemática.

Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Martins

Maringá - PR
2016
“Talvez não tenha conseguido
fazer o melhor, mas lutei para
que o melhor fosse feito. Não
sou o que deveria ser, mas
Graças a Deus, não sou o que
era antes”.

Marthin Luther King

ii
Dedico este trabalho a Deus

iii
Agradecimentos

Agradeço primeiramente a Deus por ter me dado fé diante de todas as dificuldades e
proporcionado a benção de conhecer pessoas maravilhosas que tornaram as dificuldades
mais amenas.
Aos meus pais, Edna e Celso, pela paciência, confiança, amor, apoio emocional e
financeiro, independentemente de minhas escolhas.
Aos meus irmãos Fernando, Ireni, Ederson e Jéssica pelo companheirismo, exemplo e
por fazer minha vida mais prazerosa.
Aos meus avós, que são responsáveis pela famı́lia maravilhosa, sem a qual eu não
estaria aqui.
Aos meus amigos Tatiane, Jesus, Patrı́cia, Mônica e Fernando por dividir tantas
angústias, inseguranças e, principalmente, alegrias e momentos que valem a pena nunca
serem esquecidos.
Aos meus sogros, Cacildo e Terezinha, que mesmo distantes me apoiaram e torceram
pelo meu sucesso.
Ao meu marido Laerte pela amizade, companheirismo, paciência e por ser esta pessoa
tão maravilhosa, a qual não consigo mais viver sem; sempre ao meu lado, acreditando
em mim até quando eu mesma não acreditava.
A todos os professores que contribuı́ram para minha formação acadêmica e humana,
em especial a professora Dra. Claudete pelo incentivo e apoio.
Ao professor Dr. Rodrigo Martins, por ter aceitado a solicitação de orientação, pela
confiança, paciência e por me ajudar a lembrar o quanto é prazeroso aprender.
A banca examinadora pelo tempo dedicado para a leitura deste trabalho.

iv
Resumo

O objetivo do nosso trabalho foi demonstrar a Fórmula de Noether, que é uma fórmula
que nos permite calcular o Índice de Interseção entre duas curvas algébricas planas. Para
isso trabalhamos com o anel das séries de potências formais e, através do Teorema de
Preparação de Weierstrass, vimos que podemos associar qualquer série a um polinômio de
Weierstrass. A partir deste resultado, passaremos a ver toda série como um polinômios
de Weierstrass. Para o uso da Fórmula de Noether foi necessário apresentarmos vários
resultados, entre eles, a técnica de desingularização denominada Blowing-up, o Teorema
de Newton-Puiseux e o Teorema da Função Implı́cita de Newton.

v
Abstract

The aim of this work is to demonstrate Noether’s Formula, which allows us to evaluate
the intersection index between two algebraic plane curves. For that, we consider the ring
of formal power series and, through Weierstrass’ Preparation Theorem, we realized it
is possible to associate any series to a Weierstrass polynomial. After that, we consider
every series as a Weierstrass’ polynomial. For Noether’s Formula it was necessary to
present several results, among them the technique of resolution of singularities known as
Blowing-up, Newton-Puiseux’s Theorem and Newton’s Implicit Function Theorem.

vi
Sumário

Introdução 1

1 Preliminares 4
1.1 Anéis das Séries de Potências Formais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.2 O Teorema da Preparação de Weierstrass . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.3 Fatoração de Séries de Potências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.4 Teorema da Base de Hilbert-Rückert . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.5 Eliminação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

2 Curvas Algébricas Planas 29


2.1 Teorema de Newton-Puiseux . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
2.2 Extensões de Corpos das Séries de Laurant . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.3 Parametrização de Puiseux . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

3 Interseção de Curvas 48
3.1 Índices de Interseção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

4 Resolução de Singularidades de Curvas Planas 66


4.1 Fórmula de Noether . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
4.2 Transformações Quadráticas em C2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

5 Resolução de Singularidades 81

vii
Introdução

O objetivo do nosso trabalho é demonstrar a Fórmula de Noether que é usada para


calcular o ı́ndice de interseção entre duas curvas. O ı́ndice de interseção entre duas curvas
nos dá uma estimativa do número de interseções entre estas curvas. Este é um conceito
muito útil pois através dele podemos determinar se duas séries são relativamente primas,
quando duas curvas são transversais e quando possuem retas tangentes em comum, além
de outras aplicações que não serão o foco deste trabalho. Para o uso da Fórmula de
Noether será necessário o estudo de uma das técnicas de desingularização denominada
Blowing-up.
O Blowing-up é uma técnica algébrica que consiste em remover singularidades através
de aplicações algébricas simples. A teoria a partir do Blowing-up nos mune de resultados
que são úteis em várias áreas da matemática. Através do Blowing-up conseguimos decidir
se uma série f é regular com relação a alguma de suas variáveis e nos dá evidências sobre
a irredutibilidade da série, por exemplo.
O Teorema de Newton-Puiseux é um dos resultados necessários para demonstrar a
Fórmula de Noether, juntamente com o Teorema da Preparação de Weierstrass e o Teo-
rema da Função Implı́cita de Newton. Newton encontrou uma maneira de parametrizar
uma série de potências dada, parametrizar é equivalente a descrever suas soluções, assim
podemos transformar uma série de potências em um polinômio de Weierstrass e encontrar
as raı́zes deste polinômio no fecho do Anel das Séries de Potências Formais de Laurent,
denotamos este fecho por K((x)). O Teorema de Newton-Puiseux nos diz como são os
elementos de K((x)).
No capı́tulo 1, apresentamos o anel das séries de potências formais com coeficientes

1
sobre um corpo que é um domı́nio de fatoração única. Para nós, fatorar uma série,
ou seja, encontrar seus fatores irredutı́veis é crucial. Por isso, apresentamos resultados
que nos ajudam a decidir quando uma série é irredutı́vel. Além disso, mostramos que
dada uma curva definida por uma série f com coeficientes num corpo infinito, podemos
encontrar uma curva equivalente g que é expressa de maneira mais “simples”. Mais
precisamente, g é expressa como um polinômio cujos coeficientes são séries. O resultado
que nos garante isso é chamado Teorema da Preparação de Weierstrass. Outro conceito
muito importante deste capı́tulo que nos será muito útil na sequência do trabalho é o
resultante entre dois polinômios com coeficientes em um domı́nio de fatoração única, o
qual nos informa quando tais séries possuem termos em comum.
No capı́tulo 2, definimos Curva Algébrica Plana e algumas de suas caracterı́sticas,
tais como, cone tangente, retas tangentes, curvas regulares e curvas equivalentes. Será
abordado também o Teorema de Newton-Puiseux que, junto com o Teorema de Pre-
paração de Weierstrass e o Teorema da Função ı́mplicita de Newton, afirma que toda
série é equivalente a um polinômio de Weierstrass. Outro resultado significativo deste
capı́tulo é o Lema Unitangente, que nos dá como é expressa a forma inicial de uma série
irredutı́vel.
No capı́tulo 3, definimos Anel Coordenado, Índice de Intersecção entre duas curvas,
Valoração associada a uma série e Curvas Transversais. Demonstramos resultados que
nos dão maneiras alternativas de calcular o Índice de Intersecção entre duas curvas.
Além disso, relacionamos o Índice de Intersecção com Valoração e a multiplicidade da
Resultante de duas curvas.
No capı́tulo 4, apresentamos as Transformações Quadráticas e o Blowing-up que con-
siste em uma técnica de desingularização de curvas. Definimos Transformação Total e
a Transformação Estrita da Transformação Quadrática, além de encontrarmos relações
entre as caracterı́sticas das curvas e as caracterı́sticas da transformação estrita da curva.
Demonstramos que, após um número finito de Transformações Quadráticas, podemos
transformar qualquer curva plana irredutı́vel em uma curva plana regular. Enfim, de-
monstramos a Fórmula de Noether a partir dos resultados mostrados ao longo do traba-
lho.

2
O capı́tulo 5 será voltado para a definição da generalização do Blowing-up de uma
variedade e exemplos. Além disso, enunciamos o Teorema de Hironaka que mostra a
existência de sequência de Blowing-ups que resolvem singularidades.

3
Capı́tulo 1

Preliminares

O objetivo deste capı́tulo é apresentar os pré-requisitos para o desenvolvimento do tra-


balho, tais como definição do anel das séries de potências formais, multiplicidade de uma
série, definição de série regular, propriedades do Anel das Séries de Potências Formais,
definição de Pseudo-polinômio e de Polinômio de Weierstrass, Teorema da Preparação
de Weierstrass e a definição e propriedades de Resultante entre dois polinômios.
Para tanto, definimos inicialmente o anel das séries de potências formais o qual é
objeto base do nosso trabalho.

1.1 Anéis das Séries de Potências Formais


Sejam K um corpo e x1 , ..., xr indeterminadas sobre K. O conjunto R = K[[x1 , ..., xr ]]
X∞
formado por todas as somas formais do tipo f = Fi , onde Fi é polinômio homogêneo,
i=0
com as seguintes operações:

X
f +g = (Fi + Gi ),
i=0

∞ X
X
fg = (Fj Gk ),
i=0 j+k=i

é um anel comutativo com unidade. Tal anel é denominado Anel das Séries de
Potências Formais .

4
Também podemos denotar os elementos de R = K[[x1 , ..., xr ]] por

X X
f= ai1 ...air x1 i1 ...xr ir .
i=0 i1 +...+ir =i


X X
Definição 1.1 Dada f = ai1 · · · air x1 i1 · · · xr ir ∈ C[[x1 , · · · , xr ]], se existe
i=0 i1 +···+ir =i
ρ ∈ R∗+ tal que

X X
|ai1 · · · air |ρi
i=0 i1 +···+ir =i

converge absolutamente, dizemos que f é uma série absolutamente convergente.

Exemplo 1.2 Qualquer polinômio é absolutamente convergente.


∞ X  j+1 ∞  i
X −1 j
X −1
Exemplo 1.3 Seja f (x, y) = xy= xi y.
i=1 j=i−1
2 i=1
2
1
Neste caso, para cada i ∈ N∗ , |ai,1 | = i e então, tomando ρ = 1, temos
2
∞ ∞
X
i
X 1 i
|ai,1 |ρ = 1 = 1.
i=1 i=1
2i

Deste modo, f (x, y) é absolutamente convergente.


Observe que i = 0 ocorre apenas quando a série possui o termo constante e, por isso,
na série acima não há termo constante.

Alguns elementos no anel das séries de potências são invertı́veis. Na próxima pro-
posição apresentamos condições necessárias e suficientes para que uma série seja in-
vertı́vel.

X
Proposição 1.4 Um elemento f = Pi ∈ R, com Pi homogêneo de grau i, é invertı́vel
i=0
se, e somente se, P0 é invertı́vel em K.

X ∞
X
Demonstração: De fato, suponha que f = Pi é invertı́vel e seja g = Qi tal que
i=0 i=0
∞ X
X
f g = 1, isto é, f g = Pk Qj = P0 Q0 + (P0 Q1 + P1 Q0 ) + · · · = 1. Neste caso, o
i=0 k+j=i

5
sistema 
 P Q =1
 0 0


P0 Q1 + P1 Q0 = 0
 ...


tem solução dada por





 Q0 = P0−1


Q1 = P0−1 (P1 Q0 )






 Q = P −1 (P Q + P Q )

2 0 2 0 1 1
.
 ..




Qn = P0−1 (Pn Q0 + Pn−1 Q1 + · · · P1 Qn−1 )




 ...


Reciprocamente, se P0 é invertı́vel, então o sistema



 P Q =1
 0 0


P0 Q1 + P1 Q0 = 0
 ...



X ∞
X
tem solução. Assim, dada f = Pi , existe g = Qi tal que f g = 1 e, portanto, f é
i=0 i=0
invertı́vel. 2

Exemplo 1.5 Dada a série f = x + 2, resolvendo o sistema construı́do na demonstração


da Proposição 1.4 temos que

−1
X xi
f = i+1
.
i=0
2

Definição 1.6 Seja f = Pn + Pn+1 + ... ∈ R\{0}, com cada Pi sendo um polinômio
homogêneo de grau i e Pn 6= 0. Chamamos Pn de forma inicial de f e n de multiplicidade
de f .

A multiplicidade de f é denotada por mult(f ) e, por convenção, assumimos que se


f ≡ 0 então mult(f ) = ∞.
P∞
Exemplo 1.7 Dada a série f = i=0 xi+2 y 3i então mult(f ) = 2 e a forma inicial é x2 .

6
Proposição 1.8 Se f, g ∈ R, então:

(i) mult(f g) = mult(f ) + mult(g);

(ii) mult(f + g) ≥ min{mult(f ), mult(g)}. A igualdade ocorre quando


mult(f ) 6= mult(g).

Demonstração: Sejam f = Pn + Pn+1 + · · · e g = Qm + Qm+1 + · · · elementos de R.


(i) Então,

f g = (Pn + Pn+1 + · · · )(Qm + Qm+1 + · · · ) = Pn Qm + Pn Qm−1 + · · · + Pn+1 Qm−1 + · · ·

assim, mult(f g) = gr(Pn Qm ) = nm = mult(f ).mult(g).


(ii) Temos também que f + g = Pn + Pn+1 + ... + Qm + Qm+1 + ....
Se n < m, então mult(f + g) = n = mult(f ).
Se n > m, então mult(f + g) = m = mult(g).
Se n = m, então pode ocorrer Pn + Qm = 0 e, neste caso, mult(f + g) ≥ n = m =
mult(f ) = mult(g) = min{mult(f ), mult(g)}. De qualquer maneira, mult(f + g) ≥
min{mult(f ), mult(g)}. 2

Proposição 1.9 O anel R é um domı́nio de integridade.

Demonstração: De fato, sejam f, g ∈ R\{0} então mult(f ) < ∞ e mult(g) < ∞


assim, mult(f g) = mult(f ) + mult(g) < ∞. Logo f g 6= 0. 2

Notação: Dado R = K[[x1 , · · · , xr ]], denotamos: MR o ideal gerado por x1 , ..., xr ;


R0 = K[[x1 , · · · , xr−1 ]]; a i-ésima potência de MR por MiR e M0R = R.

Observação 1.10 Note que f = P0 + P1 + · · · ∈ MR se, e somente se, P0 = 0; f ∈ M2R


se, e somente se, P0 = P1 = 0. De modo geral, f ∈ MnR se, e somente se, P0 = P1 =
· · · = Pn−1 = 0.

Proposição 1.11 O ideal MR é o único ideal maximal de R e


\
MiR = {0}.
i∈N

7
Demonstração: Suponha que exista um ideal I ∈ R tal que MR ⊂ I ⊂ R com
I 6= MR .
Então existe p ∈ I tal que p ∈
/ MR , isto é, p = P0 + P1 + ... com P0 6= 0 e, portanto p é
invertı́vel, assim, I = R e MR é ideal maximal de R.
Para mostrar que MR é o único ideal maximal de R suponha que exista um outro
ideal maximal J de R. Suponha que existe um elemento p = P0 + P1 + · · · ∈ J tal que
p∈
/ MR , ou seja, P0 6= 0. Desta forma p é invertı́vel e, como J é ideal, segue que 1 ∈ J
e assim J = R, contradizendo o fato de J ser maximal.
\
MiR , pela Observação 1.10 segue que
P
Finalmente, dado f = j∈N Pj ∈
i∈N
\
f = P0 + P1 + · · · ∈ MiR ⇔ P0 = P1 = · · · = 0,
i∈N

e portanto f ≡ 0. 2

1.2 O Teorema da Preparação de Weierstrass

Definição 1.12 Um polinômio de Weierstrass em xr é uma série de potências da se-


guinte forma:
f (x1 , x2 , · · · , xr ) = xnr + a1 xrn−1 + · · · + an ,

com ai ∈ K[[x1 , · · · , xr−1 ]], com mult(ai ) ≥ i para cada i ∈ {1, · · · , n}.

Nesta seção vamos ver que dada uma série f ∈ MR , que satisfaz certas condições,
é possı́vel reescrevê-la como um polinômio de Weierstrass. Estabelecemos critérios de
redutibilidade em K[[x, y]], onde K é corpo e x e y são indeterminadas. Por conveniência
vamos considerar o grau do polinômio nulo como −∞.

Lema 1.13 Sejam p, q ∈ K[y] polinômios relativamente primos, não-constantes, com


gr(p) = r e gr(q) = s. Dado um polinômio f ∈ K[y], com gr(f ) < r + s, existem
g, h ∈ K[y] unicamente determinados, tais que

f = gp + hq,

8
com gr(h) < r e gr(g) < s.

Demonstração: Como mdc(p, q) = 1, existem a, b ∈ K[y] tais que


ap + bq = 1 e assim f ap + f bq = f . Além disso, pelo algoritmo da divisão existem
ρ e h ∈ K[y] tais que f b = ρp + h, onde gr(h) < gr(p) = r. Contudo,

f = f ap + f bq

= f ap + (ρp + h)q

= f ap + ρpq + hq

= (f a + ρq)p + hq

= gp + hq, onde g = f a + ρq.

Além disso,

gr(g) + gr(p) = gr(gp) = gr(f − hq) = max{gr(f ), gr(hq)} < r + s,

visto que gr(p) = r, então gr(g) < s.


Para mostrar a unicidade de h, q ∈ K[y] que satisfazem a tese, suponha que existam
g 0 , h0 ∈ K[y] tais que f = g 0 p + h0 q com gr(h0 ) < r, gr(g 0 ) < s e gr(f ) < r + s. Daı́,
gp + hq = g 0 p + h0 q e portanto (g − g 0 )p = (h − h0 )q.
Já que mdc(p, q) = 1, então q|(g − g 0 ) e isto implica que s = gr(q) ≤ gr(g − g 0 ) ou
g − g 0 = 0. Como gr(g − g 0 ) < s, segue que g = g 0 .
Analogamente, h = h0 . 2

Lema 1.14 (Lema de Hensel) Seja f ∈ K[[x]][y] mônico tal que f (0, y) = p(y)q(y),
onde p(y), q(y) ∈ K[y] são relativamente primos, gr(p(y)) = r e gr(q(y)) = s. Então
existem dois polinômios unicamente determinados g, h ∈ K[[x]][y] tais que f = gh com
gr(g) = r, gr(h) = s, g(0, y) = p(y) e h(0, y) = q(y).

Demonstração: Seja f ∈ K[[x]][y] mônico tal que n = gry (f ) = gr(f (0, y)) =
gr(p(y)) + gr(q(y)) = r + s. Note que f pode ser escrito como f = f0 (y) + xf1 (y) +
x2 f2 (y) + · · · , onde cada fi (y) ∈ K[y] e f0 (y) = f (0, y).

9
Determinamos g(x, y) = p(y) + xg1 (y) + · · · ∈ K[[x]][y], com gr(gi (y)) < r e h(x, y) =
q(y) + xh1 (y) + · · · ∈ K[[x]][y], com gr(hi (y)) < s tais que f (x, y) = g(x, y)h(x, y). Isto
ocorre se, e somente se,



 f0 (y) = p(y)q(y)



 f (y) = p(y)h (y) + g (y)q(y)
1 1 1
.. .. ..


 . . .


 f (y) = p(y)h (y) + g (y)q(y) + · · ·

i i i

tem solução ou, equivalentemente,


X
p(y)hi (y) + gi (y)q(y) = fi (y) − gk (y)hl (y).
k+l=i
k,l6=0

Como f é mônico, temos que gr(fi (y)) < n = r + s. Pelo Lema 1.13 a equação pode
ser resolvida de maneira única em gi (y) e hi (y) e portanto g, h ∈ K[[x]][y] são unicamente
determinados com gr(g) = r e gr(h) = s. 2

Notação: Denotamos K((x)) o corpo das frações sobre K[[x]].


f
Observe que dado h = ∈ K((x)) \ {0}, visto que f = xn u e g = xm v, com m, n ∈ N,
g
u e v unidades em K[[x]], temos que

f xn u
h= = m = xn−m uv −1 = xr w,
g x v

onde r ∈ Z e w é unidade em K[[x]].

Corolário 1.15 Seja T um K-automorfismo de K((x)), então existe uma unidade


u ∈ K[[x]] tal que T (x) = xu(x).

Demonstração: Seja T (x) = xr u(x), onde u(x) é unidade em K[[x]] e r ∈ Z.


Se r < 0, como T é um homomorfismo, terı́amos

T (x + x2 + x3 + · · · ) = T (x) + T (x2 ) + T (x3 ) + · · · = xr u(x) + x2r u2 (x) + · · · ,

desta forma a série teria infinitos expoentes negativos e isto é um absurdo, pois T é um
endomorfismo. Assim, devemos ter r ≥ 0.

10
Como T é um K-automorfismo existe T −1 definido por T −1 (x) = xs v(x), com v(x)
unidade de K[[x]] e s ∈ Z+ . Daı́,

x = T (T −1 (x)) = T (xs v(x)) = xrs T (v(x))us (x) = xrs w(x),

com w(x) = T (v(x))ur (x) unidade de K[[x]].


Assim w(x) = 1 e xrs = x, ou seja, r = s = 1 e, portanto, T (x) = xu(x), onde u(x) é
unidade em K[[x]]. 2

Definição 1.16 Uma série f ∈ M é regular de ordem m com respeito à indeterminada


xr se m = max{n | xnr divide f (0, · · · 0, xr )} . Quando n = mult(f ) = mult(f (0, . . . 0, xr ))
dizemos que f é regular em xr .

Exemplo 1.17 Seja f (x, y) = x4 +y 5 −3x4 y+7x2 y 4 . Como f (0, y) = y 5 então f é regular
em y de ordem 5. Por outro lado, f (x, 0) = x4 , então mult(f (x, 0)) = 4 = mult(f ), isto
é, f é regular em x.

Lema 1.18 Dadas f, g ∈ R, se f e g são regulares com relação a xr , com ordens n1 e n2


respectivamente, então f g é regular em xr de ordem n1 ou n2 . Reciprocamente, se f g é
regular em xr de ordem m, então f e g são regulares de ordens n1 e n2 , respectivamente,
em xr onde n1 + n2 ≥ m.

Demonstração: Suponha que f é regular em xr de ordem n1 e g é regular em xr de


ordem n2 , isto é, xnr 1 | f (0, . . . , xr ) e xnr 2 |g(0, . . . , xr ). Então xrn1 +n2 | f g(0, . . . , xr ), visto
que xnr 1 |xnr 1 +n2 e xnr 2 |xnr 1 +n2 , segue que xnr 1 | f g(0, . . . , xr ) ou xnr 2 | f g(0, . . . , xr ). Logo,
f g é regular de ordem n1 ou n2 em xr .
Reciprocamente suponha que xm m
r | f g(0, . . . , xr ), então f g(0, . . . , xr ) = xr p(0, . . . , xr ),

ou seja, f (0, . . . , xr ) = xnr 1 f1 (0, . . . , xr ) e g(0, . . . , xr ) = xnr 2 g1 (0, . . . , xr ), onde


n1 + n2 ≥ m.
Assim, f e g são regulares com relação à xr para algumas ordens. 2

Teorema 1.19 Seja f ∈ MR , regular de ordem m com respeito à xs . Dado g ∈ R


existem q ∈ R e r ∈ R0 [xs ] unicamente determinados tais que

g = f q + r,

11
com r = 0 ou grxs (r) < m.

Demonstração: Seja f = fn + · · · + fm + fm+1 + · · · ∈ MR regular em xs de ordem


X∞ m−1
X
i 0
m. Dado g = ai xs ∈ R [[xs ]] considere r−1 = ai xis .
i=0 i=0
Vamos construir qi , ri ∈ K[x1 , · · · , xs ] tais que 0 ≤ grxs (ri ) < m, mult(qi ) > i e
mult(ri ) > i + 1 de modo que
g = f q + r.

Tome p = fn + · · · + fm . Como xs divide f (0, · · · , xs ) então p = cxm


s + p1 (xs ) com

c ∈ K \ {0} e grxs (p1 ) < m.


Note que 1 ≤ n = mult(p) ≤ m e considere


X
h = g − r−1 = hm + hm+1 + · · · = ai xis ∈ R0 [[xs ]], (1.1)
i=m

em que hi0 s são polinômios homogêneos de grau i.


Como hm e p são polinômios, pelo Algoritmo da Divisão para polinômios, existem q0
e r0 ∈ R[x1 , · · · , xs−1 ][xs ] tais que r0 = hm − q0 p com grxs (hm − q0 p) < m.
Observe que hm (0. · · · , xs ) = 0 se, e somente se, q0 = 0. Se q0 = 0 então mult(r0 ) =
m ≥ n, assim, mult(q0 ) ≥ 0 e mult(r0 ) ≥ 1.
Como o coeficiente lı́der de p é invertı́vel podemos considerar p como um polinômio
em K[x1 , · · · , xs−1 ][xs ] e usar o algoritmo da divisão para polinômios, isto é, dados p e
hm − q0 fm+1 ∈ K[x1,··· ,xs−1 ][xs ], então r1 = hm+1 − q0 fm+1 − q1 p com grxs (r1 ) < m e
mult(q1 ) ≥ 1 e, consequentemente, mult(r1 ) ≥ 2.
Com raciocı́nio análogo existe um único q2 ∈ K[x1 , x2 , · · · , xs−1 ][xs ] tal que
grxs (hm+2 − q1 fm+1 − q0 fm+2 − q2 p) < m e mult(q2 ) ≥ 2, desta maneira, mult(r2 ) ≥ 3.
Assim, construı́mos sequências q0 , q1 , q2 · · · e r0 , r1 , r2 · · · tais que

ri = hm+i − q0 fm+i − q1 fm−i+1 − · · · − qi p.

12
Contudo temos que

r0 + r1 + · · · = (hm − q0 p) + (hm+1 − q0 fm+1 − q1 p) + (hm+2 − q0 fm+2 − q1 fm+1 − q2 p) + · · ·

= (hm + hm+1 + · · · ) − q0 (p + fm+1 + fm+2 + · · · ) − · · ·

= (hm + hm+1 + · · · ) − (q0 + q1 · · · )(p + fm+1 + · · · )

= h − qf

=(1.1) qf + r−1 + r0 + · · · .

Tomando r = r−1 + r0 + r1 + · · · e q = q0 + q1 + · · · demonstramos o teorema.


Observe que a unicidade de q e r seguem da unicidade de qi , ri assegurado pelo
algoritmo da divisão para polinômios. 2

Teorema 1.20 (Teorema da preparação de Weierstrass) Dada uma série regu-


lar f ∈ R, de ordem m > 0 com respeito à xs , então existe u ∈ R, com u(0) 6= 0
e a1 , · · · , am ∈ MR0 unicamente determinados por f tais que

f u = xm m−1
s + a1 x s + · · · + am

e mais, se f é regular em xs , então para cada i ∈ {1, · · · , m} temos mult(ai ) ≥ i.

Demonstração: De fato, como xm


s |f (0, · · · , xs ) então f ∈ MR e, pelo algoritmo da

divisão (Teorema 1.19), existem q ∈ R e r ∈ R0 [xs ] tais que xm


s = f q+r, com grxs (r) < m

ou r = 0.
Como xm m m
s |f (0, · · · , xs ), então xs divide xs − (f q)(0, · · · , xs ) = r(0, · · · , xs ). Visto

que grxs (r) < m, segue que r(0, · · · , 0, xs ) = 0 e, implica que, q(0, · · · , 0, xs ) ∈ K\{0}
e q(0, · · · , 0) ∈ K\{0}, portanto, q é invertı́vel. Assim tomando q = u e considerando
r = −(a1 xm−1
s + a2 xm−2
s + · · · + am ) ∈ R0 [xs ] teremos

f u = xm
s + a1 x
m−1
+ · · · + am .

Por outro lado f (0, · · · , xs )u(0, · · · , 0, xs ) = xm


s + a1 (0)x
m−1
+ · · · + am (0) e como
xm
s |f (0, · · · , xs ) então a1 (0) = a2 (0) = · · · = am (0) = 0 e assim ai ∈ MR0 para cada

i ∈ {1, · · · , m}.

13
Se f é regular em xs então m = mult(f ) = mult(f u) = mult(xm
s +a1 x
m−1
+· · ·+am ) e,
para que isso ocorra devemos ter mult(ai xm−i
s ) ≥ m para cada i = 1, · · · , m e, portanto,
mult(ai ) ≥ i. 2

Observe que nos teoremas anteriores é relevante f ser regular, mas nem sempre isso
ocorre. Vamos ver a seguir que uma série não regular, com coeficientes num corpo infinito,
pode se tornar regular através de um automorfismo em R.

Lema 1.21 Seja K um corpo infinito e F uma famı́lia finita de polinômios homogêneos
não nulos em K[y1 , · · · , yr ]. Então existe uma transformação linear T : K[x1 , · · · , xr ] −→
K[y1 , · · · , yr ] tal que para todo f ∈ F com grau m existe cf 6= 0 tal que,

f (T (x1 , · · · , xr )) = cf xm
r + p(xr ),

onde p(xr ) ∈ K[x1 , · · · , xr−1 ][xr ] são termos de grau menor que m em xr .

Demonstração: Considere a transformação T : K[x1 , · · · , xr ] −→ K[y1 , · · · , yr ] defi-


nida por T (xj ) = xj + αj xr , se j ∈ {1, · · · , r − 1} e T (xj ) = αr xr , se j = r. Assim, dado
X
fn (x1 , · · · , xr ) = al1 ,··· ,lr xl11 .xl22 · · · xlrr ∈ F, um polinômio homogêneo de grau n,
l1 +···+lr =n
temos:
X
fn (T (x1 , · · · , xr ))) = al1 ,··· ,lr (x1 + α1 xr )l1 (x2 + α2 xr )l2 · · · (αr xr )lr
l1 +···+lr =n

= (α1 xr )l1 · · · (αr xr )lr + (termos de grau menor que n em xr ).

= α1l1 · · · αrlr · xlr1 +···+lr + (termos de grau menor que n em xr ).

= fn (α1 , · · · , αr ) · xnr + (termos de grau menor que n em xr )..

Tomando cfn = fn (α1 , · · · , αr ) segue que

fn (T (x1 , · · · , xr )) = cfn · xnr + (termos de grau menor que n em xr .

Observe que cada polinômio de F possui um número finito de raı́zes em K r . Já que
F é finito e K é infinito, é possı́vel tomar (α1 , · · · , αr ) ∈ K r tal que f (α1 , · · · , αr ) 6= 0
para todo f ∈ F. Portanto cf = f (α1 , · · · , αr ) 6= 0 para algum (α1 , · · · , αr ) ∈ K r . 2

14
Corolário 1.22 Seja K um corpo infinito. Dada uma famı́lia finita F de elementos não
nulos em R existe um automorfismo linear T de R tal que todos os elementos de T (F)
são regulares na última indeterminada.

Demonstração: Considere f1 , f2 , · · · , fn os polinômios homogêneos que definem as


multiplicidades dos elementos de F.
Pelo lema anterior existe uma transformação T tal que, para todo i ∈ {1, · · · , r},
existe cfi 6= 0 satisfazendo fi (T (x1 , · · · , xr )) = cfi xm
r + pi (xr ).
i

Assim, para cada f ∈ F temos que f ◦ T é regular na última indeterminada. 2

Observe que para construir o automorfismo do corolário anterior, deve-se considerar


a transformação T : R −→ R definida por T (xj ) = xj + αj xr , se j ∈ {1, · · · , r − 1}
e T (xj ) = αr xr , se j = r, de modo que, fi (α1 , · · · , αr ) 6= 0, onde fi são os polinômios
homogêneos que definem as multiplicidades dos elementos de F.

Corolário 1.23 Se f ∈ R \ {0} é uma série de multiplicidade n, então existe T : R −→


R um K-automorfismo, uma unidade u ∈ R e ai ∈ R0 , para i ∈ {1, · · · , r}, tais que
mult(ai ) > i e f (T ) · u = xnr + a1 · xn−1
r + · · · + an .

Demonstração: Pelo corolário anterior existe um automorfismo T de R tal que


f (T (x1 , · · · , xr )) = cf · xnr + (termos de grau menor que n em xr ), ou seja, f ◦ T é
regular em xr de ordem n.
Pelo Teorema de preparação de Weierstrass existe u ∈ R invertı́vel e ai ∈ MR0 ⊂ R
tal que T (f ) · u = xnr + a1 · xn−1
r + · · · + an . 2

Exemplo 1.24 Note que o polinômio f = x2 y 3 + 2xy 2 + xy 2 não é regular com relação
a x ou y. Se consideramos o automorfismo

φ : C[[x, y]] −→ C[[x, y]]


x 7−→ x + y
y 7−→ y

teremos φ(f ) = y 5 + 3y 3 + 3xy 2 + 2xy 4 + x2 y 3 que é regular em y.

15
O estudo de um polinômio é mais simples do que o estudo de uma série de potências.
Agora, dado f ∈ R\{0} não invertı́vel em R, podemos fazer uma mudança de coordena-
das para que possamos preparar f em um polinômio de Weierstrass.

1.3 Fatoração de Séries de Potências


Definição 1.25 Um Pseudo-polinômio em xr é uma série de potências em R da forma

p(x1 , · · · , xr ) = xm m−1
r + a1 x 1 + · · · + am ∈ R0 [xr ]

tal que n > 1 e mult(ai ) > 1.

Observe que todo polinômio de Weierstrass é Pseudo-polinômio.

Definição 1.26 Seja A um domı́nio. Dizemos que um elemento a ∈ A\{0}, não in-
vertı́vel, é irredutı́vel se existem b, c ∈ A tal que a = b · c então, b ou c é unidade.

Lema 1.27 Se f1 , f2 · · · , fs são polinômios mônicos em R0 [xr ] , então f1 f2 · · · fs é Pseudo-


polinômio (respectivamente polinômio de Weierstrass) se, e somente se, para cada i =
1, · · · , s, fi é Pseudo-polinômio (respectivamente polinômio de Weierstrass).

Demonstração: Sejam f1 = xm m−1


r + a1 · x r + · · · + am e f2 = xnr + b1 · xrn−1 + · · · + bn
X
elementos de R0 [xr ], então f1 f2 = xm+n
r + c1 · xm+n−1
r + · · · + cm+n , onde ci = aj · b k
j+k=i
com a0 = b0 = 1.
Se f1 e f2 são Pseudo-polinômios, isto é, para cada i = 1, · · · , s temos mult(ai ) > 1
e mult(bi ) > 1 então,

mult(ci ) = mult(ai + ai−1 b1 + · · · + a1 bi−1 + bi )

> min{mult(ai ), mult(ai−1 b1 ), · · · , mult(bi )} > 1.

Logo, f1 f2 é Pseudo-polinômio.
Da mesma forma, se f1 e f2 são polinômios de Weierstrass então f1 f2 também é.
Analogamente, suponha que f1 f2 é Pseudo-polinômio. Então,

16
mult(f1 ) + mult(f2 ) = mult(f1 f2 ) = m + n.

Como mult(f1 ) ≤ m e mult(f2 ) ≤ n, segue que ai (0) = 0 e bj (0) = 0 para todo


i = 1, · · · , m e j = 1, · · · , n.
Portanto, mult(ai ) > 1 e mult(bj ) > 1 para todo i = 1, · · · , m e j = 1, · · · , n. Logo,
f1 e f2 são Pseudo-polinômios.
Resta mostrar que se f1 f2 é polinômios de Weierstrass, então f1 e f2 são polinômio
de Weierstrass.
Se f1 f2 é polinômio de Weierstrass, então f1 f2 é Pseudo-polinômio e, assim, f1 e f2
são Pseudo-polinômios o que implica que ai (0) = bj (0) = 0 para cada i = 1, · · · , m e
j = 1, · · · , n. Daı́,

mult(f1 ) + mult(f2 ) = mult(f1 f2 ) = mult(f1 f2 (0, · · · , xr )) = m + n.

Visto que mult(f1 ) 6 m e mult(f2 ) 6 n segue que mult(f1 ) = m e mult(f2 ) = n.


Daı́, m = mult(f1 ) = mult(xm m−1
r + a1 x r + · · · + am ) implica que mult(ai xm−i
r )>m
e mult(ai ) > i.
Com raciocı́nio análogo segue que mult(bi ) > i. Logo f1 e f2 são polinômios de
Weierstrass. 2

Lema 1.28 Seja f ∈ R0 [xr ] um Pseudo-polinômio. Então f é redutı́vel em R se, e


somente se, f é redutı́vel em R0 [xr ].

Demonstração: Seja f = xm m−1


r + a1 x r + · · · + am ∈ R0 [xr ] tal que mult(ai ) > 1.
Suponha que f é redutı́vel em R, isto é, f = f1 f2 com f1 , f2 ∈ R\{0} não invertı́veis.
Como f é Pseudo-polinômio, então f é regular de ordem m em xr e, pelo resultado
anterior, f1 e f2 são regulares de ordens m1 e m2 , respectivamente, com relação à xr .
Pelo Teorema de Weierstrass, existem u1 e u2 ∈ R invertı́veis tais que f1 u1 = h1 e
f2 u2 = h2 ∈ R0 [xr ].
Assim,

f = f1 f2 ⇔ f u1 u2 = f1 u1 f2 u2 ⇔ f (u1 u2 ) = h1 h2 .

17
Como f1 e f2 são Pseudo-polinômios em xr , então h1 e h2 são Pseudo polinômios.
Daı́, f = h1 (h2 u−1 −1 −1 −1
2 u1 ), onde h1 e h2 u2 u1 não são invertı́veis. Logo, f é redutı́vel em

R0 [xr ].
Como R0 [xr ] ⊂ R0 , então a redutibilidade em R0 [xr ] implica na redutibilidade em R0 .
Logo, f redutı́vel em R0 [xr ] implica que f é redutı́vel em R0 .
2

Teorema 1.29 R é um domı́nio de fatoração única.

Demonstração: Sejam R = K[[x1 , x2 , · · · , xr ]] e f = am xm m+1


r + am+1 xr + · · · ∈ R,
não invertı́vel, com mult(f ) = m ∈ N.
Se r = 1 podemos reescrever f = xm
r · u onde u = am + am+1 xr + · · · é invertı́vel.

Portanto, f = xm
r · u é uma decomposição para f .

Suponha que R0 = K[[x1 , x2 , · · · , xr−1 ]] é domı́nio de fatoração única e vamos mostrar


que K[[x1 , x2 , · · · , xr ]] também é.
Sejam f, g, h ∈ R0 com f irredutı́vel tal que f divide gh.
Se g é invertı́vel então f |h, isto é, h = f v para algum v ∈ R0 . Analogamente se h é
invertı́vel então g = f v 0 para algum v 0 ∈ R0 .
Podemos supor que h e g são regulares com relação à xr , caso contrário faremos uma
mudança de coordenada.
Se h e g não são invertı́veis, pelo Teorema da Preparação de Weierstrass temos que
m−1 n−1
hu1 = xm n
r−1 + a1 xr−1 + · · · e gu2 = xr−1 + b1 xr−1 + · · · .

Como f é irredutı́vel em R0 temos por um resultado anterior que f é irredutı́vel em


R0 [xr ]. Além disso, pelo Lema de Gauss, R0 [xr ] é domı́nio de fatoração única e desta
forma todo elemento irredutı́vel é primo; Contudo f |gh implica que f |g ou f |h, isto é,
g = f v 0 ou h = f v e, portanto, R é domı́nio de fatoração única. 2

Corolário 1.30 Seja f ∈ R0 [xr ] um Pseudo-polinômio (resp. polinômio de Weiers-


trass) com respeito à xr . Se a decomposição em fatores de irredutı́veis em R é dada por
f = f1 · · · fn , então podemos escolher uma decomposição onde fi é um Pseudo-polinômio
(resp. polinômio de Weierstrass) para cada i = 1, . . . , n.

18
Demonstração: Seja f ∈ R0 [xr ] um Pseudo-polinômio. Como R0 [xr ] é domı́nio de
fatoração única, podemos decompor f = f1 · · · fn como produto de irredutı́veis em R0 [xr ].
Pelo Lema 1.28 , segue que fi é irredutı́vel em R para todo i ∈ {1, · · · , n}.
Além disso, como f é Pseudo-polinômio segue do Lema 1.27 que fi é Pseudo-polinômio
para cada i ∈ {1, · · · , n}. 2

1.4 Teorema da Base de Hilbert-Rückert


Definição 1.31 Um anel A é Noetheriano se todo ideal de A é finitamente gerado.

Teorema 1.32 (Teorema da Base de Hilbert) Se A é Noetheriano, então A[x] é Noethe-


riano.

Demonstração: Seja I um ideal de A[x]. Se I = 0 ou I = A acabou. Caso contrário,


considere J o conjunto formado pelos coeficientes lı́der dos elementos de I. É claro que
J é um ideal de A e, como A é Noetheriano então J é finitamente gerado. Considere
J =< a1 , · · · , ar >.
Vamos denotar por ni e ai o grau do coeficiente lı́der de fi , respectivamente.
Seja n = max{n1 , · · · , nr } e considere Jm ⊆ A, m = 1, · · · , n, o ideal formado por
todos os coeficientes lı́deres dos polinômios de I de grau menor ou igual a m.
Como Jm é ideal de A, então Jm =< am1 , am2 , · · · , amrm >, pois A é Noetheriano.
Considere < f1 , · · · , fr , f01 , · · · , f0r0 , · · · , fn1 , · · · , fnrn >= I 0 e vamos mostrar que
I = I 0.
Temos que I 0 ⊆ I. Suponha que existe, um polinômio de menor grau possı́vel, g ∈
I\I 0 , da seguinte forma, g = axd + · · · ∈ I. Como c é o coeficiente lı́der de g, então
c ∈ J =< c1 · · · , cr >. Daı́ c = b1 c1 + · · · + br cr , com b0i s ∈ A.
Se d > n, então
b1 xd−n1 f1 + · · · br xd−nr fr = b1 xd−n1 (a1 xn1 + · · · ) + · · · + br xd−nr (ar xnr + · · · )
= b1 a1 xd + · · · + br ar xd
= (b1 a1 + · · · + br ar )xd + · · ·
= axd + · · ·

19
Assim,
h = g − (b1 xd−n1 f1 + · · · br xd−nr fr ) ∈ I,

com grau menor que d.


/ I 0 , então temos um absurdo, pois terı́amos um polinômio de grau menor que
Se h ∈
o grau de g.
Se h ∈ I, então g ∈ I, e isto é uma contradição.
Por outro lado, se d < n então a ∈ Jd , isto é, c = b1 ad1 + · · · + brd adrd e temos que

b1 xd−bd1 fd1 + · · · + brd xd−bdrd fdrd = (b1 cd1 + · · · + ar cdrd )xd + · · · ∈ I 0 .

Considere
h = g − b1 xd−bd1 fd1 + · · · + brd xd−bdrd fdrd ∈ I

Se h ∈ I 0 então temos uma contradição, pois

g = h + b1 xd−bd1 fd1 + · · · + brd xd−bdrd fdrd ∈ I.

/ I 0 temos a contradição da minimalidade do grau d de g.


Se h ∈
Logo, I = I 0 .
Portanto A[x] é noetheriano. 2

Teorema 1.33 (Teorema da Base de Rückert) O anel R é Noetheriano.

Demonstração: Seja R = K[[x1 , · · · , xs ]]. Mostraremos por indução sobre s que R é


Noetheriano.
Como K[[x1 ]] é um domı́nio de ideais principais segue que R é Noetheriano quando
s = 1.
Vamos supor que R0 = K[[x1 , · · · , xs−1 ]] é Noetheriano e mostrar que R é Noetheri-
ano.
Seja I um ideal não nulo de R e tome f ∈ I\{0}. Podemos supor que f é regular
com respeito à xr , caso contrário podemos fazer uma mudança de coordenadas visto que
a propriedade de ser Noetheriano é invariante por mudança de coordenadas.

20
Como R0 é Noetheriano por hipótese, então R0 [xs ] é Noetheriano e, assim,
I R0 [xs ] =< g1 , · · · , gm >, onde gi ∈ R para i = 1, · · · , m. Dado h ∈ I, pelo Teo-
T

rema da Divisão existem q ∈ R e r ∈ R0 [xs ] tais que h = f q + r. Daı́, r = h − f q ∈ I e,


consequentemente, r ∈ I R0 [xs ].
T

Assim, r = a1 g1 + · · · + am gm , com ai ∈ R0 [xr ], para i = 1, · · · , m e h = f q + a1 g1 +


· · · + am gm ∈< f, g1 , · · · , gm >.
Logo I =< f, g1 , · · · , gm > e, portanto, R é Noetheriano. 2

1.5 Eliminação
Definição 1.34 Seja A um domı́nio de fatoração única e considere f = a0 y m +a1 y m−1 +
· · · + am e g = b0 y n + b1 y n−1 + · · · + bn ∈ A[y]. Então o resultante de f e g é um elemento
de A definido por:  
a0 a1 a2 ··· am 0 ··· ··· 0
 
0 a0 a1 · · · am−1 am ··· ··· 0
 
 
.. .. .. .. .. .. .. ..
 
..
. . . . . . . . .
 
 
 
··· ··· ··· ··· ··· · · · am
 
 0 a0 
Ry (f, g) = detMf,g = det   .
··· ···
 
 b0 b1 b2 bn−1 bn 0 0 
 
··· ···
 
 0 b0 b1 ... bn−1 bn 0 
.. .. .. .. .. .. .. .. ..
 
 
 . . . . . . . . . 
 
0 ··· ··· ··· b0 ··· ··· ··· bn
m+n

Observe que o produto dos elementos da diagonal principal de Mf,g é an0 bm


n , além

disso, se considerarmos os coeficientes a0i s e b0j s como variáveis, o resultante Ry (f, g) é


um polinômio bi-homogêneo de grau n com relação aos a0i s, e de grau m com relação aos
b0j s.

Lema 1.35 Os polinômios f, g ∈ A[y] possuem fator comum não constante se, e somente
se, existem p, q ∈ A[y]\{0}, com gr(p) < gr(f ) e gr(q) < gr(g), tais que qf = pg.

Demonstração: Suponha que existe k ∈ A[y]\{0} tal que f = kp e g = kq para algum


p, q ∈ A[y]. Então qf = qkp = gp.

21
Reciprocamente, se qf = pg com gr(p) < gr(f ) e gr(q) < gr(g) e f e g não possuem
fatores em comum, então g|q. Mas isto não pode ocorrer pois gr(q) < gr(g).
Logo, f e g possuem termos não constantes em comum. 2

Proposição 1.36 Sejam f = a0 y n + a1 y n−1 + · · · + an e g = b0 y m + b1 y m−1 + · · · + bm


elementos de A[y]\A. Então Ry (f, g) = 0 se, e somente se, a0 = b0 = 0 ou se f e g
possuem fatores comuns não constantes em A[y].

Demonstração: Se a0 = b0 = 0 então a primeira coluna da matriz Mf,g é zero e,


portanto, Ry (f, g) = 0.
Resta mostrar que se a0 6= 0 ou b0 6= 0 então Ry (f, g) = 0 se, e somente se, f e g
possuem fatores comuns não constantes.
Pelo lema anterior, f e g possuem fatores comuns não constantes se, e somente se,
existem p e q em A[y], com gr(q) < gr(g) e gr(p) < gr(f ), tais que f q = gp, ou
equivalentemente:

0 = f (q0 y m−1 + · · · + qm−1 ) + g((−p0 y n−1 ) + · · · + (−pn−1 ))

= f q0 y m−1 + · · · + f qm−1 + −gp0 y n−1 − · · · − gpn−1 . (1.2)

Segue que, B = {f y m−1 , f y m−2 , · · · , f, gy n−1 , · · · , g} é linearmente dependente sobre


o corpo das frações F de A.
Reescrevendo os polinômios de B na base canônica de F n+m , então o determinante
da matriz obtida é exatamente Ry (f, g).
Portanto, Ry (f, g) = 0 se, e somente se, f e g possuem termos comuns não constantes.
2

Corolário 1.37 Sejam f, g ∈ R[y] Pseudo-polinômios com respeito à indeterminada y.


As séries f e g admitem um fator comum não invertı́vel em R[[y]], se, e somente se,
Ry (f, g) = 0.

Demonstração: Sejam f, g ∈ R[y] Pseudo-polinômios com respeito a indeterminada


y.

22
Se f e g admitem um fator comum não invertı́vel em R[[y]], então possuem fator
comum em R[y]. Pela proposição anterior segue que Ry (f, g) = 0.
Reciprocamente, se Ry (f, g) = 0, como a0 6= 0 e b0 6= 0, então pela proposição anterior
f = f1 h e g = g1 h, onde h ∈ R[y] não é invertı́vel. Além disso, pelo Lema 1.27, e pelo
fato de f e g serem Pseudo-polinômios, então h é Pseudo-polinômio. Visto que R[y] é
domı́nio de fatoração única podemos supor que h é irredutı́vel em R[y] e, pelo Lema 1.28,
h é irredutı́vel em R[[y]] e portanto h é não invertı́vel em R[[y]]. 2

Corolário 1.38 Seja A = C{x}, onde C é o corpo dos números complexos, e


x = (x1 , · · · , xn−1 ), f = a0 (x)y n + · · · + an (x) e g = b0 (x)y m + · · · + bm (x) elementos de
C{x}[y] e seja U uma vizinhança de O em Cn−1 , onde ai e bj convergem absolutamente
em U . Então R(α) = 0 se, e somente se, ou a0 (α) = b0 (α) = 0, ou f (α, y) e g(α, y)
admitem raı́zes comum em C, onde R(x) = Ry (f, g) e α ∈ U .

Demonstração: Suponha que R(α) = Ry (f (α, y), g(α, y) = 0. Pela Proposição 1.36,
a0 (α) = b0 (α) = 0 ou f (α, y) e g(α, y) possuem fatores comuns não constantes.
Se a0 (α) = b0 (α) = 0 o corolário é demonstrado.
Senão, existem f1 (α, y), g1 (α, y) e h(α, y) ∈ C[y] tais que f (α, y) = f1 (α, y)k(α, y) e
g(α, y) = g1 (α, y)k(α, y). Como C é algebricamente fechado e f (α, y) e g(α, y) possuem
fatores comuns não constantes, existe y0 tal que f (α, y0 ) = g(α, y0 ) = 0 e, portanto,
admitem raı́zes comuns em C.
Reciprocamente, se a0 (α) = b0 (α) = 0, então pela Proposição 1.36, R(α) = 0.
Por outro lado, se f (α, y) e g(α, y) admitem raı́zes em comum em C, então possuem
fatores em comum em C[y], como C é um domı́nio de fatoração única então, pela Pro-
posição 1.36, R(α) = 0. 2

Proposição 1.39 Se A é um domı́nio de fatoração única e f, g ∈ A[y]\A, então existem


p, q ∈ A[y], com gr(p) < gr(f ) e gr(q) < gr(g), tais que

Ry (f, g) = qf + pg.

23
Demonstração: Sejam f = a0 y n + a1 y n−1 + · · · + an e g = b0 y m + b1 y m−1 + · · · + bm
elementos de A[y]\A.
Se f e g possuem fatores não constantes em comum em A[y] então, pelo Lema 1.35,
existem p e q ∈ A[y] que satisfazem qf + (−p)g = 0, com gr(q) < gr(g) e gr(p) < gr(f ).
Além disso, pela Proposição 1.36, Ry (f, g) = 0 e portanto Ry (f, g) = qf + (−p)g.
Se f e g não possuem fatores não constantes em comum segue que Ry (f, g) 6= 0 e,
podemos escrever,
    
n+m−1 m−1
a a1 a2 · · · am 0 ··· ··· 0 y y f
 0    
  n+m−2   m−2 
 0 a0 a1 · · · am−1 am ··· ··· 0  y   y f 

    
...
 : : : : : : : : : :
    
   
    
 0 ··· ··· ··· ··· ··· · · · am   yn
    
a0   f 
=
  n−1  . (1.3)
  
 b0 b1 b2 · · · bn−1 bn ···   y n−1
 
0 0   y g 
    
  y n−2
  n−2 
 0 b0 b1 · · · . . . bn−1 ···
 
bn 0   y g 
    
    
 : : : : : : : : :  :   : 
    
0 ··· ··· ··· b0 ··· ··· ··· bn 1 g

Substituindo a última coluna da matriz Mf,g pela coluna dos termos independentes
(1.3) obtemos a matriz:
 
m−1
a a1 a2 ··· am 0 ··· ··· y f
 0 
m−2
 0 a0 a1 · · · am−1 am ··· ··· y f 
 
 
..
 : : : . : : : : :
 

 
 0 ··· ··· ··· ··· ··· ···
 
a0 f 
M = .
··· 0 · · · y n−1 g 
 
 b0 b 1 b2 bn−1 bn
 
n−2
··· bn · · · y g 
 
 0 b 0 b1 ... bn−1
 
 
 : : : : : : : : : 
 
0 ··· ··· ··· b0 ··· ··· ··· g
Assim, pelo Método de Crammer temos,
detM detM
1= = ⇒ Ry (f, g) = detM.
detMf,g Ry (f, g)
Considere Ai o cofator de y m−i f e Bj o cofator de y n−j g. Expandindo o determinante
de M usando o Teorema de Laplace obtemos:

24
detM = A1 y m−1 f + A2 y m−2 f + · · · + Am f + B1 y n−1 g + B2 y n−2 g + · · · + Bn g
= (A1 y m−1 + A2 y m−2 + · · · + Am )f + (B1 y n−1 + B2 y n−2 + · · · + Bn )g
Tomando q = A1 y m−1 + A2 y m−2 + · · · + Am e p = B1 y n−1 + B2 y n−2 + · · · + Bn temos
Ry (f, g) = detM = qf + pg. 2

Observe que se f = a0 (y − x1 ) · · · (y − xn ) e g = b0 (y − y1 ) · · · (y − ym ) são elementos


de R00 = A[x1 , · · · , xn , y1 · · · , ym ][y], então Ry (f, g) é um polinômio de R00 .

Lema 1.40 O polinômio Ry (f, g) é homogêneo de grau nm em R00 = A[x1 , · · · , xn , y1 · · · , ym ],


onde n = gry (f ) e m = gry (g).

Demonstração: Sejam f = a0 (y − x1 ) · · · (y − xn ) e g = b0 (y − y1 ) · · · (y − ym ) ∈ R00 [y].


Considere Si0 s e Sj0 s funções elementares simétricas de x0i s e yj0 s respectivamente então,

a0 a0 S1 a0 S2 · · · a0 Sn 0 ··· ··· 0



0 a0 a0 S1 · · · a0 Sn−1 a0 Sn ··· ··· 0



...
: : : : : : : :



··· ··· ··· ··· ··· ···

0 a0 a0 Sn
Ry (f, g)(x, y) =
b0 b0 S10 b0 S20 · · · 0 0
···

b0 Sm−1 b0 Sm 0 0

b0 S10 · · · 0 0
···

0 b0 ... b0 Sm−1 b0 S m 0


: : : : : : : : :

0
··· ··· ··· ··· ··· ···

0 b0 b0 Sm


1 S1 S2 ··· Sn 0 ··· ··· 0



0 1 S1 ··· Sn−1 Sn ··· ··· 0



...
: : : : : : : :



0 ··· ··· ··· ··· ··· ···

m n
1 Sn
= a0 b 0 .
S10 S20 ··· 0 0
···

1 Sm−1 Sm 0 0

S10 ··· 0 0
···

0 1 ... Sm−1 Sm 0


: : : : : : : : :

0
0 ··· ··· ··· ··· ··· · · · Sm

1
Assim,

25

2 n
1 T S1 T S2 · · · T Sn 0 ··· ··· 0



0 1 T S1 ··· T n−1 Sn−1 T n Sn ··· ··· 0



..
: : : . : : : : :



··· ··· ··· ··· ··· ··· T n Sn

m n
0 1
Ry (f, g)(T x, T y) = a0 b0
1 T S10 T 2 S20 · · · 0
T m−1 Sm−1 0
T m Sm ···

0 0

T S10 ··· 0
T m−1 Sm−1 0
T m Sm ···

0 1 ... 0


: : : : : : : : :

0
··· ··· ··· ··· ··· · · · T m Sm

0 1

Se multiplicarmos a linha l da matriz que nos dá Ry (f, g)(T x, T y) por T l−1 , para cada
l ∈ {2, · · · m} {m − 2, · · · , m + n}, então o novo determinante é dado por T M Ry (f, g),
S

onde M = (1 + · · · + (m − 1)) + (1 + · · · + (n − 1)).


Por outro lado, se multiplicarmos a coluna l da matriz que nos dá Ry (f, g)(x, y) por
T l−1 , para cada l ∈ {2, · · · , m + n}, obtemos T N Ry (f, g)(x, y), onde N = 1 + · · · + (m +
n − 1).
Daı́,
T M Ry (f, g)(T x, T y) = T N Ry (f, g)(x, y),

como N − M = nm > 0, esta igualdade implica que

Ry (f, g)(T x, T y) = T N −M Ry (f, g)(x, y).

Portanto, Ry (f, g) é homogêneo de grau mn. 2

Proposição 1.41 Sejam K um corpo, f = a0 y n +a1 y n−1 +· · ·+an e g = b0 y m +b1 y m−1 +


· · · + bm elementos de K[y]\K. Considere E uma extensão do corpo K que contém as
raı́zes α1 , · · · , αn e β1 , · · · , βm de f e g, respectivamente, então,
n Y
Y m n
Y m
Y
Ry (f, g) = am n
0 b0
m
(αi − βj ) = a0 nm n
g(αi ) = (−1) b0 f (βj ).
i=1 j=1 i=1 j=1

Demonstração: Considere f = a0 (y − x1 ) · · · (y − xn ) e g = b0 (y − y1 ) · · · (y − ym )
elementos de R00 [y]. Se xi = yj , então f e g possuem raiz em comum.

26
Pela Proposição 1.36, Ry (f, g) = 0 e, assim, (xi − yj ) divide Ry (f, g) para todo i e j.
Além disso, xi − yj e xr − ys são coprimos sempre que (xi , yj ) 6= (xr , ys ) e disso segue que
P divide Ry (f, g), onde
n Y
Y m
P = am n
0 b0 (xi − yj ).
i=1 j=1

O termo de menor grau em Ry (f, g) que contém somente as indeterminadas (y1 , · · · , ym )


01
é am
0 Sm .

Além do mais,
n Y
Y m
P = am n
0 b0 (xi − yj )
i=1 j=1
n
Y
m n
= a0 b 0 (xi − y1 )(xi − y2 ) · · · (xi − ym )
i=1
n
Y
= am
0 b0 (xi − y1 )(xi − y2 ) · · · (xi − ym )
i=1
Yn
= am
0 g(xi ).
i=1

Por outro lado,


n Y
Y m
P = am n
0 b0 (xi − yj )
i=1 j=1
Ym
= am n
0 b0 (x1 − yj )(x2 − yj ) · · · (xn − yj )
j=1
Ym
= am n
0 b0 (−1)n (yj − x1 )(yj − x2 ) · · · (yj − xn )
j=1
m
Y
= (−1)mn bn0 a0 (yj − x1 )(yj − x2 ) · · · (yj − xn )
j=1
Ym
= (−1)mn bn0 f (yj ).
j=1
Qn
O termo de menor grau em P = am
0 i=1 g(xi ) que contém somente as indeterminadas
0n
y1 , · · · , ym também é am
0 S1 .

Contudo,
n Y
Y m n
Y m
Y
P = am n
0 b0
m
(xi − yj ) = a0 mn n
g(xi ) = (−1) b0 f (yj ).
i=1 j=1 i=1 j=1

27
O resultado segue se substituirmos xi por αi e yj por βj . 2

X X
Definição 1.42 Dada a série f = ai1 ,i2 xi1 y i2 ∈ K[[x, y]], definimos a derivada
i=0 i1 +i2 =i
da série f com relação à variável y por

X X
Dy (f ) = i2 ai1 ,i2 xi1 y i2 −1
i=0 i1 +i2 =i

Definição 1.43 Seja A um domı́nio de fatoração única, f ∈ A[y] e fy a derivada de f


com relação à indeterminada y. Definimos o discriminante Dy (f ) de f como

Dy (f ) = Ry (f, fy ).

Observe que se f ∈ A[y] é um polinômio de Weierstrass, então Dy (f ) = Ry (f, fy ) 6=


0 se, e somente se, o único fator em comum entre f e fy é unidade. Assim, como
f = f1n1 · · · fsns e fy = n1 · · · ns f1n1 −1 · · · fsns −1 segue que Dy (f ) 6= 0 se, e somente se,
n1 = n2 = · · · = ns = 1.

Definição 1.44 Seja f ∈ A[y]. Dizemos que f é reduzido quando Dy (f ) 6= 0. Se


f = f1n1 · · · fsns definimos a redução de f como red(f ) = f1 f2 · · · fs .

Proposição 1.45 Se K é um corpo e f = a0 y n + · · · + an ∈ K[y]\K, onde as raı́zes


α1 , · · · , αn de f estão contidas em K, então
Y
Dy (f ) = a02n−1 (αi − αj ).
i6=j

Demonstração: Pela Proposição 1.41 temos:


n
Y
Dy (f ) = Ry (f, fy ) = a0n−1 fy (αi ).
i=1
Q
Além disso, fy (αi ) = a0 i6=j (αi − αj ) e daı́

n
Y Y n
Y
Dy (f ) = an−1
0
n−1 n
a0 (αi − αj ) = a0 a0 (αi − αj )
i=1 i6=j i=1,i6=j
n
Y
= a2n−1
0 (αi − αj ).
i=1,i6=j

28
Capı́tulo 2

Curvas Algébricas Planas

Em geral a curva algébrica plana dada por f é definida como sendo o lugar geométrico
dos pontos que satisfazem f (x, y) = 0. O polinômio f não fica bem determinado pela
curva pois, podemos obter a mesma curva por polinômios diferentes. Por exemplo, f = 0
e f 2 = 0 tem a mesma solução. Mais ainda, xy = 0 e xy 2 = 0 têm soluções idênticas.
Observe que nestes exemplos, os polinômios possuem os mesmos termos irredutı́veis. Dito
isso, podemos afirmar que dois polinômios em duas variáveis com coeficientes num corpo
têm as mesmas soluções se, e somente se, possuem os mesmos fatores irredutı́veis? A
resposta é “sim”, como vemos no próximo resultado.

Proposição 2.1 Se f e g são elementos de K[x, y], então f(x,y) e g(x,y) possuem as
mesmas soluções se, e somente se, têm os mesmos fatores irredutı́veis.

Demonstração: Vamos mostrar que todo fator irredutı́vel de f divide g em K[x, y].
Seja p ∈ K[x, y] um fator irredutı́vel de f e note que, se (x, y) ∈ K 2 que é raiz de p
então também é raiz de g. Como p é irredutı́vel em K[x][y] e K[x][y] ⊂ K(x)[y], então p
é irredutı́vel em K(x)[y]. Suponha que mdc(p, g) = 1, então existem a, b ∈ K(x)[y] tais
que,
ap + bg = 1.
a0 b0
Visto que a, b ∈ K(x)[y], podemos escreve-los como a = c
eb= c
e obtemos,

29
a0 p + b0 g = c.

Há infinitos valores para x tais que c(x) = 0, por outro lado p(x, Y ) = 0 para um
número finito de valores de x e consequentemente o mesmo acontece para g(x, Y ), o que
é um absurdo. Logo, p divide g em K[x][y] e consequentemente em K[x, y]. 2

Observe que dadas duas curvas com mesmas soluções então, pela proposição anterior,
elas têm os mesmos fatores irredutı́veis e, assim, elas só se diferenciam por uma unidade.
Estudamos propriedades algébricas de f (x, y) como um elemento de K[[x, y]] visto
que o estudo das singularidades de uma curva algébrica plana, ou uma curva analı́tica
em C2 , é representada localmente por uma equação do tipo f (x, y) = 0.
Dadas duas séries f, g ∈ R \ {0}, dizemos que f ∼ g se existe uma unidade u ∈ R tal
que f = ug.
A relação ∼ é uma relação de equivalência e a classe de f ∈ R\{0}, denotada por
(f ), é chamada de Curva Algébrica Plana.
Assim (f ) = (g) se, e somente se, existe uma unidade u ∈ R tal que f = ug.
Como a curva é uma classe de equivalência podemos representá-la por qualquer ele-
mento da classe. As propriedades locais da curva algébrica (f ) e de seus representantes
são as mesmas, assim, de agora em diante quando nos referimos a curva algébrica (f )
podemos nos referir como “a curva algébrica f ” ou “a curva algébrica determinada por
f ”.

Definição 2.2 Uma curva algébrica plana (f ) é regular se mult(f ) = 1. Se mult(f ) > 1
a chamamos de singular.

Definição 2.3 Uma série f é redutı́vel em R se existem fi , fj ∈ R, não associados e


com fi 6= fj , tais que f = fi fj . Caso contrário, dizemos que f é irredutı́vel.
P∞ 2 i+1
Exemplo 2.4 A série f = 2y + i=0 (−i) xy é irredutı́vel em C[[x, y]], pois
f = y(2 + ∞ 2 i
P
i=0 (−i) xy ).

Exemplo 2.5 O polinômio g = −xy 3 − y 3 + x2 + x é irredutı́vel em C[[x, y]] mas é


redutı́vel em C[x][y], pois g = (x − y 3 )(x + 1) e (x + 1) é unidade em C[[x, y]] mas não é
unidade em C[x, y].

30
Vamos ver a seguir que através de um K-automorfismo é possı́vel efetuar mudanças
de coordenadas em K[[x, y]] e algumas propriedades de curvas algébricas planas são
preservadas.

Definição 2.6 Duas curvas algébricas planas (f ) e (g) são equivalentes, isto é,
(f ) ∼ (g), se existe um K-automorfismo φ de K[[x, y]] tal que (φ(f )) = (g), isto é,
existe uma unidade u ∈ K[[x, y]] tal que φ(f ) = u.g

Quando uma curva é equivalente a um polinômio de Weierstrass podemos supor que


a curva é dada pelo polinômio de Weierstrass.
Curvas equivalentes preservam irredutibilidade, multiplicidade dentre outras propri-
edades. Nos preocupamos com as propriedades de curvas algébricas planas irredutı́veis
que são invariantes pela a relação de equivalência.
Com relação a curvas equivalentes e regularidade segue a seguinte proposição:

Proposição 2.7 Se (f ) e (g) são curvas regulares então (f ) ∼ (g).

Demonstração: Sejam (f ) e (g) duas curvas regulares. Como mult(f ) = mult(g) = 1


então f = ax + by + ... e g = cx + dy....
Assim, existem as seguintes possibilidades: a 6= 0 e c 6= 0, ou a 6= 0 e d 6= 0, ou c 6= 0
e b 6= 0, ou b 6= 0 e d 6= 0.
Se a 6= 0 considere o seguinte K-automorfismo:

φ : K[[x, y]] −→ K[[x, y]]


x 7−→ f
y 7−→ y.
Assim, φ(x) = f ou seja (x) ∼ (f ).
Analogamente se b 6= 0 temos (y) ∼ (f ), se c 6= 0 então (x) ∼ (g) e, se d 6= 0 temos
(y) ∼ (g). Além disso (x) ∼ (y).
Logo, (f ) ∼ (g).

Exemplo 2.8 Observe que verificar se duas curvas são equivalentes nem sempre é uma
tarefa simples. Considere as curvas (f ) e (g) onde:

f = y 2 − x3

31
g = −8x3 + 16x4 + 24x2 y + 9y 2 .

É difı́cil responder de imediato se (f ) é equivalente a (g) já que a única informação


que temos é que mult(f ) = mult(g).
Mas (f ) ∼ (g) pois, se considerarmos,

φ : C[[x, y]] −→ C[[x, y]]


x 7−→ 2x
y 7−→ 4x2 + 3y

teremos φ(f ) = u · g, onde u = 1.

Definição 2.9 Seja (f ) uma curva algébrica plana tal que f = fn + fn+1 ..., chamamos
(fn ) de cone tangente da curva (f ).

Observe que todo polinômio homogêneo com duas indeterminadas e coeficientes num
corpo algebricamente fechado decompõe-se em fatores lineares, então podemos escrever
s
Y
fn = (ai x + bi y)ri ,
i=1
Ps
onde i=1 ri = n e ai bj − aj bi 6= 0 sempre que i 6= j.
O cone tangente de (f ) consiste nas formas lineares (ai x + bi y) com multiplicidade ri ,
chamadas de retas tangentes de f .
Observe que se (f ) é regular, então o cone tangente (f1 ) consiste em uma reta tangente
de multiplicidade 1.

Exemplo 2.10 Seja f (x, y) = 4y 2 − x3 .


A forma inicial de f é f2 = 4y 2 = (0x + 2y)2 . O cone tangente da curva (f ) é (4y 2 )
com retas tangentes (2y) com multiplicidade 2.

P∞ i
Exemplo 2.11 Considere g(x, y) = i=0 (−1) (x + y)i+3 . A forma inicial de
f é f3 = (x + y)3 , e o cone tangente é ((x + y)3 ), com retas tangentes (x + y) que
possuem multiplicidade 3.

32
2.1 Teorema de Newton-Puiseux

f
Seja K((x)) o corpo das frações sobre K[[x]]. Dado h = ∈ K((x)) \ {0}, visto que
g
f = xn u e g = xm v, com m, n ∈ N, u e v unidades em K[[x]], nós temos que

f xn u
h= = m = xn−m uv −1 = xr w,
g x v
onde r ∈ Z e w é unidade em K[[x]].
Assim, os elementos h de K((x)) são da forma:

a−m x−m + a−m+1 x−m+1 + · · · + a−1 x−1 + a0 + a1 x + a2 x2 + · · · ,

onde m ∈ N e ai 0 s são elementos de K.


Os elementos de K((x)) são chamados de séries de potências formais de Laurent.

Exemplo 2.12 Considere f = x3 + 2x + 7 ∈ C[[x]] e g = x2 + 2x ∈ C[[x]]. Temos

f x3 + 2x + 7 1(x3 + 2x + 7)
h= = = = x−1 (x2 + 2x + 7)(x + 2)−1 .
g x2 + 2x x(x + 2)
Vimos no exemplo 1.5 que

−1
X xi
(x + 2) = ,
i=0
2i+1

assim,
1 x x2
h = x−1 (x3 + 2x + 7)( + + + · · · ).
2 4 8
Portanto,
7 11 15 15
h = x−1 + + x + x2 + x3 + · · · .
2 4 16 32

De agora em diante considere char(K) = 0 e K((x)) o fecho algébrico de K((x)).


As raı́zes da equação y n − x = 0 estão contidos em K((x)) para todo n ∈ Z∗+ ,
1
consequentemente K((x)) deve conter os elementos da forma x n , que apresentam as
seguintes relações:

1
i) x 1 = x.

33
m m
ii) x( rn )r = x n ∀m, n ∈ Z e n, r > 0.

1
Deste modo obtemos a extensão K((x n )) de K((x)).
Recordamos da Teoria de Galois, que se F/K é uma extensão de corpos, então o
conjunto G(F/K) = {σ : F → F ; σ é K-automorfismo}, munido com a operação de
composição, é um grupo, denominado grupo de Galois da extensão F/K.

Definição 2.13 Seja F/K uma extensão de corpos. Se o grupo de Galois G(F/K)
é finito e K = {a ∈ F, σ(a) = a, ∀σ ∈ G(F/K)}, então F/K é chamada extensão
Galoisiana.

Denotamos Un o grupo multiplicativo das n-ésimas raı́zes da unidade em K, isto é,


Un = {a ∈ F ; an = 1}.
1
O grupo multiplicativo (Un , ·) é cı́clico gerado por < 1 n >. Um elemento gerador de
1
Un é chamado raiz n-ésima primitiva da unidade. Além disso, K((x n )) é K-isomorfo a
K((x)), bastando considerar o seguinte K-automorfismo:
1
ϕ : K((x)) −→ K((x n ))
1
.
x 7−→ x n .
1
Temos do Corolário 1.15 que, para qualquer K-automorfismo σ de K((x n )) temos,
1 1 1 1 1
σ(x n ) = x n u(x n ), onde u(x n ) ∈ K[[x n ]] é unidade.

1
Lema 2.14 A extensão de corpos K((x n ))/K((x)) é finita e galoisiana, com o grupo de
Galois isomorfo ao grupo Un .

1 1 1
Demonstração: Seja G = G(K((x n ))/K((x))) e σ : K((x n )) → K((x n )) um
1 1 1 1 1
K((x))−automorfismo de G. Então existe bσ (x n ) ∈ K[[x n ]] tal que σ(x n ) = bσ (x n )x n
1 n 1 1 n
e, assim, bσ (x n ) x = σ(x n )n = σ(x) = x e desta forma bσ (x n ) = 1 e bσ ∈ Un .
Para mostrar que G é isomorfo a Un , defina:

f : G −→ Un
.
σ 7−→ bσ

34
1 1
Dados x n ∈ K((x n )) e σ, ρ ∈ G, então

1 1 1 1 1 1 1 1
x n bσ◦ρ (x n ) = σ ◦ ρ(x n ) = σ(ρ(x n )) = σ(bρ (x n )x n ) = σ(bρ (x n ))σ(x n )
1 1 1 1 1
= bρ (x n )bσ (x n )x n = bρ bσ (x n )x n

e, portanto, f é homomorfismo.
P i 1
Além disso, dado ai x n ∈ K((x n )) suponha f (σ) = f (ρ).

i i i i i
X X X X
σ( ai x n ) = σ(ai )σ(x n ) = ai σ(x n ) = ai bσ (x n )x n
i i i i
X X X
= ai bσ (x n )x n = ai ρ(x n ) = ρ( ai x n ).

Segue que f é injetora e, da maneira que foi definida f , segue que f é sobrejetora e,
portanto, f é um isomorfismo.
1 1
Considere K((x n ))G = {a ∈ K((x n )); σ(a) = a, ∀σ ∈ G} e vamos mostrar que
1
K((x n ))G = K((x)).
1 1
Sabemos que K((x)) ⊂ K((x n ))G , resta mostrar que K((x n ))G ⊂ K((x)).
i 1
X
Suponha que para todo a ∈ Un , dado bi x n ∈ K((x n )), para σ ∈ G temos,
i≥i0

i i i i
X X X X
bi x n = σ( bi x n ) = bi σ(x n ) = bi ai x n .
i≥i0 i≥i0 i≥i0 i≥i0

Assim, bi = bi ai para todo i ≥ i0 .


Se n - i, como a ∈ Un , então bi = 0, pois bi (1 − ai) = 0.
i
Se n | i então bi ai x n ∈ K((x)).
i
X 1
Logo, bi x n ∈ K((x)) e, portanto, K((x n ))G = K((x)).
i≥i0
2
1
Contudo temos que que K((x n )) ⊂ K((x)) ⊂ K((x)).
1
Definição 2.15 Denotamos por K((x))∗ a união de K((x n )) para todo n ∈ N \ {0}, isto
é,

1
[
K((x))∗ = K((x n )) ⊂ K((x)).
n∈N

35
p1 p2
Observe que os elementos de K((x))∗ são da forma α = b1 x q1  + b2 x q2 + ·· · , onde
pi pi+1 pi
bi ∈ K, pi e qi ∈ Z∗ com qi > 0 e > com i ∈ N. Além disso , i ∈ N∗ admite
qi qi+1 qi
denominador comum.
p1
Se b1 6= 0, então mult(α) = e, como demonstrado anteriormente, dados α e
q1
β ∈ K((x))∗ , temos:

i) mult(αβ) = mult(α)mult(β);

ii) mult(α + β) ≥ min{mult(α), mult(β)} e a igualdade vale quando


mult(α) 6= mult(β);

iii) mult(0) = ∞.

1
Definição 2.16 Denotamos por K[[x]]∗ a união de K[[x n ]] para todo n ∈ N \ {0}, isto
é,
1
[
K[[x]]∗ = K[[x n ]].
n∈N

Os elementos de K[[x]]∗ são da mesma forma que os elementos de K((x)), com


mult(α) ≥ 0.

Lema 2.17 K((x))∗ é subcorpo de K((x)).

Demonstração: De fato, 0, 1 ∈ K((x))∗ e dados f e g elementos de K((x))∗ , então


i 1 j 1
f = ni=0 ai x n ∈ K((x n )) e g = nj=0 bj x m ∈ K((x m )).
P P
1 1 1 1
Além disso K((x n )) ⊂ K((x m.n )) e K((x m )) ⊂ K((x m.n )), desta forma, f + g, f g e
1
f g −1 são elementos de K((x mn )) ⊂ K((x))∗ e, portanto, K((x))∗ é subcorpo de K((x)).
2

Teorema 2.18 (Teorema de Newton-Puiseux) Temos que K((x)) = K((x))∗ .

Demonstração: Se mostrarmos que K((x))∗ é alge1bricamente fechado teremos que


K((x)) = K((x))∗ .
Vamos mostrar que dado p ∈ K((x))∗ [y], com grau maior ou igual a dois, então p é
redutı́vel em K((x))[y].

36
Seja p(x, y) = y n + a1 y n−1 + · · · + an ∈ K((x))∗ [y] com gry (p) ≥ 2.
Tome o seguinte K((x))∗ -isomorfismo:

φ : K((x))∗ [y] → K((x))∗ [z]


.
y 7→ z − n−1 a1 (x)
Usando o binômio de Newton temos,

a1 n a1
q(x, z) = φ(p(x, y)) = (z − ) + a1 (z − )n−1 + · · · + an
n n
n n−1
X n! a1 X (n − 1)! a1
= (−1)k z n ( )n−k + (−1)k z n−1 ( )n−k−1 + · · ·
k=0
k!(n − k)! n k=0
k!(n − k − 1)! n
nnz n−1 a1 a1
= z − + · · · + a1 (z n−1 − (n − 1)z n−2
n n−1
n n−2
= z + b2 (x)z + · · · + bn (x).

Com esta mudança de variáveis eliminamos o termo de grau n−1 no polinômio p(x, y)
e obtemos o polinômio q(x, z) ∈ K((x))∗ [z].
Se bi (x) = 0, para todo i = 2, · · · , n, então q(x, z) = z n é redutı́vel em K((x))∗ [z] e,
portanto, p é redutı́vel em K((x))∗ [y].
Por outro lado, se bi (x) 6= 0, para algum i ∈ {2, · · · , n}, faremos uma nova mudança
de variáveis e transformaremos os elementos de K((x))∗ [z] em elementos de K((w))∗ [z].
Considere mult(bi (x)) = ui e u = min{ uii , 2 ≤ i ≤ n}.
ur
Dado r ∈ N tal que u = , considere o seguinte isomorfismo de K-álgebras.
r

ϕ : K((x))∗ [z] → K((w))∗ [z]


x 7→ wr
z 7→ zwur .

37
Temos que ϕ preserva o grau do polinômio em z, além disso,

h(w, z) = w−nur ϕ(q(x, z)) = w−nur q(wr , zwur )

= w−nur (z n wnur + b2 (wr )z n−2 wur (n−2) + · · · + bn (wr ))

= z n + b2 (wr )z n−2 w−2ur + · · · + w−nur bn (wr )

= z n + c2 (w)z n−2 + · · · + cn (w)


Xn
n
= z + ci (w)z n−i , onde ci (w) = bi (wr )w−iur .
i=2

ui ur
Note que ≥ , para todo i ≥ 0 e disso, segue que
i r
mult(ci ) = mult(bi (wr )) + mult(w−iur ) = rui − iur ≥ 0.

Quando i = r temos mult(cr ) = 0, consequentemente cr (0) 6= 0 e, desta forma,


ci (w) ∈ K[[w]]∗ .
Então existe k ∈ Z∗+ tal que
n
X
k n
h(w , z) = z + ci (wk )z n−i ∈ K[[w]][z].
i=2

Afirmação: h(0, z) tem pelo menos duas raı́zes distintas.


De fato, suponha que h(0, z) tenha exatamente uma raiz α. Então

h(0, z) = (z − α)n = z n − nαz n−1 + · · · + αn .

Mas h(0, z) não possui termos de grau n − 1, ou seja, nα = 0, isto é, char(K) = n o
que é um absurdo pois estamos trabalhando com char(K) = 0.
Logo h(0, z) tem pelo menos duas raı́zes distintas, ou seja, h(0, z) = p(z)q(z), onde
p(z) e q(z) ∈ K[z]
Agora, pelo Lema de Hensel (Lema 1.14), existem dois polinômios unicamente deter-
minados h1 (w, z), h2 (w, z) ∈ K[[w]][z] com grz (h1 ) ≥ 1 e grz (h2 ) ≥ 1 tais que,

h(wk , z) = h1 (w, z)h2 (w, z).

Como h(w, z) = w−nur ϕ(q(x, z)) então,


1 1
ϕ(q(x, z)) = wnur h(w, z) = wnur h1 (w k , z)h2 (w k , z).

38
1
Além disso, ϕ−1 (w) = x r assim,
1 1
q(x, z) = ϕ−1 (wnur h1 (w k , z)h2 (w k , z)
1 1
= ϕ−1 (wnur )ϕ−1 (h1 (w k , z))ϕ−1 (h2 (w k , z))
nur 1 1
= x r ϕ−1 (h1 (w k , z))ϕ−1 (h2 (w k , z))

Logo, q(x, z) é redutı́vel em K((x))∗ [z] e, portanto, K((x))∗ é algebricamente fechado.


2

2.2 Extensões de Corpos das Séries de Laurant


1
Vimos que o grupo de Galois da extensão K((x n ))/K((x)) é isomorfo a Un então, dados
i 1
X
α= bi x n ∈ K((x n )) e ρ ∈ Un , definimos a seguinte ação:
i≥i0

1 i
X X
ρ∗α= bi (ρx n )i = bi ρ i x n . (2.1)
i≥i0 i≥i0

1
Lema 2.19 Seja α ∈ K((x))∗ \ K((x)) e n = min{m; α ∈ K((x m ))}. Considerando α
1
um elemento de K((x n )) então, para todo ρ, θ ∈ Un , com ρ 6= θ, temos θ ∗ α 6= ρ ∗ α.

Demonstração: Suponha que existam ρ, α ∈ Un , com ρ 6= α, tal que θ ∗ α = ρ ∗ α.


i 1
X1
Dado α = ϕ(x ) = n bi x n ∈ K((x n )), com n ≥ 2, temos
i≥i0

1 1
θ ∗ α = ρ ∗ α ⇔ ϕ(θx n ) = ϕ(ρx n )
i i
⇔ θi x n = ρi x n , sempre que bi 6= 0
⇔ θi = ρi , para todo i tal que bi 6= 0.

Afirmação: Para cada i tal que bi 6= 0 temos que mdc(i, n) = 1.


De fato, seja di = mdc(n, i) para os quais bi 6= 0 e considere d = min{di }.
i i0 1
Se d 6= 1 então d|n e d|i, daı́ bi x n = bi x n0 , onde n0 = nd . Assim, α ∈ K((x n0 )). Mas
1
n0 < n
d
< n = min{q; α ∈ K((x q ))}, o que é um absurdo.
Assim, para cada bik 0 s 6= 0 existem uk 0 s ∈ Z e v ∈ Z que satisfazem:

vn + u1 i1 + u2 i2 + · · · + uk ik = 1

39
e
θ = θ1 = θnv · θu1 i1 · · · · θun in = ρnv · ρu1 i1 · · · · ρun in = ρ

mas isso é um absurdo pois, por hipótese, θ 6= ρ.


2

A seguir descrevemos as principais extensões algébricas de K((x)) que são obtidas


pela adjunção de K((x)) com um elemento algébrico α.
Pelo Lema 3.7 da referência [7] temos K((x))(α) = K((x))[α] = {p(α); p ∈ K((x))[y]}.

1
Teorema 2.20 Dado α = ϕ(x n ) ∈ K((x))∗ \K((x)), onde n = min{q ∈ N; α ∈
1
K((x q ))} então:

1
i) K((x))[α] = K((x n ));
n
1
Y
ii) g(x, y) = (y − ϕ(ρi x n )) é o polinômio minimal de α sobre K((x)), onde ρ é um
i=1
gerador fixado do grupo Un ;

iii) g(x, y) = y n + a1 y n−1 + · · · + an (x) ∈ K((x))[y], onde


 
an (x)
mult(ai (x) ≥ i · mult(α) = i · mult .
n

A igualdade é válida quando i = n. Se mult(α) ≥ 1, então g(x, y) ∈ K[[x]][y] é


um polinômio de Weierstrass e, se mult(α) ≥ 0, então g(x, y) ∈ K[[x]][y] é um
Pseudo-polinômio.

Demonstração:
1
i) Para mostrar que K((x))[α] = K((x n )) vamos mostrar que:

1
G0 = G(K((x n ))/K((x))[α]) = (1).

.
1
Considere G = G(K((x n ))/K((x))).
Afirmação: G0 = {g ∈ G; g ∗ α = α}, onde ∗ é definida como em (2.1).
1 1
De fato, seja σ ∈ G0 . Então σ : K((x n )) −→ K((x n )) e é K((x))[α]-automorfismo,
isto é, σ(p) = p para todo p ∈ K((x))[α]. Em particular, σ fixa os elementos de K((x)) ⊂

40
1 1
K((x))[α]. Além disso, α ∈ K((x))[α] e, portanto, σ : K((x n )) −→ K((x n )) é um
K((x))-automorfismo e σ ∗ α = α. Portanto, G0 ⊂ {g ∈ G; g ∗ α = α}.
Por outro lado, dado g ∈ G considere

f = a0 + a1 (x)α + · · · + ak (x)αk

então,

g ∗ f = a0 + a1 (x)g ∗ α + · · · + ak (x)g ∗ αk = a0 + a1 (x)α + · · · + ak (x)αk = f

e, portanto, G0 = {g ∈ G; g ∗ α = α}.
Pelo Lema 2.19 temos que g ∗ α = α implica que g = 1 e, disso segue que, G0 = (1).
1
Logo K((x))[α] = K((x n )).
ii) Já vimos que G ∼
= Un assim,
 1

n = gry (g(x, y)) = G(K((x n ))/K((x))) .

Além disso, como g(x, y) ∈ K((x))[y], temos g(x, y) irredutı́vel em K((x))[y].


iii) Os coeficientes de g(x, y) são dados por ai (x) = (−1)i Si , onde Si é um elemento
dos polinômios simétricos e i = 1, · · · , n. Além disso, pelo item (ii), para j = 1, · · · , n,
temos,
1 1
mult(αj ) = mult(ϕ(ξx n )) = mult(ϕ(x n )) = mult(α).

Visto que ,

mult(an (x)) = mult((−1)n Sn (α1 , · · · , αn )) = mult(α1 · · · αn ) = n.mult(α),


mult(an )
temos que, mult(α) = . Daı́, para j = 1, · · · , n,
n
mult(an (x))
mult(aj (x)) = mult((−1)j Sj (α1 , · · · , αn ) ≥ j.mult(α) = j. .
n
Observe que se mult(α) ≥ 1 então mult(αj (x)) ≥ j e, se mult(α) > 0 então
mult(aj (x)) > 0.
2

1
Corolário 2.21 Toda extensão finita de K((x)) é da forma K((x n )) para algum
n ∈ N \ {0}.

41
Demonstração: Como char(K((x))) = 0 então toda extensão L de K((x)) é separável,
além disso pelo Teorema do Elemento Primitivo (ver Teorema 3.3.4, p. 81 de [6]), existe
α ∈ L tal que K((x))[α] = L e, pelo item (i) do Teorema 2.20 , temos que K((x))[α] =
1
K((x n )). 2

Corolário 2.22 Seja f ∈ K((x))[y] um polinômio mônico, irredutı́vel, de grau n ≥ 1, e


seja α ∈ K((x))∗ uma raiz de f . Então,
1
i) n = min{q ∈ N; α ∈ K((x q ))}.
n
1
Y
ii) f (x, y) = (y − ϕ(ξ i x n )), onde ξ ∈ Un .
i=1

iii) Se f ∈ K[[x]][y] é um polinômio de Weierstrass (respectivamente Pseudo-polinômio)


então mult(α) ≥ 1 (respectivamente mult(α) > 0). Em particular α ∈ K[[x]]∗ .
1
Demonstração: i) Pelo teorema anterior α = ϕ(x q ) ∈ K((x))∗ , onde n = min{q ∈
1
N; α ∈ K((x n ))}.
ii) Segue do Teorema anterior, pois f é polinômio minimal de α sobre K((x)).
iii) Seja f (x, y) = y n + a1 (x)y n−1 + · · · + an (x) um polinômio de Weierstrass. Por
hipótese temos,

0 = αn + a1 (x)αn−1 + · · · + an (x) ⇒ −αn = a1 (x)αn−1 + · · · + an (x)

⇒ mult(−αn ) = mult(a1 (x)αn−1 + · · · + an (x))

⇒ n.mult(α) ≥ min{mult(a1 (x)αn−1 ), · · · , mult(an (x)))}.

Além disso,

min{mult(a1 (x)αn−1 ), · · · , mult(an (x))} = mini=1,··· ,n {mult(ai (x)) + mult(αn−i ))}

= mult(ai0 (x)) + mult(αn−i0 )

≥ i0 + (n − i0 )mult(α),

isto é, n · mult(α) ≥ i0 + (n − i0 ) · mult(α) = i0 + n · mult(α) − i0 · mult(α).


Portanto, mult(α) ≥ 1.
Se f é Pseudo-polinômio, com o mesmo raciocı́nio obtemos n.mult(α) ≥ mult(ai0 ) +
(n − i0 )mult(α) > 0 + n.mult(α) − i0 .mult(α) e, consequentemente, mult(α) > 0. 2

42
Corolário 2.23 (Teorema da Função Implı́cita de Newton) Seja f (x, y) ∈ K[[x, y]],
∂ nf
irredutı́vel com multiplicidade n, e suponha que (0, 0) 6= 0. Então existe
∂y n
i P i 1
ϕ(x n ) = i≥1 bi x n ∈ K[[x n ]] tal que

1
f (x, ϕ(x n )) = 0.

1 1
Além disso, qualquer α ∈ K[[x n ]] que satisfaz f (x, α) = 0 é tal que α = ϕ(ξx n ), para
algum ξ ∈ Un .

∂ nf
Demonstração: Visto que n (0, 0) 6= 0 temos que f é regular de ordem n com relação
∂y
à y. Pelo Teorema da Preparação de Weierstrass, existe uma unidade u ∈ K[[x, y]] tal
que
f = gu,

onde g = y n + a1 (x)y n−1 + · · · + an (x) ∈ K[[x]][y].


Como mult(f ) = n, então mult(ai (x)) ≥ i para cada i = 1, · · · , n. Em particular,
g é Pseudo-polinômio e, assim, g ∈ K[[x]][y] é um polinômio mônico irredutı́vel de grau
1
n ≥ 1 e, pelo Corolário 2.22, existe α = ϕ(x n ) tal que

1
g(x, ϕ(x n )) = 0.

1 1 1
Portanto, f (x, ϕ(x n )) = g(x, ϕ(x n )).u(x, ϕ(x n )) = 0.
1
Além disso, pelo Corolário 2.22, qualquer α ∈ K[[x n ]] satisfaz
n
Y
f (x, y)u (y − αi ).
i=1

Lema 2.24 (Lema Unitangente) Seja f ∈ K[[x, y]] com f (0, 0) = 0 irredutı́vel com
multiplicidade n. Então a forma inicial de f é

fn = (ax + by)n ,

onde a, b ∈ K não são simultaneamente nulos.

43
Demonstração: Podemos supor que f é regular em y, caso contrário podemos realizar
uma mudança de coordenadas. Pelo Teorema da Preparação de Weierstrass f = u.p,
onde p ∈ K[[x]][y] e u ∈ K[[x, y]] é unidade.
Como f é irredutı́vel, por hipótese, então p é irredutı́vel em K[[x, y]]. Pelo Lema 1.28
p é irredutı́vel em K[[x]][y].
Segue do Corolário 2.22-ii que
n
1
Y
p(x, y) = (y − ϕ(ξ i x n )),
i=1

1 r r+1 1
onde ξ é uma raiz primitiva da unidade e ϕ(x n ) = br x n + br+1 x n + · · · ∈ K((x n )), com
br 6= 0.
Além disso, p é um polinômio de Weierstrass e, novamente, pelo Corolário 2.22,
1
mult(ϕ(x n )) ≥ 1 e r ≥ n.
A forma inicial de p é a forma inicial de
n
r
Y
q(x, y) = (y − ξ rk br x n )
k=1
n
!
r
X
= yn − br x n ξ kr y n−1 + · · · + (−1)n bnr xr .
k=1

Se r = n então,
n n
r
Y Y
rk
q(x, y) = (y − ξ br x ) = n (y − bn x) = (y − bn x)n .
k=1 k=1

ir ir
Se r > n, observe que ir > in ⇒ n
>i⇒n−i+ n
> n. Assim, como

mult(p(x, y)) = mult(q(x, y))


r Pn  n−1
= mult{y n − br x n k=1 ξ kr
y + · · · + (−1)n bnr xr }
= min{n, irn + n − i} = n,

e, nesse caso, a forma inicial de p(x, y) é y n .


Já que a forma inicial de f é o produto de u(0, 0) pela forma inicial de p, segue o
resultado.
2

44
Seja f = fn + fn+1 + · · · ∈ K[[x, y]] uma série de potências irredutı́vel com multiplici-
dade n. Pelo Lema Unitangente fn = (ax + by)n onde a, b ∈ K não são simultaneamente
nulos, isto é, f é regular em x ou em y.
Se f for regular em y podemos escrever

f = a0 (x)y n + a1 (x)y n−1 + · · · + an (x) + y n+1 h(x, y), (2.2)

com h(x, y) ∈ K[[x, y]], ai (x) ∈ K[[x]], a0 (x) unidade e mult(ai (x)) ≥ i, para todo
i ∈ {1, · · · , n}.

Observe que o Lema Unitangente nos ajuda a identificar quando as séries são re-
dutı́veis em K[[x, y]], isto é, uma condição necessária para que f = fn + fn+1 + · · · ∈ M
seja redutı́vel em K[[x, y]] é fn = (ax + by)n com a e b não simultaneamente nulos.

Exemplo 2.25 A curva plana conhecida como Trissectriz de Maclaurin dada por
f = x(x2 + y 2 ) − (y 2 − 3x2 ) é redutı́vel, pois f (0, 0) = 0 e a forma inicial de f é
√ √
dada por y 2 − 3x2 = (y − 3x)(y + 3x).

Figura 2.1: Trissectriz de Maclaurin

Exemplo 2.26 A forma inicial de f = (x − y)2 − x4 é dada por f2 = (x − y)2 . Além


disso f (0, 0) = 0, mas f é redutı́vel pois f = (x − y − x2 )(x − y + x2 ).

45
Lema 2.27 Seja f = a0 (x)y n + a1 (x)y n−1 + · · · + an (x) + y n+1h(x,y) ∈ K[[x, y]] uma
série de potências irredutı́vel com multiplicidade n e regular em y. Então para cada
i ∈ {0, 1, 2, · · · , n}, vale a seguinte desigualdade:

mult(an (x))
mult(ai (x)) ≥ i · .
n

Demonstração: Como f é regular em y de ordem n então, pelo Teorema da Preparação


de Weierstrass, uf = y n + A1 (x)y n−1 + · · · An (x) = P (x, y) ∈ K[[x]][y], para alguma
unidade u ∈ K[[x, y]] e, para cada i ∈ {1, · · · , n}, Ai (0) = 0.
Além disso, P (x, y) ∈ K[[x, y]] e o item (iii) do Teorema 2.20 nos garante que

mult(An (x))
mult(Ai (x)) ≥ i .
n

Já que u é unidade podemos tomar u = u0 (x) + u1 (x)y + · · · , com ui ∈ K[[x]] e


u0 (0) 6= 0 assim,

Ai (x) = u0 (x)ai (x) + u1 (x)ai+1 (x) + · · · + un−1 an (x)

⇒ u0 (x) = Ai (x) − ai (x) − u1 (x)ai+1 (x) − · · · − un−1 an (x).

Daı́,
mult(An (x)) = mult(u0 (x)an (x)) = mult(an (x))

Contudo temos,

mult(an (x))
mult(ai (x)) = mult(ai (x)u0 (x) = mult(Ai −(u1 (x)ai+1 (x)+· · ·+un−1 an (x))) ≥ i .
n

2.3 Parametrização de Puiseux

Seja f é irredutı́vel de multiplicidade n e regular em y da forma (2.2), considere P (x, y)


o Pseudo-polinômio associado a f , isto é, uf = y n + A1 (x)y n−1 + · · · + An (x) = P (x, y),
1 1 1
e seja α = ϕ(x n ) ∈ K[[x n ]], com n = min{q ∈ N; α ∈ K[[x q ]]}.

46
1 1
Pelo Corolário 2.23, P (x, α) = P (x, ϕ(x n )) = 0. Fazendo t = x n , então ϕ(t) ∈ K[[t]]
e f (tn , ϕ(t)) = 0.
Nesta situação dizemos que a mudança de variável

 x = tn
 y = ϕ(t) = P i
i≥m bi t , com bm ∈ K\{0}

é uma Parametrização de Puiseux da curva (f ).


Qualquer outra raiz de f nos dá outra parametrização de Puiseux (tn , ψ(t)) de f e
mais, ϕ(t) = ψ(ξt), onde ξ ∈ Un .
1
Observe também que o ı́ndice i e n = min{q ∈ N; α ∈ K[[x q ]]} não admitem fator
comum para todo i tal que bi 6= 0 e, portanto, são relativamente primos para qualquer
parametrização de Puiseux acima.
Do item (iii) do Teorema 2.20 temos,

multt (ϕ(t)) = n · multx (α) = multx (An (x)) = multx (an (x)) ≥ n.

Se o cone tangente de (f ) é (y n ), então

multt (ϕ(t)) = multx (an (x)) > n. (2.3)

Se f é regular em x valem os mesmos resultados, basta trocar x por y.

47
Capı́tulo 3

Interseção de Curvas

Para calcular os pontos de interseção entre uma curva definida por f ∈ C[x, y] e uma
reta l, dada pela equação y = ax + b, resolvemos a seguinte equação:

f (x, ax + b) = 0.

Dizemos que a equação não admite solução, isto é, f (x, ax + b) é uma constante não
nula se, e somente se, a curva e a reta não possuem pontos em comum. Se l é uma
componente de f , então f (x, ax + b) é identicamente nula. No caso em que a reta e
a curva se interceptam, como estamos trabalhando num corpo algebricamente fechado,
então podemos reescrever

n
Y
f (x, ax + b) = c (x − xi )mi , (3.1)
i=1

onde c é uma constante e xi são as abscissas dos pontos de interseção.


Para calcular a interseção entre curvas, digamos f e g, o processo é semelhante desde
que seja possı́vel escrever uma das equações de forma explı́cita. Neste caso fixamos uma
variável, por exemplo y, e consideramos f e g como polinômios com coeficientes em C[x].
Devemos então calcular os valores de x para que f (x, Y ) e g(x, Y ) admitam raiz comum.
Outra maneira de efetuar este cálculo é lembrando que dois polinômios que admitem
raı́zes em comum possuem fatores em comum e, pelo Corolário 1.37, podemos calcular
pontos que satisfazem Ry (f, g) = 0.

48
Exemplo 3.1 Sejam f = y 2 + x3 − 3 e g = 2xy − 4. Para calcular as interseções entre
f e g devemos resolver f (x, y) = g(x, y) = 0 ou, equivalentemente,

 y 2 + x3 = 3
 xy = 2.

Considerando que f , g são polinômios com coeficientes em C[x], e substituindo


y = 2x−1 em y 2 + x3 = 3, obtemos

x5 − 3x2 + 4 = 0 (3.2)

que é exatamente Ry (f, g). Assim, as abscissas das interseções entre f e g são as soluções
da equação (3.2).

Entretanto, na equação de uma curva nem sempre é fácil escrever uma variável em
função das outras e, assim, é necessário encontrar outras estratégias para calcular as
interseções.
Neste capı́tulo, apresentamos uma maneira de calcular o Índice de Interseções en-
tre quaisquer duas curvas, que nem sempre coincide com a quantidade de pontos de
interseção, mas identifica a multiplicidade delas. Para isso vamos introduzir alguns con-
ceitos como, Anel Coordenado e Valoração, além da relação entre Índice de Interseção e
Resultante de duas curvas.

Definição 3.2 Sejam K um corpo e f um elemento do ideal maximal M =< x, y > de


K[[x, y]]. Definimos o Anel Coordenado da curva (f ) como sendo a K-álgebra
K[[x, y]]
Of = .
<f >

Se h ∈ K[[x, y]] e B ⊂ K[[x, y]] é um ideal dizemos que h é a classe residual de h em


Of e B é o conjunto das classes residuais dos elementos de B.

Proposição 3.3 O anel Of possui um único ideal maximal Mf = M = < x, y >.

Demonstração: De fato, suponha que exista um ideal I de Of tal que M ( I ⊂ Of .


Então existe h ∈ I\M, isto é, h(x, y) = xh1 (x, y) + yh2 (x, y) + c, onde c ∈ K\{0}. Assim
h(x, y) é invertı́vel e, portanto, I = Of .

49
Se existe outro ideal maximal J de Of então existe g(x, y) ∈ J\M, e com o mesmo
raciocı́nio, g(x, y) é invertı́vel e portanto J = Of . 2

Proposição 3.4 Se f é irredutı́vel, então Of é um domı́nio de integridade.

Demonstração: Sejam g, h ∈ Of tais que gh = 0. Então, gh ∈< f > e isso implica


que f |gh. Como f é irredutı́vel então f |g ou f |h, isto é, g = 0 ou h = 0. 2

Se f é irredutı́vel, então denotamos o corpo das frações de Of por Kf .

Teorema 3.5 Dadas (f ) e (g) duas curvas algébricas planas então Of ' Og se, e so-
mente se, (f ) ∼ (g).

Demonstração: Suponha que (f ) ∼ (g). Então existe um K-automorfismo φ tal que


φ(f ) = gu, para alguma unidade u ∈ K[[x, y]].
Considere

π : K[[x, y]] −→ Og
p(x, y) 7−→ p(x, y).

Assim,

π ◦ φ : K[[x, y]] −→ Og
q(x, y) 7−→ φ(q(x, y))

é um homomorfismo sobrejetor.
Além disso,
Ker(π ◦ φ) = {p ∈ K[[x, y]]; (π ◦ φ)(p) = 0}
= {p ∈ K[[x, y]]; π(φ(p)) = 0}
= {p ∈ K[[x, y]]; φ(p) = 0}
= {p ∈ K[[x, y]]; φ(p) ∈< g >}
= {p ∈ K[[x, y]]; φ(p) = g · hp }
= {p ∈ K[[x, y]]; p = φ−1 (g) · φ−1 (hp )}
= {p ∈ K[[x, y]]; p = f · φ−1 (u−1 ) · φ−1 (hp )}
= <f >.

50
K[[x, y]] K[[x, y]]
Pelo Teorema do Isomorfismo segue que Of = = ' Og .
<f > Ker(π ◦ φ)
Reciprocamente, suponha Of ' Og . Se f e g são regulares, pela Proposição 2.7,
(f ) ∼ (g).
Senão, sem perda de generalidade, podemos supor que mult(g) ≥ 2 e Of ' Og através
do isomorfismo φ tal que

 φ(x) = t
1
 φ(y) = t ,
2

onde t1 , t2 ∈ M, e a barra simples e a barra dupla representam as classes residuais de


Of e Og respectivamente.
Defina também

φ : K[[x, y]] −→ K[[x, y]]


x 7−→ t1
y 7−→ t2 .

Como φ é um isomorfismo, existem r(x, y), s(x, y) ∈ K[[x, y]] tais que,

x = φ(r(x, y)) = r(t1 , t2 ),


y = φ(s(x, y)) = s(t1 , t2 ).

Assim,
x − r(t1 , t2 ) = 0 =< g > que implica x − r(t1 , t2 ) ∈< g >⊂ M2 , e
y − s(t1 , t2 ) = 0 =< g > que implica que y − s(t1 , t2 ) ∈< g >⊂ M2 , pois mult(g) ≥ 2.
Daı́, t1 = ax + by + · · · e t2 = cx + dy + · · · .
Afirmação: ad − bc 6= 0.
De fato,

r(t1 , t2 ) = mt1 + nt2 + · · ·

= m(ax + by) + n(cx + dy) + · · ·

= x(ma + cn) + y(mb + nd) + · · · ,

Como mult(x − r(t1 , t2 )) ≥ 2 então os termos de grau 1 não devem existir, isto é,

51
mult(x − x(ma + nc) − y(yb + nd) + · · · ) ≥ 2

implica
 que
 ma + nc = 1
 mb + dn = 0
e assim,

ma 6= −nc ⇒ mad 6= −ncd ⇒ mad 6= mbc ⇒ ad 6= bc ⇒ ad − bc 6= 0.

Consequentemente,

0 = φ(f ) = f (t1 , t2 ) = f (t1 , t2 ) = φ(f )

e, segue que φ(f ) ∈< g >, isto é, φ(f ) = gh.


Resta mostrar que h é unidade.
Temos mult(f ) = mult(φ(f )) = mult(g) + mult(h) ≥ 2.
Como φ(f ) = gh então,

f = φ−1 (g)φ−1 (h) ⇒ φ−1 (g) = f · φ−1 (h−1 ) = f h0 ,

onde h0 = φ−1 (h−1 ).


Disso segue que φ(f ) = gh = φ(f )φ(h0 )h, e assim mult(h0 ) + mult(h) = 0 e, portanto,
h é unidade.
Logo (f ) ∼ (g). 2

Proposição 3.6 Seja f ∈ K[[x, y]] regular em y de ordem n. Então Of é um K[[x]]-


módulo livre de posto n gerado pelas classes residuais y i de y i , para cada i = 0, · · · , n − 1,
em Of , isto é, Of = K[[x]] ⊕ K[[x]]y ⊕ · · · ⊕ K[[x]]y n−1 .

Demonstração: Dado g ∈ K[[x, y]] então, pelo Algoritmo da Divisão (Teorema 1.19),
existem h ∈ K[[x, y]] e ai (x) ∈ K[[x]], para i = 0, · · · , n − 1, tais que

g = f h + a0 (x) + a1 (x)y + · · · + an−1 (x)y n−1 .

52
Assim,
g = a0 (x) + a1 (x)y + · · · + an−1 (x)y n−1 .

Resta mostrar que 1, y · · · , y n−1 são livres.


Sejam b0 (x), · · · , bn−1 (x) ∈ K[[x]] tais que

b0 (x) + b1 (x)y + · · · + bn−1 (x)y n−1 = 0,

então, b0 (x)+b1 (x)y+· · ·+bn−1 (x)y n−1 ∈< f >, isto é, b0 (x)+b1 (x)y+· · ·+bn−1 (x)y n−1 =
f q, para algum q ∈ K[[x, y]] ou, equivalentemente

f q + (−b0 (x) − b1 (x)y − · · · − bn−1 (x)y n−1 ) = 0.

Já que 0 = f · 0 + 0, segue pela unicidade do Algoritmo da Divisão que


b0 (x) + b1 (x)y + · · · + bn−1 (x)y n−1 = 0.
Logo, b0 (x) = b1 (x) = · · · = bn−1 (x) = 0 e portanto Of é um K[[x]]-módulo de base
{1, y, · · · , y n−1 }. 2

Proposição 3.7 Seja f ∈ K[[x, y]] regular de ordem n em y e irredutı́vel. Considere


(tn , ϕ(t)) uma parametrização de Puiseux da curva (f ), então a aplicação

Hϕ : K[[x, y]] −→ K[[t]]


g 7−→ g(tn , ϕ(t))

é um homomorfismo de K-álgebras com KerHϕ =< f >.

Demonstração: É claro que Hϕ é um homomorfismo e que < f >⊂ KerHϕ . Resta


mostrar que KerHϕ ⊂< f > .
Seja g ∈ KerHϕ . Pelo Algoritmo da Divisão (Teorema 1.19), existem q ∈ K[[x, y]] e
r ∈ K[[x]][y], com gry r < n ou r = 0, tais que:

g = f q + r.
1
Como (tn , ϕ(t)) é uma parametrização de Puiseux de (f ), existe α = ϕ(x n ) tal que
1
f (x, α) = 0. Além disso, g ∈ KerHϕ implica que 0 = g(tn , ϕ(t)) = g(x, ϕ(x n )) = g(x, α)
e, assim,
0 = g(x, α) = f (x, α)q(x, α) + r(x, α) ⇒ r(x, α) = 0.

53
Desta forma o polinômio minimal mα (x) de r sobre K((x)) divide r(x, y). Por outro
lado, pelo Teorema 2.20, gr(mα (x)) = n que, por sua vez, é maior que gry r(x, y) e isto
não pode ocorrer. Portanto r(x, y) = 0 .
Logo, g = f q e, portanto, kerHϕ =< f > . 2

Agora deduzimos uma das propriedades fundamentais das curvas que são representa-
das por séries de potências irredutı́veis regulares de ordem n em y com a parametrização
de Puiseux dada por (tn , ϕ(t)).
Considere o homomorfismo injetor de K-álgebras Hϕ : Of −→ K[[t]] dado por
Hϕ (ḡ(x, y)) = g(tn , ϕ(t)), para todo ḡ(x, y) ∈ Of . Tal homomorfismo nos permite iden-
tificar Of com a subálgebra Aϕ de K[[t]] definida por

Aϕ := Hϕ (Of ) = K[[tn , ϕ(t)]].

Se ξ denota uma n-ésima raiz da unidade, então Aψ ' Aϕ , sempre que ψ(t) = ϕ(ξt),
através do automorfismo:
hξ : K[[t]] −→ K[[t]]
p(t) 7−→ p(ξt).
Além disso, pela Proposição 3.6, temos que

Aϕ = Hϕ (Of )

= Hϕ K[[x]] ⊕ K[[x]]y ⊕ · · · ⊕ K[[x]]y n−1




= K[[tn ]] ⊕ · · · ⊕ K[[tn ]]ϕn−1 (t).

Do Teorema 2.20, segue que o corpo das frações de Aϕ é K((t)).


Observe que quando f é regular em x, podemos fazer uma mudança de papéis entre
x e y e usar resultados similares aos obtidos para o caso em que f é regular em y.

Definição 3.8 Chamamos de Matriz de Vandermonde uma matriz da forma


   
1 1 ··· 1 1 a1 a21 · · · an−1
1
   
2 n−1
 a1 a2 · · · an   1 a2 a2 · · · a2
   

   
 1 a3 a23 · · · an−1
 2
a22 · · · an  2  ou .
 
 a1 3
 .. ..   .. . . . . ..
   
.. ..
. . . . .

 . .   . 
   
an−1
1 an−1
2 · · · ann−1 1 an a2n · · · an−1
n

54
Os elementos a1 , a2 , · · · , an são chamados elementos Caracterı́sticos da matriz.

Teorema 3.9 Seja V uma matriz de Vandermonde. O determinante da matriz de


Vandermonde V é o produto de todas as diferenças possı́veis entre os elementos carac-
terı́sticos, isto é,
Y
det(V ) = (ai − aj ),
i<j

onde a0i s são os elementos caracterı́sticos de V .

Demonstração: A demonstração deste teorema segue por indução sobre a ordem da


matriz de Vandermonde. 2

Teorema 3.10 Seja f ∈ K[[x]][y] um Pseudo-polinômio de grau n e considere ϕ ∈


1
K[[x n ]] tal que f (x, ϕ) = 0. Se Dy (f )(x) é o discriminante de f (x, y) em K[[x]], então

Dy (f )(tn )K[[t]] ⊂ Aϕ .

Demonstração: Seja β ∈ K[[t]]. Como K[[t]] ⊂ K((t)) = K((tn ))[ϕ] segue, do


Teorema 2.20, que existem ai (tn ) ∈ K((t)) tais que
n−1
X
β= ai (tn )ϕi .
i=0

Pelo Lema 2.14, a extensão K((tn ))[ϕ]/K((tn )) é galoisiana e seu grupo de Galois é
isomorfo a Un . Agora, considere ξ um gerador de Un e a ação definida pela equação (2.1)
na Seção 2.2. Para cada j = 0, · · · , n − 1, defina

βj = ξ j ∗ β
n−1
X
j
= ξ ∗ ai (tn )ϕi
i=0
n−1
X
= ai (tn )ϕij ,
i=0

onde ϕj = ξ j ∗ ϕ.
Tais βj0 s dão origem a um sistema, que por sua vez dá origem a matriz (cij ) = (ϕij ).
O determinante desta matriz é um determinante de Vandermonde e, consequentemente,

55
Y
∆= (ϕr − ϕs ).
r>s

Assim, segue do Corolário 2.22 que ϕi são raı́zes de f e, pela Proposição 1.45,
Y
Dy (f ) = (αi − αj ).
i6=j
Contudo temos
Y
∆2 = (ϕr − ϕs )2 = Dy2 (f )(tn ),
r>s

o que implica que ∆ = ±Dy (f )(tn ). Portanto, ∆2 ∈ K[[tn ]] ⊂ K[[t]].


Além disso, dado

ϕ00 · · · β0 · · · ϕn−1

0

ϕ01 · · · β1 · · · ϕn−1

1
∈ K[[t]],
Mi = . . . . ..
.. .. .. ..
.

0 n−1
ϕn−1 · · · βn−1 · · · ϕn−1

segue da Regra de Crammer que ai (tn ) = ∆−1 Mi e, também, ∆2 ai (tn ) = ∆Mi ∈ K[[t]].
Observe que para todo j = 0, · · · , n − 1,

ξ j ∗ ∆2 ai (tn ) = ∆2 ai (tn ) ∈ K[[tn ]].


n−1
X
Visto que β = ai (tn )ϕi , obtemos
i=0

n−1
X n−1
X n−1
X
n i 2 n i
n
Dy (f )(t )β = ±∆ 2
ai (t )ϕ = ± ∆ ai (t )ϕ ∈ K[[tn ]]ϕi = Aϕ .
i=0 i=0 i=0

Como β ∈ K[[t]], o resultado segue.


2

Corolário 3.11 Seja Aϕ = Hϕ (Of ) então,


K[[t]]
dimK < ∞.

Demonstração: Pelo Teorema 3.10 temos Dy (f )(tn )K[[t]] ⊂ Aϕ assim,


K[[t]] K[[t]]
dimK < dimK n
= mult(Dy (f )(tn )) < ∞.
Aϕ < Dy (f )(t ) >
2

56
Definição 3.12 A função vf : Of \{0} −→ N, definida por vf (g) = mult(Hϕ (g)) é
chamada Valoração associada à f .

Proposição 3.13 Sejam g, h ∈ Of então,

i) vf (g · h) = vf (g) + vf (h);

ii) vf (1) = 0;

iii) vf (g + h) ≥ min{vf (g), vf (h)}. A igualdade ocorre se vf (g) 6= vf (h).

Demonstração: As demonstrações seguem da definição e das propriedades de multi-


plicidade. 2

3.1 Índices de Interseção


Vimos anteriormente que a equação que descreve interseção entre uma curva f ∈ C[x, y] e
a reta l dada por y = ax+b pode ser escrita como fl (x) = f (x, ax+b) = c ni=1 (x−xi )mi ,
Q

onde xi são as abscissas dos pontos de interseção e mi é a multiplicidade da raiz xi de


fl . No caso de interseção entre reta e curva, o Índice de Interseção de l e f no ponto
(xi , axi + b) coincide com a multiplicidade da raı́z xi de fl .
O cálculo de Índice de Interseção entre curvas é feito de forma diferente. Dado um
polinômio p ∈ K[x], podemos encontrar a multiplicidade da raiz α calculando p em x+α e
obtemos p(x+α) = xm u(x), onde u(x) é unidade em K[[x]]. Assim, < p(x+α) >=< xm >
e disso,
K[[x]] K[[x]]
= ,
< p(x + α) > < xm >
e mais,
K[[x]] K[[x]]
dimK = dimk = m.
< p(x + α) > < xm >
K[[x]]
Portanto, a multiplicidade da raiz α coincide com dimk <xm> .

A partir dessa ideia definimos a interseção entre curvas. Nesta seção vamos ver
também resultados que determinam técnicas para seu cálculo.
Vamos considerar K um corpo e denotamos M o ideal maximal de K[[x, y]].

57
Definição 3.14 Sejam f e g ∈ M. O Índice de Intersecção de f e g é a dimensão do
K[[x, y]]
K-espaço vetorial , isto é,
< f, g >

K[[x, y]]
I(f, g) = dimK .
< f, g >

Of
Observe que I(f, g) = , onde g denota a classe residual de g em Of .
<g>

Definição 3.15 Duas curvas algébricas (f ) e (g) são transversais se (f ) e (g) são regu-
lares e suas retas tangentes são distintas.

Teorema 3.16 Sejam f, g, h ∈ M, ϕ um automorfismo de K[[x, y]] e uma unidade


u ∈ K[[x, y]], então

i) I(f, g) < ∞ se, e somente se, f e g são relativamente primos;

ii) I(f, g) = I(g, h);

iii) I(ϕ(f ), ϕ(g)) = I(uf, ug) = I(f, g);

iv) I(f, gh) = I(f, g) + I(f, h);

v) I(f, g) = 1 se, e somente se, (f ) e (g) são transversais.

vi) I(f, g − hf ) = I(f, g).

Demonstração:
Os itens ii) iii) e vi) seguem da definição.

i) Podemos associar f e g a pseudo-polinômios visto que I(f, g), f e g serem relati-


vamente primos são preservados por automorfismos.
Suponha que f e g são relativamente primos em K[[x, y]] então, pela Proposição 1.36,
Ry (f, g) 6= 0 e assim Ry (f, g) = xr u, onde u é unidade e r ≥ 0.
Pela Proposição 1.39 Ry (f, g) ∈< f, g > e, pelo fato de Ry (f, g)(0) = 0 e u(0) 6= 0,
segue que xr ∈< f, g > e r > 0.

58
Suponha que gry (f ) = n. Dado h ∈ K[[x, y]], pelo Algoritmo da Divisão (Teorema
1.19), existem q ∈ K[[x, y]] e a0 (x) + a1 (x)y + · · · + an−1 (x)y n−1 ∈ K[[x]][y] tais que

h = f q + a0 (x) + a1 (x)y + · · · + an−1 (x)y n−1 .

Assim,
h = a0 (x) + a1 (x)y + · · · + an−1 (x)y n−1 ,
K[[x,y]]
ou seja, <f,g>
é um K-espaço vetorial gerado por xi y j , com 0 ≤ i ≤ r −1 e 0 ≤ j ≤ n−1.
Logo, I(f, g) é finito.
Reciprocamente, suponha que f e g não são relativamente primos, então existem g1 ,
f1 ∈ K[[x]][y], não unidades e Pseudo-polinômios, tais que f = f1 h e g = g1 h. Assim,
< f, g >⊂< h >.
K[[x, y]]
Além disso, 1, x, x2 , · · · são linearmente independentes sobre K em . De fato,
h
sejam k0 , k1 , · · · , km ∈ K tais que k0 1 + k1 x + · · · + km xm = 0, então
k0 + k1 x + · · · + km xm = hh1 , com h1 ∈ K[[x, y]]. Mas h ∈ K[[x]][y] é Pseudo-polinômio
e, portanto, k0 = k1 = · · · = km = 0.
Desta forma,
K[[x, y]] K[[x, y]]
dimK ≥ dimK = ∞.
< f, g > <h>
Logo I(f, g) é infinito.

iv) Se mostrarmos que a sequência

/
Of ψ
/
Of φ
/
Of /
0 0
<h> < gh > <g>
é exata então,
Of Of Of
dimK = dimK + dimK ,
< gh > <h> <g>
ou, equivalentemente,
I(f, gh) = I(f, h) + I(f, g).

A barra simples representará a classe residual módulo < h > e a barra dupla repre-
sentará a classe residual módulo < hg >.

59
O homomorfismo ψ é definido por ψ(a) = ga e φ é induzido pela projeção π : Of −→
Of
, assim
<g>

Of
ker(φ) = {a ∈ ; φ(a) ∈< g >}
< gh >
Of
= {a ∈ ; π(a) ∈< g >}
< gh >
Of
= {a ∈ ; a+ < g >∈< g >}
< gh >
<g>
=
< gh >
= Im(ψ).

Dado z ∈ Ker(ψ) então,

ψ(z) = 0 ⇔ gz = 0

⇔ gz = ghk1

⇔ z ∈< h >

⇔ z = 0.

Contudo temos ψ é injetora, φ é sobrejetora e Im(ψ) = Ker(φ), portanto,

I(f, gh) = I(f, h) + I(f, g).

v) Suponha que (f ) e (g) são regulares com retas tangentes distintas. Com uma
mudança de coordenadas podemos assumir que existem f1 , g1 ∈ M2 em que f = x + f1
e g = y + g1 . Podemos reescrever como f = ux + yf2 e g = vy + xg2 , onde u e v são
unidades.
Vamos mostrar que y ∈< f, g > e x ∈< f, g > e, assim, < f, g >=< x, y >.
Temos que:

y(v − u−1 g2 f2 ) = yv − yu−1 g2 f2

= yv − u−1 g2 (f − ux)

= yv − u−1 g2 f + u−1 uxg2

= yv − u−1 g2 f + xg2

= g − u−1 g2 f ∈< f, g > .

60
Além disso, (v − u−1 g2 f2 )(0, 0) = v(0, 0) 6= 0, ou seja, (v − u−1 g2 f2 ) é unidade e,
portanto, y ∈< f, g >.
Analogamente temos que x ∈< f, g > e, portanto,

K[[x, y]] K[[x, y]]


I(f, g) = dimK = dimK = 1.
< f, g > < x, y >
Reciprocamente, vamos supor que (f ) e (g) não são transversais e vamos mostrar que
I(f, g) 6= 1.
Se (f ) e (g) não são transversais, então mult(f ) ≥ 2, ou mult(g) ≥ 2, ou possuem
a mesma reta tangente. Após uma mudança de coordenadas, se necessário, temos f =
yf1 + f2 e g = yg1 + g2 com f2 e g2 ∈ M2 e f1 , g1 ∈ K[[x, y]].
Assim, < f, g >⊂< y > +M2 e, portanto,

K[[x, y]] K[[x, y]] K[[x]]


I(f, g) = dimK ≥ dimK = dimK = 2.
< f, g > < y > +M2 < x2 >

Teorema 3.17 Considere a seguinte aplicação:

I 0 : M × M −→ N ∪ {∞}
(f, g) 7−→ I 0 (f, g).

Se I 0 satisfaz todos os itens do Teorema 3.16 então I 0 = I.

Demonstração: Se I 0 (f, g) = 1 então (f ) e (g) são transversais e, portanto, I(f, g) = 1.


Suponha que se I 0 (f, g) ≤ r − 1 então I 0 (f, g) = I(f, g).
Sejam f, g ∈ M\{0} tal que I 0 (f, g) = r e considere um automorfismo φ de K[[x, y]]
tal que φ(f ) = pu1 e φ(g) = qu2 , onde u1 e u2 são unidades e p, q são Pseudo-polinômios.
Pelo item (iii) do Teorema 3.16 temos:

I 0 (f, g) = I 0 (p, q) e I(f, g) = I(p, q).

Sem perda de generalidade, podemos supor que n = gry (p) ≤ gry (q) = m.
Defina q1 = q − y m−n p = xq2 , desta forma,

I 0 (p, q) = I 0 (p, q − y m−n p) = I 0 (p, q1 ) = I 0 (p, xq2 ) = I 0 (p, x) + I 0 (p, q2 ).

61
Se q2 é unidade segue do Teorema 3.16 que I 0 (p, xq2 ) = I 0 (p, x) e, assim,

I 0 (p, q) = I 0 (p, x) = I 0 (y n , x) = nI 0 (y, x) = n.

Se q2 não é unidade então,

r = I 0 (f, g) = I 0 (p, x) + I 0 (p, q2 )

⇒ I 0 (p, x) ≤ r − 1 e I 0 (p, q2 ) ≤ r − 1.

Por hipótese de indução segue que I 0 (p, x) = I(p, x) e I 0 (p, q2 ) = I(p, q2 ).


Logo,

I 0 (p, q) = I 0 (p, x) + I 0 (p, q2 ) = I(p, x) + I(p, q2 ) = I(p, q1 + y m−n p) = I(p, q)

e, portanto, I 0 = I.
2

Exemplo 3.18 Dados f = y 7 − x2 e g = y 5 − x3 então,

I(f, g) = I(y 7 − x2 , y 5 − x3 ) = I(y 5 − x3 , y 7 − x2 )

= I(y 5 − x3 , (y 7 − x2 ) − y 2 (y 5 − x3 ))

= I(y 5 − x3 , x2 (xy 2 − 1)) = I(y 5 − x3 , x2 )

= 2 · I(y 5 − x3 , x) = 2 · I(y 5 , x)

= 2 · 5 · I(y, x) = 10.

Teorema 3.19 Sejam f, g Pseudo-polinômios em K[[x]][y] e f = f1 .f2 · · · .fr uma de-


composição de f em fatores irredutı́veis de Pseudo-polinômios, então
r
X
I(f, g) = vfi (g) = mult(Ry (f, g)).
i=1

Demonstração: Se f e g possuem fatores em comum então I(f, g), mult(Ry (f, g)) e
Pr
i=1 vfi (g) são infinitos e, portanto não há o que provar.

Vamos analisar o caso de quando f e g não possuem termos em comum.

62
n
X n
Y
Como I(f, g) = I(fi , g) e Ry (f, g) = Ry (fi , g), se provarmos que para f irre-
i=1 i=1
dutı́vel temos I(f, g) = vf (g) = mult(Ry (f, g)) então,
n
X n
X n
X
I(f, g) = I(fi , g) = vfi (g) = mult(Ry (fi , g))
i=1 i=1 i=1
n
Y
= mult( Ry (fi , g)) = mult(Ry (f, g)).
i=1

Então faremos isso.


Seja f irredutı́vel, n = gry (f ) e (tn , ϕ(t)) uma parametrização de Puiseux de f .
Defina a seguinte aplicação:

L : K[[t]] −→ K[[t]]
h(t) −→ h(t)g(tn , ϕ(t)).

Pela Proposição 3.7, g(tn , ϕ) = 0 se, e somente se, g ∈< f >. Como f e g não
possuem termos em comum segue que L é injetora.
Seja W o K-subespaço Aϕ = K[[tn , ϕ]] de V = K[[t]]. Sabemos que Aϕ ' Of , além
disso,

W Aϕ Of
= n
' , onde g ∈ Of . (3.3)
L(W ) g(t , ϕ(t))Aϕ <g>

V K[[t]]
= . (3.4)
L(V ) < g(tn , ϕ(t)) >
Pelo Corolário 3.11 temos que
V K[[t]]
dimK = dimK < ∞.
W Aϕ
V V
Como dimK W < ∞, dimK L(V )
< ∞, por um resultado de álgebra linear segue que,

W V
dimK = dimK . (3.5)
L(W ) L(V )
Além disso,

V K[[t]]
dimK = dimK = mult(g(tn , ϕ(t))) = vf (g) < ∞. (3.6)
L(V ) < g(tn , ϕ(t)) >

63
Contudo temos,

Of 3.3 W 3.5 V 3.6


I(f, g) = dimK = dimK = dimK = vf (g).
<g> L(W ) L(V )

Por outro lado temos pela Proposição 1.41


n
1
Y
Ry (f, g) = g(x, ϕ(ξx n )), onde ξ é uma n-ésima raiz primitiva da unidade.
i=1

Daı́,
Qn 1
mult(Ry (f, g)) = mult( i=1 g(x, ϕ(ξx n )))
1
= n.mult(g(x, ϕ(ξx n ))
= mult(g(tn , ϕ))
= vf (g)
Portanto, I(f, g) = vf (g) = mult(g(tn , ϕ)) = mult(Ry (f, g)).
2

Teorema 3.20 Se f, g ∈ M, então I(f, g) ≥ mult(f ) · mult(g). A igualdade ocorre se,


e somente se, (f ) e (g) não possuem retas tangentes em comum.

Demonstração: Suponha que f, g ∈ M são irredutı́veis e considere uma mudança de


coordenadas de modo que f e g são associados a Pseudo-polinômios em K[[x]][y] e y é
uma reta tangente de (f ).
Sendo f irredutı́vel, regular em y e de multiplicidade n, podemos considerar a para-
metrização de Puiseux (tn , ϕ(t)) de (f ). Como o cone tangente de (f ) é dado por (y n ),
temos mult(ϕ(t)) > n.
Suponha que g(x, y) = (ax + by)m + gm+1 (x, y) + · · · . Então, pelo Teorema 3.19,

I(f, g) = mult(g(tn , ϕ(t)))

= mult ((atn + bϕ(t))m + gm+1 (tn , ϕ(t)) + · · · )

= mult((atn + bϕ(t))m )

= m · mult((atn + bϕ(t))

≥ m·n

= mult(g)mult(f ).

64
Observe que se a 6= 0, então I(f, g) = mult(g)mult(f ) e, assim, a reta tangente de g
é x, isto é, (f ) e (g) tem retas tangentes distintas. 2

65
Capı́tulo 4

Resolução de Singularidades de
Curvas Planas

Agora já temos os pré-requisitos para mostrar que, a partir da transformação quadrática,
que definimos a seguir, é possı́vel transformar uma curva singular em uma curva regular.
Mais ainda, apresentamos a Fórmula de Noether que nos permite calcular o ı́ndice de
interseção entre duas curvas irredutı́veis. Para calcular o ı́ndice de interseção precisamos
aplicar sucessivas vezes a transformação estrita na série que define a curva então, neste
capı́tulo, definimos Transformação estrita. Além disso, apresentamos um resultado que
nos ajuda a verificar quando a série é redutı́vel, isto é, se a transformação estrita da série
é redutı́vel, então a série é redutı́vel.
Exceto menção contrária, vamos considerar K um corpo algebricamente fechado.

Definição 4.1 Uma Transformação Quadrática sobre K[[x, y]] é um homomorfismo de


K-álgebras tal que,

σ : K[[x, y]] −→ K[[x1 , y1 ]]


x 7−→ x1
y 7−→ x1 y1 .

Podemos considerar também a seguinte transformação quadrática:

66
τ : K[[x, y]] −→ K[[x1 , y1 ]]
x 7−→ x1 y1
y 7−→ y1 .

Note que σ e τ não são sobrejetoras e, portanto, não são invertı́veis, mas definem
um isomorfismo entre K((x, y)) e K((x1 , y1 )), que são os corpos sa frações de K[[x, y]] e
K[[x1 , y1 ]], respectivamente. Observe também que σ(< x, y >) =< x1 , x1 y1 >=< x1 >.
Temos que T −1 (0, 0) é a reta E : x1 = 0 e, é chamada divisor excepcional da trans-
formação quadrática.
Agora, considere a seguinte série formal de multiplicidade n:

f (x, y) = fn (x, y) + fn+1 (x, y) + · · · ∈ K[[x, y]].

A transformação estrita via σ da curva (f ) é denotada por f (1) e é dada pela série

σ(f )
σ ∗ (f ) =
xn1

Proposição 4.2 Dados f, g ∈ K[[x, y]] então:

i) σ ∗ (f ) é invertı́vel em K[[x1 , y1 ]] se, e somente se, f é regular em x;

ii) σ ∗ (f g) = σ ∗ (f )σ ∗ (g);

iii) mult(σ ∗ (g)) ≤ mult(f );

iv) Se f é um polinômio de Weierstrass em K[[x]][y], de grau n e cone tangente (y n )


então σ ∗ (f ) é um Pseudo-polinômio de grau n em y;

v) Se f é irredutı́vel então, ou σ ∗ (f ) é irredutı́vel ou σ ∗ (f ) é unidade.

Demonstração: i) Seja f (x, y) ∈ K[[x, y]] tal que mult(f ) = n.


σ(f )
Sabemos que σ ∗ (f ) = n = fn (1, y1 ) + x1 fn+1 (1, y1 ) + · · · . Como σ ∗ (f ) é invertı́vel
x1
n−1
então fn (1, y1 ) = c0 + c1 y1 , onde c0 ∈ K\{0} e, desta forma, fn (x, y) = c0 xn + · · · .
Assim, mult(f (x, 0)) = n = mult(f ). Portanto f é regular em x.

67
Reciprocamente, suponha que mult(f (x, 0)) = mult(f ). Então f (x, 0) = cxn + · · ·
com c 6= 0 e, como mult(f ) = n, f (x, y) = cxn + · · · . Daı́

σ ∗ (f ) = fn (1, y1 ) + · · · = c + · · · .

Logo, σ ∗ (f ) é invertı́vel.
ii) Dados f, g ∈ K[[x, y]] com mult(f ) = n e mult(g) = m então,
f (x1 y1 , y1 )g(x1 y1 , y1 ) f (x1 y1 , y1 ) g(x1 y1 , y1 )
σ ∗ (f · g) = n+m = · = σ ∗ (f )σ ∗ (g).
x1 xn1 xm 1

iii) Observe que σ ∗ (f ) = fn (1, y1 ) + x1 fn+1 (1, y1 ) + · · · . Além disso cada polinômio
homogêneo de grau m é da forma
X
fm (x, y) = aj,k xj y k .
j+k=m

Assim,
X
fn (1, y1 ) = aj,k y1k .
j+k=n

Como todos os outros monômios de σ (f ) possui termos x1 , então nenhum monômio
de fn (1, y1 ) pode ser cancelado com outro termo, assim,

mult(σ ∗ (f )) = mult(fn (1, y1 ) + x1 fn+1 (1, y1 ) + · · · ) = mult(fn (1, y1 )) ≤ n = mult(f ).

iv) Dado f (x, y) = y n + a1 (x)y n−1 + · · · + an (x) ∈ K[[x]][y], com n ≥ 1, como


o cone tangente de (f ) é (y n ), temos mult(ai ) ≥ i, para cada i = 1, · · · , n. Então
a1 (x1 )y n−1 an (x1 )
σ ∗ (f ) = y1n + + ··· + n
.
 x 1  x 1
Como mult aix(xi 1 ) = mult(ai (x1 )) − mult(xi1 ) = mult(ai (x1 )) − i ≥ i − i = 0, segue
1

que mult(ai ) σ ∗ (f ) é Pseudo-polinômio.


v) Pelo Lema 2.24 a forma inicial de f é

fn = (ax + by)n ,

com a e b não simultaneamente nulos.


Se a 6= 0 então f é regular em x e pelo item i), σ ∗ (f ) é unidade.
Se a = 0 e b 6= 0 então f é regular em y e não é regular em x e isso ocorre se, e
somente se, o cone tangente de (f ) é (y n ).

68
Devemos mostrar que se f é irredutı́vel e σ ∗ (f ) não é unidade, então σ ∗ (f ) é irre-
dutı́vel. Suponha que f é irredutı́vel, σ ∗ (f ) não é unidade mas σ ∗ (f ) é redutı́vel.
Como σ ∗ (f ) não é unidade então f não é regular em x e o cone tangente de (f ) é
(y n ).
Podemos assumir que f é um polinômio de Weierstrass, caso contrário, pelo Teorema
de Weierstrass, podemos trabalhar com seu associado.
Observe que se f e g são associados, isto é, existe um unidade u tal que f = g · u,
então σ ∗ (f ) = σ ∗ (g · u) = σ ∗ (g)σ ∗ (u), onde σ ∗ (u) é unidade, ou seja, σ ∗ (f ) e σ ∗ (g) são
associados.
Pelo item iv) temos que σ ∗ (f ) é Pseudo-polinômio. Visto que σ ∗ (f ) é redutı́vel em
K[[x1 , y1 ]] e Pseudo-polinômio, podemos escrevê-lo como produto de Pseudo-polinômios
e irredutı́veis em K[[x1 ]][y1 ].
Considere h(x1 , y1 ) um destes fatores, então 0 < gr(h) < n e

f (x1 , x1 y1 )
σ ∗ (f (x1 , y1 )) = = h(x1 , y1 )h2 (x1 , y1 ) ⇔ f (x1 , x1 y1 ) = xn1 h(x1 , y1 )h2 (x1 , y1 )
xn1
   
n y1 y1
⇔ f (x1 , y1 ) = x1 h x1 , h2 x1 , .
x1 x1

Logo f é redutı́vel em K[[x]][y] e, como é Pseudo-polinômio, f é redutı́vel em K[[x, y]],


o que é uma contradição.
2

Proposição 4.3 Seja f ∈ K[[x, y]] uma série de potências irredutı́vel com cone tangente
(y n ) e I(f, y) = m. Então

i) I(σ ∗ (f ), y1 ) = m − n e I(σ ∗ (f ), x1 ) = n;

ii) Se m − n ≥ n, então mult(σ ∗ (f )) = mult(f ) = n. Mais ainda, se m − n > n,


então (σ ∗ (f )) tem cone tangente (y1n ) e, se m − n = n então nem (x1 ) nem (y1 )
são retas tangentes de de (σ ∗ (f ));

iii) Se m − n < n, então mult(σ ∗ (f )) = m − n < mult(f ) e σ ∗ (f ) tem cone tangente


(xm−n
1 ).

69
Demonstração: Seja f = a0 (x)y n + a1 (x)y n−1 + · · · + an (x) + y n+1 h(x, y) ∈ K[[x]][y],
com a0 (0) 6= 0 e h(x, y) ∈ K[[x, y]].
Temos que m = I(f, y) = mult(an (x)) e assim, pelo Lema 2.27,

mult(an (x)) m
mult(ai (x)) ≥ i =i (4.1)
n n

Por outro lado,

σ(f )
σ ∗ (f ) =
xn1
a0 (x1 )xn1 y1n + a1 (x1 )x1n−1 y1n−1 + · · · + an (x1 ) + xn+1
1 y1n+1 h(x1 , x1 y1 )
=
xn1
= b0 (x1 )y1n + b1 (x1 )y1n−1 + · · · + bn (x1 ) + x1 y1n+1 h(x1 , x1 y1 ),

ai (x1 )
onde bi (x1 ) = .
xi1
Contudo temos,

ai (x1 ) m (m − n)
mult(bi (x1 )) = mult( i
) = mult(ai (x1 )) − i ≥ i − i = i . (4.2)
x1 n n

Agora podemos demonstrar os itens i), ii) e iii).

i) Como o cone tangente de (f ) é (y n ), então m = mult(an (x)) > n. Além disso,


b0 (x1 ) = a0 (x1 ) é unidade e, assim, mult(bi ) ≥ i (m−n)
n
> 0. Contudo,

I(σ ∗ (f ), x1 ) = I(b0 (x1 )y1n , x1 ) = I(y1n , x1 ) = nI(y1 , x1 ) = n

I(σ ∗ (f ), y1 )) = I(bn (x1 ), y1 ) = mult(bn (x1 )) = mult(an (x1 )) − n = m − n.

ii) Observe que se m − n ≥ n então, mult(bi (x1 )) ≥ i (m−n)


n
≥ i. Além disso, como
b0 (0) = a0 (0) 6= 0 segue que mult(σ ∗ (f )) = n = mult(f ).
Se m − n > n terı́amos mult(bi x1 ) > i assim, (y n ) é cone tangente de σ ∗ (f ).
Se m − n = n, então

mult(b0 (x1 )y n ) = mult(a0 (x1 )y n ) = mult(a0 (x1 )) + mult(y n ) = n

mult(bn (x1 )) = mult(an (x1 )) − n = m − n = n.

70
Assim, pelo menos b0 (x1 )y n e bn (x1 ) tem multiplicidade n, e as outras parcelas de σ ∗ (f )
tem multiplicidade maiores ou igual a n. Desta forma nem (x1 ) nem (y1 ) são retas
tangente de σ ∗ (f ).

iii) Suponha que 0 < m − n < n. Como mult(an (x1 )) = m, mult(ai (x1 )) ≥ i m
n
em>n
temos,

mult(b0 (x1 )y n ) = mult(a0 (x1 )y n ) = n;


mult(bn (x1 )) = mult(an (x1 )) − n = m − n;
mult(bi (x1 )y n−i ) ≥ i m
n
− i + n − i > i − i + n − i = n − i, para 1 ≤ i ≤ n − 1.

Assim, n = mult(b0 (x1 )y n ) > mult(b1 (x1 )y n−1 ) > · · · > mult(bn (x1 )) = m − n.
Portanto, mult(σ ∗ (f )) = mult(bn (x1 )) = m − n < n = mult(f ) e (xm−n
1 ) é cone
tangente de σ ∗ (f ). 2

Lema 4.4 Seja f ∈ K[[x, y]] irredutı́vel de multiplicidade n > 0 e regular em y. Então
existe um automorfismo φ de K[[x, y]] tal que φ(f ) é irredutı́vel, de multiplicidade n,
regular em y e I(φ(f ), y) não é divisı́vel por n.

Demonstração: Seja f = a0 (x)y n + a1 (x)y n−1 + · · · + an (x) + y n+1 h(x, y), com
h(x, y) ∈ K[[x, y]], ai (x) ∈ K[[x]], a0 (0) 6= 0 e I(f, y) = mult(an (x)).
mult(an (x)) I(f, y)
Pelo Lema 2.27, mult(ai (x)) ≥ i =i .
n n
Se n não divide I(f, y), considere o automorfismo φ = Id , caso contrário I(f, y) = r.n,
com r ∈ N∗ , então mult(ai (x)) ≥ i.r. Neste caso, defina φ1 (x, y) = (x, y + cxr ), com
c ∈ K um parâmetro. Assim,

φ1 (f ) = a0 (x)(y − cxr )n + a1 (x)(y − cxr )n−1 + · · · + an (x) + (y + cxr )n+1 h(x, y + cxr )

= b0 (c, x)y n + b1 (c, x)y n−1 + · · · + bn (c, x) + p(c)xnr + y n+1 h1 (c, x, y),

onde b0 (c, 0) = a0 (0) 6= 0.


Daı́,

 ≥ ir, quando 1 ≤ i ≤ n − 1
mult(bi (c, x))
 > nr, quando i = n

71
e o grau de p em c é n.
Seja c0 ∈ K tal que p(c0 ) = 0 então,

φ1 (f ) = b0 (c0 , x)y n + b1 (c0 , x)y n−1 + · · · + bn (c0 , x) + y n+1 h2 (x, y).

Segue que, φ1 (f ) é irredutı́vel, regular em y e mult(bn (c0 , x)) > nr. Note que
I(φ1 (f, y) = mult(bn (c0 , x)) deste modo, se n não divide mult(bn (c0 , x)) o resultado
é demonstrado. Senão repetimos o processo e obtemos um automorfismo φ2 tal que
φ2 (f ) = d0 (x)y n + d1 (x)y n−1 + · · · + dn (x) + y n+1 h3 (x, y) com d0 (0) 6= 0 e mult(di (x)) >
mult(bi (x)).
Se este processo fosse infinito terı́amos φ(f ) = a00 (x)y n + · · · + a0n−1 (x)y + y n+1 h0 (x, y)
que é redutı́vel, o que é uma contradição.
Portanto, é possı́vel repetir o processo até encontrarmos φm que satisfaça φm (f ) irre-
dutı́vel, com multiplicidade n e regular em y, tal que n - I(φm (f ), y).
2

Proposição 4.5 Seja (f ) uma curva irredutı́vel com cone tangente (y n ). Seja f (1) =
σ ∗ (f ) e f (i) = σ ∗ (f (i−1) ), onde m = I(f, y) e n não divide m.
m m
Então b c = min{i; mult(f (i) ) 6= mult(f )} e b c é o menor inteiro mais próximo de
m n n
.
n
Demonstração: Como n - m existe r ∈ N tal que m = nq + r, onde 0 < r < n e
m
q = b c.
n
Pelo item i) da Proposição 4.3 temos que I(f (q) , y) = m − nq. Assim,

mult(f q ) ≤ I(f (q) , y) = m − nq < n = mult(f ).

Além disso,

m − nq = r > 0 ⇒ m − nq + 2n − n > n

⇒ m − n(q − 2) − n > n

⇒ I(f (q−2) , y) − n > n.

Pelo item ii) da Proposição 4.5 temos mult(f (q−1) ) = mult(f ) e, portanto, q = min{i; mult(f (i) ) 6=
mult(f )}. 2

72
Teorema 4.6 Dada uma curva plana irredutı́vel, após um número finito de transformações
quadráticas, obtemos como transformada estrita uma curva regular.

Demonstração: Seja f ∈ K[[x, y]] irredutı́vel de multiplicidade n, regular em y, com


I(f, y) = m. Podemos supor que n não divide m caso contrário, pelo Lema 4.4, podemos
fazer uma mudança de coordenadas e obter tal condição.
Denotamos σ ∗ (f (i−1) ) por f (i) , para i = {1, · · · , q = b m
n
c} .
Considere n0 = mult(f (q) ). Pela Proposição 4.3 n0 < n.
Se n0 = 1 o resultado segue. Senão I(f (q−1) ) − n < n e, pela Proposição 4.3, f (q) tem
0
cone tangente (xnq ), isto é, f (q) é regular em xq de ordem n0 .
m0
Considere m0 = I(f (q) , xq ) e q 0 = b 0 c. Se n0 |m0 faremos uma mudança de coordena-
n
0 0
das de modo que n - m .
Defina f (i) = τ ∗ (f (i−1) ) para i = q + 1, · · · , q + q 0 .
0 0
Se n00 = mult(f (q+q ) ) = 1, o teorema está demonstrado. Caso contrário, f (q+q ) é
regular de ordem n00 > 1 em yq+q0 e repetimos o processo, fazendo uma mudança de
coordenadas se necessário, e desta vez aplicamos σ ∗ .
Observe que com este processo não é possı́vel obter uma unidade pois se f (qi ) (0, y) = 0
aplicamos τ ∗ e se f (qi ) (x, 0) = 0 aplicamos σ ∗ , para todo qi tal que mult(f (qi ) ) 6= mult(f ).
Com este processo as multiplicidades vão decrescendo até obtermos uma curva regular
f (N ) . 2

A sequência f, f (1) , · · · , f (N ) é chamada resolução canônica de f e determina uma


sequência numérica chamada sequência multiplicidades:

mult(f ), mult(f (1) ), mult(f (2) ), · · · , mult(f (N ) ) = 1.

4.1 Fórmula de Noether


Seja f ∈ K[[x, y]] irredutı́vel de multiplicidade n e regular em y. Considere (tn , ϕ(t))
uma parametrização de Puiseux de f com m = mult(ϕ(t)) > n. Assuma que n - m e
considere f (1) (x1 , y1 ) = σ ∗ (f ) = x−n
1 f (x1 , x1 y1 ).

73
 
Como f (1) (x1 , y1 ) é regular em y1 de ordem n e f (1) (tn , tϕn ) = (tn )−n f tn , ϕ(t)
tn
=0
 
então, (tn , ψ(t)) = tn , ϕ(t)
tn
é uma parametrização de Puiseux de f (1) .
  
Portanto, dado g ∈ K[[x, y]], temos I(σ ∗ (f ), g) = mult g tn , ϕ(t) tn .

Proposição 4.7 Seja f ∈ K[[x, y]] irredutı́vel com cone tangente (y n ). Então existe um
homomorfismo natural injetor φ que torna o diagrama abaixo comutativo.

Of ,→φ Of (1)
Hϕ k Hψ k
Aϕ ,→Id Aψ

Demonstração: Seja φ : Of −→ Of (1) definida por φ(g(x, y)) = g(x1 , x1 y1 ) e suponha


que mult(f ) = n.
Vimos anteriormente que Of = K[[x]] ⊕ K[[x]]y ⊕ · · · ⊕ K[[x]]y n−1 e, da mesma forma,
Of (1) = K[[x]] ⊕ K[[x]]y ⊕ · · · ⊕ K[[x]]y n−1 e, deste modo, φ é injetora.
Dado g(x, y) ∈ Of então Hψ ◦ φ = Id ◦ Hϕ pois,

Hψ (φ(g(x, y))) = Hψ (g(x1 , x1 y1 )) = g(tn , tn ψ(t)) = g(tn , ϕ(t)) = Id (Hϕ (g(x, y))).

Portanto, φ é injetora e Hψ ◦ φ = Id ◦ Hϕ . Logo, o diagrama é comutativo.


2

Proposição 4.8 Sejam (f ) e (g) duas curvas algébricas planas irredutı́veis, então

I(f, g) = mult(f )mult(g) + I(f (1) , g (1) ).

Demonstração: Podemos supor que f é regular em y, caso contrário podemos torná-la


regular através de uma mudança de coordenadas.
Considere n = mult(f ), n0 = mult(g) e (tn , ϕ(t)) uma parametrização de Puiseux de

74
 
n ϕ(t)
(f ). Então t , n é uma parametrização de Puiseux de f (1) e
t
 
(1) (1) (1) n ϕ(t)
I(f , g ) = mult g (t , n )
t
n
!
n t ϕ(t)
g(t , tn )
= mult
(tn )n0
0
= mult(g(tn , ϕ(t))) − mult((tn )n )

= vf (g) − nn0

= I(f, g) − mult(f )mult(g)

Portanto, I(f, g) = mult(f )mult(g) + I(f (1) , g (1) ).


2

Teorema 4.9 (Fórmula de Noether) Sejam f e g duas curvas algébricas planas


irredutı́veis, então
N
X
I(f, g) = mult(f (i) )mult(g (i) ),
i=0

onde f (0) = f e g (0) = g.

Demonstração: Pela Proposição (4.8), temos

I(f, g) = mult(f )mult(g) + I(f (1) , g (1) )

= mult(f )mult(g) + mult(f (1) )mult(g (1) ) + I(f (2) , g (2) ).

Com um número finito de blowing-ups, digamos N , temos (f (N ) ) e (g (N ) ) com retas


tangentes distintas. Assim, pelo Teorema 3.20,

I(f (N ) , g (N ) ) = mult(f (N ) )mult(g (N ) ).

Daı́, pela Proposição 4.8, temos


N
X
(N ) (N )
I(f, g) = mult(f )mult(g) + · · · + mult(f )mult(g )= mult(f (i) )mult(g (i) ).
i=0

75
4.2 Transformações Quadráticas em C2
Na seção anterior, dentre outros resultados, vimos o que é uma Transformação
Quadrática sobre K[[x, y]]. Neste capı́tulo definimos Transformação Quadrática sobre
C2 , neste caso a Transformação Quadrática também pode ser chamada de Blowing-up.
Observe que em C2 a sequência de Blowing-ups são melhores visualizadas então, além
de definir e apresentar caracterı́sticas sobre Blowing-up, apresentamos alguns exemplos
para melhor compreensão.

Definição 4.10 Uma Transformação Quadrática ou um Blowing-up centrado


na origem de C2 é uma aplicação em algum sistema de coordenadas de C2 que satisfaz:

T : C2 −→ C2
(x, y) 7−→ (x, xy).

Chamamos T −1 (0, 0) de divisor excepcional do Blowing-up e é representado pela reta


E : x = 0.
Seja L : y − ax = 0 uma reta que passa pela origem de C2 , então

T −1 (L) = {(x, y) ∈ C2 ; (x, y) ∈ L)}

= {(x, y) ∈ C2 ; T (x, y) = (x, ax)}

= {(x, y) ∈ C2 ; x = 0 ou y = a)}

= {(0, y) ∈ C2 } ∪ {(x, a) ∈ C2 }.

Assim, T −1 (L) é a união do divisor excepcional E e a reta y = a que corta E no


ponto (0, a).
A transformação T induz um isomorfismo analı́tico T : C2 \E −→ C2 \E.
Seja Cf um germe de uma curva analı́tica definida por um elemento f ∈ M ⊂ C(x, y),
dado por
f (x, y) = Fn (x, y) + Fn+1 (x, y) + · · ·

T −1 (Cf ) = {T −1 (a, b); (a, b) ∈ Cf } = {T −1 (a, b); f (a, b) = 0} = {(x, y) ∈ C2 ; f (T (x, y)) = 0}.

76
Então a equação de T −1 (Cf ) é dada por:

f (T (x, y)) = Fn (T (x, y)) + Fn+1 (T (x, y)) + · · ·

= Fn (x, xy) + Fn+1 (x, xy) + · · ·

= xn (Fn (1, y) + Fn+1 (1, y) + · · · ).

A série f (T (x, y)) é chamada transformação total de f que associada a curva T −1 (Cf )
é chamada transformação total de Cf .
A curva Cf (1) é determinada pela equação f (1) (x, y) = 0, onde

f (1) (x, y) = Fn (1, y) + xFn+1 (1, y) · · ·

é chamada transformação estrita de Cf .


Como T −1 (0, 0) é o divisor excepcional dado por E : x = 0 temos que
T −1 (Cf ) = E ∪ Cf (1) .

Exemplo 4.11 Considere a curva Cf dada por f (x, y) = y 2 − a2 x2 − x3 = 0 com a 6= 0.


Esta curva é definida por um polinômio e não existem problemas de convergência, além
disso f é definida para todo C2 .

Figura 4.1: Curva Cf

77
A transformação total de Cf é

T −1 (Cf ) : f (x, y) = x2 y 2 − a2 x2 − x3 = x2 (y 2 − a2 − x) = 0.

A transformação estrita de Cf é dada por

Cf : y 2 − a2 − x = 0.

Figura 4.2: Curva Cf

As retas tangentes de Cf na origem são dadas por

F2 = y 2 − a2 x2 = (y − ax)(y + ax) = 0

que tem uma transformação estrita dada por duas retas horizontais que passam por P1 =
(1)
(0, a) e P2 = (0, −a) que são pontos de interseção de Cf com E.
Note que depois de um blowing-up a curva Cf é transformada em uma curva suave
Cf (1) .

No exemplo a seguir utilizamos ferramentas vistas nos capı́tulos anteriores exempli-


ficando alguns conceitos. Dada uma curva (f ) obtemos uma curva equivalente (g) de
modo a simplificar a resolução da singularidade através de Blowing-ups.

Exemplo 4.12 Temos que h = x + ∞ 1 j+1 j+1


P P
i=1 j=i−1 (− 2 ) x y é irredutı́vel, pois
P∞ P
h = x · (1 + i=1 j=i−1 (− 21 )j+1 xj y). Pelo Teorema 3.16 itens i) e vi) temos:

78
I(h, y) = I(x, y) = 1;
I(h, x) = ∞, pois f e x não são relativamente primos.
Como h é irredutı́vel, a Fómula de Noether, nos permite calcular o ı́ndice de interseção
entre h e qualquer curva irredutı́vel. Assim, dado φ = x−y 2 , observe que o cone tangente
da curva (h) é o mesmo que o da curva (φ), mas o cone tangente de (h(1) ) é (x) e o cone
tangente de (φ(1) ) é (x − y). Pela Fórmula de Noether temos,

I(h, φ) = mult(h) · mult(φ) + mult(h(1) ) · mult(φ(1) ) = 1 · 1 + 1 · 1 = 2.

K[[x,y]]
Exemplo 4.13 Observe que calcular dimK <y2 −x 3 ,y 2 −x5 > não é uma tarefa simples. Po-

demos perceber que os elementos 1, x, y, x2 , xy, x2 y não podem ser gerados por y 2 − x3 e
por y 2 − x5 . Mas como garantir que são os únicos elementos em K[[x, y]] que não são
gerados por y 2 − x3 e por y 2 − x5 ?
Para responder a esta pergunta, seja f = y 2 − x3 e g = y 2 − x5 . Temos que
f (1) = y 2 − x e g (1) = y 2 − x3 . Assim, embora f e g tenham o mesmo cone tangente, f (1)
e g (1) possuem cones tangentes distintos. Daı́, pela Fórmula de Noether,

I(f, g) = mult(f )mult(g) + mult(f (1) )mult(g (1) ) = 2 · 2 + 1 · 2 = 6.


K[[x,y]] 2 2
Logo I(f, g) = dimK <y2 −x 3 ,y 2 −x5 > = 6 e, portanto, 1, x, y, x , xy, x y é base de

K[[x,y]]
<y 2 −x3 ,y 2 −x5 >
.

P∞ 2 n
Exemplo 4.14 Considere a curva Cf onde f = i=0 (y x − xn+3 ).
Temos que mult(f (0, y)) = 2 = mult(f ), ou seja, f é regular em y.
Pelo Teorema da Preparação de Weierstrass existe u ∈ K[[x, y]], com u(0) 6= 0, tal
que f u é um Polinômio de Weiestrass.

79
Considere u = (1 − x), daı́

X
f u = [ (y 2 xn − xn+3 )](1 − x)
n=0

X ∞
X
2 n n+3
= (y x − x )− (y 2 xn+1 − xn+4 )
n=0 n=0

X
= (y 2 xn − y 2 nn+1 − xn+3 + xn+4 )
n=0
= y − y 2 x + y 2 x − y 2 x2 + y 2 x2 − · · · − x3 + x4 − x4 + x5 − x5 · · ·
2

= y 2 − x3 .

Assim, g := f · u = y 2 − x3 é um polinômio de Weierstrass. As singularidades de Cf


são as mesmas que as de Cg , como é mais fácil trabalhar com o polinômio g resolveremos
a singularidade em g.
A curva Cg é globalmente definida em C2 . A transformação total de Cg é dada por

T −1 (Cg ) : x21 y12 − x31 = x21 (y12 − x1 ) = 0.

A transformação estrita é dada por

Cg(1) : y12 − x1 = 0,

que possui a reta tangente na origem x1 = 0.

(a) Curva Cg (b) Curva Cg(1)

Figura 4.3: Sequência de Blowing-ups (Cúspide).

Foi necessário um único Blowing-up para a curva Cg tornar-se regular.

80
Capı́tulo 5

Resolução de Singularidades

Resolver a singularidade de uma variedade V consiste em encontrar uma modificação


própria f : Ṽ −→ V de modo que a variedade modificada Ṽ não tenha singularidades.
Quando nos referimos a ”modificação própria”estamos nos referindo a um morfismo cuja
imagem inversa de compacto é compacto. A modificação própria f : Ṽ −→ V induz um
isomorfismo f 0 : Ṽ \W̃ −→ V \f (W̃ ) onde W̃ é um conjunto analı́tico nunca denso em Ṽ .
K n+1 − {0}
O espaço projetivo Pn sobre um corpo K é o espaço quociente , sendo ∼

a relação de equivalência induzida pela multiplicação por escalar, isto é,
K n+1 − {0}
u ∼ v em ⇔ u = λv, para algum λ ∈ K ∗ .

Cada ponto (x0 , · · · , xn ) ∈ K n+1 −{0} define uma classe de equivalência representada
por (x0 : · · · : xn ) ∈ Pn . Se fossemos definir as variedades projetivas como zeros de
polinômios então, o polinômio f ∈ K[x1 , · · · , xn ] do espaço vetorial K n+1 não definiria
uma função em Pn . Por exemplo, f (x, y) = x − y 2 satisfaz f (1, 1) = 0 e f (2, 2) = −2 6= 0
mas, (2 : 2) = (1 : 1) em P1 .
Se f é um polinômio homogêneo de grau d, temos que

f (αx1 , · · · , αx1 ) = αd f (x1 , · · · , x1 ) (5.1)

e assim faz sentido falar sobre os zeros do polinômio f .

Definição 5.1 Uma Variedade Projetiva X ⊂ Pn é o conjunto de zeros de uma


coleção de polinômios homogêneos Fα .

81
Definição 5.2 Uma variedade quase-projetiva é um subconjunto aberto U ⊂ X de uma
variedade projetiva X ⊂ Pn .

Definição 5.3 Seja ϕ : U −→ V uma aplicação, definimos o gráfico Γϕ de ϕ como o


conjunto
Γϕ = {(x, ϕ(x)); x ∈ U } ⊂ U × V.

Definição 5.4 Seja X ⊂ Pn uma variedade quase-projetiva e p ∈ X algum ponto. Seja


X̃ = Γϕ ⊂ X × Pn−1 o gráfico da aplicação projeção de X em Pn−1 em p. A aplicação
π : X̃ −→ X é chamada Blowing-up de X em p. A imagem inversa E = π −1 (p) ⊂ X̃ do
ponto p é chamada divisor excepcional do Blowing-up.

Exemplo 5.5 Considere a superfı́cie S : x2 − y 2 − z 2 = 0 representada pela Figura (5.1).

Figura 5.1: Cone de Duas Folhas

S é singular na origem mas pode ser desingularizada através da seguinte transformação


quadrática:

σ : K[[x, y, z]] −→ K[[x1 , y1 , z1 ]]


x 7−→ x1
y 7−→ x1 y1
z 7−→ x1 z1 .

82
A transformação total da superfı́cie S é dada por

σ −1 (S) : x21 (1 − y12 − z12 ) = 0,

e a transformação estrita de S é dada pelo cilindro

S 0 : y12 + z12 = 1.

Figura 5.2: Resolução da singularidade da superfı́cie S.

Observe que a transformação total consiste em duas componentes: o plano x1 = 0


e o cilindro y12 + z12 = 1 (Veja figura 5.2 ). O plano x1 = 0 é chamado hipersuperfı́cie
excepcional e é a imagem inversa do ponto singular da superfı́cie S por σ. O cilindro S 0
não possui singularidade e é a desingularização de S, além disso, σ|S 0 é uma aplicação
própria para S que é um isomorfismo fora da singularidade.

Definição 5.6 Se X for uma variedade afim irredutı́vel, como o anel de coordenadas
K[X] é domı́nio de integridade, podemos construir o corpo de funções racionais dado por

f
K(x) = { | f, g ∈ K[x] e g 6= 0}.
g

Definição 5.7 Sejam X ⊂ K n e Y ⊂ K m variedades afins. Uma aplicação racional


φ : X −→ Y é uma m-upla de funções racionais φ1 , · · · , φm ∈ K(X), tal que para todo
ponto x ∈ X no qual φi é regular, φ(x) = (φ1 (x), · · · , φm (x)) ∈ Y .

83
A resolução de singularidades, através de sequências de Blowing-ups, de variedades
algébricas definidas, foi demonstrada por Hironaka em 1964.

Teorema 5.8 [5](Teorema de Hironaka) Seja V uma variedade quase-projetiva. Então


existem polinômios f1 , f2 , · · · , fn tal que o gráfico Γφ da aplicação racional

φ:V 99K Pn−1


x 7−→ [f1 (x) : f2 (x) : · · · : fn (x)]
é a resolução de singularidades de V

Para mais informações sobre a demonstração do teorema veja a referência [3].

84
Bibliografia

[1] BIERSTONE, E., MILMAN, P. D., Resolution of Singularities, Several Complex


Variables, Vol. 37, MSRI Publications, 1999.

[2] HARRIS, J., Algebraic Geometry: A First Course, Graduate Texts in Mathematics,
Vol. 133, Springer-Verlag, New York, 1992.

[3] HAUSER, H., The Hironaka Theorem on Resolution of Singularities, Bulletin (New
Series) of the American Mathematical Society, Vol. 40, N. 3, 323-403, 2003.

[4] HEFEZ, A., Irredutible Plane Curve Singularities, Lecture Notes Series in Pure and
Applied Mathmatics. 232, Decker, New York, 2003.

[5] HIRONAKA, H., Resolution of Singularities of an Algebraic Variety over a Field of


Characteristic Zero. I, II. Ann. of Math. 70 1964, 109-203; 79 1964, 205-326.

[6] ROMAN, S., Field Theory, Graduate Texts in Mathematics, Vol. 158, 2a Ed.,
Springer-Verlag, New York, 1995.

[7] STEWART, I., Galois Theory, 1a Ed. Chapman and Hall, London, 1973.

[8] VAINSENCHER, I., Introdução às Curvas Algébricas Planas, Coleção Matemática
Universitária, 1a Ed., IMPA, Rio de Janeiro, 1996.

85
Índice

Anel Lema
Coordenado, 49 de Hensel, 9
das Séries de Potências Formais, 4 Unitangente, 43
Noetheriano, 19
Matriz de Vandermonde, 54
Blowing-up, 76, 82 Multiplicidade, 6

Classe residual, 49 Parametrização de Puiseux, 47


Cone Tangente, 32 Polinômio
Curvas Pseudo-polinômio, 16
Equivalentes, 31 Reduzido, 28
Transversais, 58 Weierstrass, 8

Derivada da Série, 28 Racional


Discriminante, 28 Aplicação, 83
Divisor Excepcional, 76 Função, 83
Regular
Elemento
Curva, 30
Invertı́vel, 5
Série, 11
Irredutı́vel, 16
Resultante, 21
Extensão Galoisiana, 34
Retas Tangentes, 32
Fórmula de Noether, 75
Série
Forma Inicial, 6
Absolutamente Convergente, 5
Gráfico, 82 Redutı́vel, 30
Grupo de Galois, 34 Sequência Multiplicidade, 73

Indice de Intersecção, 58 Teorema

86
da Base de Hilbert, 19
da Base de Rückert, 20
da Função Implı́cita de Newton, 43
de Newton-Puiseux, 36
Preparação de Weierstrass, 13
Transformação
Estrita, 67
Quadrática, 66, 76
Total, 77

Valoração, 57
Variedade Projetiva, 81
Variedade quase-projetiva, 82

87

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