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Apresentação e Resumo das pesquisas PIBIC relacionadas à Pedra do Sal

Gabriel Ferreirinho
Letícia Maçulo
Luan Herdi
Introdução

Essa é uma proposta de discutir e problematizar qual a participação das narrativas midiáticas
nas configurações e reconfigurações dos imaginários sobre espaço, identidades, territórios e
resistência. O projeto se insere em uma pesquisa mais ampla (PROCAD/CAPES), que está sendo
desenvolvida no âmbito do programa de pós graduação em comunicação (UFF). Tomando como
objeto de estudo a Pedra do Sal no Rio de Janeiro, esses trabalhos visam compreender e
complexificar as relações que ali se estabelecem, não só no atual momento, mas historicamente, e o
desenvolvimento das noções de separação geográfica, social e simbólica, principalmente no que diz
respeito à influência das narrativas midiáticas. Além disso, é pretendido entender as sociabilidades
que ali se cultuam, principalmente entendo-as como acontecimentos. Em relação ao território, parte
dos objetivos do trabalho é problematizar as relações de centro e periferia, de oriente e ocidente,
além de entender os símbolos e personagens que ali circulam e se reconfiguram. A proposta é
pensar a Pedra do Sal como um espaço de constante mutação e elaboração cultural, uma vez que
identidade e cultura são reconhecidos em seus sentidos fluidos e constantemente em transformação.
Mas principalmente, um dos objetivos é atentar-se para como se configuram as produções
narrativas, não só no que se refere ao lugar, mas que partem do lugar compõe o cenário simbólico e
significante do próprio espaço. Como está se narrando a Pedra do Sal?

Capítulo 1: O Sal e a Pedra: Espaços, narrativas e identidades na Pequena África do Rio de


Janeiro

Território e disputas narrativas. Esse capítulo se propõe a discutir e problematizar qual a


participação das narrativas midiáticas nas configurações e reconfigurações dos imaginários sobre
espaço, identidades e territórios.
Usando como referência a região da zona portuária do Rio de Janeiro que vem sendo
elaborada dentro da lógica de cidade- mercadoria, a ideia é conceber o espaço para além da
concepção estática, mas mantendo-se atento à percepção de fluxo (tanto temporal quanto espacial.
O objetivo é compreender as memórias que constituem as identidades dos grupos que ali se
encontram); e principalmente, perceber quais discursos buscam ordenar os significados ali
correntes, visando o estreitamento de sentidos e possibilidades.
Tomando como objeto de estudo a Pedra do Sal no Rio de Janeiro, o que se pretende é
compreender e complexificar as representações que se estabelecem hoje sobre o lugar,
relacionando-as dentro de uma perspectiva histórica. O desenvolvimento das noções de
separação geográfica, social e simbólica, principalmente no que diz respeito à influência das
narrativas midiáticas é também fundamental.
A atenção aos processos de produções narrativas, não só no que se refere ao lugar, mas que
partem do lugar é fundamental no âmbito deste projeto, afim de que se possa compor o cenário
simbólico e significante do próprio espaço.
Grande parte dos resultados da pesquisa é advinda da reflexão crítica em torno das
ideias/conceitos de identidade; narrativa e território e tomaram forma a partir do recorte
escolhido a ser trabalhado: a zona portuária, mais especificamente nas relações do “narrar”, no
contexto da Pedra do Sal. Ou seja, muito do que aqui se desenvolve como um pensamento não
se apresenta como ‘resultados’, mas num caminho que propõe reflexões e questionamentos.
Optamos por um recorte metodológico de análise em torno das produções jornalísticas do
portal de notícias online Extra (parte do grupo Globo); foram pesquisadas e analisadas matérias
entre os anos de 2010/2016, a partir da palavra chave “Pedra do Sal”.
Nesta pesquisa foi percebido um crescente trabalho de vincular à Zona Portuária as
ideias de inovação e revitalização e lapidá-la numa lógica extremamente turística, que pouco
dialoga com os habitantes que ali estão (inclusive em muitos casos, apontando-os como “outros”
em oposição a um “nós”). Também uma sequência de colocações que esboçam o valor
histórico- cultural do território, mas que nunca mergulham na direção de complexificar essas
memórias. Inclusive, operações na direção contrária que buscam resumir e fixar sentidos
múltiplos em escassas ou únicas representações.
Além deste material, quatro páginas do facebook criadas por produtores culturais
advindos da Pedra do Sal 1 e três a partir de geolocalização 2 (serviço que agrupa fotos de sujeitos
distintos a partir da marcação/tag de um lugar) foram observadas no âmbito de relacionar as
narrativas que emanam do lugar, percebendo também as relações que dali se estabelece.
Foi possível analisar as articulações entre os meios de comunicação e identidades com
espaço urbano e territórios virtuais, a partir de matérias jornalísticas. E principalmente na questão
de tais territórios virtuais, esses se apresentaram como ainda mais complexos do que antes foram
previstos ser, expandindo as possibilidades de olhar.
Principalmente a partir das reportagens, foram articulados operadores teóricos e
categorias analíticas, a partir das práticas narrativas midiáticas, contribuindo para uma leitura da
mídia e suscitando conhecimento sobre sua narrativa como lugar de tensão entre as representações
e as mediações.
As disputas discursivas midiáticas de representação do espaço da Pedra do Sal
dentro do contexto da Zona Portuária foram analisadas com objetivo de contribuir para a
reflexão sobre as participações da mídia em acontecimentos político-culturais que visam à

1
Pedra do Sal; Baile Black Bom na Pedra do Sal; Roda de Samba Pedra do Sal; Jazz na Pedra do Sal.
2
Pedra do Sal; Pedra do Sal, Gamboa; Baile Black Music Pedra do Sal.
consolidação de projetos de sustentação de identidades e territórios; para a reflexão em torno das
narrativas midiáticas, discutindo os protagonismos, as lutas e os embates entre as instâncias de
poder que se inscrevem e se instalam no espaço urbano. Foi fundamental um olhar para as relações
virtuais a partir do facebook, tanto ao pensar a organização dos grupos, quanto uma relação de
diálogo mais próxima entre indivíduos e instituições.
Por fim, foram percebidos discursos midiáticos que visam ao estreitamento de
possibilidades de sentido sobre o espaço da Pedra do Sal; tanto dentro da lógica jornalística
quanto na direção de projetos da prefeitura do Rio de Janeiro em relação a esses espaços de
memória, que visam um apagamento da multiplicidade de vivências em prol de um discurso
único ordenador.
Somado a esses, a pesquisa tornou visível os discursos midiáticos que trabalham no
sentido da musealização de culturas a partir da lógica cidade-mercadoria, fazendo-nos entender os
conflitos que, não menos narrativos, expressam- se sobre o território da Zona Portuária
distanciando e aproximando diversos modos de ver e experimentar o mundo.

Capítulo 2: Sob os escombros: A construção discursiva de uma nova Zona Portuária.

Esse capitulo procura analisar os processos de revitalização da Zona Portuária (Porto


Maravilha) e as obras que precedem os Megaeventos que passam a ocorrer na cidade do Rio a partir
do ano de 2007 e os seus efeitos sobre o espaço praticado, sobre seus atores sociais, e os efeitos do
discurso imposto institucionalmente (uma nova Zona Portuária, o Museu do Amanhã ) em quem
habita, transita e nutre laços emocionais com um espaço que é acima de tudo, marco histórico de
resistência negra e periférica.
A Pedra do Sal, na região portuária do Rio de Janeiro é um território historicamente
importante para entender as relações entre cidade, identidades, pertencimento e resistência, pois por
se tratar de um lugar institucionalmente marginalizado é sobreposto constantemente por diversos
discursos e ações politicas que visam reterritorializar (MEIRELLES, 2014) e ordenar um espaço
tradicional e genuinamente negro.
Ao olharmos atentamente para o território da denominada Pequena África, nos deparamos
com camadas de vestígios desses discursos impostos institucionalmente, e desses processos de
ressignificação imposto à aquele espaço.
Esses vestígios se tornaram palpáveis quando observamos o próprio Cais do Valongo, onde
no Rio de Janeiro chegaram os denominados “pretos novos”; um espaço soterrado sob que foi
chamado posteriormente de Cais da Imperatriz. Essas camadas de discurso se mostraram para nós
durante o processo de analise histórica do território e dos discursos sob ele impostos. E se num
primeiro momento as camadas de discurso nos pareceu um simbolismo, sua aproximação com a
realidade se sedimentou com as narrativas residuais conseguimos escavar desse passado soterrado
sobre projetos de novas cidade e camadas e discursos.
Assim, utilizando do pouco que nos foi permitido resgatar sob essas camadas, e
dialogando sempre com os processos de ressignificação que estão acontecendo atualmente sobre o
mesmo espaço, e as narrativas que emanam como quebra desse discursos impostos, buscamos a
relação entre espaço praticado, habitado, e lugar imaginado e projetado atentando principalmente
para as marcas históricas de processos semelhantes como a reforma Pereira Passos,
Analisar as narrativas midiáticas produzidas sobre a Pedra do Sal, e em um largo aspecto, a
região intitulada de Pequena África, se mostra uma tarefa delicada, uma vez que as narrativas que
circulam nas grandes mídias, principalmente num momento pós-copa do mundo e pré-jogos
olímpicos apenas corroboram para a criação e manutenção de um imaginário sobre a região
portuária que apenas serve aos interesses privados de quem financia o projeto de revitalizaão e/ou
corrobora para a manipulação da opinião pública sobre a área, de forma que a renovação seja mais
do que proposta, desejada
Por isso, o desejo de olhar para além do que nos dizem os veículos tradicionais de mídia, e
buscar na própria Pedra do sal, narrativas que dela emanam e que surgem como contra-discursos em
um momento de ressignificação imposta institucionalmente que tenta atrelar à Pedra do Sal
características que ignoram todo o processo histórico e social que se deu na região portuária e
especialmente na Pedra do Sal nos últimos séculos.
Ao buscar produtos midiáticos que narrassem uma Pedra do Sal vivida e praticada nos
deparamos com o Baile Black Bom e a Roda de Samba da Pedra do Sal. Esta última é famosa e
ocorre tradicionalmente toda segunda feira; o Baile, fruto do movimento de resistência negra da
Pedra do Sal, acontece comumente duas vezes por mês, aos sábados e domingos.
A partir desses dois movimentos, buscamos ver de que maneira as narrativas originadas da
vivência e do pertencimento à Pedra do Sal se assemelham, ou se afastam do discurso midiático
institucional produzido pela Prefeitura do Rio de Janeiro e pelo projeto do Porto Maravilha e
principalmente a quem serve o imaginário que está sendo construído sobre a região portuária
durante esse processo de renovação.
Fruto de diversos processos de revitalização, a região da Zona Portuária se vê sobre o peso
constante de discursos institucionais que operam sobre o território a fim de reescrevê-lo. Projetos
como o Porto Maravilha e as obras que precedem Megaeventos, como os Jogos Olímpicos do Rio
2016, e a Copa do Mundo, por exemplo, operam no espaço habitado, que é lugar de trocas e
vivências cotidianas, ignorando as especificidades do local; trata-se de projetos de arquitetos
estrangeiros, vinculados a conglomerados empreiteiros cujo interesse pouco condiz com as
necessidades reais de um lugar de trocas.
A zona portuária, e a denominada Pequena África, se mostraram com um valor histórico é
imensurável; a Pedra do Sal, principalmente, é reconhecidamente um lugar de resistência e
valoração simbólica da cultura negra periférica. As rodas de Samba da Pedra do Sal ocorrem
religiosamente toda segunda, há mais de duzentos anos. Entender a Zona Portuária como essa
região importante para a história da Cidade do Rio de Janeiro, e principalmente para a história da
cultura negra, é um ponto importante para se entender também o simbolismo de um processo de
revitalização (gentrificação) imposto a um lugar que é acima de tudo, historicamente marginalizado.
Do ponto de vista histórico, o espaço reservado aos negros se mostrou estrategicamente
designado como uma forma de controle e repressão que servia aos donos de escravos, e a classe
dominante durante o período que o Brasil ficou sob o regime da escravidão. Pensar a cidade e em
sua configuração sob uma perspectiva histórica nos possibilita atentar para as formas de controle
(FOUCAULT, 1976) adotadas por aqueles que transitavam pelas classes dominantes em uma
sociedade escravocrata.
Dessa forma, pensar a cidade, o espaço e em sua distribuição ao longo dos tempos se tornou
chave para compreender melhor as relações de poder que são estabelecidas em espaços como a
Zona Portuária e a Pedra do Sal, já que trazem em seu processo histórico questões que remetem aos
processos de distribuição de terras, de marginalização e apagamento histórico e simbólico de uma
grande parcela da população.

Capítulo 3: Espaço, narrativas e os personagens na “Pequena África” do Rio de Janeiro

Este capítulo tem como foco analisar figuras/personagens/agentes localizados na Zona


Portuária do Rio de Janeiro que atuam de maneira expressiva para a consolidação, resistência e
transformação da narrativa dos negros muçulmanos no Brasil e mais especificamente no Rio de
Janeiro. Por isso, baseado na construção teórica sobre narrativas de Paul Ricoeur, devemos também
olhar sobre quais circunstâncias esses indivíduos chegam ao Rio. A história começa na Bahia, em
Salvador. Nessa época, os negros muçulmanos eram maioria dentro da população da capital baiana,
graças a uma das maiores rotas do tráfico negreiro, que ligava o Golfo do Benin à cidade de
Salvador. Documentos revelam que aproximadamente 234.400 escravos passaram por essa rota
entre 1801 e 1830 (REIS, 2003, p.308). Em 1835 aconteceu uma revolta que é um marco na história
narrativa desses negros no Brasil. A Revolta dos Malês, como eram conhecidos os negros nagôs de
origem muçulmana, teve como consequência uma forte opressão sobre os escravos e libertos de
origem muçulmana. Desde então, foi consolidada uma construção de um forte imaginário simbólico
que envolvia suas práticas culturais e religiosas. Por isso, após 1835 o governo baiano incentivou a
retirada desses negros da Bahia, fazendo com que muitos viessem ao Rio de Janeiro.
Essa revolta é de extrema importância na análise narrativa desses indivíduos, pois ela atinge
o campo cultural simbólico de como eles seriam recebidos no Rio de Janeiro. A migração massiva
de escravos e principalmente libertos para o Rio já causa impacto na formação identitária dos
muçulmanos dentro da cidade. Primeiramente, um ponto que implica nessa questão é a
transformação nominal deles, que deixam de ser conhecidos como “malê” ou “nagô” e passam a ser
da categoria mina. Uso aqui o termo “categoria” baseado nas documentações da época, o que
mostra o lugar do negro dentro de uma sociedade opressora que o objetifica constantemente. Os
antigos nomes “nagô” e “malê” levam em conta não só a localidade étnica, mas também fazem
referência à religião muçulmana. Diferente da denominação “mina”, que se refere aos escravos
trazidos da costa da mina, o que podiam ser de diferentes etnias. Além disso, a Revolta dos Malês
fez com que uma imagem perigosa, hostil e revôlta fosse atribuída aos negros muçulmanos,
impactando também na visão sobre suas práticas religiosas que muitos pensavam ser algum tipo de
bruxaria ou feitiço. Com isso, entende-se o contexto opressor de uma sociedade branca elitista e
cristã sobre os afro muçulmanos dentro do Rio de Janeiro.
Esse contexto afeta na construção identitária dos negros minas, que criam estratégias e
formas de convívio social. Relembrando Ricoeur, podemos entender essas estratégias como uma re-
figuração do espaço e das relações, uma re-significação do Rio de Janeiro a partir de uma leitura do
negro muçulmano na cidade. Um exemplo de atuação importante na cidade é uma prática escravista
muito adotada no período final da escravidão: os negros de ganho. Os escravos de ganho
trabalhavam nas ruas com comércio ou serviço remunerado, sendo que a maior parte do seu lucro
ficava com os seus senhores. A expansão e distribuição desses indivíduos provoca, sucessivamente,
mudanças sociais e demográficas, que são resultados da movimentação da sociedade como uma
realidade de funcionamento unitário, “um mosaico de relações, de formas, funções e sentidos”
(SANTOS, 1988, p.61). Dessa forma, os negros têm mais mobilidade pela cidade e algum poder
aquisitivo, ocupando-a de fato e criando formas de agir no meio social. Um exemplo de uma função
que proporcionou a construção de um “agir” na cidade que teve muita importância não só na
formação da identidade do negro carioca, mas também na resistência de uma cultura afro-baiana,
foram as quitandeiras. É importante lembrar que estamos falando de um indivíduo que até então era
excluído ao máximo do convívio social e que agora se torna sujeito atuante no território. Digo
sujeito atuante pois as quitandeiras eram exímias comerciantes e conquistaram o respeito de outros
comerciantes. Portanto, a aptidão para o comércio dessas negras pode ser não só uma herança
cultural africana mas também uma opção política que é fruto da experiência escrava em uma
sociedade hierárquica..
Um exemplo do papel e tipo de relação e influência que as quitandeiras tinham na cidade foi
protagonizado pela vendedora de laranjas Sabina. Sabina já havia estabelecido por anos seu
comércio em frente a Faculdade de Medicina, o que a fez criar laços com muitos estudantes por ali.
Certo dia o delegado da Freguesia de São José a proibiu de montar seu comércio naquele local. O
que vemos a partir daí é a indignação dos estudantes e clientes cativos, que compravam muitas
vezes as laranjas de Sabina para receber seus calouros na faculdade. O afastamento da quitandeira
vendedora de laranjas promoveu o que ficou conhecido como a “Revolta das Laranjas”, que ocorreu
no dia 25 de julho de 1889. Nesse episódio, estudantes da faculdade desfilaram, todos munidos de
laranjas, pelas ruas do centro da cidade. É importante ressaltar que os jovens adultos estudantes que
participaram da passeata que povoou as principais ruas do centro se preocuparam em retratar o
movimento como uma manifestação agrícola e não política. Dessa forma, é posto em foco somente
a venda da fruta e não o afastamento da negra quitandeira de um local fora da Pequena África pelas
autoridades. Entretanto, o nome de Sabina fica mais conhecido e, mesmo estando de certa forma
disfarçado, retrata como o organismo social da cidade funciona a partir de tal embate cultural, visto
que, até então, a luta das classes privilegiadas sempre foi pelo afastamento dos descendentes de
africanos, crioulos e pobres dentro da cidade.
Ao longo da história do Rio de Janeiro algumas reformas urbanas transformaram a lógica de
habitação da cidade, principalmente no centro. Essas obras geraram afastamento entre o centro da
cidade e o pobre, que vai ocupar a região do porto. A Zona Portuária era um espaço de convívio
pleno com negros, pois era lá que ficava o mercado. Foi natural a formação de redutos baianos
nessa região, o que mais tarde foi chamado de Pequena África. E lá se torna o principal lugar de
manifestação da cultura negra ocidental no Rio de Janeiro. Por isso é importante reiterar que
espaços simbólicos, como a Pedra do Sal, foram e ainda são um lugar de fala política e de luta.
Uma figura importante dessa região, que contribuiu muito na construção e consolidação de
práticas da cultura afro ocidental no Rio de Janeiro é a baiana Tia Carmem. Também quitandeira,
vendia doces pela região do porto e centro. Ela, assim como outras tias, se tornou símbolo da
cultura negra na cidade, e pode ser usada como exemplo do conflito constante entre a igreja e o
islamismo. Carmem sempre continuou a praticar a religião muçulmana dentro da Pequena África,
onde havia muitos baianos, mas talvez pela grande distância entre o culto e a cidade tornou-se cristã.
Dessa forma, Tia Carmem, como a maioria dos descendentes de escravos, cultuava santos católicos
e também os orixás. Nesse momento percebe-se uma transformação do islamismo original e
tradicional por esse conflito com o cristianismo imposto. Um bom exemplo de onde a resistência
era plantada são as rodas de samba, que muitas vezes aconteciam na casa de Tia Carmem. Era um
local de samba e festa onde falava-se de tudo, inclusive de religião. E é nesse meio em que o culto
aos orixás no candomblé se mantém, conseguindo criar uma comunidade popular liderada
principalmente por negros vindos da Bahia.
Como ponto conclusivo, a representação da cultura negra e sua transformação simbólica ao
longo da história, nos mostra como os mesmos indivíduos desvalorizados socialmente nos séculos
passados se tornam parte e símbolos culturais da cidade do Rio de Janeiro. São esses indivíduos que,
hoje, representam o samba, o carnaval e o candomblé, significando, ao mesmo tempo, as cicatrizes
da opressão ainda explícitas na sociedade atual.

Bibliografia
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Capitulo II
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Narratives and Afro-Muslim conflict in Brazil: culture and struggle for desires and powers. São
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