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Painéis

FUNARTE de Regência Coral1



Eduardo Lakschevitz


Participar do Painel FUNARTE de Regência Coral é sempre uma experiência
marcante. O público, os objetivos e o formato do Projeto exigem do professor um tipo de
preparação muito específica, que alia experiência, organização didática e domínio do
conteúdo, associados a uma dinâmica de trabalho flexível e objetiva. Sua capacidade de
perceber o ambiente e de trabalhar de acordo com o contexto pode fazer a diferença
entre o sucesso e o fracasso de uma empreitada como essa. A cada edição do Painel, o
trabalho dos professores se divide em: (a) aulas direcionadas a regentes e professores de
música, onde são discutidos aspectos técnicos relativos à área, tais como repertório,
dinâmica de ensaio, gestual etc. e (b) prática coral, onde cantores de coros locais (com ou
sem experiência) se juntam à primeira turma para a preparação de um repertório, que é
apresentado num pequeno concerto ao final do evento.
Neste texto, somente esta segunda faceta do Projeto será abordada, tratando de
aspectos relativos à minha preparação como um dos regentes do coro do Painel FUNARTE
de Regência Coral, que ocorreu em Maringá, em maio de 2014. Há muitas semelhanças
entre o trabalho do regente num Painel e as atividades da maioria dos regentes hoje em
dia; por isso, optei por escrever informalmente, como se estivesse numa conversa com
meus colegas regentes.
Uma conversa sobre esse assunto deve, então, se iniciar pela busca de algum
entendimento sobre a atividade da regência, que é comumente descrita como: "o ato de
liderar um grupo de pessoas a cantar um repertório, o que se faz através de
determinadas técnicas usadas durante diversos ensaios de preparação, que culminarão
numa apresentação pública. Esta, então, acontecerá em cima de um palco, para um

1
Artigo originalmente publicado no livro Cadernos do Painel: a preparação do regente. Rio de Janeiro:
Funarte/Oficina Coral, 2016. e-book.

1
público ouvinte, onde o regente atuará principalmente através dos seus gestos.” O
problema é que essa descrição não é universal e nem tão óbvia assim. Há muitos detalhes
que escapam à compreensão estritamente musical desse trabalho, como também
diversos elementos variáveis entre diferentes tipos de coro. Instabilidade e
heterogeneidade, por exemplo, são características sempre presentes, uma vez que se
trata de uma atividade humana coletiva e contemporânea. Assim, antes de encarar o
desafio de reger um coro, cabe uma análise ampla do contexto que o envolve, para
construir um pensamento que norteie nossas escolhas para questões propriamente
musicais.

Contexto
Ideias como a simulação substituindo a realidade, a estabilidade flutuante, a
incredulidade e o estado de transição aparecem com frequência no trabalho de autores
dedicados à análise das relações humanas na sociedade contemporânea. Parece que
vivemos um momento histórico cuja maior característica é a mudança contínua, que está
sendo sentida, percebida e comentada diariamente, através dos mais diversos meios.
Sendo o canto coral uma atividade que reúne pessoas, é natural que o estado constante
de transição e instabilidade (a "estabilidade flutuante", de Meyer2, por exemplo), faça
parte do cotidiano e das expectativas dos seus participantes. Quando um regente se
coloca à frente de um coro, hoje em dia, lida com um número muito grande de variáveis,
e precisa levá-las em conta ao realizar seu trabalho.
Ao olhar o projeto de prática coral no Painel, algumas questões já chamam a
atenção imediatamente, como o pouco tempo de ensaio (que é uma reclamação
frequente entre todos os regentes de coro), a participação de cantores voluntários, a
composição heterogênea do grupo (formado por uns cantores experientes e outros
iniciantes) e a responsabilidade de uma apresentação ao final do evento. Como líder
desse grupo, minha primeira tarefa deverá ser identificar os atores desse processo,
inspirando, assim, a criação de uma experiência que seja significativa para todos e que
cumpra as metas propostas. Objetivamente, as primeiras questões serão: Quem são os

2
MEYER, Leonard B. History, stasis and change. In: ______. Music the arts and ideas. Chicago:
University of Chicago Press, 1967.

2
cantores? Qual seu nível técnico (estilo vocal, conhecimento de notação, experiência
musical)? Além dos cantores, quem são as pessoas envolvidas no processo? Como é a
relação entre elas? Quais suas expetativas com relação ao Projeto? Qual o objetivo do
grupo e como poderemos atingi-los? Como essa experiência pode transformar as pessoas
que dela participam?
Os coristas, o público ouvinte, a FUNARTE, a instituição-parceira e as instituições
onde nossos alunos trabalham têm anseios e objetivos quando se envolvem num projeto
como o Painel, e será minha responsabilidade, como regente, levar em conta cada um
deles. A experiência, é claro, me ajuda a compreender o funcionamento de muitos
processos num ensaio coral; a trabalhar de forma mais eficaz e até mesmo a antecipar
algumas situações, mas a chave fundamental para um trabalho bem sucedido é a atenção
às particularidades de cada coro com quem trabalhamos. Neste texto, comento aspectos
relativos à importância do equilíbrio entre essas duas referências, no tocante à escolha de
repertório e à dinâmica de ensaio.

Repertório
Quantos de nós já não ouvimos um cantor reclamar de alguma peça do repertório,
tentar angariar apoio para sua "causa" junto a outros cantores, ou até mesmo, numa
situação mais extrema, deixar de participar de um coro por falta de afinidade com o
repertório escolhido? Ou, por outro lado, quantas vezes já não percebemos uma melhor
aproximação do coro com a sua comunidade, a chegada de novos cantores, ou o
recebimento de mais convites para apresentações em função da identificação das
pessoas (cantores e público) com o repertório executado? São situações que nos ensinam
o quanto essa escolha pode influenciar o trabalho de um coro. Não é difícil deduzir que
nós, regentes, dependemos diretamente da participação e do engajamento dos cantores
e, por isso mesmo, deveríamos sempre selecionar peças que promovam essa atitude.
Como na grande maioria das vezes trabalhamos com cantores voluntários, é nossa
responsabilidade olhar com atenção para os fatores que mais os motivam3, dentre os
quais está a escolha do repertório cantado que, mesmo sendo objeto de sugestões vindas

3
Idéias sobre motivação intrínseca e extrínseca são comentadas por Daniel Pink, uma ótima
leitura para regentes corais do Séc. XXI. (PINK, Daniel. Drive. New York: Riverhead Books, 2009.)

3
das mais diversas pessoas, é uma prerrogativa do regente. Esse processo é anterior ao
funcionamento dos trabalhos do coro propriamente dito, mas tem influência direta neste.
No caso do Painel FUNARTE, o repertório tem que ser escolhido antes mesmo de o coro
existir.
Normalmente o regente seleciona peças que, de acordo com certos critérios,
imagina que funcionarão bem. Mas que critérios são esses? Quem os determina? A
enorme variedade de tipos de coros hoje em dia torna pouco provável que existam
parâmetros universais, que funcionem da mesma forma para todos os coros. Portanto, há
características específicas no coro que regerei que devem ser observadas na escolha do
repertório.
Ao estabelecer referências para essa escolha, será importante compreender
particularidades do grupo, nos âmbitos musical e comportamental. Mas que fique bem
claro: conhecer e compreender um grupo para encontrar um repertório apropriado não
quer dizer simplesmente optar por peças banais e nem relaxar a exigência com a
qualidade do que será produzido. Grupos corais são diferentes uns dos outros, e as peças
que cantam devem valorizá-los, provocando nas pessoas um sentido de realização. Deve
trazer-lhes orgulho por um trabalho bem feito. Por outro lado, deve também instigá-los.
Há sempre alguma construção musical que os cantores ainda não experimentaram, ou
que ainda não conseguiram realizar bem. Quando o regente leva em conta essas
questões e sabe identificar as potencialidades do grupo, atua de forma a facilitar a
expressão máxima de um grupo, ao mesmo tempo em que promove o crescimento dos
cantores. Um dileto professor meu, ao discutir esse assunto, dizia que "só se pode lapidar
um diamante a partir de uma pedra bruta". Em outras palavras, um repertório deve estar
dentro das possibilidades de um coro, para, a partir daí, desafiá-lo.
O termo customização, comum no meio corporativo, serve bem ao regente coral,
quando da escolha de peças. Repertório customizado é aquele feito de acordo com o
coro, escolhido (ou, melhor ainda, criado) especialmente para aquele grupo de cantores.
Pensando por esse viés, um repertório deve ser adaptado ao coro (e não o contrário),
num processo cujos fatores que o constroem devem ser pensados distintamente. Assim,
questões importantes a serem analisadas no repertório coral são a forma (a peça faz
sentido?), o tratamento harmônico (é tonal? cromático? instável? posição de acordes), a

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condução de vozes (graus conjuntos, tipos de saltos e contornos, "cantabilidade") e os
aspectos rítmicos (andamento, padrões, regularidade de pulso, uso de redundância).
Algumas dessas questões, porém, serão mais prementes na análise de repertório para o
Coro do Painel, pelas características anteriormente mencionadas: o texto, a tessitura e a
textura. É certo que a produção do som coral é resultado de todas essas questões juntas,
mas é importante que o regente seja capaz de analisar esses fatores isoladamente numa
peça.

Texto
Um cantor comunica ideias. O simples fato de o significado do texto "sair da boca
do cantor" o torna testemunha do que canta, como se fosse um avalista das ideias que
são transmitidas. Isto é ainda mais forte em se tratando de cantores voluntários, cuja
participação num coro é motivada por questões de ordem pessoal. Para estes, é
praticamente impossível separar suas ideias daquilo que seu corpo e sua voz expressam
no coro. Por isso, cantores sempre deixarão bem claro sua discordância com qualquer
conteúdo de um texto que lhes desagrada, seja ela por razões de faixa etária _ “meus
alunos acharam esse texto muito infantil”, comentam frequentemente alguns
regentes__, de religião,de política ou de qualquer outra. Dessa forma, a identificação de
um cantor com a mensagem contida no texto de uma canção deve ser a base da escolha
do repertório. Não se trata de escolher repertório que o corista já conheça, mas sim de
buscar textos que promovam seu crescimento, seja pela qualidade literária, pelas ideias
que contêm, ou pelo tratamento que receberam do compositor. Samuel Kerr, com quem
colaborarei nesse Projeto, diz que um coro deve ser a voz de sua comunidade. Por isso,
conversamos muitas vezes a respeito do Painel em Maringá, pesquisamos canções que
dizem respeito àquela cidade, suas características marcantes, clima, vegetação,
população etc. Antes de escolher peças, conversamos sobre o que queríamos falar, sobre
a mensagem que gostaríamos de deixar para cantores e ouvintes, e sobre as relações que
gostaríamos de estabelecer entre nossa cantoria e a comunidade local.
Mas texto não é só conteúdo, significado. Há outros fatores a serem analisados:
Qual a sua qualidade literária? Tem originalidade? Como está associado às melodias? É
cantável? Todas as vozes têm oportunidade de cantar trechos da letra ou há alguma voz

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dedicada apenas aos fonemas de acompanhamento (“Tum, Tum, Tum” ou “lá, lá, lá”, por
exemplo), hoje tão comuns em arranjos e composições corais? Todos devem ter a chance
de comunicar o texto, a poesia. Às vezes esse fato passa despercebido porque nós,
regentes, temos uma tendência a analisar somente a visão geral, a sonoridade resultante.
Mas todo cantor gosta de melodia e de letra (alguns, mais inexperientes, até confundem
esses termos), e as peças que escolhemos devem proporcionar esse equilíbrio.
E como é a prosódia desse texto? Somos capazes de compreendê-la, bem como o
sentido das frases musicais e poéticas? O sentido musical acompanha o sentido do texto?
O texto está adaptado à notação musical com naturalidade? As acentuações do texto
coincidem com as da música? Há naturalidade na "entrega" de um texto para o ouvinte?
A definição mais precisa que já ouvi sobre a qualidade de um texto, e que uso até hoje, é
a seguinte: “Precisa ter qualidade literária, potencial educativo (pessoas devem ter
oportunidade de aprender com ele), e tem que 'ser bom de dizer'", o que significa ter
prosódia equilibrada, articulação justa e pronúncia fácil.

Tessitura
A voz humana é um instrumento que produz sons dentro de certos parâmetros.
Obviamente, não adianta imaginarmos que sons em determinadas alturas sejam
produzidos por vozes que simplesmente não têm capacidade de executá-los. Isto é claro,
e por esta razão os manuais de instrumentação e de regência coral procuram indicar
muito precisamente em que região cada naipe deve cantar. Mas a maioria dos manuais é
escrita de forma generalizadora; muitos deles, influenciados por ideias estabelecidas
ainda no Séc. XIX, por exemplo, não levam em conta as variadas referências culturais da
produção vocal contemporânea.
De forma geral, hoje em dia pode-se perceber entre cantores de coro no Brasil
uma tendência à produção vocal no registro médio (os motivos para tanto são objeto de
muitas discussões entre regentes e professores, mas, devido à natureza da questão, ainda
de forma especulativa). Não são tão comuns as vozes extremas, como baixos graves, ou
sopranos agudos. Para o coro do Painel, o ideal será encontrar peças que se mantenham
dentro desse registro (lá1 ao ré4, podendo ir pouco mais acima ocasionalmente).
Importante também será manter uma postura flexível, que permita alguns ajustes que

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venham a ser necessários no decorrer dos ensaios, como designar determinados trechos
a outras vozes ou naipes. Há fatores que podem influenciar a tessitura das vozes, como
treinamento, idade, experiência, aquecimento etc., mas só conheceremos as
possibilidades reais do coro a partir do primeiro encontro com o grupo.

Textura
A interação entre as vozes é um dos aspectos mais interessantes da música coral,
e a característica de repertório mais intimamente ligada a ela é a variação textural. Ao
tratar de relações entre as diferentes vozes, como fios de uma peça de tapeçaria, a
textura pode determinar o nível de dificuldade de uma peça, o interesse dos cantores, a
inteligibilidade, a dinâmica etc.
Como as vozes de uma peça se organizam? De forma monofônica (uníssono),
polifônica, homofônica, ou como melodia acompanhada? Há texturas que se misturam?
Há variedade de texturas numa peça? Muitas vezes nos esquecemos de algo muito
simples: cantores gostam de cantar melodias! (perdoem a insistência). Efeitos vocais,
como mencionei anteriormente, até são interessantes também, mas se usados como
colorido, como acompanhamento. Uma peça cuja textura privilegia somente uma das
vozes com a melodia (frequentemente o soprano), deixando as outras todas com função
de acompanhamento, perde boa parte do grande potencial expressivo de uma música
coral. A textura deve privilegiar a todos. Bem disse Machado de Assis, ainda no Séc. XIX,
ao se referir à importância da melodia na sensibilidade musical da população: “o público
carioca morre por uma melodia assim como macaco morre por banana".4
Essa análise é importante, ao mostrar uma direção na escolha do repertório para
um coro. Mas, ainda assim, o prisma de observação utilizado é o do regente. Uma
aproximação com as possíveis sensações do cantor só vem quando, como parte do nosso
estudo, cantamos em voz alta todas as vozes da peça estudada. A ideia pode soar
redundante, mas o envolvimento físico e acústico dos participantes com a música está na
essência da atividade coral. Experimentar as linhas vocais é uma boa forma de o regente
se colocar no lugar de seus coristas, a fim de entendê-los melhor.

4
Em crônica publicada na Revista Ilustração Brasileira, em 15/07/1877.

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Ensaio
O ensaio de um coro é muitas vezes descrito como um momento de preparação
para uma apresentação. A ideia lembra o ideal da Era Industrial, que atinge seu ápice no
início do Século XX, e que dissocia o trabalho do prazer. De acordo com esse pensamento,
primeiro vem a obrigação, o esforço (e até mesmo o sacrifício). Depois, a diversão, o
prêmio. Mas conceber o ensaio coral unicamente como um momento de sacrifício
necessário para a preparação e montagem de uma apresentação, onde só então o corista
receberá sua "recompensa", em forma de reconhecimento do público, parece não
condizer com o trabalho realizado num Painel. Não consigo achar que pessoas vêm ao
ensaio para sofrer, mesmo que em nome da arte ou de uma recompensa que só chegará
muito adiante. As pessoas querem ter prazer no processo de ensaio. Procuram uma
atividade que seja de alto nível, séria, produtiva (por vezes até cansativa), mas, ao mesmo
tempo, prazerosa e confortadora. Além disso, é no ensaio que se dá o maior tempo de
convívio entre os participantes de um coro, o que é mais um motivo para considerá-lo
precioso. Essa é uma questão ainda mais forte para músicos voluntários, uma vez que
esses não têm expectativa salarial ou qualquer outra diferente da realização musical
coletiva.
Por isso, a questão-chave para a preparação do regente de um coro como o do
Painel é sua capacidade de lidar com o tempo. Num mundo onde as atividades humanas
estão cada vez mais automatizadas e onde há cada vez mais formas de entretenimento
disponíveis, o ensaio do coro é um compromisso individual com a coletividade. Pessoas
dedicam seu tempo para estar juntas, buscando um mesmo objetivo, sob a liderança do
regente. Mesmo assim, a simples presença dos cantores não é suficiente. Se não
estiverem engajados naquela atividade, nada de interessante acontece. Mas como
encontrar esse ponto de equilíbrio? E o mais difícil: como manter seus coristas não
somente motivados, mas engajados nesse processo? Minha proposta é fazer do ensaio
um ambiente onde duas ideias estejam sempre na cabeça dos participantes: realização e
desafio. Para tanto, alguns detalhes da conduta do regente podem facilitar muito o
desenvolvimento do trabalho e o aproveitamento do tempo de ensaio.

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1) Sensibilização do conjunto: Quem faz música é o cantor, e não o regente.
Nossa função, é claro, é indicar possibilidades, mostrar caminhos. Mas quem os trilha é o
cantor. Num concerto nós nem mesmo somos vistos pelo público, porque estamos de
costas (e, como dizem por aí, “solo de regente” não existe). Por isso, promover o sentido
de equipe é uma das tarefas mais importantes para o regente. Isso se faz, primeiramente,
tratando os cantores com educação e gentileza. Depois, cuidando da forma de
comunicação com os cantores. Em nossa relação com os coristas, os exageros
atrapalham; tanto os verbais como os visuais. Não adianta querer cantar pelo coro, ou
dar palestras durante o ensaio, gritar ou gesticular em demasia para alcançar os
resultados pretendidos. O melhor coro será aquele em que os coristas têm propriedade
sobre o que se canta, onde os coristas estão engajados. E isso acontece quando o regente
delega poder, quando o coro tem sensibilidade para entender os mecanismos a ele
relacionados e para ouvir o "todo" musical. Há expressões muito comuns nos ensaios de
coro, que vão de encontro a essa sensibilização: "agora eu quero assim", "cantem pra
mim", ou “vocês estão errando”, por exemplo, inconscientemente falam contra o sentido
de grupo que quero cultivar no ensaio. São dizeres que distanciam os cantores do
regente, como se fossem entidades diferentes. Até mesmo o uso da primeira pessoa do
singular nos ensaios prejudica essa sensibilização; afinal, se entendemos que os coristas
são aqueles que realmente se conectam com o público, e queremos sensibilizá-los para
que assumam essa responsabilidade, é bom que também os façamos perceber que
regente e cantores são partes de uma só organização. Constituem um só grupo que se
propõe a passar uma mensagem ao público, e não duas unidades diferentes, ou seja, um
regente e um coro. Um coro que compreende conceitos e os põe em prática, sem precisar
de constantes instruções do regente, chega bem perto de estabelecer uma relação mais
próxima com os ouvintes, e de emocioná-los.
2) Liderança necessária: A atividade de liderança só é eficiente se for necessária,
e um regente deve saber identificar esses momentos Qualquer atitude sua, seja gestual
ou verbal, só se justifica se fizer diferença, se tiver efeito perceptível. Um olhar histórico
sobre nossa atividade mostra que a presença do regente à frente de um grupo sempre foi
fruto de uma necessidade prática de execução musical. Só a partir do Século XIX a figura
do maestro, por uma série de razões extramusicais, começou a se transformar em algo

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que muitos consideram até mais importante que o próprio conjunto. Mas isto está
errado, e é fácil notar tal inversão de papéis num coro como esse para o qual estou me
preparando. Minha atitude, como regente, será sempre a de atuar quando for necessário.
Um gesto, aliás, tem maior significado quando destacado, e não quando repetido em
sequência, sem algum motivo aparente. Um professor com quem trabalhei insistia em
dizer que "regente neutro" não existe. Ou ele promove a produção de boa música ou a
atrapalha, não havendo meio termo entre essas situações. Quanto mais passa o tempo e
mais ganho experiência, mais eu concordo com ele. Autoridade não significa
autoritarismo. Para o bom líder, a exposição pessoal não deve ser prioridade, mas sim o
resultado obtido pelo grupo, que passa pelo desenvolvimento do corista.
3) Atitude positiva: O momento do ensaio constitui-se na maior parte do tempo
que passamos juntos com o coro, onde é construída, tanto coletiva como
individualmente, a maioria das lembranças que conservamos. Seu bom andamento e sua
fluência se darão, então, através de experiências positivas e agradáveis, e não pelo medo
de errar. Os processos de ensaio parecem mais rápidos e mais fáceis quando o regente
impõe suas ideias e simplesmente exige que sejam cumpridas pelo coro. Entretanto, esse
é um comportamento que cria muito mais problemas que soluções no trabalho coral.
Mesmo que as determinações de um regente possam até ser cumpridas pelos cantores,
há um limite para a excelência dessa realização musical, determinado pelo engajamento
dos participantes. Por vezes, uma forma hierarquizada e vertical de lidar com os cantores
deixa-se transparecer através de pequenas atitudes do regente durante um ensaio, e
pode, inadvertidamente, inibir esse engajamento dos participantes. Expressões como
"não", "negativo" e "está errado", por exemplo, têm o poder de interromper uma linha
de ação para iniciar outra. Mesmo funcionando bem para esse propósito, seu uso
exagerado acaba por gerar um padrão de interrupção na cabeça dos cantores,
acostumando-os com a ideia de um ensaio como lugar de punição, de pouca fluidez, que
é diametralmente oposto à ideia da produção musical prazerosa.
Sensação semelhante tem o cantor ao participar de um ensaio conduzido por uma
abordagem de conserto, ou seja, onde o regente se baseia no erro dos cantores e dedica
a maior parte do seu tempo a consertá-los. Uma atividade em grupo, em que se
pressupõe que o participante está sempre errado, nunca combinará com ideias como

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engajamento, motivação e liberdade. Lembro-me muito claramente de minhas aulas de
clarinete com o José Botelho, que às vezes, mesmo quando eu estava tocando as notas
certas, dizia: "- Edu, parece que você está tocando com o freio de mão puxado". O
sentido de fluidez é essencial no fazer musical, não importa o nível técnico ou o nível de
experiência dos cantores; o regente deve sempre ter consciência disto. É algo que só
pode ser atingido num ensaio coral através de uma atitude positiva.
4) Comunicação clara: A regência é uma arte de característica não-verbal e requer
modos não-verbais de comunicação. Daí se pode inferir o quanto é importante a precisão
das informações que passamos ao coro. As expressões faciais, o equilíbrio do corpo, as
relações entre o movimento e a ausência do movimento, enfim, quaisquer outros tipos
de gestos, atitudes e jeitos do regente têm efeito sobre o som do grupo. Por isso, todo o
trabalho do regente deve fazer referência precisa ao produto sonoro almejado. Padrões
de regência são uma ótima ferramenta para apurar as informações gestuais, mas devem
ser utilizados criticamente, pois não são o único tipo de código gestual capaz de
transmitir informações entre pessoas. São convenções, o que significa que, para
funcionarem de forma eficaz, é necessário que regentes e coristas entendam exatamente
o conteúdo dessas informações. Do contrário, não se estabelece uma comunicação limpa.
Mas além desses padrões, pessoas entendem diversos outros tipos de informação5 e,
num coro onde o tempo de preparação é curto, quanto mais extenso é o vocabulário
gestual do regente (e quanto mais confortável esse regente está com seus gestos),
melhor. Gestual bonito nunca deve ser o objetivo do regente, mas sim aquele que
demonstra clareza.
5) Uso do tempo: Muitas vezes ouvi meu avô e minha mãe, ambos regentes
corais, dizerem que "coro é uma atividade de longo prazo". Pela análise feita neste texto,
porém, tal conceito parece não mais se encaixar na atividade coral contemporânea. Ao
menos no caso do coro do Painel, tema deste estudo, o pouco tempo de trabalho é uma
de suas principais características. Precisarei cuidar desse tempo com esmero. Há uma
apresentação a ser feita, mas há poucos e curtos ensaios. Mais ainda, esse é um coro de

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O trabalho de Paul Ekman é uma das referências mais importantes na área da comunicação
gestual. As ideias de Rudolph Laban também são largamente utilizadas por regentes corais
interessados em compreender melhor e expandir seu vocabulário gestual.

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voluntários, ou seja, um grupo de pessoas que dedica parte de seu tempo (precioso) para
realizar um trabalho em conjunto sob minha liderança, fato que aumenta minha
responsabilidade sobre o uso do tempo. E esse trabalho é cantar. Por isso, minha meta
nos ensaios desse grupo será fazer com que o maior número de pessoas consiga cantar o
maior tempo possível nos ensaios, dosando, também, sua velocidade (ninguém consegue
atuar com 100% de sua energia o tempo todo). Dessa forma, sua capacidade de
concentração estará sempre mais aguçada e, consequentemente, também seu
engajamento no fazer musical. Até mesmo a ordem da distribuição das atividades no
ensaio me ajuda a torná-lo mais produtivo. Geralmente, os cantores chegam pouco
concentrados, cada um de um canto diferente. Depois, têm seu ponto de maior foco e
concentração na primeira parte do ensaio, antes de começarem a se cansar (física e
mentalmente). A observação desses detalhes de comportamento é de grande ajuda na
montagem de um ensaio que aproveite ao máximo o tempo do corista.

Organização
Todas essas são competências não-musicais fundamentais para o
desenvolvimento do meu trabalho como regente coral, que, observado com
distanciamento crítico, consiste simplesmente em liderar um grupo de pessoas a atingir
um objetivo comum. Mas a compreensão clara dessas questões tem sido uma dificuldade
dos regentes com os coros hoje em dia. Muitas vezes, a preocupação com questões
técnico-musicais do seu trabalho é tão dominante que este parece ser o único aspecto
levado em consideração, quando, na verdade, essas deveriam ser apenas as suas
preocupações iniciais; constituiriam a base para o desenvolvimento de um trabalho coral.
A construção de uma sólida e ampla base musical, nas áreas de análise, harmonia,
contraponto, estilo, regência e instrumento é de inquestionável importância, e deve ser
desenvolvida continuamente. Estas são as ferramentas do dia a dia do regente,
fundamentais para a fluência de seu trabalho; fazem parte de sua formação. Mas são
meio, técnica, e não seu objetivo final. É inspirador ouvir o Samuel Kerr dizer que "padrão
com T de técnica vira patrão, e convenção, também com T de técnica vira contenção".
O regente é o líder de um grupo de pessoas e, por isso, as questões relativas a
esses processos coletivos de criação artística são as que primeiro me vêm à mente. Assim,

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somente após analisar o coro com quem trabalharei (as pessoas!), escolher o repertório e
imaginar potencialidades e dificuldades do trabalho eu posso começar a pensar na parte
musical, nos melhores processos e nas questões mais importantes a serem abordadas nos
ensaios. Esse trabalho musical precisa ser organizado, coerente. Um dos aspectos mais
difíceis para o regente é levar o cantor a construir seu som de forma artística; esse
objetivo só poderá ser alcançado quando diferentes áreas do trabalho coral forem
tratadas isoladamente. Vou explicar.
Todo regente tem um som ideal em mente. Tenho a sorte de já ter ouvido
concertos de coros maravilhosos, de estilos e procedências as mais variadas, de ter
conversado com muitos regentes e professores e de ter regido muitos coros diferentes
(em situações mais diversas, em locais muito distintos). Tudo isso me ajuda a imaginar o
som que considero ideal. O gosto de um regente e seus ideais sonoros vão-se construindo
a partir das referências adquiridas e das comparações estabelecidas ao longo da vida.
Sempre que me coloco à frente de um grupo coral, tenho esse som ideal em
mente, como um objetivo, uma referência. Mas regência é uma atividade intensamente
dependente de outras pessoas e de múltiplos fatores que, muitas vezes, propõem
caminhos e sonoridades alternativas. Assim, a mágica maior do trabalho coral é o
caminho da busca pelo som ideal, que é forjado no equilíbrio entre as referências do
regente e as situações que se lhe vão colocando. E a função mais importante do regente é
guiar os cantores a experimentar esse caminho, sem cair na tentação de tentar trilhá-lo
por eles.

Prioridades
Gosto musical e ideais estéticos são valiosos para o trabalho do regente, pois o
balizam e lhe servem como referência. Mas sua atividade consiste em organizar a própria
construção do som coral, e por isso lhe é necessário aprofundar seu conhecimento sobre
os elementos que o constituem; precisa compreendê-los separadamente. A identificação
e o domínio dos processos formadores do som coral são ferramentas fundamentais no
desenvolvimento do grupo. Por isso, é preciso organizar as prioridades de um ensaio (ou
de um grupo num certo momento do trabalho), quando se busca chegar ao melhor
resultado possível, em condições específicas e com número grande de variáveis à mão.

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Aliás, quanto mais imprevisível for a situação para um regente, mais bem planejada deve
ser sua atuação; afinal, é sua responsabilidade apresentar os resultados daquele trabalho,
dentro de um prazo determinado (que quase sempre é mais curto do que gostaria).
Não é fácil descrever o som coral; trata-se de uma experiência essencialmente
sonora. Alguns autores até tentam fazê-lo, mas acabam esbarrando em questões de
gosto, de ponto de vista cultural, e mesmo do caráter subjetivo do som, que é difícil de
ser expresso por palavras. Para mim, o som coral ideal, de que falei acima, é natural.
Gosto de produção vocal vibrante, livre, cheia de energia, com boa projeção. Acho que o
texto que cantamos é tão importante que o público deve compreendê-lo com clareza (e
em muitas situações a projeção sonora e a clareza de pronúncia não se combinam). Os
naipes devem estar bem equilibrados internamente (colorido timbrístico) e também
equilibrados entre si (dinâmica). O ritmo deve ser preciso e os cantores devem ter
controle respiratório saudável, para dar suporte a tudo isso. Particularmente, gosto de
um som resultante de uma extensão ampla, com boa ressonância tanto em graves quanto
em agudos; desta forma, proporciona uma sonoridade com ampla gama de frequências.
Mas apesar de todos esses fatores serem interdependentes, não se pode abordá-
los de uma só vez, o que acabaria criando confusão na comunicação com os cantores e
consequente desperdício do nosso precioso tempo juntos. É impossível levar todos a
pensar em diversos assuntos ao mesmo tempo. O som coral ideal deve ser construído aos
poucos, num processo organizado. É claro que as circunstâncias irão interferir (e, muitas
vezes, mudar um planejamento de ensaio), mas esta é uma razão para o regente estar
ainda mais atento aos elementos que formam o som do coro, para poder trabalhá-los da
forma mais efetiva possível.
No coro do Painel, pelas características que analisei, darei preferência à dicção,
entre os diversos elementos que compõem o som coral (qualidade vocal, afinação, ritmo,
equilíbrio, dicção, respiração, dinâmica etc.). Primeiro porque a competência mais
importante do artista no fazer da música vocal é ser compreendido pelos ouvintes.
Segundo, porque dicção é o que está mais próximo da realidade cotidiana das pessoas,
especialmente daquelas que não têm experiência musical anterior. Todo cantor sabe
falar, conhece dicção, mesmo que nunca tenha pensado nela de forma organizada. Por
isso, poderei falar com todos juntos (cantores experientes ou iniciantes são capazes de

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compreender este assunto), de forma a obter resultados e a otimizar nosso tempo de
ensaio. Finalmente, o controle consciente das questões relativas à dicção tem forte efeito
em outros aspectos, que podem ser aprimorados sem que sejam tratados
especificamente (afinação, equilíbrio e ritmo, por exemplo).
Dicção para instrumentistas é o título de um dos capítulos de Casals e a arte da
interpretação, livro que retrata ideias deste grande artista sobre o tema. Segundo ele, "o
diminuendo é o que dá vida à música, pois notas se destacam no discurso musical não por
sua especial intensidade, mas, principalmente, pela sombra que as precede.”6 O respeito
de Casals à clareza do discurso musical é inspirador e deve ser lido com atenção pelo
regente, pois trata-se de um tema central na música coral, onde a comunicação do texto
é material fundamental de trabalho. A importância que confere ao discurso musical é
confirmada, ainda, por outra ideia sua: "nunca encoste arco na corda com indiferença".
Em outras palavras, o compromisso do músico com seu ouvinte deve ser completo,
inteiro. No caso da música vocal, esse compromisso exige a comunicação do texto
cantado.
Ao conversar sobre a música coral com pessoas que não são familiarizadas com
esse universo, percebo o quanto nossa arte é percebida como anacrônica e dissociada
dos costumes da vida contemporânea. Dentre os motivos que justificam tal afirmação, o
mais frequente é a pouca inteligibilidade do que se canta, fato que se relaciona, também,
com aspectos da dicção do texto: "- Não consigo entender a letra", dizem. A comunicação
clara e intensa entre coro e plateia é parte importante dessa produção musical. Por isso, a
análise de somente um desses lados levará a diagnósticos incompletos de nossa
atividade. O regente deve estar atento a esse fato e considerar a percepção (auditiva e
social) dos ouvintes com o mesmo peso que dá à técnica vocal e aos processos musicais.7
Mas não adianta somente construir minha própria filosofia a respeito da
importância da dicção num coro. Precisarei, também, de uma estratégia para passá-la ao
grupo e de exercícios para fazer o corista sentir, experimentar fisicamente os conceitos

6
BLUM, David. Casals and the art of interpretation. Los Angeles: University of Califórnia
Press,1977.
7
O modelo de análise tripartite é um exemplo de análise musical mais compreensiva, que pode
servir como uma referência para essa idéia. Rev. NATTIEZ, Jean-Jaques. Music and discourse:
toward a semiology of music. Princeton: Princeton University Press,1990.

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compartilhados, conectando mente e corpo. Farei isso através das duas unidades básicas
de formação de qualquer discurso: vogais e consoantes. O ensaio será mais fácil e fluente
se os cantores compreenderem separadamente a produção de cada uma delas. Mais
ainda, a naturalidade desse discurso musical (fundamental na relação do coro com seus
ouvintes) vem da percepção da direção das frases e da prosódia, que são questões
intimamente ligadas à dicção.
Algumas características das VOGAIS:
a) Funcionam através da vibração das pregas vocais. Relacionam-se com a
duração do som, por isso afetam diretamente, a “cor" do som do coro, a dinâmica, a
afinação, o equilíbrio e a projeção sonora;
b) Podem ser misturadas e até substituídas, sem prejuízo da inteligibilidade do
discurso;
c) Podem ser abertas, fechadas, orais, nasais, puras, em ditongos e tritongos. Se
ouvirmos atentamente, muitas vezes perceberemos misturas de vogais produzidas de
acordo com diferentes sotaques;
d) Permitem a diferenciação entre voz de cabeça e de peito. Questões de
tessitura também têm relação com a produção de vogais;
e) Podem alterar a afinação de um coro sem que esse assunto seja sequer
abordado diretamente; dependem da consciência dos cantores quanto à sua produção;
Algumas características das CONSOANTES:
a) Duram muito menos tempo que as vogais e geralmente recebem menos
atenção do que deveriam receber durante o trabalho. São responsáveis pela articulação
da mensagem e pela consequente inteligibilidade do discurso;
b) Há diversos tipos: de altura determinada, puras, sibilantes e aspiradas.
Algumas, mesmo que de tipos diferentes, têm formação semelhante (p e b, por exemplo).
A atenção a esse detalhe promove a coesão sonora do grupo, afetando até mesmo a
dinâmica e o equilíbrio entre naipes;
c) Relacionam-se diretamente com a dinâmica (através da precisão
articulatória), com o ritmo, o controle respiratório e, consequentemente, com a afinação;

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d) Têm capacidade de tornar um discurso claro e inteligível. A carga dramática
do texto está contida nas consoantes. Podemos regular sua intensidade, modificá-las e
até mesmo substituí-las;
Há que se pensar, também, no equilíbrio das duas, vogais e consoantes,
mantendo-se em mente uma questão acústica: conforme aumenta o número de cantores
num grupo, também aumenta o peso das vogais no som resultante e as consoantes
tendem a ficar perdidas, até mesmo apagadas. Como resultado, o texto (e sua
mensagem) ficará menos claro. Por isso, num coro grande, o cuidado com a emissão clara
das consoantes é fundamental para a compreensão do texto cantado. Para os coristas,
esse conceito poderá gerar até certa estranheza, especialmente se comparado à emissão
da voz solo ou da voz falada. Mas, uma vez compreendendo os benefícios do resultado
sonoro final, a ideia é sempre bem assimilada, especialmente quando os coristas se
percebem parte de um grupo cuja prioridade são os processos e o resultado coletivo.

Conclusão
A formação musical de um regente é fundamental e constitui a base de todo o seu
trabalho. Para conseguir lidar com um coro formado num Painel, a competência técnica
do regente é ainda mais importante, juntamente com sua concepção de som coral e sua
metodologia de trabalho. Mas, neste texto, foram abordadas questões mais relacionadas
ao fazer musical coletivo e à contextualização do trabalho coral no mundo
contemporâneo. Este, por estar em constante estado de mudança, exige do regente uma
postura crítica, mesmo em relação a princípios já arraigados na formação e na práxis da
música coral. O regente coral no século XXI precisa questionar todos os aspectos dessa
arte, mesmo os mais básicos como, por exemplo, a obrigação de o corista olhar sempre
para o regente; a dependência da notação musical; a busca pelo “cantar certo”; a
supremacia do texto musical sobre o texto literário; a “subserviência” de todos para com
o compositor e o regente; a compreensão da atividade musical como a supremacia da
“obra”, e não da atividade. Para além de sua preparação técnico-musical, o regente
precisa olhar para a atividade coral e entender o que é meio (ferramenta) e o que é fim
(objetivo). A capacidade de contextualização de um regente é, muitas vezes, limitada por

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valores estéticos que foram fixados em outro tempo, e que não se sustentariam bem na
produção coral contemporânea, pois não levam aos objetivos pretendidos.
Neste texto, procurei descrever a preparação de um regente para um trabalho
coral de contornos bem definidos, e sua necessidade de entender essa música a partir de
um prisma mais amplo e contextualizado com a vida contemporânea. Mas coros são
formados por pessoas e, por mais que o regente esteja preparado, sempre haverá a
surpresa, o inesperado. Por isso, nosso trabalho fascina: é, ao mesmo tempo, milenar e
absolutamente novo. Que bom!

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