Você está na página 1de 4

O SUJEITO DE ARTE

Alain Badiou

«The Symptom», Online Journal, Issue 6, Spring 2005, http://www.lacan.com/newspaper6.htm

O meu Pai costumava dizer, “Devemos começar pelo princípio”. Por isso, devo começar esta lição sobre o sujeito de
arte pelo princípio. Mas o que é este princípio? Penso que temos de começar pela mais velha questão – a questão de
ser, a questão de ser enquanto ser, de ser qua ser. O que é ser? O que estamos a dizer quando dizemos que algo é,
que algo da arte é…? Algo da arte é uma alegria eterna, por exemplo. O que estamos a dizer? Começo por uma
distinção fundamental entre três níveis da significação de ser.

Primeiro, quando dizemos que alguma coisa é, digo apenas que algo é uma pura multiplicidade. ‘Algo é’ e ‘algo é uma
multiplicidade’ é a mesma frase. Portanto, é um nível de ser qua ser. Ser como tal é multiplicidade pura. E o
pensamento de uma multiplicidade pura é, finalmente, a matemática.

O segundo nível é quando estamos a dizer que algo existe. É a questão da existência como questão distinta da
questão do ser enquanto tal. Quando estamos a dizer que algo existe, não estamos a falar de uma pura multiplicidade.
Estamos a falar de algo que está aqui, que está num mundo. Então, a existência é estar num mundo, estar aqui ou, se
quiserdes, aparecer, aparecer realmente numa situação concreta. Isso é ‘algo existe’.

E, por fim, o terceiro nível é quando estamos a dizer que algo acontece. Quando algo acontece não estamos a dizer
unicamente que é uma multiplicidade – uma pura multiplicidade -, e não estamos a dizer apenas que é algo num
mundo – algo que existe aqui e agora. ‘Algo acontece’ é algo como um corte [«cut»] no continuum do mundo, algo que
é novo, e também algo que desaparece – que aparece, mas também que desaparece. Porque acontecer é quando
aparecer é o mesmo que desaparecer.

Então, temos de entender a relação entre os três níveis, a relação entre ser qua ser (multiplicidade pura), existência
(multiplicidade mas num mundo, aqui e agora), e acontecimento ou evento. E assim podemos ver que numa situação
concreta temos, finalmente, dois termos: primeiro, um mundo, uma situação mundana – algo em que todas as coisas
existem; e, depois disso, um evento, por vezes, um evento – que é algo que acontece para este mundo, não em este
mundo, mas para este mundo. E chamo um sujeito ‘uma relação entre um evento e o mundo’. Sujeito é exactamente o
que acontece quando, como consequência de um evento num mundo, temos uma criação, um novo processo, o evento
de alguma coisa. E, portanto, temos algo assim. É algo assim como num protesto…

O ponto é que a relação, a relação subjectiva entre um evento e o mundo, não pode ser uma relação directa. Porquê?
Porque um evento desaparece, por um lado, e, por outro, nunca possuímos uma relação com a totalidade do mundo.
Por isso, quando digo que o sujeito é uma relação entre um evento e o mundo, tem que se entender isso como uma
relação indirecta entre algo do evento e algo do mundo. A relação, por fim, é entre um traço e o corpo. Chamo de traço
‘o que subsiste no mundo quando o evento desaparece’. É algo do evento, mas não o evento enquanto tal; trata-se de
traço, uma marca, um sintoma. E, por outro lado, ao suporte do sujeito - a realidade do sujeito no mundo - chamo de
‘um novo corpo’. Então, podemos dizer que o sujeito é sempre uma relação nova entre um traço e um corpo. É a
construção num mundo, de um novo corpo, e jurisdição - o compromisso de um traço; e o processo de relação entre o
traço e o corpo é, propriamente, o novo sujeito.

Portanto, quando se tem de falar do sujeito de arte tem de se falar sobre uma série de coisas. Primeiro, o que é um
mundo de arte? O que é um mundo para a criação artística? Não é o mundo em geral. É um mundo específico para a
criação artística... ah! a polícia. Eis a primeira questão. A segunda questão é - o que é um evento artístico? O que é a
nova singularidade no desenvolvimento do mundo da arte? Terceiro, o que é um traço? O que é o traço de um evento
no campo da arte? E, por último - o que é a construção do novo corpo da arte?
Mas, antes de mais, quero esclarecer através de alguns exemplos a questão do sujeito como relação entre o traço de
um evento e a construção do corpo num mundo concreto. E desejo referir-me à nossa situação de hoje em dia - ao
nosso mundo de hoje - algo como uma guerra entre dois paradigmas subjectivos, duas normas do que é um sujeito.

A primeira é uma filosofia do sujeito estritamente materialista e monista. E o que é, finalmente, uma filosofia do sujeito
monista? É a afirmação de que não há distinção, nenhuma distinção real, entre o sujeito e o corpo. Se quiserdes, no
primeiro paradigma, eu mostro... (Desenhando figura). O primeiro paradigma... o sujeito é algo, por fim, identificado
com o corpo enquanto tal. Portanto, a criação subjectiva como um tipo de paradigma é unicamente experimentação
dos limites do corpo. A unidade concreta do corpo. Mas, finalmente, o que é um limite do corpo, um limite do corpo
vivo? O limite mais forte do corpo vivo é a morte. Por isso, pode dizer-se que, na forma do paradigma subjectivo, o
sujeito é experimentação da morte como limite final do corpo.E penso, por exemplo, que há algo como isso na forma
extremista da body-art. Body-art é experimentação, experimentação directa dos limites do corpo como exposição de si
próprio. Mas, de facto, o limite absoluto de algo como a body-art é experimentação da morte enquanto tal; e a
experimentação real e final no campo da body-art pode ser cometer suicídio em público. E é uma determinação
filosófica, porque há muito tempo atrás disse, enfim, que Dasein ou sujeito é um ser-para-a-morte [«subject for death»].
Posso nomear, em geral, o paradigma subjectivo que é a experimentação dos limites do corpo de gozo [«enjoyment»],
porque gozo é o nome da experimentação da morte em vida, experimentação da coisa máxima [«the big thing»] («das
Ding») como morte em vida, ela mesma. Portanto, pode dizer-se que o primeiro paradigma de subjectividade no nosso
mundo é o paradigma da subjectividade como gozo. Mas em gozo [«enjoyment»], tem de se ouvir a palavra francesa
jouissance - que é exactamente a mesma palavra. E a definição de gozo é experimentação da morte em vida com
experimentação dos limites do corpo. E, naturalmente, o gozo está além do prazer. Prazer é algo como a
experimentação da vida em vida, mas o gozo está além do prazer porque é experimentação do limite do corpo
enquanto morte. Podemos dizer que o tipo de subjectividade, o paradigma de subjectividade é um sujeito para gozo. E
penso que este é, hoje, o paradigma ocidental; é, de facto, o nosso paradigma - sujeito para gozo e a experimentação
dos limites do corpo.

O segundo paradigma é uma filosofia do sujeito idealista, teológica e metafísica. O sujeito pode ser completamente
separado do seu corpo. No primeiro paradigma, o sujeito é, enfim, o próprio corpo. No segundo paradigma, o sujeito
está completamente separado do próprio corpo; está contra o sujeito enquanto sujeito para gozo, ressurgimento de um
profundo desejo de separação, o desejo de existência do sujeito separado do seu corpo. O alvo é encontrar - em vida,
na acção - o ponto em que o corpo é apenas instrumento da nova separação. E, vede, não é experimentação da morte
em vida enquanto gozo, mas assunção de uma nova vida subjectiva por meio da própria morte. Por isso, pode dizer-se
que esse tipo de paradigma subjectivo é experiência da vida na morte, o que se opõe à experiência da morte em vida.
E podemos apelidar de sacrifício esse tipo de experiência subjectiva, da vida na morte.

E o mundo contemporâneo é uma guerra entre gozo e sacrifício. E a guerra contra o terrorismo é, enfim, a guerra entre
gozo e sacrifício. Mas, nesta guerra, há algo de comum. Há algo de comum entre os dois paradigmas. O que é comum
ao gozo e ao sacrifício, enfim, o que é comum é o poder da morte, o poder da morte como experimentação dos limites
do corpo, por um lado, porém, experimentação da morte como meio para uma nova vida, por outro. Então, com a
guerra entre gozo e sacrifício, nós confrontamo-nos finalmente com o poder da morte. E não há lugar para a criação
artística numa guerra desse tipo - estou certo deste ponto - nem do lado do poder da morte enquanto gozo nem do lado
do poder da morte enquanto sacrifício. Não existe real abertura para uma nova criação artística. Portanto, temos de
encontrar uma terceira possibilidade, um terceiro paradigma. Temos de propor algo como um novo paradigma
subjectivo que esteja fora do poder da morte - que não seja nem gozo (isto é, prazer além do prazer e dos limites do
corpo) nem satisfação no sacrifício (ou seja, gozo noutro mundo, prazer além dos sofrimento). Podemos dizê-lo: nem
prazer além do prazer nem prazer além do sofrimento, nem gozo nem sacrifício. Num enquadramento muito mais
teórico, podemos dizer algo como isso.

Há três possibilidades de relação entre um sujeito e o seu corpo. Três possibilidades. E, portanto, temos três
possibilidades para um paradigma subjectivo. A primeira - redução [«reducibility»]. Redução. O sujeito pode ser
reduzido ao seu corpo. Pode dizer-se, nesse caso, que se trata de uma identidade imanente do sujeito, identidade
imanente porque não há qualquer separação, mas completa identificação entre o processo do sujeito e a
transformação [«becoming»] do seu corpo. Nesse caso, a norma - a norma última é o gozo, a experimentação da morte
em vida. A segunda é separação. Separação... O sujeito pode ser completamente separado do seu corpo. Há, neste
caso, diferença transcendente, diferença transcendente porque o sujeito experimenta-se a si no mundo transcendente
e não no sacrifício do seu próprio mundo. A terceira possibilidade que proponho é algo como diferença imanente, não
identidade imanente, não diferença transcendente, mas diferença imanente. Nesse caso, o sujeito não é redutível ao
seu corpo, por isso, há algo como um processo subjectivo independente. Há realmente uma criação, que não é
redutível à experimentação dos limites do corpo. Mas é impossível que exista separação entre o sujeito e o seu corpo.
Portanto, não há nem separação nem redução. E essa é a situação do sujeito quando o podemos entender como um
processo de criação, um processo de produção, um processo, que realmente organiza a relação entre o traço de um
evento e a construção de um novo corpo no mundo. E assim temos de achar algo que não esteja no campo da guerra
contemporânea entre gozo e sacrifício1. E há uma série de problemas para organizar neste novo paradigma - um novo
paradigma, que tem de entender por completo de que modo um novo corpo pode ser orientado por um processo
subjectivo sem separação e sem identificação. Portanto, temos de manter a distância entre o traço de um evento e a
construção do corpo.

Mostro-vos mais uma vez a minha reivindicação que é, como podeis entender agora, a reivindicação de um novo
paradigma subjectivo. Dêem-me um novo paradigma subjectivo. E então podeis ver que se o sujeito está
completamente em identidade com o corpo, não há real diferença entre o traço e o corpo. E, portanto, o sujeito está
completamente no mundo. Se tiverdes uma separação completa entre o sujeito e o corpo, o sujeito está
completamente do lado do traço, e assim completamente na dependência do evento enquanto evento absoluto, um
evento que está fora do mundo. Por isso, num caso, o sujeito está completamente no mundo e é uma experimentação
do limite do mundo, e por outro lado, está completamente fora do mundo e, logo, está do lado de algo como um evento
absoluto, algo assim como deus [«as god»], parecido com deus [«like god»]. Podeis entender? Portanto, nos dois
paradigmas subjectivos da arte contemporânea, encontramos o processo subjectivo como uma situação
completamente imanente e distinta do mundo, ou uma separação completa e em distinção com o evento radical
absoluto. Podemos reparar que nos dois paradigmas não se pode ter algo como um processo real de produção sem
experimentação dos limites, enfim, da morte na vida do mundo, ou teríamos algo como transcendência e determinação
religiosa. Assim, a questão do sujeito de arte é realmente manter a distinção entre o corpo, por um lado, e o traço do
evento, por outro. E por isso, temos, penso eu, de resolver algo como cinco problemas. É um critério de tamanho que
vos dou para resolverdes os cinco problemas.

1
Comédia e tragédia. Usar a linguagem como laço, tragicomédia, paradoxo, ambiguidade.
Primeiro, primeiro problema - se realmente o processo 2 subjectivo como processo de criação está no campo de uma
distância (mas de uma distância não separada [«unsepared»]) entre o traço e o corpo, temos de interpretar o evento
como afirmativo e não como uma coisa puramente transcendente ou evanescente. Se realmente o traço do evento
está na constituição do sujeito, mas irredutível ao corpo, temos de entender que um evento, um evento real, é algo de
afirmativo. E é uma questão complexa porque certamente há uma espécie de desaparição do evento e evento é um
intervalo [«split»], é um rompimento com a lei do mundo. Então, qual é a relação, num evento real, entre a dimensão
negativa - ruptura, quebra, brecha, como quiserdes3 - e a necessidade afirmativa, se realmente um evento não é real e
absoluto? Portanto, temos de pensar num evento e, por exemplo, num evento artístico, como um intervalo afirmativo. É
o primeiro problema.

O segundo problema é a íntima natureza [«the very nature»] do traço - o traço de um evento é algo como um intervalo
afirmativo. O que é um traço? É uma distinção muito complexa porque um traço tem de estar no mundo. O evento não
está exactamente no mundo, mas o traço tem de estar no mundo. Então, o que é o traço? O que é o traço real, que
está no mundo, mas que está em relação com o evento enquanto intervalo afirmativo? É o segundo grande problema.

O terceiro problema é: o que é a constituição do novo corpo? Porque, naturalmente, temos, no caso do processo
subjectivo, algo como um novo corpo. Somente um novo corpo está em posição de ter algo de novo na criação em
relação ao traço do evento. O traço do evento não é redutível ao corpo, o corpo não é redutível ao mundo. Uma
vez mais, uma vez mais. (Mostrando a figura). Podeis ver que se o processo subjectivo está realmente na distância do
traço e do corpo, temos de interpretar a construção do corpo como o novo corpo, porque se o corpo não é o novo
corpo, então, está completamente no mundo e não em relação, em relação completa com o traço do evento enquanto
intervalo afirmativo em direcção ao mundo. Portanto, o terceiro problema é: o que é no mundo um novo corpo? O que é
uma nova composição de multiplicidades? O que é realmente algo que seja o suporte do processo subjectivo, o
suporte de um traço? Esse é o terceiro problema.

O quarto problema é a questão das consequências. Temos um novo corpo. Temos uma relação do traço a um evento,
portanto, temos algo como uma criação materialista, o processo da criação materialista de algo novo. Quais são as
consequências de tudo isso e de que forma podemos estar na disciplina das consequências? Porque, naturalmente, se
há algo novo no processo subjectivo, temos de aceitar a incorporação no novo corpo e, portanto, a disciplina das
consequências, das consequências práticas do novo corpo.

E o problema final é encontrar algo como uma infinidade imanente e, porque o processo subjectivo é algo como uma
criação nova no mundo, temos uma infinidade de consequências. Não podemos ter uma experimentação dos limites,
precisamente. Não estamos no primeiro paradigma que é experimentação dos limites. De facto, não há limites. Há,
potencialmente - virtualmente (para falar como Deleuze) - uma infinidade de consequências. Mas esta infinidade não é
transcendente; é uma infinidade imanente. É a infinidade do corpo, ele mesmo, em relação ao traço. Então, temos de
entender o que é uma infinidade imanente e não uma infinidade transcendente.

Assim, os nossos cinco problemas são: o evento como intervalo afirmativo, o que é exactamente o traço de um
evento?, o que quer dizer a constituição no mundo do novo corpo?, como podemos aceitar a disciplina das
consequências?, e o que é uma infinidade imanente. E essas são as questões que temos de resolver para dizer algo
sobre o sujeito artístico.

Portanto, eu tenho de resolver os cinco problemas. Ou tenho de dizer algo sobre a possibilidade de resolver os cinco
problemas, mas no campo artístico, não em geral - não em geral, uma vez que o problema é absoluto... diz respeito a
todos os tipos de processo subjectivos. Mas qual é a questão no campo artístico? (Mostrando o diagrama).

Primeiro, temos de dizer o que é um mundo artístico. O que é um mundo de arte? Algo como isso é a nossa primeira
questão, a nossa questão preliminar. Proponho dizer que um mundo é artístico quando, uma situação de arte, um
mundo de arte, quando nos propõe uma relação entre a caótica disposição da sensibilidade e o que é aceitável como
forma. Portanto, uma situação artística, em geral, é sempre algo como a relação entre a caótica disposição da
sensibilidade em geral (o que está no físico, o que está no audível, e em geral) e o que é uma forma. Assim, é uma
relação (um mundo artístico) entre sensibilidade e forma. E é finalmente uma proposição entre o intervalo da
sensibilidade, entre o que é o formalismo - o que pode ser formalizado da sensibilidade - e o que não pode. É, portanto,
algo como isso. (Mostrando o diagrama). ‘S’ é sensibilidade, ‘F’ é forma’, logo, a fórmula geral de um mundo artístico é
sensibilidade em disposição de relacionar o que é forma e o que não é. 4 Algo como isso, muito simples. Então, quando
temos algo como uma experimentação da relação desse tipo entre sensibilidade e forma, temos algo como a situação
artística em geral. É uma definição completamente abstracta, mas podeis ver a natureza da definição. Portanto, se
quiserdes, o estado de coisas no mundo artístico é sempre uma relação entre algo como a nossa experimentação da
sensibilidade caótica em geral, e a distinção, que é uma distinção móvel, entre a forma e o informe, ou algo como isso.
Assim, experimentamos uma situação artística quando experimentamos algo que está na relação entre sensibilidade,
forma e informe.

2
Passa de paradigma a processo.
3
Outras hipótese de tradução: interrupção, interstício, falha, corte, salto, pausa, fenda... A razão por que se optou por intervalo tem a
ver com o facto de ser uma palavra que sugere, simultaneamente, ruptura temporal (interrupção de uma sequência no tempo) e
espacial (inter-vale ou inter-vala, vale ou vala entre duas montanhas).
4
Conto das analogias, Mêncio.
Mas se tal é verdade, o que é um evento artístico? Qual é a fórmula geral de um evento artístico? Podemos dizer,
falando em geral, que um evento artístico, um evento artístico real, é uma mudança na fórmula do mundo. Por isso, é
fundamental a transformação desse tipo de fórmula. é algo como o devir formal de algo que não o era. É a emergência
de uma nova possibilidade de formalização ou, se quiserdes, é a aceitação como forma de algo que era informe. é o
devir forma de algo que não era forma. É, portanto, uma nova corrente na sensibilidade caótica. É uma nova disposição
da relação imanente entre sensibilidade caótica e formalização. E podemos ter algo como isso, que é, se quiserdes, o
evento - o evento artístico como um intervalo afirmativo. (Desenhando a figura). Desta vez, ‘S’ é sempre sensibilidade,
‘F’ é forma e ‘F1’ é a nova disponibilidade da formalização. Assim, tem-se algo como isso quando se tem um evento
artístico. A sensibilidade é organizada de um nova maneira por causa de algo que era informe - ou seja, um símbolo de
negação, temos uma negação (desenhando), não é? - algo que era informe, ou nenhuma formalização é aceite como
nova forma. então, temos a transformação do informe em algo que é formalismo e o intervalo está com a nova negação
da forma, que é a negação de F1. Portanto, esta é exactamente a fórmula geral de um evento artístico como intervalo
afirmativo.

Porque é um intervalo afirmativo? É um intervalo porque há sempre relação entre a forma afirmativa e a negativa.
Relação formalista - o que é aceite como forma e o que não é aceite como forma. Logo, é um intervalo na sensibilidade
caótica entre forma e informe, mas é uma nova determinação do intervalo, intervalo afirmativo, porque algo que estava
em negação está em afirmação. Algo que não era forma torna-se forma. Por isso, nós estamos realmente num
evento artístico. Algo (mostrando o diagrama)... assim podemos ver que a ideia afirmativa do intervalo dá-se quando
algo que estava em negação, parte da impossibilidade formalista, devém possibilidade afirmativa. Podemos dizer então
que, no campo da criação artística, o intervalo afirmativo é finalmente algo como uma nova disposição entre o que é
uma forma e o que não é. E o devir forma positiva de algo que não era forma é a dimensão afirmativa do evento
artístico.

O que é um corpo? O que é a construção de um novo corpo? Um novo corpo no campo artístico é algo como uma
criação real concreta - uma obra de arte, performances, tudo o que quiserdes - mas estando em relação com o traço do
evento. O traço do evento é algo como a declaração de que algo é realmente uma forma, de algo novo na dignidade da
obra de arte - e isso é o traço. O traço é algo como um manifesto, se quiserdes, algo como uma nova declaração, algo
que diz, ‘isto não era uma forma e agora é realmente uma forma’. Assim que haja declaração, tal é o traço do evento. E
um novo corpo é algo como uma obra de arte, que está em relação com esse tipo de traço. E, frequentemente, no
campo da criação artística está uma nova escola, uma nova tendência. Existe, falando em geral, alguns nomes -
nomes de uma escola, nomes de uma tendência, nomes de uma nova moda como uma dimensão da criação artística -
e isso é um novo corpo. É um novo corpo, que está no mundo, no mundo artístico, no novo mundo artístico. É a criação
de algo novo no mundo artístico em correlação com o traço. E entendemos o que é a disciplina das consequências no
campo artístico - a disciplina das consequências é um novo processo subjectivo, é algo como uma experimentação
realmente nova, uma nova experimentação das formas, uma nova experimentação da relação entre formas e
sensibilidade caótica. E, portanto, é o mesmo que uma nova escola, uma nova tendência, novas formas de criação,
criação artística.

E o mais interessante dos problemas é o problema final: o que é, em tudo isso, a infinidade imanente? O que é a
criação, no campo artístico subjectivo, de uma nova existência do infinito? Penso que, no campo artístico, a infinidade
imanente é, enfim, algo como a infinidade da própria forma. E o que é a infinidade da própria forma? É a
possibilidade de a nova forma - a nova possibilidade da forma - estar em relação directa com a sensibilidade
caótica. E uma nova forma é sempre um novo acesso, uma nova maneira, uma nova entrada, um novo acesso ao
caótico da sensibilidade. E, assim, podemos dizer que, no campo artístico, a criação de formas é realmente o
movimento da infinidade imanente, é realmente um acesso da infinidade do mundo enquanto tal. E então estamos
realmente no desenvolvimento de uma nova tendência, ou seja, de um novo corpo no campo artístico, algo como um
novo desenvolvimento da infinidade imanente. Não é apenas outra coisa; é uma nova maneira de pensar o próprio
infinito. E é, por isso, que hoje em dia é tão importante ter algo como uma nova experimentação artística porque penso
que a questão política é muito obscura. Eu diria que o nosso problema é encontrar algo que não esteja no campo da
guerra entre gozo e sacrifício, encontrar algo que seja realmente um terceiro paradigma subjectivo. Eu penso ser essa
a responsabilidade específica da criação artística - esta investigação - porque, frequentemente, quando a
determinação política é obscura, as determinações artísticas clarificam a situação. E, assim, como filósofo, posso dizer-
vos (e penso num número de vocês que têm uma relação com o mundo artístico, com o campo artístico) que há
realmente hoje uma responsabilidade específica da criação artística, que é ajudar a humanidade a encontrar um
novo paradigma subjectivo. Assim, o sujeito da arte é não só a criação de um novo processo no seu campo próprio,
mas também uma questão de guerra e paz, porque se não encontrarmos o novo paradigma - o novo paradigma
subjectivo - a guerra será infindável. E se queremos paz - realmente paz - temos de encontrar a possibilidade da
subjectividade estar na criação infinita, no desenvolvimento infinito, e não na terrível escolha entre uma forma do poder
da morte (experimentação dos limites do prazer) e outra forma do poder da morte (que é o sacrifício por uma ideia, por
uma ideia abstracta). Isto é, penso eu, a responsabilidade contemporânea da criação artística. Obrigado.

então, portanto, assim, logo, por isso

Você também pode gostar