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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO

FACULDADE DE DIREITO

THOMÁZ DANTAS MELO, GABRIEL MUNIZ CERQUEIRA, JOÃO MARCELO


VANINI DE BARROS E LEONARDO VINÍCIUS FLORÊNCIO SILVA

FGTS: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E PRÁTICOS

CUIABÁ
2019
I. O FGTS na história

Por mais que a Era Vargas seja notória pelo seu enfoque na questão trabalhista, que culminou,
por exemplo, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943, as primeiras situações tuteladas
pelo nosso ordenamento jurídico acerca do sistema estabilitário despontam no panorama normativo
brasileiro em momento anterior ao do período supracitado.

Foi com a promulgação da Lei Elóy Chaves (Decreto Legislativo nº 4.682/1923) que os
trabalhadores ferroviários conseguiram o direito à estabilidade empregatícia (contanto que tenha
transcorrido dez anos de prestação de serviço), em consequência da formação da Caixa de
Aposentadoria e Pensões agregado a cada empresa ferroviária. Subsequentemente, com o advento da
Lei nº 5.109/1926, este direito também foi assegurado aos trabalhadores portuários e marítimos.

Contudo, ainda que a estabilidade tenha sido estruturada por uma norma de caráter
previdenciário, este regimento priva-se de tal atributo, passando suas implicações a estarem
associadas à dissolução de um contrato de trabalho.

Em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), regulamentou-se a indenização


por tempo de serviço e a estabilidade decenária, consoante os caputs dos artigos 477 e 478.

Art. 477 É assegurado a todo empregado, não existindo prazo


estipulado para a terminação do respectivo contrato, e quando não haja ele
dado motivo para a cessação das relações de trabalho, o direito de haver do
empregador uma indenização, paga na base de maior remuneração que tenha
percebido na mesma empresa.

Art. 478 A indenização devida pela rescisão de contrato por prazo


indeterminado será de 1 (um) mês de remuneração por ano de serviço efetivo,
ou por ano e fração igual ou superior a 6 (seis) meses.

Isto é, o propósito basilar das normatizações supramencionadas é o de salvaguardar o ligame


trabalhista entre o empregado e o empregador, acautelando, desta forma, a continuidade do
empregado na relação laboral, que, ademais, é a parte hipossuficiente desta vinculação. Observa-se,
por conseguinte, que tanto o procedimento de indenização por tempo de serviço quanto a estabilidade
celetista decenal objetivavam ressarcir o período no qual o empregado tinha prestado serviços ao
empregador.
A Constituição Federal de 1946, em seu inc. XII do art. 157, corrobora essa prerrogativa do
empregado:

Art. 157 A legislação do trabalho e da previdência social obedecerão


nos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condições
dos trabalhadores:

XII - estabilidade, na empresa ou na exploração rural, e indenização


ao trabalhador despedido, nos casos e nas condições que a lei estatuir.

A estabilidade decenal era empregue a determinados trabalhadores que trabalharam por no


mínimo dez anos para a mesma empresa ou empregador, no qual era proibido após a defluência desse
decurso temporal a despedida sem justa causa. Tal entendimento se encontra evidenciado na
Consolidação das Leis do Trabalho:

Art. 492 O empregado que contar mais de 10 (dez) anos de serviço


na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave
ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas.

Isto posto, na indenização por tempo de serviço, o empregado só teria direito a tal benefício,
se não houvesse realizado a causa ensejadora da cessação da relação empregatícia e tivesse
permanecido por no mínimo um ano trabalhando para o mesmo empregador. Logo, os empregados
que pedissem demissão ou fossem despedidos antes do transcurso de um ano na empresa não seriam
agraciados com esta verba de natureza ressarcitória. Não haveria também a possibilidade de
beneficiação dos herdeiros (ou dependentes) do de cujus e dos aposentados que precedentemente
tivessem trabalhado na sociedade empresária.

Com a promulgação e publicação da Lei nº 5.107 de 1966, o Fundo de Garantia do Tempo


de Serviço (FGTS) é instaurado no ordenamento jurídico brasileiro, iniciando um regime de
coexistência entre três regimentos estabilitários: o do FGTS, o indenizatório por tempo de serviço e
o da estabilidade decenária.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a estabilidade empregatícia para


empregados subordinados às normas postas pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) foi extinta,
continuando com seus regimes estabilitários estáveis apenas aqueles que já possuíam 10 (dez) anos
de trabalho na mesma empresa. A partir deste momento, todos os trabalhadores celetistas passaram a
ser obrigatoriamente optantes pelo FGTS.
II. O FGTS na Constituição e na legislação brasileira

Indubitavelmente, a República Federativa do Brasil tem um vasto acervo legislativo em seu


ordenamento jurídico, o que proporciona, muitas vezes, uma maior abrangência dos direitos e
garantias dispostas aos seus jurisdicionados. Nesse sentido, em relação ao trabalhador, existem
diversas normas estabelecidas tanto na Constituição Federal quanto na Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT) e legislações esparsas.
Desse modo, a Constituição Federal estabelece direitos e garantias essenciais a pessoa
humana, as quais são cláusulas pétreas no ordenamento jurídico nacional. Assim, em seu art. 7º, estão
dispostos os direitos fundamentais dos trabalhadores urbanos e rurais.
No tocante ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), este está previsto no inciso
III do art. 7º da Constituição Federal1, sendo indispensável para o trabalhador, uma vez que o protege
de demissões sem justa causa, mediante a abertura de uma conta vinculada ao contrato de trabalho.
Além disso, como supramencionado, a Consolidação das Leis Trabalhistas também versa
sobre o FGTS, o qual dispõe acerca de peculiaridades sobre o tema em comento. Nesse sentido, na
alínea “b”, inciso I do art. 484-A, da CLT, estabelece que o contrato de trabalho poderá ser extinto
por acordo entre o empregado e o empregador, assim, serão devidas, por metade, a indenização sobre
o saldo do FGTS2.
Outrossim, imperioso rememorar que, por meio de convenção ou acordo coletiva, é possível
a redução do salário dos empregados. Certamente, isso demonstra o poder normativo de uma
convenção coletiva. Entretanto, em relação ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, sob a luz do
inciso III, art. 611-B, da CLT, é ilícito que a convenção ou acordo coletivo de trabalho suprima os
depósitos mensais e a indenização rescisória do FGTS3.
Outrossim, em 1990, foi promulgada a lei específica que regula o Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço, dispondo acerca das especificidades, de maneira geral e concentrada, acerca do
Fundo. Portanto, a lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990 4 , tornou-se deveras importante para o
ordenamento jurídica nacional, assim como, para o trabalhador propriamente dito, haja vista que se
tornou uma vantagem imensurável.

1
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 de JUL de 2019.
2
BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8036consol.htm>. Acesso em: 10 de JUL de 2019.
3
Ibidem.
4
BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 10 de JUL de 2019.
Além disso, é indubitável que o empregado é hipossuficiente perante o seu empregador, tanto
no quesito econômico quanto técnico e jurídico. Nessa perspectiva, a criação de normas para proteger,
de fato, os trabalhadores são essenciais para manter um equilíbrio entre os polos.
Diante disso, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço auxilia nesta proteção, uma vez que
o trabalhador, ao ser demitido sem justa causa, consegue a subsistência familiar por meio do FGTS.
Assim, observa-se a extrema importância deste fundo para a sociedade como um todo, haja vista que,
com a população tendo recursos, o consumo mantém-se elevado e crescendo, concomitantemente, a
economia nacional.
Com efeito, além das legislações supramencionadas, existem outras normas esparsas, as
quais estão dispostas em Decreto, Resoluções, Instruções Normativas, Circular da Caixa Econômica
Federal e normas do Banco Nacional de Habilitação.

III. O FGTS na prática

Em suma, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) é um mecanismo legal


exclusivamente voltado à proteção do tempo de serviço despendido pelo empregado – em substituição
ao regime anterior, previsto no art. 478 da CLT –, o qual prevê que sejam depositadas em favor do
trabalhador, mensalmente e sem desconto salarial, quantidades correspondentes a 8% da remuneração
paga pelo empregador ou por terceiros (art. 15, caput, Lei nº 8.036/90), salvo se se tratar de contrato
de aprendizagem, cuja alíquota será de 2%, conforme o art. 15, § 7º, da Lei nº 8.036. Este valor é
depositado na Caixa Econômica Federal, que o atualiza com juros e correção monetárias, sendo ela o
agente operador deste fundo.

A taxa de cálculo do FGTS incide sobre a remuneração mensal integral do empregado,


inclusive gorjetas, horas extras e adicionais eventuais (Súmula nº 63, TST), parcelas pagas em virtude
de prestação de serviços no exterior (Orientação Jurisprudencial nº 232, SDI-1/TST), aviso-prévio
trabalho ou indenizado (Súmula nº 305, TST). Não haverá incidência, no entanto, sobre as férias
indenizadas, conforme Orientação Jurisprudencial nº 195 da SDI-1 do TST.

Nos casos dos domésticos, além do padrão dos 8% de alíquota, o empregador também deverá
depositar mensalmente a importância de 3,2% sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada
empregado, destinada ao pagamento da indenização compensatória da perda do emprego, sem justa
causa ou por culpa do empregador (art. 22, LC nº 150/15).
Por conseguinte, enquanto subsistir o contrato de trabalho, os depósitos do FGTS
deverão ser inarredavelmente efetuados até o dia 7 de cada mês, ao tempo que o montante arrecadado
será utilizado pelo Poder Executivo, até o momento do saque, com vistas à promoção de políticas
públicas, como as de habitação e de saneamento básico.

Por sua vez, o montante arrecadado relativo ao trabalhador em específico, nos termos da
legislação trabalhista, poderá ser total ou parcialmente retirado nos seguintes casos previstos na
Consolidação das Leis Trabalhistas:

“Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser


movimentada nas seguintes situações:
I - despedida sem justa causa, inclusive a indireta, de culpa recíproca e de
força maior;
I-A - extinção do contrato de trabalho prevista no art. 484-A da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto- Lei no 5.452, de 1o de
maio de 1943;
II - extinção total da empresa, fechamento de quaisquer de seus
estabelecimentos, filiais ou agências, supressão de parte de suas atividades,
declaração de nulidade do contrato de trabalho nas condições do art. 19-A,
ou ainda falecimento do empregador individual sempre que qualquer dessas
ocorrências implique rescisão de contrato de trabalho, comprovada por
declaração escrita da empresa, suprida, quando for o caso, por decisão
judicial transitada em julgado;
III - aposentadoria concedida pela Previdência Social;
IV - falecimento do trabalhador, sendo o saldo pago a seus dependentes, para
esse fim habilitados perante a Previdência Social, segundo o critério adotado
para a concessão de pensões por morte. Na falta de dependentes, farão jus
ao recebimento do saldo da conta vinculada os seus sucessores previstos na
lei civil, indicados em alvará judicial, expedido a requerimento do
interessado, independente de inventário ou arrolamento;
V - pagamento de parte das prestações decorrentes de financiamento
habitacional concedido no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação
(SFH), desde que:
a) o mutuário conte com o mínimo de 3 (três) anos de trabalho sob o regime
do FGTS, na mesma empresa ou em empresas diferentes;
b) o valor bloqueado seja utilizado, no mínimo, durante o prazo de 12 (doze)
meses;
c) o valor do abatimento atinja, no máximo, 80 (oitenta) por cento do
montante da prestação;
VI - liquidação ou amortização extraordinária do saldo devedor de
financiamento imobiliário, observadas as condições estabelecidas pelo
Conselho Curador, dentre elas a de que o financiamento seja concedido no
âmbito do SFH e haja interstício mínimo de 2 (dois) anos para cada
movimentação;
VII – pagamento total ou parcial do preço de aquisição de moradia própria,
ou lote urbanizado de interesse social não construído, observadas as
seguintes condições:
a) o mutuário deverá contar com o mínimo de 3 (três) anos de trabalho sob
o regime do FGTS, na mesma empresa ou empresas diferentes;
b) seja a operação financiável nas condições vigentes para o SFH;
VIII - quando o trabalhador permanecer três anos ininterruptos, a partir de
1º de junho de 1990, fora do regime do FGTS, podendo o saque, neste caso,
ser efetuado a partir do mês de aniversário do titular da conta.
IX - extinção normal do contrato a termo, inclusive o dos trabalhadores
temporários regidos pela Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974;
X - suspensão total do trabalho avulso por período igual ou superior a 90
(noventa) dias, comprovada por declaração do sindicato representativo da
categoria profissional.
XI - quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for acometido de
neoplasia maligna
XII - aplicação em quotas de Fundos Mútuos de Privatização, regidos pela
Lei n° 6.385, de 7 de dezembro de 1976, permitida a utilização máxima de
50 % (cinqüenta por cento) do saldo existente e disponível em sua conta
vinculada do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na data em que
exercer a opção.
XIII - quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for portador
do vírus HIV;
XIV - quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes estiver em
estágio terminal, em razão de doença grave, nos termos do regulamento;
XV - quando o trabalhador tiver idade igual ou superior a setenta anos.
XVI - necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre
natural, conforme disposto em regulamento, observadas as seguintes
condições:
a) o trabalhador deverá ser residente em áreas comprovadamente atingidas
de Município ou do Distrito Federal em situação de emergência ou em
estado de calamidade pública, formalmente reconhecidos pelo Governo
Federal;
b) b) a solicitação de movimentação da conta vinculada será admitida até
90 (noventa) dias após a publicação do ato de reconhecimento, pelo
Governo Federal, da situação de emergência ou de estado de calamidade
pública; e
c) o valor máximo do saque da conta vinculada será definido na forma do
regulamento.
VII - integralização de cotas do FI-FGTS, respeitado o disposto na alínea
i do inciso XIII do art. 5o desta Lei, permitida a utilização máxima de
30% (trinta por cento) do saldo existente e disponível na data em que
exercer a opção.
XVIII - quando o trabalhador com deficiência, por prescrição, necessite
adquirir órtese ou prótese para promoção de acessibilidade e de inclusão
social.
XIX - pagamento total ou parcial do preço de aquisição de imóveis da
União inscritos em regime de ocupação ou aforamento, a que se referem
o art. 4o da Lei no 13.240, de 30 de dezembro de 2015, e o art. 16-A da
Lei no 9.636, de 15 de maio de 1998, respectivamente, observadas as
seguintes condições:
a) o mutuário deverá contar com o mínimo de três anos de trabalho sob
o regime do FGTS, na mesma empresa ou em empresas diferentes;
b) seja a operação financiável nas condições vigentes para o Sistema
Financeiro da Habitação (SFH) ou ainda por intermédio de
parcelamento efetuado pela Secretaria do Patrimônio da União
(SPU), mediante a contratação da Caixa Econômica Federal como
agente financeiro dos contratos de parcelamento;
c) sejam observadas as demais regras e condições estabelecidas para
uso do FGTS.”
Assim, conforme extraído do dispositivo subscrito, além das hipóteses anteriormente
previstas pela legislação trabalhista, em especial os casos de despedida sem justa causa da empresa
(inc. I), extinção total da empresa/filial (inc. II) e aposentadoria (inc. III) ou falecimento do
empregado (inc. IV), a Lei nº 13.467/2017, popularmente denominada “Reforma Trabalhista”,
acrescentou uma nova possibilidade de saque do FGTS, através do inciso I-A do art. 20 da
Consolidação das Leis Trabalhistas: se antes só era possível o saque do FGTS nos casos de demissão
sem justa causa – excluindo-se, automaticamente, p. ex., a hipótese de recebimento dos valores
quando da demissão oriunda do desejo do próprio trabalhador –, agora é admissível o saque do fundo
quando da extinção do contrato de trabalho prevista no art. 484-A da CLT, isto é, nos casos de extinção
consensual.

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