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O misterioso caso da ‘lula zumbi dançante’ no Japão


Janelle Lassalle
BBC Travel

29 março 2019

LEV DOLGACHOV/ALAMY

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Katsu ika odori-don é para os fortes.

Conhecido como "tigela de lula dançante", em tradução livre, o controverso prato japonês
ganhou os holofotes internacionais em 2010 graças a um vídeo de YouTube que se tornou
viral.

O vídeo mostra uma lula sem cabeça crua sobre uma tigela de noodles (tipo de macarrão) e
ovas. Uma mão misteriosa surge segurando um bule e despeja molho shoyo no prato. Os
tentáculos da lula começam a se contorcer loucamente, o que concedeu ao prato o título não
oficial de "lula zumbi dançante".

Por mais estranha que a iguaria pareça, trata-se de uma versão contemporânea do chamado
odorigui ("comida que dança", em tradução livre) - hábito japonês de consumir frutos do mar
enquanto ainda estão em movimento.

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Embora a lula, neste caso, esteja morta, suas células nervosas são ativadas pelo sódio
presente no shoyu, fazendo seus músculos se contraírem.

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E apesar de o odorigui ser encontrado em todo o Japão, a origem deste hábito peculiar é
cercada de mistério.

A prática - que na maioria das vezes envolve comer peixes minúsculos vivos - provavelmente
deriva da atividade de pesca em cidades portuárias, com algumas adaptações regionais.

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"Em Shizuoka, distrito na costa da ilha de Honshu, o shirasu (tipo de peixe pequeno) é a
'refeição em movimento' preferida", diz Dave Lowry, crítico de restaurantes japoneses e autor
do livro The Connoisseur's Guide to Sushi.

"Em Fukuoka, o odorigui é quase sinônimo de shiro-uo, um minúsculo peixe parecido com
uma enguia que nada do mar para a água doce na desova", acrescenta, explicando que os
shiro-uo vivem em abundância em torno de Fukuoka e são consumidos vivos porque
começam a se deteriorar assim que morrem.

"Se você perguntar aos japoneses que lugar eles mais associam com o odorigui, a maioria
vai responder 'Fukuoka'", afirma John Ashburne, editor-chefe do blog Foodies Go Local.

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Acompanhamento para o saquê
Na cidade portuária de Fukuoka, na costa norte da ilha Kyushu, você vai encontrar um prédio
branco com o seguinte dizer: Koharu ('Pequena Primavera'), um restaurante de shiro-uo que
é desmontado após cada temporada do peixe, que vai de meados de fevereiro até o início de
abril.

Do lado de fora do estabelecimento, há uma das poucas referências históricas ao odorigui.


Uma exposição conta a famosa lenda do prato, que remete aos daimyos - senhores feudais
que governaram o Japão no Período Edo, há 300 anos.

"A história diz que depois de uma inundação em Fukuoka, o lorde local ordenou que o povo
limpasse a região - e ofereceu um barril de saquê em troca."

"Os trabalhadores notaram que havia alguns peixes shiro-uo na água e como faltava algo
para acompanhar o saquê, colocaram os peixes dentro e beberam", conta Lowry.

Comer o minúsculo peixe é uma experiência por si só. Uma tigela grande chega à mesa, com
vários peixinhos se contorcendo, junto com um ovo de codorna cru e um vidro de vinagre.

O ovo e o vinagre são misturados em uma tigela separada, e uma concha é usada para
colocar o peixe na tigela com a mistura.

Finalmente, o hashi é usado para comer o peixe.

Ainda que a prática de comer shiro-uo vivo tenha sido a precursora da "lula dançante", isso
ainda não explica como o hábito de comer peixes minúsculos evoluiu para cefalópodes
maiores.

É provável que o odorigui seja o descendente moderno de uma prática mais tradicional, o

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ikizukuri, de acordo com Lowry.

"O odorigui é apenas um pedaço da culinária viva japonesa", diz ele.

"Em geral, pensamos no ikizukuri".

Ikizukuri pode ser traduzido como "preparado vivo" - é quando um chef faz sashimis de lula,
peixe ou camarão (ou até mesmo polvo ou rã) vivos.

Os clientes são convidados a escolher o que vão comer em uma espécie de aquário no
restaurante e assistem ao preparo do prato, com a ideia de que quanto mais fresca a lula,
melhor o sabor.

A técnica, chamada ike jime, foi desenvolvida para que seja feito o menor número possível
de cortes, a fim de minimizar o sofrimento do animal - a dor gera acúmulo de ácido lático, o
que diminui a qualidade da carne.

Origens afrodisíacas?
O ikizukuri e o katsu ika odori don de lula têm algumas diferenças importantes, no entanto.
No caso do ikizukuri, a lula é preparada enquanto ainda está viva, fatiada com três cortes e
servida como um sashimi, muitas vezes ainda se contorcendo.

Já o katsu ika odori don prevê um corte para remover a cabeça da lula, que é servida por
cima de uma porção de macarrão ou arroz. Os clientes são encorajados a derramar shoyu e
assistir à dança da lula.

Mas como uma iguaria tão inusitada virou algo tão famoso? Algumas pessoas acreditam que
o katsu ika odori don é inspirado em um prato coreano feito de polvo vivo, chamado sannakji,
cujas cabeças são consideradas afrodisíacas.

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Outros, incluindo Ashburne, creem que o odorigui e o ikizukuri nasceram do desejo da elite
de ostentar riqueza e poder.

"O odorigui pode ser visto como uma volta aos anos da bolha econômica [de 1985 a 1990],
quando o dinheiro não era um problema e a demonstração de riqueza e poder era mais
importante do que a qualidade da comida", diz Ashburne.

A resposta mais simples, no entanto, pode ser a de que o odorigui - e a "lula zumbi dançante"
- não sejam nada mais do que uma estratégia inusitada de marketing.

A palavra odorigui é um termo estranho para Eric Rath, professor de história da Universidade
do Kansas, nos EUA. Especialista em história cultural pré-moderna do Japão, Rath deparou
com a expressão apenas uma vez (em um restaurante de sushi de Kyoto) e não encontrou
nenhuma referência à prática em contexto histórico.

"Dada a ausência de evidências em relação ao costume, minha suspeita é que o odorigui é


um truque moderno de publicidade para atrair clientes, com uma história escrita de trás para
frente, da mesma forma que muitas práticas culturais do Japão e de outros países", sugere.

Truque ou não, o fato é que a "lula zumbi dançante" é um caso curioso.

É fonte de controvérsia para quem garante que a criatura ainda conserva seus "sentimentos".
E é reflexo do melhor da cultura japonesa moderna, que honra o frescor dos ingredientes
acima de tudo.

Talvez seja por isso que o fenômeno - e o subsequente vídeo que viralizou - tenha se tornado
tão popular.

Afinal, quem não se delicia com a simples maravilha que é a comida preparada na hora?

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.

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