Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
2
Brasil. Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras/AMNB. Construindo a
equidade: estratégia para implementação de políticas públicas para a superação das
desigualdades de gênero e raça para as mulheres negras. Rio de Janeiro: UNIFEM, 2007.
Disponível em www.criola.org.br/Equidade.pdf
mulher negra e pobre significava não ter os direitos mínimos de cidadania
assegurados juridicamente3.
No âmbito da sociedade escravocrata os homens livres e pobres,
sujeitos ao favor dos senhores de terras, amesquinharam-se na sombra de
suas dádivas e essa cultura política da dádiva sobreviveu à abolição da
escravatura, expressou-se no compromisso coronelista e chegou até nossos
dias4.
De acordo com SALES (1993), são as raízes dessa cultura da dádiva a
expressão política da desigualdade social, mediante a relação de
mando/subserviência cuja manifestação primeira se deu no âmbito do
grande domínio territorial que configurou a sociedade brasileira nos
primeiros séculos de sua formação. A dádiva chega a atual res publica. Os
quatro séculos de evolução no país, os direitos individuais, a liberdade, a
pessoa, o lar, os bens dos homens pobres só estão garantidos, seguros,
defendidos, quando têm para ampará-los o braço possante de um caudilho
local. É o conceito de cidadania concedida, que reporta ao caráter
prescindível do homem pobre na estrutura sócio-econômica, levando-o, em
última instância, a conceber sua própria situação como imutável e fechada,
na medida em que as suas necessidades mais elementares dependeram
sempre das dádivas dos mais poderosos. Quando aboliu-se a escravidão e
implantou-se a República no Brasil, o domínio do liberalismo enquanto
doutrina em pouco ou nada contribuiu para a instauração dos direitos
elementares de cidadania. Nesse sentido, a pobreza do brasileiro não é um
estado que tem a ver apenas com suas condições econômicas. Ela tem a ver
igualmente com sua condição de submissão política e social. E o
compromisso coronelista é que está por trás desse tipo de autojustificação
da pobreza como sendo do interesse dos "grandes" do local, como o meio
mais importante de eles obterem os favores necessários ao moto-contínuo de
seu mando e de sua riqueza. A vinculação pobreza-submissão, mais que
uma marca da cultura política herdada do monopólio do mando pelo
domínio territorial, é uma marca desse estado de compromisso herdado da
República Velha e que subsiste mediante o compromisso entre o poder
público, que pode se traduzir em poder centralizado, e o poder local, que
persiste à custa de favores na forma de dádivas.
Segundo SILVÉRIO (2002), o conceito de igualdade tem uma história
construída paradoxalmente pela observação dos três tipos de desigualdade:
de gênero; étnico e racial; e de posições no mercado de trabalho. Essas
desigualdades estão sempre associadas a desvantagens, quando a entrada
de um grupo no plano de direitos é retardada, esse grupo jamais pode ser
tratado numa lógica de igualdade, uma vez que a igualdade não pode ser
algo falado, ela tem que ser pensada na mesma lógica da história e, na lógica
da história observa-se que o grupo feminino foi barrado em vários momentos
na sua possibilidade de se igualar nessas áreas em que ele leva desvantagem
3
BRITO, B.R.P. de. Mulher Negra Pobre – a tripla discriminação. Revista Teoria e Debate nº
36. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1997. Disponível em
www.fundacaoperseuabramo.org.br/td/td36/td36_sociedade.htm
4
SALES, T. Raízes da desigualdade social na cultura política brasileira. In Trama das
desigualdades, drama da pobreza no Brasil. Tese de livre-docência. Unicamp. Campinas,
1993.
e, é somente a partir da década de 80, século XX, que essa discussão entra,
de fato, em questão. Outrossim, não se pode atribuir somente à
desigualdade entre ricos e pobres a proeminência da explicação sobre os
profundos problemas sociais do país, uma vez que as desigualdades são
produtos de uma trama complexa entre o plano econômico, político e
cultural, ou seja, há multiplicidade de fatores e multicausalidade das
desigualdades, em seus aspectos dinâmico e de relações sociais.
Considerando os indicadores sociais que demostram uma confluência entre
desigualdade econômica e desigualdade racial, a dimensão econômica
explica apenas parte das desigualdades, a outra parte é explicada pelo
racismo institucional, tendo o Estado legitimado historicamente o racismo.
Raça não é apenas algo a mais, algo que é adicionado, mas parte
integrante e constitutiva das experiências cotidianas mais comuns e não se
pode negar a importância da raça como fator gerador de desigualdades
sociais. É somente nos anos 90 do século XX que se verifica uma
significativa mudança de postura nos segmentos da sociedade brasileira em
relação ao tratamento das questões da população negra no país, dentre os
quais se destacam: o aumento e a divulgação de pesquisas empíricas; o
surgimento de conselhos de desenvolvimento e participação da comunidade
negra; e o reconhecimento oficial, em 1995, da existência da discriminação
racial e do racismo, com a implantação por meio de decreto do Grupo de
Trabalho Interministerial - GTI, com a função de estimular e formular
políticas de valorização da população negra. Mas, no Brasil, diz ele, negros e
mulheres necessitam lutar para a implementação de políticas públicas e
programas que ampliem sua participação em posições estratégicas do
mercado de trabalho, em paralelo à crítica feita à sociedade que os
inferioriza5.
Inspiradas pela vontade de discutir a desigualdade que atinge mulheres
em todo o mundo, as ativistas dos direitos humanos vêm realizando
significativos ganhos nas últimas décadas, assegurando a maior inclusão do
tema do abuso dos direitos relativos às mulheres e ao gênero nos discursos
dos direitos humanos. E, apesar das lacunas gritantes na informação
disponível sobre mulheres racialmente marginalizadas em todo o mundo, é
possível facilitar a discussão sobre a variabilidade da discriminação contra
as mulheres por meio de modelos provisórios projetados para mapear suas
múltiplas identidades. Para tanto, as instituições devem se envolver nos
esforços simultâneos de investigação das implicações de gênero do racismo,
da xenofobia e de outras formas de intolerância e de maior conscientização
quanto às implicações de raça, etnia, cor e outros fatores que contribuem
para uma combinação de abusos dos direitos humanos que mulheres e, por
vezes, homens enfrentam6.
5
SILVÉRIO, V. Ação afirmativa e o combate ao racismo institucional no Brasil. Cadernos de
Pesquisa, n. 117. São Paulo: BIREME, 2002. Disponível em
www.scielo.br/pdf/cp/n117/15560.pdf
6
Background Paper for the Expert Meeting on the Gender-Related Aspects of Race
Discrimination", Women's International Coalition for Economic Justice, Tradução de Liane
Schneider. Revisão de Luiza Bairros e Claudia de Lima Costa. Disponível em
<www,wuceh,addr,cin/wcar_docs/crenshaw.html e www.unifem.undp.org/progressww/