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Mobilizações insurgentes:

cartografias do presente

Felipe da Silva Ponte de Carvalho1


Fernando Pocahy2

Resumo: Há por todos os lados acontecimentos que vêm mobilizando usárixs3 em rede,
produzindo e potencializando práticas, experimentações e usos culturais variados. É
nesse contexto que esta pesquisa cartográfica situa-se, na qual temos como objetivo
analisar movimentos sociais insurgentes e com eles traçar linhas latitudinais-
longitudinais de territórios existenciais. A partir do movimento analisado, destacamos
os seguintes traçados: é um movimento reflexivo, crítico, solidário, emergente e sem
centro que se desdobra em múltiplos espaços-tempos; as narrativas expostas são
partilhas de si, de saberes do corpo e de experiências vividas; e as rebeliões insurgentes
reorganizam os (micros)espaços-tempos, fabricam ações e políticas instituintes e
reconfiguram as relações de poder-saber.

Palavras-chaves: Insurgências; Movimentos sociais; Cartografias ciberculturais;


Territórios existenciais.

Dobras ciberculturais do/no presente

As tecnologias digitais em rede possibilitaram a conexão de diversos grupos:


anarquistas, comunistas, cibersexo, esquerda, direita, religiosos, ateus, reacionários,
progressistas, neofascistas, antifascistas...; movimentos: ciberpunk, hackers,
contracultura, libertários, LGBTI+, negrx, feministas, ambientais, antivacinas, contra à
ciência e à docência...; pessoas: familiares, amigxs de infância, de escola e de trabalho,
amigxs dxs amigxs, amigxs desconhecidxs...; instituições: universidades, escolas,
hospitais, empresas, Estados....
Essa conexão generalizada vem reconfigurando nossos modos de pensar-praticar
a educação, as artes, a economia, a política e a ciência, ampliando ou reconfigurando

1 Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Educação ProPed/UERJ. Membro do Grupo de


Estudos em Gênero, Sexualidade e(m) Interseccionalidades na Educação e(m) Saúde (Geni) e do Grupo
de Pesquisa Docência e Cibercultura (GPDOC), ambos vinculados ao ProPEd/UERJ. Bolsista FAPERJ.
2 Doutor em Educação, Professor do Programa de Pós-graduação em Educação ProPed/UERJ.

Coordenador do Grupo de Estudos em Gênero, Sexualidade e(m) Interseccionalidades na Educação e(m)


Saúde (Geni)/ CNPq.
3 Utilizamos o “x” como forma de desobediência às inflexões de gênero binárias. Com isso, desejamos

operar em consonância aquelxs que não desejam ser interpeladxs sob qualquer forma de operação
linguística de gênero.
experiências, práticas, costumes, modos de relacionar-se com o outro, com as
instituições e com o mundo, dando sentido e forma à ciberCultura. Essa é a “arena
cultural que se abre tanto à produção de regulações quanto de formas de resistência.
Não se está ´fora´ de uma zona de saber-poder, joga-se apenas outramente com os
termos que a cultura impõe como viáveis e possíveis” (CARVALHO; ROSENO; e
POCAHY, p. 05, 2017).
A cibercultura, acontecimento da contemporaneidade, vem sendo marcada
fortemente por movimentos sociais e redes de indignação e de esperança em múltiplos
espaços-tempos (CASTELLS, 2018): na Tunísia, com a Revolução da Liberdade e da
Dignidade, EUA, em Occupy Wall Street, Islândia, na Revolução das Panelas, Egito,
com a Revolução Egípcia, Espanha, com Os Indignados, e, em nosso caso, Brasil, com
as Jornadas de Junho e Julho de 2013, Fora Dilma/Fora PT, A favor da democracia e
não ao golpe, UERJResiste...
Ampliando a discussão, estamos pensando esses movimentos a partir das pistas
partilhadas por Rolnik (2018), sobretudo na ideia de insurgência, dado que insurgir é
complexificar o universo da micropolítica e da macropolítica, ali mesmo onde podemos
agencias rebeliões as violências que cercam nossos corpos e de alcançar novos
horizontes e de introduzir estratégias de insubordinação.

Cartografias ciberculturais em ambiências híbridas formativas

Nos múltiplos espaços-tempos ciberculturais onde habitamos é possível observar


que estamos a todo instante sendo atravessados por diversas movimentações que nos
conduzem a agir e tornarmo-nos outros a partir de experimentações de si, com o mundo
e com as diferenças que nos (de)marcam. Mas não só, são movimentações que estão
des/continuamente em fluxos/contra fluxos, conexões/desconexões,
rupturas/deslocamentos.
De modo que, para acompanhar essas movimentações, estamos experimentando
a cartografia, princípio ético-epistemológico que não dicotomiza teoria-prática e sujeito-
objeto, possibilita a tessitura de territórios existências; é operacionalizado na fluidez da
vida cotidiana e das experiências formativas do saber-fazer que transformam o
pesquisador. Entendemos que a pesquisa em perspectiva cartográfica fornece “maiores
condições de habitar-fruir-e-problematizar a emergência e as acontecimentalizações em
torno da intersecção dos enunciados corpo, gênero, sexualidade, raça, idade, diversidade
funcional, localidade, entre outros” (CARVALHO; ROSENO; e POCAHY, 2018, p.
136).
Neste trabalho cartográfico em/com as redes, temos como objetivo analisar o
movimento social insurgente #Meubolsominionsecreto. Com isso, traçar territórios
existenciais de lutas, de rebeliões e de solidariedade, principalmente nos termos de
pulsações desejantes do corpo-vida, corpo-sentimento e corpo-afeto que dão um
contorno contra a precarização da vida, ampliam o viver em coletividade, produzem
alianças ética-estética-políticas e dilatam os espaços de cidadania participativa nas
múltiplas formas de agenciamento ciberculturais.

Insurreições em rede

As problematizações que tecemos são desdobramentos do movimento


#meubolsominionsecreto que teve suas primeiras movimentações em 2018, durante o
período eleitoral da candidatura do nosso atual presidente da república Jair Bolsonaro.
As narrativas expostas a seguir nos ajudam a compreender um fragmento das tensões
provocadas por esse movimento:

é contra o aborto. Mas quando a filha acha um absurdo o (fake) kit-gay, mas
engravidou, financiou para que ela adora um relacionamento extra-
abortasse em Portugal. País que o conjugal com os novinhos.
procedimento é legalizado.

é contra o bolsa família, porque "não se masturbou ao meu lado, sentado no


tem que dar o peixe, mas sim ensinar a mesmo sofá q eu, me olhando e
pescar", mas está fazendo a terceira sorrindo, só que eu tinha 12 anos.
faculdade bancada pelo pai, pois ainda Mas ele é contra a “esquerda” pq diz
não se encontrou... que eles querem legalizar a pedofilia, e
apoia a castração química pra
estuprador.

reclama da insegurança, mas é doido ri com as gays, bebe com as gays, diz
para que todo mundo ande armado. que as gays são o máximo, mas posta
apoio a quem mais odeia as gays.

As narrativas expostas não só trazem incoerências de eleitores bolsonaristas


como também revelam as (micro)formas nas quais esses eleitores pensam, habitam e
praticam a cotidianidade. Essas narrativas, que são experimentações de si conectadas
em rede, nos ajudam a pensar como determinados sujeitos estão alinhados ao desejo de
regulação, vigilância, controle e normas sobre a vida. Todavia, as rupturas, fugas,
desvios e escapes a esse desejo são incessantes, produzindo assim territórios solidários,
de lutas e de rebeliões.
Apostamos que esse movimento é um átomo de resposta contra à (micro)política
cotidiana de ódio às diferenças, modo vociferante que já ceifou muitas vidas e
adoeceu/adoece tantas outras; emerge a partir de uma rebelião de dissidentes, desviantes
do ideal de sujeito desejado – heterossexual, cristão, homem de bem, branco, classe
média... ; partilha de outras possibilidades de existências em rede; e está alinhado aos
movimentos insurgentes contemporâneos (ROLNIK, 2018, p.102), isto é “movimentos
de insubordinação” que vêm ocorrendo em muitos lugares.
Sob outra ótica, o movimento #meubolsominionsecreto articula-se aos
apontamentos de Castells (2013), sobretudo nas discussões dos movimentos sociais na
cibercultura, onde o autor destaca que movimentos em rede são profundamente
autorreflexivos; virais; simultaneamente locais e globais; são amplamente espontâneos
em sua origem; e a rede favorece a cooperação e a solidariedade, ao mesmo tempo que
reduz a necessidade de uma liderança formal.
Destacamos, portanto, que esse movimento analisado está intersecionado em
problematizações que envolvem classe, gênero, sexualidade, território/localidade, entre
outros marcadores sociais. E que aconteceu horizontalmente (na relação de si com
outros sujeitos em rede), em múltiplos espaços-tempos (Facebook, Twitter, WhastApp,
grupos de discussões, páginas online) e linguagens (memes, vídeos, texto, som...).

Apontamentos cartográficos

Nesta cartografia cibercultural, analisamos o movimento


#meubolsominionsecreto e com isso buscamos produzir territórios existenciais, com
base em linhas longitudinais e latitudinais de lutas, de rebeliões e de solidariedade na
cibercultura. Nesta experimentação cartográfica, traçamos as seguintes linhas em rede:
 O movimento analisado é um movimento reflexivo, critico, solidário,
emergente e sem centro que se desdobra em múltiplos espaços-tempos e
processos formativos mais amplos.
 As narrativas expostas são partilhas de si, de saberes do corpo e de
experiências vividas.
 As rebeliões dissidentes reorganizam os (micros)espaços-tempos,
fabricam ações e políticas instituintes e reconfiguram as relações de
poder-saber.

Ressaltamos que as problematizações cartográficas expostas nos abrem


possibilidades para pensar-praticar uma vida tecida em horizontes solidários, ético-
estético-políticos, com as diferenças dialogando e tensionando suas existências e
voltada para uma pedagogia das insurgências (micro)cotidianas.

Referências

CARVALHO, Felipe da Silva Ponte de; ROSENO, Richard; e POCAHY, Fernando.


Cartografias de rede de aquendação em grupos (homo)eróticos no Facebook:
dissidências de gênero, sexualidade e envelhecimento. In: POCAHY, F;
CARVALHO, F. S. P.; COUTO JUNIOR, D. R. (Org.). Gênero, sexualidade e
geração: intersecções na educação e/m saúde. Aracaju: EDUNIT, 2018, p. 129-
148.

CARVALHO, Felipe da Silva Ponte de; ROSENO, Richard; POCAHY, Fernando


Altair. Vamos bater um bolo? Aquendações em rede nas tramas do
envelhecimento. Anais V Seminário Internacional Enlaçando Sexualidades,
Salvador: Editora Realize, v. 1, p. 01-10, 2017. Disponível em: <
http://www.editorarealize.com.br/revistas/enlacando/trabalhos/TRABALHO_EV0
72_MD1_SA36_ID1015_17072017160012.pdf >. Acesso em: 19 de abr. 2019.

CASTELLS, Manoel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da


internet. Tradução Carlos Aberto Medeiros, Rio de janeiro: Zahar, 2013.

ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São
Paulo: n-1 edições, 2018.

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