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Feito de fragmentos, esse texto propõe pensar sobre relações e rebatimentos possíveis
existentes entre linguagem e experiência na perspectiva de alguns autores pós-estrutura-
listas. Busquei na reflexão sobre o corpo e a dança um meio de problematizar essa questão
e, ao mesmo tempo, lidar com uma Geografia como gesto que se estabelece nos afetos que
fazem movimentar em nós, intensidades, potências e devires. “O que pode uma Geografia
como corpo que dança?” é, para além de uma pergunta, um convite, uma proposição: por uma
Geografia bailarina.
Palavras-chave: Corpo – Dança – Geografia
RESUMEN
Hecha de fragmentos, este documento propone que pensar en las relaciones y las po-
sibles repercusiones existentes entre el lenguaje y la experiencia desde la perspectiva de
algunos autores postestructuralistas. Busqué en la reflexión sobre el cuerpo y bailar una
manera de hablar de este tema y, al mismo tiempo, haciendo una geografía como algo que
produce en nosotros los afectos. "¿Qué puede hacer una geografía como cuerpo de baile?"
Está más allá de una pregunta, una invitación, una proposición: una geografía bailarina.
Palabras clave: Cuerpo - Danza - Geografía
ABSTRACT
Made of fragments, this paper proposes to think about relations and possible repercus-
sions existing between language and experience from the perspective of some post-struc-
turalist authors. I sought in reflection about body and dance a way to discuss this issue and
at the same time, making a geography as something that produces in us affections. “What
can a Geography as dancing body?” is beyond a question, an invitation, a proposition: a
ballerina geography.
Keywords: Body – Dance – Geography
O que pode uma geografia como corpo que dança? linguagem-experiencia 'gesto -movimento' (fragmentos) Antonio Carlos Queiroz Filho
Páginas 11 a 20
O que pode uma geografia como corpo que dança? linguagem-experiencia 'gesto -movimento' (fragmentos) Antonio Carlos Queiroz Filho
Páginas 11 a 20
nece mais tempo em contato com põe do exterior uma deslocação ao corpo;
não-lugares. Porém, Haesbaert pelo contrário, no gesto dançado, o mo-
vimento, vindo do interior, leva consigo o
pondera e diz que:
braço (GIL, 2001, p. 14).
A elite dos grandes businessmen que
aparentemente circulam livremente pe-
los quatro cantos do planeta parece ser o Essa é a escrita como gesto que me
exemplo mais evidente de que constante interessa. Como tal, ela tem início num
ou frequente mobilidade física não impli- “impulso interior” e se finda numa abertu-
ca, obrigatoriamente, desterritorialização,
podendo representar mesmo uma reterrito-
ra ao infinito como possibilidade concreta
rialização através da mobilidade (HAES- (GIL, 2001). Então, escrever é como dan-
BAERT, 2007, P. 253). çar. Por isso me apego ao que diz Marina
Elias sobre o movimento improvisado na
Também me soa de modo
dança e no teatro:
muito mais acolhedor a ideia do
lugar como eventualidade espaço- O movimento espontâneo e impro-
-temporal, de Doreen Massey. Ela visado acontece somente enquanto está
acontecendo. E neste contexto, interessa
diz que os lugares não são “como
menos o movimento, do que quem (ou o
pontos ou áreas em mapas, mas quê) motiva o movimento, menos a técni-
como integrações de espaço e ca mecânica do que a possibilidade de um
tempo” (MASSEY, 2008, p. 191). movimento expressivo (ELIAS, 2011, p.
25-26).
Nesse sentido, penso que o não-
-lugar de Dimitri está mais para Escrita expressiva que é, nesse sentido,
esse lugar de encontros que ainda um perene estado de latência, um não-lu-
não ocorreram. Não-lugar como gar, nos termos apontados nos parênteses.
um aqui e agora, como um instante Repouso e equilíbrio dos fluxos intensivos
espaço-temporal que nos convida que criam, verdadeiramente, as condições
a ocupá-lo com nossos movimen- de sua existência. Penso que seria algo
tos intensivos. Portanto, é algo mais próximo daquilo que Deleuze define
que funciona mais como potência como plano de imanência. Ao diferenciá-
e devir, que fechamento e estase. -lo do plano de transcendência, ele afirma
Não-lugar como condição, como que:
positivação do vir-a-ser. Um plano de imanência não dispõe de
uma dimensão suplementar: o processo de
composição deve ser captado por si mesmo,
- (Improviso) mediante aquilo que ele dá, naquilo que ele
dá. É um plano de composição, e não de
organização nem de desenvolvimento (...)
O que você entende quando
Não há mais sujeito, mas apenas estados
digo que este texto é improviso? afetivos individuantes da força anônima
Para Marina Elias, improviso é um (DELEUZE, 2002, p. 132).
modo como o movimento acon-
tece e que só pode ser definido na A escrita como composição é, por-
medida em que está acontecendo tanto, o meio pelo qual eu habito com
(ELIAS, 2011). Nesse sentido, intimidade o mundo. Gesto expressivo e
minha escrita está muito próxima intensivo com o qual meu corpo desliza
daquilo que a autora define como o pelo mundo faz dessa experiência de con-
“território de criação do improvisa- tato e movimento uma dança, onde pa-
dor”, que seria composto por cinco lavras são lugares e lugares são palavras.
forças, a saber, pensamento, memó- Talvez, por isso, Gil afirme que “o espaço
ria, imaginação, movimento e téc- do corpo é o corpo tornado espaço” (2001,
nica. Escrita, portanto, como fluxo p. 19): ambos são, por assim dizer, estados
de forças que faz circular intensi- afetivos.
O que pode uma geografia como corpo que dança? linguagem-experiencia 'gesto -movimento' (fragmentos) Antonio Carlos Queiroz Filho
Páginas 11 a 20
O que pode uma geografia como corpo que dança? linguagem-experiencia 'gesto -movimento' (fragmentos) Antonio Carlos Queiroz Filho
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O que pode uma geografia como corpo que dança? linguagem-experiencia 'gesto -movimento' (fragmentos) Antonio Carlos Queiroz Filho
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O que pode uma geografia como corpo que dança? linguagem-experiencia 'gesto -movimento' (fragmentos) Antonio Carlos Queiroz Filho
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tanto, do “lugar comum da experiência” nos tornamos mais decadentes, mais impo-
(TAVARES, 2013, p. 179) e promove a tentes, mais pesados”.
“ligação como força, como encontro”,
como sensação (TAVARES, 2013, 156): E como estava num evento de dança,
“Os afectos não são sensações paradas, disse:
são sensações que se movem, aliás, são - Fuganti: “nós perdemos o dançarino em
movimentos que sentem; movimentos: nós”.
isto é, alterações corporais, modificações Aqui, porque:
do corpo no espaço” (TAVARES, 2013, - Fuganti: “Só dança quem tem pista
156). ou quem tem superfície”
O termo afeto (affectus) exprime a E qualifica isso quando continua:
transição (transitio) de um estado a outro, - Fuganti: “Quem desliza, quem tá em
tanto no corpo afetado, como no corpo
afetante. Essa transição pode ser benéfica
movimento, em devir, quem tá em fluxo,
ou maléfica para o corpo afetado, o que se quem tá em acontecimento”
define pelo aumento, no primeiro caso, ou
diminuição, no segundo, da potência de
agir do corpo (MARQUES, 2012, p. 15). 4. Fragmento: Grafias de
Mundo – Geografias em
É importante dizer o quanto essas al-
terações corporais, essas transições de po-
devir
tência, passam longe de serem formaliza-
ções, normatizações. Elas estão mais para Retomo à escrita como gesto. Precisa-
uma grafia de mundo que é “pura matéria mente, aquele que faz deslizar, faz movi-
sonora”, “corpo saturante” (DELEUZE; mentar fluxos e potências, faz variar, faz...
GUATTARI, 2002), causa-efeito daqui-
lo que Elias (2011) chama de “buscação”, Uma palavra vem sempre rodeada de
emoções não-definidas, de tecidos esfiapa-
que seria o processo rizomático de treina- dos de afectos, de esboços de movimentos
mento do improvisador. Em suas palavras, corporais, de vibrações mudas de espaço.
“treinar não é adestrar, e sim, potenciali- Forma-se uma atmosfera não verbal que
zar” (p. 24). rodeia toda a linguagem (GIL, 2001, p.
218).
Do mesmo modo, Deleuze levanta
uma questão importante ao pensar nas De algum modo, a coreografia feita
proposições de Espinosa sobre o corpo. com a música Slip (Eliot Moss, 2013)
Na verdade, ele faz um alerta sobre a ne- provocou isso. Interpretada por Phillip
cessidade de não ficarmos apenas no âm- Chbeeb (PacMan) e Renee Kester4, essa
bito teórico da questão e propõe um cor- dança mobilizou em mim afetos como
po e pensamento como potência de afetar aqueles da “cartografia do improviso”
e ser afetado. Nesse sentido, faço coro (pensamento, imaginação, movimento,
com os gritos espinosanos: “Eis porque técnica). Slip quer dizer, dentre outras
Espinosa lança verdadeiros gritos: não sa- coisas, deslizar, escorregar. Foi isso que
beis do que sois capazes, no bom como no aconteceu com cada uma dessas forças/
mau, não sabeis antecipadamente o que afetos. Elas escorregaram para uma “zona
pode um corpo ou alma, num encontro, de indiscernibilidade”. Instauraram, umas
num agenciamento, numa combinação” com as outras, “zonas de vizinhança” e,
(DELEUZE, 2002, p. 130). com isso, grafaram (escreveram) em de-
Sabemos, pois, em e no movimento. vir: “Escrever não é certamente impor
Por esse motivo, para além da teorização, uma forma (de expressão) a uma matéria
compreendo a fala do filósofo Luiz Fu- vivida (...) Escrever é um caso de devir,
ganti como um bom estímulo para nos sempre inacabado”. (DELEUZE, 2011,
ajudar a compreender que o decidir (gésti- p. 11). Inacabado não por pertencer à um
ca do pensamento) que falei a pouco, pas- futuro incerto, mas por ser “processo, ou
sa pelo reconhecimento do modo como seja, uma passagem de Vida que atravessa 4 - Cf.: https://www.youtube.com/
o vivível e o vivido” (DELEUZE, 2011, watch?v=qk00gbDwGqM
um aqui e um agora tem se desenvolvido.
Em suas palavras, Fuganti diz que: p. 11).
No vídeo, há o Homem, “ forma
Agora, porque: de expressão dominante que pretende
impor-se a toda matéria” (DELEUZE, Revista do Programa de Pós-
Graduação em Geografia e do
- Fuganti: “A nossa realidade perde 2011, p. 11) e há o devir-mulher, “com-
Departamento de Geografia da
energia na medida em que o tempo passa. Na ponente de fuga que se furta à sua pró- UFES
medida em que o tempo se move em nós, nós pria formalização” (DELEUZE, 2011, p. Julho - Dezembro, 2016 17
11). Há a força estabilizadora, que tenta a Nº 22 - Volume II
ISSN 2175 -3709
todo instante capturar, criar impedimento pulsar, criam-se meios e modos de ser-
ou modular os movimentos intensivos e -outro, fluidos, diluídos, moventes: fluxo
afetivos dos corpos que ali estão em mo- de estabilização que separa, e fluxo de de-
Revista do Programa de Pós- vimento e contato. A cada passo, a cada rivação que mistura, que desfaz a forma, a
Graduação em Geografia e do
identificação, a singularização.
Departamento de Geografia da
UFES
Julho - Dezembro, 2016
Nº 22 - Volume II
ISSN 2175 -3709
5 - Tradução Livre: “Todo mun-
do vai dizer que é difícil deixar a
dor ir ... E é. Uma vez que somos
crianças, temos dito para abraçar o
melhor de nossas experiências e des-
considerar o pior. Mas o que acon-
tece quando as mais belas memórias
do nosso passado acabam fazendo o
maior dano para o nosso futuro”?
O que pode uma geografia como corpo que dança? linguagem-experiencia 'gesto -movimento' (fragmentos) Antonio Carlos Queiroz Filho
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