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Processo Penal

Capítulo 1 - Introdução

A Constituição estabelece que “todo o poder emana do povo”. Assim, o Estado não detém um poder institucionalizado
(não é dono do poder), apenas titular de um poder, que pertence a sociedade. Esse poder jurisdicional é limitado pelo direito
processual, e institui o processo como instrumento pelo qual o Estado poderá exercê-lo.
Na esfera penal, o Estado possui o direito de punir (jus puniendi), sendo um poder-dever de aplicar a sanção
correspondente, não podendo ocorrer à revelia dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo. Assim, o direito processual
institui o processo criminal como instrumento por meio do qual o Estado exerce o jus puniendi.
O direito processual penal possui fontes materiais e fontes formais. A fonte material é a União (Legislativo e Executivo),
além dos estados, que legislam concorrentemente e em lacunas sobre alguns assuntos. As fontes formais diretas são a CF, a
legislação infraconstitucional e os tratados de direito internacional. As fontes formais indiretas são a doutrina, os princípios gerais,
o direito comparado, a analogia, os costumes, a jurisprudência e as súmulas vinculantes.

Existem três espécies de sistemas processuais: sistema acusatório, sistema inquisitivo e sistema misto.
Sistema acusatório: próprio dos regimes democráticos, caracteriza-se pela distinção absoluta entre as funções de acusar,
defender e julgar, que deverão ficar a cargo de pessoas distintas. Chama-se “acusatório” pois ninguém poderá ser chamado a juízo
sem que haja uma acusação. Asseguram-se o contraditório e a ampla defesa. A tramitação da ação penal segue em estrita
observância do modelo consagrado em lei. A produção probatória é de incumbência das partes, e possuem a garantia da isonomia
processual. Presume-se a inocência do réu, que, em regra, responderá em liberdade.
Sistema inquisitivo: típico dos sistemas ditatoriais, onde as funções de acusar, defender e julgar podem estar reunidas
na pessoa do juiz. Não existe a obrigatoriedade de que haja uma acusação realizada por órgão público ou pelo ofendido. Não há
garantias, e, em regra, o processo não é público. Há desigualdade entre as partes. Não há presunção de inocência.
Sistema misto (ou inquisitivo garantista): modelo intermediário entre acusatório e inquisitivo. Há a observância de
garantias constitucionais, como a presunção da inocência, a ampla defesa e o contraditório. O juiz tem faculdade quanto à
produção probatória ex officio e das restrições à publicidade do processo.

O sistema processual penal adotado pela maioria no Brasil é o acusatório. Aos dispositivos em contrário, deve-se buscar
interpretação conforme a CF, mesmo que possam sustentar o sistema misto.
Sobre os dispositivos que permitem ao juiz a faculdade da produção de provas ex officio, deve se notar que somente
podem ser ordenados a partir das provas previamente requeridas pela acusação e pela defesa, e que provas solicitadas antes
mesmo de iniciada a ação penal devem se condicionar a determinados pressupostos.
A faculdade conferida ao juiz de requisitar à autoridade policial a instauração de inquérito para apurar fato também é
compatível, à medida que está o magistrado determinando uma investigação apenas.

Princípios processuais penais e constitucionais

Princípio da verdade real: (princípio da verdade material ou da verdade substancial) significa que no processo penal,
devem ser realizadas as diligências necessárias e adotadas todas as providências cabíveis para tentar descobrir como os fatos
realmente se passaram. Não se ignora o fato de que a verdade absoluta dificilmente será alcançada, mas esse deve ser o objetivo,
para que, ao final, se possa proferir uma sentença que se sustente em elementos concretos. A esse respeito, o silêncio do réu não
importa em confissão; o valor da confissão do réu deve se compatibilizar com os demais meios de prova; ato que não tenha
influenciado na verdade substancial ou na decisão da causa não será nulo. Esse princípio se limita aos direitos e garantias
estabelecidos na legislação, assim não é possível a admissão de provas obtidas por meios ilícitos, revisão criminal contra sentença
absolutória (mesmo com novas provas) etc.
Princípio ne procedat judex ex officio ou da iniciativa das partes: o primeiro enfoque do princípio refere-se ao início da
ação penal, que fica condicionado à iniciativa do MP nos crimes de ação penal pública, e do ofendido nos de ação penal privada.
Quer dizer, o juiz não poderá iniciar o processo criminal sem que haja a provocação dos legitimados. Além disso, não se pode
conceber que um Tribunal reforme uma decisão para agravar a situação de réu condenado (passar condenação de furto
qualificado para roubo, sem ser provocado, por exemplo). O segundo enfoque é sobre o reexame necessário (recurso de ofício),
que obriga o juiz, nas hipóteses previstas, a remeter a decisão ao Tribunal para que a revise. Foi considerado constitucional, pois
o juiz age de ofício por força da lei, e não voluntariamente.
Princípio do devido processo legal: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem que haja um processo
prévio, no qual assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Exemplos de ofensa ao
princípio são: recebimento de inicial acusatória sem prova de materialidade do crime imputado nas infrações que deixam vestígio;
inobservância do rito processual; interrogatório do réu sem a presença de defensor; processo conduzido por juiz suspeito ou
impedido; insuficiência de defesa etc.
Vedação à utilização de provas ilícitas: provas obtidas por meios ilícitos não poderão, em regra, ser utilizadas no processo
como fator de convicção do juiz.
Princípio da presunção de inocência: (ou princípio da não culpabilidade) ninguém será considerado culpado até o trânsito
em julgado da sentença penal condenatória. Assim, registros criminais sem trânsito em julgado não podem ser valorados contra
o acusado, nem atos infracionais quando menor de 18 anos, e nem fatos relacionados a transação penal, quando aceitos. Esse
princípio não é absoluto, portanto, é possível a prisão preventiva em certos casos. O STF afirmou que a execução provisória da
pena em Segundo Grau não ofende esse princípio.
Princípio da obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais: a regra é de que as decisões do Judiciário
fundamentem-se na prova produzida perante o contraditório judicial, e não apenas nos elementos angariados na fase
investigativa, ressalvando-se desta exigência as provas cautelares, realizadas antecipadamente e não sujeitas a repetição (exame
de corpo de delito, diligências de busca e apreensão, e interceptações telefônicas durante o inquérito). Além disso, a
fundamentação da sentença não pode ser genérica, sendo preciso que explicite os elementos utilizados na formação de seu
convencimento. A prisão preventiva também exige motivação idônea, além de outros requisitos. Esse princípio não é absoluto em
certos casos, como no recebimento da denúncia e da queixa.
Princípio da publicidade: representa o dever do Estado de atribuir transparência a seus atos, com exceção à
determinados atos (publicidade restrita), em face da defesa da intimidade ou interesse social, portanto, fundamentada.
Princípio da imparcialidade do juiz: o juiz deve ser imparcial, e em determinados casos, a lei presume a parcialidade do
magistrado, impondo-lhe que se afaste da causa, quando nas situações de impedimento e suspeição.
Princípio da isonomia processual: as partes, em juízo, devem contar com as mesmas oportunidades e serem tratadas de
forma igualitária. Os tratamentos diferenciados são compatíveis com a CF quando verificada a existência de uma finalidade
razoavelmente proporcional ao fim visado.
Princípio do contraditório: trata-se do direito assegurado às partes de serem cientificadas de todos os atos e fatos
havidos no curso do processo, podendo manifestar-se e produzir as provas necessárias antes de ser proferida a decisão
jurisdicional. O contraditório alcança os dois polos, defensivo e acusatório. O contraditório diferido ou postergado consiste em
relegar a momento posterior a ciência e impugnação, quando há urgência da medida ou sua natureza exige, como decretação de
prisão preventiva, sequestro de bens, interceptações telefônicas etc.
Princípio da ampla defesa: faculta ao acusado toda a defesa possível. Tem direito à informação, a bilateralidade da
audiência e direito à prova legalmente obtida, além da assistência jurídica aos necessitados e manifestação sempre após a
acusação etc. Não comparecimentos e perda de prazos podem sucumbir a garantia.
Princípio do duplo grau de jurisdição: decorre da necessidade de possibilitar a revisão de decisões, por meio da
interposição de recursos.
Princípio do juiz natural: ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. Diz respeito ao
julgamento. Assegura não só um juízo, como também um órgão competente. Esse princípio só pode ser invocado em favor do réu,
nunca em seu prejuízo.
Princípio do promotor natural: ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. Diz
respeito à acusação. Todo o acusado tem o direito de saber, com definição antecipada, aquele que personificará o Estado-
acusador. Assim, veda-se a designação de membro do MP para caso específico, devendo ser sorteado (exceto para atribuições
genéricas).

Capítulo 3 – Sujeitos do processo. Comunicação dos atos processuais: citações, intimações e notificações

Os sujeitos do processo são as pessoas que intervêm, direta ou indiretamente, no curso do processo.

Sujeitos principais ou essenciais: fundamentais para que se tenha uma relação jurídica processual regularmente
instaurada. Juiz, acusador (MP ou querelante) e acusado.
Sujeitos secundários, acessórios ou colaterais: não são imprescindíveis à formação do processo. Assistente de acusação
e terceiro interessado.

Outras pessoas, que não são sujeitos do processo em sentido estrito, podem intervir mediante atos que permitem o
desenvolvimento regular do processo. Auxiliares da justiça, peritos, terceiros não interessados etc.

Juiz criminal: tem por função, mediante atuação imparcial, substituir a vontade das partes, aplicando o direito material
ao caso concreto. Poderes do juiz: poderes de polícia ou administrativos, e poderes jurisdicionais (atos ordinatórios e
introdutórios, e atos decisórios e executórios). Prerrogativas do juiz: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio.

Ministério Público: ter por função a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis. Na órbita criminal, atua ativamente na ação penal pública, e fiscaliza a ação penal privada. Exerce, ainda, o controle
externo da atividade policial, requisita diligências investigatórias e instaura inquérito policial. O MPU é chefiado pelo Procurador-
Geral da República e abrange o MP Federal, do Trabalho, Militar e do DF. O MP dos Estados é chefiado pelo Procurador-Geral de
Justiça e possuem procuradores (2º instância) e promotores (1º instância).

Acusado: pessoa que figura no polo passivo da relação processual penal, a quem é imputada a prática de uma infração
penal. Os menores de 18 anos não têm legitimidade passiva para ocupar o polo passivo. O portador de doença mental pode
integrar o polo passivo do processo, mesmo sendo inimputável ou semi-imputável.
Como regra, no ajuizamento da denúncia ou da queixa-crime, o acusado deve ser qualificado ou, ao menos, indicados os
elementos pelos quais se possa identificá-lo. Tal individualização caracteriza-se como formalidade essencial da inicial acusatória.
A impossibilidade de identificação do acusado com o seu verdadeiro nome ou outros qualificativos não retardará a ação penal,
quando certa a identidade física.
O acusado pode ser conduzido coercitivamente, por ordem judicial, para atos de presença obrigatória (como
reconhecimento por testemunhas), mas não pode ser conduzido coercitivamente para atos de presença não obrigatória (como
interrogatório e inquirição de testemunhas), seguindo o processo à revelia. O delegado pode determinar a condução do
acusado/investigado no correr do inquérito, salvo para fins de interrogatório.
O acusado tem direito ao silêncio e à não autoincriminação. Assim, durante o interrogatório, o acusado deve ser advertido
do direito de permanecer calado. Não pode ser constrangido à produção de prova contra si. Embora possa ser conduzido a uma
acareação, não pode ser obrigado à participação efetiva do ato, nem em relação à reconstituição do crime, tampouco obrigar que
escreva o que for ditado para obtenção de sua grafia.
Outros direitos do acusado são: direito a ser informado de seus direitos quando preso, entre os quais o de permanecer
calado, bem como de assistência da família e de advogado; direito de não ser preso nem mantido na prisão, quando a lei admitir
liberdade provisória, com ou sem fiança; direito de ser cientificado quanto à identificação dos responsáveis pela sua prisão ou por
seu interrogatório policial, quando preso.

Defensor: preconiza o CPP que “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem
defensor”. No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta.

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