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ENSAIO

Pesquisa e Serviço Social: da concepção burguesa de


ciências sociais à perspectiva ontológica

Ricardo Lara
Curso de Serviço Social da Universidade de Uberaba (UNIUBE)
Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé
(UNIFEG)

Pesquisa e Serviço Social: da concepção burguesa de ciências sociais à perspectiva ontológica


Resumo: Este artigo tem como objetivos questionar a concepção burguesa de ciências sociais, apresentar um breve histórico da pesquisa
em Serviço Social e expor os primeiros passos da ‘perspectiva ontológica’ enquanto referência teórico-metodológica, com enfoque na
produção do conhecimento no mundo acadêmico atual. As considerações alertam que a pesquisa e o esclarecimento teórico para os
assistentes sociais, na atual conjuntura, tornaram-se seus principais meios de trabalho, pois é a partir da sistematização da realidade
social que o profissional tem condições de agir com mais segurança e dar possíveis respostas que sejam aceitas pela objetividade social.
O ponto de partida é situar o Serviço Social como profissão que vem assegurando o seu espaço no âmbito da pesquisa, principalmente,
no que diz respeito aos estudos sobre as expressões da questão social. Destarte, acredita-se que os objetos de investigação do Serviço
Social emergem de uma realidade concreta e estabelecem suas mediações numa sociedade que se produz e reproduz por meio de
contradições inconciliáveis.
Palavras-chave: ciências sociais, Serviço Social, pesquisa, produção do conhecimento, perspectiva ontológica.

Research and Social Work: From the Bourgeois to the Ontologic Perspective of Social Science
Abstract: The purpose of this article is to question the bourgeois concept of social sciences, to present a brief history of research in
Social Work and to present the first steps of the ‘ontologic perspective’ as a theoretical-methodological reference, with a focus on the
production of knowledge in the current academic world. The considerations warn that research and theoretical clarification for social
assistants in the current situation become their principal means of work, because it is from the systematization of the social reality that
the professional has the ability to act with greater security and to give possible responses that would be accepted by the social
objectivity. The study begins by locating Social Work as a profession that has been guaranteeing its space in the realm of research,
principally in relation to studies about expressions of social issues. Thus, it maintains that the objects of social science research emerge
from a concrete reality and establish their mediations in a society that produces and reproduces by means of unreconcilable contradictions.
Key words: social sciences, Social Work, research, production of knowledge, ontological perspective.

Recebido em 18.01.2007 . Aprovado em 03.04.2007 .

Rev. Katál. Florianópolis v. 10 n. esp. p. 73-82 2007


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Introdução ais foram submetidas, diante da concepção bur-


guesa de ciência.
A questão de saber se cabe ao pensamento Segundo Lukács (1981, p. 122),
humano uma verdade objetiva não é uma
questão teórica, mas prática. É na práxis que o O fato de que as ciências sociais burguesas não
homem deve demonstrar a verdade, isto é, a consigam superar uma mesquinha especialização é
realidade e o poder, o caráter terreno de seu uma verdade, mas as razões não são as apontadas.
pensamento. A disputa sobre a realidade ou Não residem na vastidão da amplitude do saber hu-
não-realidade do pensamento isolado da práxis mano, mas no modo e na direção de desenvolvimen-
– é uma questão puramente escolástica. tos das ciências sociais modernas. A decadência da
Marx, 1999, p. 12 ideologia burguesa operou nelas uma intensa modi-
ficação, que não se podem mais relacionar entre si, e
O Serviço Social contemporâneo responde por o estudo de uma não serve mais para promover a
uma significativa produção de conhecimentos nas compreensão de outra. A especialização mesquinha
mais diversas áreas e subáreas das ciências sociais. tornou-se o método das ciências sociais.
A partir dos anos de 1980, com maior evidência, a
profissão se inseriu como interlocutora das demais As ciências sociais têm dificuldades de se afir-
áreas do conhecimento e começou a responder pela marem diante da ciência moderna, pela sua inefici-
sua própria produção teórica, permitindo maior des- ência em apresentar respostas práticas. O seu modo
taque à pesquisa acadêmica. específico de produzir conhecimento é questionado
A pesquisa que, necessariamente, gera a produção pelo pragmatismo dos filisteus capitalistas, os quais
do conhecimento tornou-se pré-requisito ao assistente só objetivam as ciências que buscam os resultados
social, sendo que por meio da investigação científica, para o avanço das forças produtivas.
que na verdade é a sistematização de uma determina- Tal questão justifica o ceticismo da ciência bur-
da realidade social, o profissional consegue apreender guesa em relação às ciências sociais, pois a ciência
as intrincadas conexões do real e, assim, construir um positivista se contentou, em sua maioria, em conhe-
caminho mais seguro para aproximar-se de respostas cer o universo singular de um determinado fenôme-
concretas tão almejadas nas suas intervenções. no empírico, sem preocupações de questionar as con-
No presente texto, temos como objetivo discutir tradições históricas que o engendram.
brevemente a concepção burguesa de ciências soci- Quando Lukács afirma que “a especialização
ais, os caminhos da pesquisa e da produção do co- mesquinha tornou-se o método das ciências sociais”,
nhecimento na ‘Universidade Moderna’1 e, ousamos na verdade ele está preocupado com os caminhos
apresentar os primeiros passos da ‘perspectiva das ciências sociais, mais especificamente com a in-
ontológica’ enquanto referência teórico-metodológica, fluência do pensamento conservador que pretende
para apreensão e sistematização da realidade social. separar e criar inúmeras áreas do saber, tais como: a
sociologia2 , a economia, a história.
Essas áreas correm o risco de não conseguirem
Prolegômenos à crítica da concepção burguesa comunicar-se, tornando-se estranhas entre si, ape-
de ciências sociais sar de terem o mesmo ponto de partida nas suas cons-
truções teóricas, ou seja, a produção e a reprodução
A pesquisa científica e suas ‘metodologias’ estão da vida social.
submetidas à concepção burguesa de ciência, a qual A fragmentação foi criada e permaneceu no cír-
potencializa o desenvolvimento do conhecimento se- culo acadêmico ao longo do século 20, contribuindo
gundo a ótica do capital. O conhecimento, ou melhor, para o desenvolvimento da Universidade enquanto
a sistematização da realidade social está voltada para Instituição, que tem como um de seus principais ob-
interesses ‘produtivos’, o que torna limitada a rela- jetivos formar especialistas.
ção do saber com o ‘mundo dos homens’. Em favor Mészáros (2004, p. 291) destaca três aspectos
desta concepção, adota-se, freqüentemente, o argu- relevantes sobre a constituição das ciências burgue-
mento de que a extensão da ciência moderna é sinô- sas e a produção do conhecimento “no âmbito da
nimo de especializações em todas as áreas do saber. organização e da divisão capitalista de trabalho”:
O conhecimento está fragmentado e é acentuado pela – a parcialidade e a fragmentação da produção
falta de diálogo entre as áreas, o que, conseqüente- intelectual;
mente, colabora para a compreensão do homem e da – as diferenças de talento e motivação, assim
sociedade como partes isoladas da dinâmica social e como uma tendência à competição a elas as-
da tecedura histórica. sociadas;
Nosso intuito, neste momento, é abrir o deba- – um antagonismo social historicamente especí-
te sobre a fragmentação a que as ciências soci- fico, articulando em uma rede de complexos

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sociais hierárquicos que integram, em seu qua- títulos, perguntamos: qual é o ‘verdadeiro sentido’ da
dro, as tendências – em si e por si ainda inde- pesquisa na ‘Universidade Moderna’? Cremos que,
finidos – dos dois primeiros, dando-lhes um em princípio, ela deveria advir da ‘realidade social’
sentido de acordo com suas determinações e com a qual os pesquisadores deparam-se no cotidia-
imperativos estruturais. no e, num momento de indagação, começam a
observá-la como movimento cognoscível.
O conhecimento está fragmentado pelas condi- A observação sobre a realidade social não é sim-
ções de existência das instituições de pesquisa, com plesmente um incômodo subjetivo, que apenas satis-
destaque à Universidade, que é responsável, dentro faz a curiosidade do pesquisador; ao contrário, o ser
da divisão social do trabalho, pela sistematização do que indaga, procura inquirir sobre ‘algo’ que advém da
saber. O conhecimento moderno, fragmentado, re- objetividade social, a qual carece do conhecimento
sume-se numa dimensão de amparo às justificativas para ser desvendada. Nas pesquisas, devemos saber
ideológicas conservadoras. Isso é explicado pelo cres- fazer a pergunta, pois são as respostas que se trans-
cimento das ciências naturais que, necessariamente, formam em artigos, dissertações, teses ou livros; e, se
são voltadas para interesses práticos, ou seja, suas a ‘pergunta’ for mal formulada, o trabalho de pesquisa
pesquisas potencializam o desenvolvimento industri- perderá, conseqüentemente, resplandecência.
al, tecnológico e as ramificações do desenvolvimen- Setubal (1995, p. 34) faz o seguinte comentário
to do capital e, por conseguinte, negam radicalmente sobre a objetividade da pesquisa:
a condição do trabalho em favor da lógica do capital.
Nesse processo, as ciências sociais têm dificuldades Não é raro encontrar pesquisas, sobretudo no meio
de objetivar pragmaticamente os seus estudos e são acadêmico, que tratam de problemas remotos e são
deixadas em segundo plano no âmbito científico. destituídas de interpretação mais ampla e acurada.
Todavia, a principal questão em jogo é a seguinte: Muitas são as que se voltam para a elaboração do
em ciências sociais, ao se realizar pesquisas e produ- conhecimento apenas como conhecimento, isto é, um
zir conhecimentos, não se deve deixar fora da pauta conhecimento que vagueia pela realidade sem contu-
as bases objetivas da sociedade que, infelizmente, têm do dar conta dela no concretismo da sua história.
propósitos voltados somente para a produção e repro-
dução da riqueza. Isto tem a ver com o “sistema do A ‘humanidade social’ carece de respostas ao con-
capital ser orgânico”, dotado de lógica própria e de um junto dos ‘problemas econômicos, políticos, sociais e
conjunto objetivo de imperativos, que subordina a si – culturais’ que a assolam, pois são inúmeros, alguns de
para o melhor e para o pior, conforme as alterações séculos, como a pobreza e outros contemporâneos,
das circunstâncias históricas – todas as áreas da ativi- como a sexualidade, a ética e tantas outras expres-
dade humana, desde os processos econômicos mais sões da ‘questão social’3 , que o Serviço Social, auxili-
básicos até os domínios intelectuais e culturais mais ado pelas ciências sociais, objetiva investigar. Na in-
mediados e sofisticados (MÉSZÁROS, 2004). vestigação, os pesquisadores estudam as questões por
No entanto, uma das características das ciências eles enfocadas e, a partir dos ‘recortes de estudo’,
sociais é edificar uma proposta que tem suas premis- criam as teorias para explicar determinadas realida-
sas no pensamento crítico, o qual põe em cheque o des sociais. Na maioria dos casos, há um demasiado
‘metabolismo social’. Dessa forma, o modo de siste- ‘devaneio’ nas teorias, nas leis, nos modelos, que se
matizar a realidade social tem que passar, necessari- descolam do objetivo inicial da investigação e fazem
amente, pelo crivo da crítica, tendo por base um di- da pesquisa uma abstração sem retorno ao real e, con-
agnóstico da sociedade burguesa, a qual, felizmente, seqüentemente, desembocam num ‘estranhamento’ ou
não se sustenta, principalmente pelas suas ‘bases misticismo do real por parte do pesquisador.
objetivas de produção e distribuição da riqueza’. Nesse momento de total ‘estranhamento’ entre
pesquisador e objeto de estudo é que encontramos a
falta de rigor na pesquisa, pois muitos que se pro-
Pesquisa e Serviço Social – é necessário um põem a investigar talvez não estejam preparados o
posicionamento? suficiente, ou não consigam visualizar a necessidade
objetiva cobrada da pesquisa, que no seu caminho
Encontramos na Universidade um avolumado de mais seguro objetiva desnudar o cotidiano contrastante
pesquisas, que em sua maioria são exigências para a das relações sociais da sociedade burguesa, bem como
obtenção da titulação de um determinado estágio da seu modo de produção e reprodução social,
formação profissional, mas, em alguns casos, deixam desencadeador das mais diversas expressões da
a desejar com suas construções teóricas. A pesqui- ‘questão social’, que a cada nova manifestação ‘di-
sa, para muitos ‘acadêmicos’, é o caminho mais viá- lacera’ milhares de vidas4 .
vel para conseguirem os títulos de mestres, doutores, Sugerimos, no entanto, aos assistentes sociais que,
etc. Ao negarmos a pesquisa que visa somente os ao indagarem sobre o real, indaguem com o objetivo

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de tratar ‘a questão social’ – entendida como ‘defor- proposta emancipatória. Para não ser mero objeto
midades’ desenvolvidas no interior das relações so- de pressões alheias, é ‘mister’ encarar a realidade
ciais, as quais são protoformadas pela sociabilidade com espírito crítico, tornando-a palco de possível
capitalista – na sua integridade, ou seja, estudem as construção social alternativa. Aí, já não se trata de
expressões da ‘questão social’ e, posteriormente, fa- copiar a realidade, mas de reconstruí-la conforme
çam o esforço de retornar o conhecimento produzido os nossos interesses e esperanças. É preciso ‘cons-
aos sujeitos envolvidos. Acreditamos, pois, que a fun- truir a necessidade de construir novos caminhos’,
ção da ciência é desvendar o ‘não-aparente’, ou não receitas que tendem a destruir o desafio da
melhor, nas palavras de Marx: “Toda ciência seria construção.
supérflua se a essência das coisas e sua forma
fenomênica coincidissem diretamente”(MARX apud No entanto, é nesse contexto de produção de co-
LUKÁCS, 1979, p. 26). nhecimentos na ‘Universidade Moderna’ que o Servi-
O assistente social pesquisador, que objetiva o ço Social se insere com seus programas de pós-gra-
rigor teórico exigido pela ciência autêntica, deve per- duação, seus núcleos de pesquisa e, por conseguinte,
quirir ‘as intrincadas conexões do real’. Investigar começa a responder por uma determinada produção
e, em conseqüência, tornar cientificamente aceito o científica nas mais diversas áreas do conhecimento.
trabalho, no âmbito acadêmico, é o princípio funda- De acordo com Iamamoto e Carvalho (1998, p. 88),
mental no caminho da probidade teórica do pesqui- “O Serviço Social em sua trajetória não adquire o status
sador. Ele deve levar consigo, no percurso da pes- de ciência, o que não exclui a possibilidade de o profis-
quisa, as seguintes características: honestidade, pa- sional produzir conhecimentos científicos, contribuin-
ciência, criatividade, criticidade, audácia, humilda- do para o acervo das ciências humanas e sociais, numa
de, diligência e, principalmente, a ética na pesquisa, linha de articulação dinâmica entre teoria e prática”.
para tornar-se um sujeito que indaga sobre o real, A produção de conhecimentos na área do Serviço Social
tendo por finalidade contribuir à ‘humanidade soci- acelerou a partir de 1970, momento em que iniciaram
al’ com suas inquietações e construções teóricas, e os primeiros cursos de pós-graduação na área de ci-
não apenas saciar a fome voraz de títulos exigidos ências sociais e, especificamente, em Serviço Social.
pela ‘Universidade Moderna’. Desde então, a produção bibliográfica teve um aumento
Outro fator importante para a pesquisa, diz res- considerável, sendo alimentada pelas dissertações de
peito aos ‘milhões de teorias’ existentes sobre um mestrado e teses de doutorado. Mas, foi somente a
determinado assunto. Quando partir dos anos de 19806 que o
isso acontece, surge a necessi- Serviço Social obteve reconhe-
dade do confronto de idéias Investigar e, em conseqüência, cimento pelo Conselho
que, no caso, torna-se inadiável, Nacional de Desenvolvimento
pois pensamentos que analisam tornar cientificamente aceito o Científico e Tecnológico
uma mesma questão com con- (CNPq) como uma área espe-
clusões totalmente diferentes
trabalho, no âmbito acadêmi- cífica de pesquisa, sendo-lhe
devem ser submetidos ao diá- co, é o princípio fundamental atribuídas as seguintes linhas de
logo para percorrerem a verda- investigação: Fundamentos do
deira explicação do assunto in- no caminho da probidade Serviço Social, Serviço Social
vestigado. Não estamos aqui Aplicado, Serviço Social do
defendendo o pensamento úni- teórica do pesquisador. Trabalho, Serviço Social da
co, que tanto emburrece, mas Educação, Serviço Social do
cobrando o debate que enrique- Menor, Serviço Social da Saú-
ce o conhecimento científico. O confronto de diferen- de, Serviço Social da Habitação7 . Atualmente, o Servi-
tes concepções enriquece a ciência e o que é plausível, ço Social integra, juntamente com as áreas de Direito,
faz cair por terra explicações equivocadas da realidade Comunicação, Economia, Administração, Arquitetura,
social, ou seja, falsas interpretações do ‘mundo dos ho- Demografia e Economia Doméstica, a grande área de
mens’. A crítica,5 portanto, surge como uma arma cer- Ciências Sociais Aplicadas (KAMEYAMA, 1998).
teira para desmascarar o cientificismo vulgar que paira Segundo Ammann (1984, p. 147), “A incorporação
atualmente sobre a ‘Universidade Moderna’. O conhe- da pesquisa na prática profissional da área é um fenô-
cimento crítico é a única arma que os estudiosos possu- meno relativamente recente, posto que tinha havido
em para exigir o rigor teórico e, assim, negar definitiva- esforços orientados para consolidar uma política geral
mente a ‘pseudociência’. de capacitação e investigação, no campo do Serviço
Segundo Demo (1997a, p. 10), Social, por parte dos organismos profissionais”.
Entretanto, a partir dos anos de 1980, a categoria
Pesquisa pode significar condição de consciência profissional começou a contribuir e a responder pela
crítica e cabe como componente necessário de toda produção de conhecimentos que dão sustentação

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segura à prática profissional. Hoje, podemos afir- em versão preliminar e em traços gerais, os princi-
mar que contribuímos com significativos trabalhos de pais apontamentos da concepção dialética marxiana,
pesquisa nas mais diversas subáreas das ciências ou seja, descrevendo como esse modo de apreender
sociais8 , isso se deu, principalmente, após a “renova- a realidade social desenvolveu-se no percurso histó-
ção do Serviço Social”, ou seja, ao “movimento de rico da humanidade. Para isso, vamos seguir os ca-
reconceituação”, que constituiu9 “[...] segmentos de minhos apontados por Leandro Konder, Chasin,
vanguarda, sobretudo, mas não exclusivamente inse- Lukács, e retomaremos, principalmente, algumas pas-
ridos na vida acadêmica, voltados para a investiga- sagens das obras de Marx.
ção e a pesquisa”(PAULO NETTO, 2001b, p. 136). Na Grécia Antiga a dialética era concebida como
Contudo, tanto na interven- a arte do diálogo; na concep-
ção quanto na formação pro- ... é nesse contexto de produção ção moderna ela é entendida
fissional, a pesquisa é um ele- como o modo de pensar as
mento fundamental para o Ser- de conhecimentos na ‘Universi- contradições da realidade so-
viço Social, e cabe lembrar que, cial e de compreendê-las co-
para realizá-la, há exigência do dade Moderna’ que o Serviço mo essencialmente contradi-
aprofundamento teórico- tórias e em permanente trans-
metodológico como recurso Social se insere com seus pro- formação. Da arte do diálogo
para a investigação da vida ao modo de ‘pensar as con-
social. gramas de pós-graduação, seus tradições da realidade’, a
A busca por referências dialética foi interpretada por
teóricas apresenta o grande núcleos de pesquisa e, por con- diversos pensadores na histó-
paradigma para os graduan- seguinte, começa a responder ria da humanidade. Apresen-
dos, mestrandos e doutoran- taremos, brevemente, alguns
dos em Serviço Social, preo- por uma determinada produção desses pensadores que contri-
cupados com as suas mono- buíram com fragmentos de
grafias, dissertações e teses. científica nas mais diversas suas obras à dialética.
Em consideração a essa ‘cri- Aristóteles considerava
se de paradigmas’, para a qual áreas ... Zênon de Eléia (aprox. 490-
não nos isentamos de respon- 430 a.C.) o fundador da
sabilidade, apontamos a seguir dialética, mas foi Heráclito de
uma perspectiva teórico-metodológica de pesquisa, Éfeso (aprox. 535-470 a.C.) o pensador dialético mais
para a construção do conhecimento. radical. Nos fragmentos deixados por Heráclito, pode-
se ler que tudo existe em constante mudança, que o
conflito é o pai e o rei de todas as coisas. Na Antigüida-
Uma perspectiva ontológica para o Serviço So- de, Heráclito não foi compreendido, pois consideraram
cial seu modo de pensar confuso. O pensamento predomi-
nante na Antigüidade era o metafísico, tendo Parmênides
Inúmeras perguntas surgem sobre a questão do de Eléia (aprox. 540-470 a.C.) anunciado que “a essên-
método10 e da metodologia; em todas as pesquisas cia profunda do ser era imutável e a mudança era um
acadêmicas há exigência pela metodologia, que na fenômeno superficial”, o que predominou na sua época,
ciência moderna se manifesta como o ‘caminho se- conforme citado por Konder (1981, p. 10).
guro’ no desenvolvimento do estudo. Na nossa com- Aristóteles (370-22 a.C.), descrito por Marx como
preensão o método – questão central da pesquisa o maior pensador da Antigüidade, ou o melhor, “um
comprometida – é um modo de apreensão do real, pensador portentoso”, reintroduziu princípios dialéticos
que tem por base uma concepção de mundo, na qual em explicações dominadas pelo modo de pensar
o pesquisador se apóia para investigar determinada metafísico. Aristóteles (apud Marx, 1983, p. 63) in-
realidade social. O Serviço Social apropria-se, prin- dagou-se sobre as relações de troca das mercadori-
cipalmente, das seguintes perspectivas teóricas: as na sua sociedade da seguinte maneira:
positivismo, fenomenologia, materialismo dialético, as
quais embasam a construção do conhecimento des- Porque todo o bem pode servir para dois usos [...]
sa disciplina. Por metodologia, entendemos um con- Um é próprio à coisa em si, mas não o outro; assim,
junto de procedimentos técnicos na realização da uma sandália pode servir como calçado, mas tam-
pesquisa, a sistematização dos dados e a forma de bém como objeto de troca. Trata-se, nos dois ca-
análise dos resultados. sos, de valores de uso da sandália, porque aquele
Assim posto, propomo-nos, nesse momento, a que troca a sandália por aquilo de que necessita,
apresentar uma das concepções de mundo, que alimentos, por exemplo, serve-se também da san-
embasam as pesquisas em Serviço Social, trazendo, dália. Contudo, não é este o seu uso natural. Pois

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que a sandália não foi feita para troca. O mesmo se mações sociais. Dentre os pensadores dessa época
passa com os outros bens. destacamos Denis Diderot (1713-1784), que compre-
endeu o indivíduo como um ser condicionado por um
Ou seja, podemos permutar coisas diferentes pelo movimento mais amplo, pelas mudanças da socieda-
mesmo valor, mas que não coincidam na sua essência. de em que vivia. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778),
Aristóteles, na frase citada, remete-se à realidade so- para quem os homens nasciam livres, mas a organi-
cial das relações de troca da Antiguidade. Ele faz o zação da sociedade lhes tolhia o exercício da liberda-
seguinte questionamento: como podemos permutar de natural. A observação da estrutura social do seu
coisas diferentes pelo mesmo valor, mas que não coin- tempo e suas contradições, permitiu a Rousseau per-
cidem na sua essência? Aristóteles não obteve suces- ceber os exageros dos conflitos de interesses entre
so na solução desta indagação, dada a estrutura social os indivíduos, a má distribuição da propriedade, o
composta por homens livres e escravos, o que não poder concentrado em poucas mãos, e as pessoas
proporcionava a divisão do trabalho. escravizadas ao seu próprio egoísmo (KONDER,
Assim, podemos dizer que a metafísica prevale- 1981).
ceu sobre a dialética nas explicações sobre as rela- A passagem do século 18 ao século19 marca trans-
ções sociais, sendo que a dialética sempre esteve e formações de radical impacto na base material da so-
estará presente na ‘prática social’. ciabilidade e, com isso, despontam reivindicações de
Na Idade Média a dialética é expulsa da filosofia uma maior racionalidade à explicação dos fenômenos
com o imperialismo da teologia. Nessa época, os ho- naturais e, principalmente, dos sociais. Nesse período
mens reproduziam-se, em sua maioria, nos campos e surgem grandes pensadores, que vão subsidiar o pen-
a explicação dos fenômenos da humanidade era con- samento social moderno. O primeiro, Emanuel Kant
templada pela concepção teológica. Na decadência (1724-1804), percebeu que a consciência humana não
do feudalismo e, conseqüentemente, com o surgimento se limita a registrar passivamente as impressões pro-
das cidades, constituídas pelos antigos burgos, a venientes do mundo exterior, mas interfere ativamen-
racionalidade é exigida para as explicações dos fe- te na realidade. Ele fez a seguinte pergunta: O que é
nômenos da humanidade (KONDER, 1981). o conhecimento? O segundo, Georg Wilhelm Friedrich
No Renascimento, o teocentrismo cede lugar ao Hegel (1770-1831), afirmava que a contradição era
antropocentrismo, a dialética sai dos subterrâneos, um princípio básico que não podia ser suprimido nem
provocando o ressurgimento da arte e da literatura, da consciência do sujeito, nem da realidade objetiva.
seguido do desenvolvimento das ciências naturais. Para Hegel, a questão central da filosofia era a ques-
Nesse contexto, diversos pensadores indagam-se tão do ser em si mesmo, e não do conhecimento. Hegel
sobre as condições objetivas da humanidade. Giordano percebe que o trabalho é a mola que impulsiona o de-
Bruno (1548-1606), que exaltou o homo faber, o ho- senvolvimento do homem; é no trabalho que o homem
mem capaz de dominar as forças naturais e de modi- produz a si mesmo; é o núcleo a partir do qual podem
ficar criadoramente o mundo. Montaigne (1533-1592), ser compreendidas as formas complicadas da ativida-
para quem “Todas as coisas estão sujeitas a passar de criadora do ser social. Hegel subordinava os movi-
de uma mudança a outra, a razão, buscando nelas mentos da realidade material à lógica de um princípio
uma substância real, só pode frustrar-se, pois nada que ele chamava de Idéia Absoluta, princípio inevita-
pode apreender de permanente, já que tudo ou está velmente nebuloso, onde os movimentos da realidade
começando a ser – e absolutamente ainda não é – ou material eram, freqüentemente, descritos pelo filósofo
então já está começando a morrer antes de ter sido”. de maneira vaga.
Galileu Galilei (1564-642) e René Descartes (1596- No século 19, Karl Marx (1818-1883) afirmou que
1642), pela descoberta de que a condição natural a dialética hegeliana estava de cabeça para baixo;
dos corpos era o movimento e não o estado de re- decidiu, então, colocá-la sobre seus pés. Para Marx,
pouso. Pascal (1623-654), que reconheceu o caráter Hegel deu importância demais ao trabalho intelectu-
instável, dinâmico e contraditório da condição huma- al, sem enxergar o trabalho físico, material, que de-
na. E Giambattista Vico (1680-1744), para quem o genera e aliena o indivíduo. Essa concepção abstra-
homem não podia conhecer a natureza, que é feita ta11 do trabalho levava Hegel a fixar a atenção ex-
por Deus, mas sustentava que o homem podia co- clusivamente na criatividade, ignorando as deforma-
nhecer sua própria história, pois é criada por ele ções a que o trabalho é submetido em sua realização
(KONDER, 1981). material e social na sociabilidade capitalista. Na
No iluminismo, movimento de idéias precedente à dialética marxiana, “o conhecimento é totalizante e a
Revolução Francesa, os pensadores perceberam que atividade humana, em geral, é um processo de
os resquícios do feudalismo deveriam desaparecer, totalização, que nunca alcança uma etapa definitiva
para dar lugar a um mundo novo, mais racional. A e acabada” (KONDER, 1981, p. 43 ).
Revolução Francesa permitiu aos filósofos uma com- Para explicitação da dialética marxiana recorre-
preensão mais concreta da dinâmica das transfor- remos à citação de Marx (2002, p. 28-29):

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Meu método dialético, por seu fundamento, difere tóricas e, se formula leis, estas abraçam a universa-
do método hegeliano, sendo a ele inteiramente lidade do processo, mas de um modo tal que deste
oposto. Para Hegel, o processo do pensamento – conjunto de leis pode-se sempre retornar – ainda
que ele transforma em sujeito autônomo sob o nome que freqüentemente através de muitas mediações
de idéia – é o criador do real, e o real é apenas sua aos fatos singulares da vida. É precisamente esta a
manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ide- dialética concretamente realizada de universal, par-
al não é mais do que o material transposto para a ticular e singular.
cabeça do ser humano e por ele interpretado. [...] A
mistificação por que a dialética passa nas mãos de A preocupação em percorrer as múltiplas deter-
Hegel não o impediu de ser o primeiro a apresentar minações do movimento real (objeto) é o núcleo
suas formas gerais de movimento, de maneira am- norteador do pensamento marxiano. Pois, tudo o que
pla e consciente. Em Hegel, a dialética está de ca- aparece e se move na reflexão – construção do co-
beça para baixo. É necessário pô-la de cabeça para nhecimento – é a substância e a lógica do objeto ana-
cima, a fim de descobrir a substância racional den- lisado, que é reproduzido pelo cérebro em sua gêne-
tro do invólucro místico. se e necessidade, historicamente engendradas e de-
senvolvidas. A identificação da dialeticidade como
Marx constrói um método que emerge da realidade lógica do real e os movimentos das categorias são
social, o qual procura investigar a conexão íntima do mo- apreendidos enquanto formas de existência, que os
vimento real, pois, na perspectiva ontológica (marxiana), concretos de pensamentos reproduzem. “Razão pela
só é possível apreender o real por meio de construções qual a dialética só é possível de descobrimento, ja-
de categorias, ou seja, de determinadas apropriações do mais de aplicação” (CHASIN, 1996, p. 420).
objeto de estudo12 . Para Marx (2002, p. 21), Entretanto, para atender esse pressuposto teórico-
metodológico, o pesquisador parte da imediaticidade
A investigação tem de apoderar-se da matéria, em (objeto de estudo) – que é síntese das determinações
seus pormenores, de analisar suas diferentes for- sociais, políticas, econômicas, ideológicas – para, na
mas de desenvolvimento e de perquirir a conexão construção de categorias (mediações), aproximar-se
íntima que há entre elas. Só depois de concluído de uma compreensão que contemple as múltiplas de-
esse trabalho é que se pode descrever, adequada- terminações do objeto, na sua totalidade.
mente, o movimento real. Se isto se consegue, fica- Assim, pensamos o concreto14 através de cons-
rá espelhada, no plano ideal, a vida da realidade truções abstratas que apropriam o real pelo pensa-
pesquisada [...]. mento, e buscam apreender o movimento real en-
quanto processo dinâmico e contraditório, mas não
O método de apreensão da realidade é uma pro- como um movimento rígido preestabelecido15 . Esse
funda relação entre subjetividade e objetividade. A método de apreensão da realidade social não se atém
realidade objetiva, por ser produto da práxis humana, a procedimentos de raciocínio apologéticos ou
é subjetividade objetivada, ao passo que a subjetivi- contemplativos, mas tem como premissa a constru-
dade, pelo mesmo motivo, é a realidade objetiva que ção de um saber que põe em primeiro momento as
adquiriu forma subjetiva. Observe a afirmação de condições sociais reais do homem e suas formas de
Marx (2005, p. 38-39, grifo nosso): “O trabalho filo- existência. Observe a seguinte passagem de Marx
sófico não consiste em que o pensamento se concre- (1983, p. 24): “O modo de produção de vida material
tize nas determinações políticas, mas em que as de- condiciona o desenvolvimento da vida social, política
terminações políticas existentes se volatilizem no pen- e intelectual em geral. Não é a consciência dos ho-
samento abstrato. ‘O momento filosófico não é a ló- mens que determina o seu ser, é o seu ser social que,
gica da coisa, mas a coisa da lógica’”. inversamente, determina a sua consciência”. No en-
Lukács (1970, p. 35) destaca que “[...] o método tanto, estamos diante de uma perspectiva teórico-
dialético tende a conhecer todos os setores do ser e metodológica que não só apresenta os caminhos à
da consciência como um processo histórico movido apreensão do mundo dos homens na sua concretude
por contradições [...]”. Na apreensão do real, deve- histórica e pelas suas bases objetivas, mas nos apre-
mos exercitar a dialeticidade entre as categorias13 : a senta os passos possíveis para a superação da lógica
universalidade, essência dos fenômenos (concreto- do capital pela lógica onímoda do trabalho, que ne-
de-pensamento); a particularidade, mediações (de- cessariamente passará pela transformação radical e
terminação histórica) e a singularidade, imediaticidade que, por fim, reivindica uma sociedade verdadeira-
do real (fenômeno dado). mente humana. O conhecimento pelo conhecimento
De acordo com Lukács (1970, p. 81), defendido pela concepção burguesa de ciências so-
ciais, torna-se um procedimento escolástico que, por-
A ciência autêntica extrai da própria realidade as tanto, fica aquém da realidade social, é pensamento
condições estruturais e as suas transformações his- pensando pensamento e não a realidade social, a qual

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no momento atual, carece de interpretações segui- profissão com a realidade social não é simplesmen-
das de ações efetivas do homem. Agora, mais do te um epifenômeno. Por tal questão, acreditamos
que nunca, o seguinte enunciado é necessário: “Os que os objetos de estudos do Serviço Social, neces-
filósofos se limitaram a ‘interpretar’ o mundo de di- sariamente, partem de uma realidade concreta que
ferentes maneiras; o que importa é ‘transformá-lo’” é determinada socialmente, ou seja, estabelece as
(MARX; ENGELS, 1999, p. 14, grifo nosso). suas mediações numa sociedade que se produz e
reproduz por meio de suas contradições inconciliá-
veis. Portanto, apontar uma referência teórico-
Considerações finais metodológica que reconhece a realidade social como
o ponto de partida das análises científicas e, conse-
Abordar a temática da concepção burguesa de qüentemente, da produção do conhecimento, apro-
ciências sociais, pesquisa, produção do conhecimen- xima-nos de respostas concretas diante da
to em Serviço Social e perspectiva ontológica é de mundaneidade social.
suma importância, pois deparamos com um cresci-
mento gigantesco de materiais de pesquisa e,
concomitantemente, de profissionais que são titula- Referências
dos por tais produções.
Ao longo do texto apresentado, objetivamos pôr AMMANN, S. B. A produção científica do Serviço Social
em debate algumas preocupações, dentre as quais a no Brasil. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez,
concepção burguesa de ciências sociais; a produção n. 14, p. 145-154, 1984.
acadêmica que visualiza somente os títulos; o com-
promisso do pesquisador em Serviço Social; uma CHASIN, J. Marx – estatuto ontológico e resolução
perspectiva teórico-metodológica, que denominamos metodológica. In: TEIXEIRA, F. Pensando com Marx. São
‘ontológica’, por buscar nas obras de Marx e seus Paulo: Ensaio, 1996. p. 335-537.
principais seguidores os fundamentos essenciais para
análise e apreensão da realidade social. DEMO, P. Pesquisa: princípio científico e educativo. São
Concluímos reforçando alguns elementos, disse- Paulo: Cortez, 1997a.
minados durante esta exposição. Sabemos que des-
de os programas de pós-graduação, passando pelas ______. Conhecimento moderno: sobre ética e interven-
agências de fomento e avaliação de pesquisas, os ção do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1997b.
horizontes estão cravados de acordo com os ditames
da produção quantitativa do conhecimento, que é a IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. Relações sociais e
radicalização da ciência burguesa. Serviço Social no Brasil. São Paulo: Cortez, 1998.
Quando o aluno ingressa na pós-graduação, é
avaliado pela quantidade de artigos publicados, KAMEYAMA, N. A trajetória da produção de
desconsiderando-se a qualidade científica das suas conhecimentos em Serviço Social: alguns avanços e
produções teóricas. tendências (1975-1997). Cadernos ABESS, São Paulo:
O modo como a ‘Universidade Moderna’ relacio- Cortez, n. 8, p. 33-76, 1998.
na-se com a pesquisa e a produção do conhecimento
é comprometedor, pois, ambas, como já destacamos KONDER, L. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense,
anteriormente, passam a ser, para alguns ‘acadêmi- 1981.
cos’, meros mecanismos para conseguirem os deno-
minados ‘títulos’. Cremos que, dessa maneira, o co- LUKÁCS, G. Introdução a uma estética marxista – sobre
nhecimento tende a se tornar mais uma mercadoria. a particularidade como categoria da estética. Tradução de
Os que o produzem devem tomar o cuidado para não Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. Rio de Janeiro:
se tornarem ‘intelectuais’ estranhados com o que Civilização Brasileira, 1970.
fazem, nem legitimar a concepção burguesa de ciên-
cia. Devemos nos alertar para não fazermos da Uni- ______. Ontologia do ser social: os princípios onto-
versidade uma ‘feira de opiniões’, em que são lógicos fundamentais de Marx. Tradução de Carlos Nelson
mercadejados os ‘achismos’. Coutinho. São Paulo: Livraria e Edit. Ciências Humanas,
Outro ponto de suma importância, que destaca- 1979.
mos, é o compromisso do pesquisador em Serviço
Social. As diretrizes curriculares do curso de Servi- ______. Marxismo e questões de método na ciência social.
ço Social situam a profissão inserida no conjunto In: PAULO NETTO, J. (Org.); FERNANDES, F. (Coord).
das relações de produção e reprodução da vida so- Lukács, Sociologia. São Paulo: Ática, 1981. (Coleção
cial, sendo de caráter interventiva e que atua no Grandes Cientistas Sociais).
âmbito da questão social. Essa aproximação da

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Pesquisa e Serviço Social: da concepção burguesa de ciências sociais à perspectiva ontológica 81

MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. análise dos fenômenos superficiais da circulação, tomados
Tradução de Maria Helena Barreiro Alves. São Paulo: isoladamente. [...] Assim como a sociologia deveria constituir
Martins Fontes, 1983. uma ‘ciência normativa’, sem conteúdo histórico e econômico,
do mesmo modo a História deveria limitar-se à exposição da
______. Manuscritos econômico-filosóficos. Lisboa: Edi- ‘unicidade’ do decurso histórico, sem levar em consideração
ções 70, 1993. as leis da vida social”.

______.; ENGELS, F. A ideologia alemã. 11. ed., São Paulo: 3 Temos como referência nesse momento de discussão sobre
Hucitec, 1999. a questão social a concepção de Iamamoto e Carvalho (1998,
p. 77): “A ‘questão social’ não é senão as expressões do
______. O Capital: crítica da economia política. Tradução processo de formação e desenvolvimento da classe operária
de Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro: Civilização e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo
Brasileira, 2002. (Livro 1, Volume I ). seu reconhecimento como classe por parte do empresariado
e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da
______. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa
Paulo: Boitempo Editorial, 2005. a exigir outros tipos de intervenção, mas além da caridade e
repressão”.
MÉSZÁROS, I. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2004. 4 “Dependendo da identificação [do pesquisador] com setores
da sociedade, e essa não é uma situação específica do Serviço
PÁDUA, E. M. M. Metodologia da pesquisa: abordagem Social, o conhecimento ou pode ser favorável e reafirmar o
teórica-prática. Campinas: Papirus, 2004. poder instituído, ou pode ser desvendador das situações
conflituosas existentes nas relações sociais, muitas vezes
PAULO NETO, J. Crise do socialismo e ofensiva camufladas pelas políticas de governo concretizadas pelos
neoliberal. São Paulo: Cortez, 2001a. programas assistenciais” (SETUBAL, 1995, p. 46).

______. Ditadura e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 5 “Sem dúvida, a arma da crítica não pode substituir a crítica
2001b. das armas; a força material só será derrubada pela força
material; mas a teoria em si torna-se também uma força material
SETUBAL, A. Pesquisa em Serviço Social: utopia e quando se apodera das massas. A teoria é capaz de se apossar
realidade. São Paulo: Cortez, 1995. das massas ao demonstrar-se ad hominem, e demonstra-se
ad hominem logo que se torna radical. Ser radical é agarrar as
coisas pela raiz. Mas, para o homem, a raiz é o próprio homem”
Notas (MARX, 1993, p. 86).

1 Utilizamos o termo ‘Universidade Moderna’ entre aspas por 6 “Diante da amplitude e da complexidade das questões que
entender que na atualidade tal Instituição e os seus envolvem a definição de conhecimento é que o Serviço Social
representantes ditos ‘intelectuais’ ou ‘acadêmicos’ não estão vê-se obrigado a refletir sobre a sua própria natureza. É então
respondendo com a radicalidade, seriedade e importância que a partir do deslocamento de uma programação desenvolvida
ela representa enquanto espaço de resistência cultural e crítica. pela Associação Brasileira de Ensino no Serviço Social, nestas
duas últimas décadas, principalmente nos primeiros anos de
2 Observe a argumentação de Lukács (1981, p. 23): “Iniciemos 1980, que é travado no interior do Serviço Social um debate
pela nova ciência da época da decadência: a sociologia. Ela polêmico sobre a construção do conhecimento” (SETUBAL,
surge como ciência autônoma porque os ideólogos burgueses 1995, p. 31).
pretendem estudar as leis e a história do desenvolvimento
social ‘separando-as da economia’.Atendência objetivamente 7 Fonte: <www.cnpq.br>.Acesso em: 21 de novembro de 2005.
apologética desta orientação não deixa lugar a dúvidas. Após
o surgimento da economia marxista, seria impossível ignorar a 8 “Este relevo tem reconhecimento institucional: credibilizando-
luta de classes como fato fundamental do desenvolvimento se como interlocutor das ciências sociais e desenvolvendo-
social, sempre que as relações sociais fossem estudadas a se no plano da pesquisa e da investigação, o Serviço Social
partir da economia. Para fugir desta necessidade, surgiu a consagra-se junto a agências oficiais de financiamento que
sociologia como ciência autônoma; quanto mais ela elaborou apóiam a ‘produção de conhecimento’” (PAULO NETTO,
seu método, tão mais formalista se tornou, tanto mais substituiu, 2001b, p. 133).
à investigação das reais conexões causais na vida social,
análises formalistas e vazios raciocínios analógicos [...] 9 “Esta constituição – que supõe, entre outros dados, a
Paralelamente a este processo, ocorre na economia uma fuga diferenciação entre segmentos profissionais alocados
da análise geral de produção e reprodução e uma fixação na preferencialmente à prática e segmentos alocados

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especialmente ao trabalho investigativo – tem sido partir da observação imediata e da representação. O todo, na
equivocadamente identificado a uma ruptura teoricista com forma em que aparece no espírito como todo-de-pensamento,
a prática profissional; como sabem todos aqueles que têm é de fato um produto do cérebro pensante, que se apropria do
alguma familiaridade com a reflexão sistemática, ela é a mundo do único modo que lhe é possível, de um modo que
condição mesma para a criação dos requisitos para a difere da apropriação desse mundo pela arte, pela religião, pelo
compreensão crítica da prática profissional” (PAULO NETTO, espírito prático. Antes como depois, o objeto real conserva a
2001b, p. 136). sua independência fora do espírito; e isso durante o tempo em
que espírito tiver uma atividade meramente especulativa,
10 “A busca de uma explicação ‘verdadeira’ para as relações meramente teórica. Por conseqüência, também no emprego
que ocorrem entre os fatos, quer naturais, quer sociais, passa, do método teórico é necessário que o objeto, a sociedade,
dentro da chamada teoria do conhecimento, pela discussão esteja constantemente presente no espírito como dado
do método” (PÁDUA, 2004, p. 10). primeiro” (MARX, 1983, p. 219).

11 Segundo Marx, “[...] o ponto de partida de Hegel é o da 14 Segundo Marx (1982, p. 218-219), “O Concreto é concreto
economia política. Concebe o ‘trabalho’ como a ‘essência’ por ser a síntese de múltiplas determinações, logo, unidade
confirmativa do homem; considera apenas o lado positivo da diversidade. É por isso que ele é para o pensamento um
do trabalho, não o seu aspecto negativo. O trabalho é o processo de síntese, um resultado, e não um ponto de partida,
‘tornar-se-para-si do homem’ no interior da ‘alienação’ ou apesar de ser o verdadeiro ponto de partida e portanto
como homem alienado. O único trabalho que Hegel entende igualmente o ponto de partida da observação imediata e da
e reconhece é o trabalho ‘intelectual abstrato’. Assim, o que representação”.
acima de tudo constitui a essência da filosofia, a ‘alienação
do homem que se conhece a si mesmo’ ou a ciência ‘alienada’ 15 “A perspectiva teórico-metodológica instaurada pela obra
que a si mesma se pensa, considera-o Hegel como a sua marxiana – com seu cariz ontológico, sua radicalidade
essência. Por conseguinte, consegue combinar os elementos histórico-crítica e seus procedimentos categorial-articulados
individuais da filosofia anterior e apresentar a sua filosofia – é aquela que permite, arrancando dos ‘fatos’ objetivados
como ‘a’ filosofia. O que os outros filósofos fizeram – isto é, na empiria da vida social na ordem burguesa, determinar os
conceber os elementos individuais da natureza e a vida processos que os engendram e as totalidades concretas que
humana como momentos da autoconsciência e, sem dúvida, constituem e em que se movem. Esta perspectiva é a que
da autoconsciência abstrata – ‘conhece’-o Hegel através da propicia, na dissolução da pseudo-objetividade necessária
‘prática’ da filosofia; portanto, a sua ciência é absoluta” da superfície da vida capitalista, apreender e desvelar os
(MARX, 1993, p. 246). modos de ser e de reproduzir-se do ser social na ordem
burguesa” (PAULO NETTO, 2001a, p. 37).
12 “Do mesmo modo que em toda a ciência histórica ou social em
geral, é preciso nunca esquecer, a propósito da evolução das
categorias econômicas, que o objeto, neste caso a sociedade Ricardo Lara
burguesa moderna, é dado, tanto na realidade como no cérebro; Assistente Social, Mestre e Doutorando em Serviço
não esquecer que as ‘categorias exprimem portanto formas de Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço
existência, condições de existência determinadas’, muitas vezes Social da Universidade Estadual Paulista (UNESP)
simples aspectos particulares desta sociedade determinada, Professor do Curso de Serviço Social da Universida-
deste objeto, e que, por conseguinte, esta sociedade de maneira de de Uberaba (UNIUBE) e do Centro Universitá-
nenhuma começa a existir, inclusive do ponto de vista científico, rio da Fundação Educacional Guaxupé (UNIFEG)
somente a partir do momento em que ela está em questão” UNIUBE:
(MARX, 1983, p. 224). Campus Rodoviária
Av. Barão do Rio Branco, 770, São Benedito
13 “Para a consciência – e a consciência filosófica considera que Uberaba – Minas Gerais
o pensamento que concebe constitui o homem real e, por CEP: 38020-300
conseguinte, o mundo só é real quando concedido – para a
consciência, portanto, o movimento das categorias surge como
ato de produção – que recebe um simples impulso do exterior,
o que é lamentado – cujo resultado é o mundo; e isto (mas
trata-se ainda de uma tautologia) é exato na medida em que a
totalidade concreta enquanto totalidade-de-pensamento,
enquanto concreto-de-pensamento, é de fato um produto do
pensamento, da atividade de conceber; ele não é pois de forma
alguma o produto do conceito que engendra a si próprio, que
passa exterior e superiormente à observação imediata e à
representação, mas um produto da elaboração de conceitos a

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